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Relação entre o risco de disfagia e o estado de saúde de indivíduos com a doença pulmonar obstrutiva crônica

RESUMO

Objetivo:

Verificar a relação entre o risco de disfagia e o estado de saúde de indivíduos com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC).

Método:

Estudo transversal, com amostra de conveniência. Foram incluídos 23 indivíduos com diagnóstico de DPOC, de acordo com os critérios de GOLD (2019). São participantes de um programa de reabilitação pulmonar, clinicamente estáveis (sem exacerbações dos sintomas, no mínimo, de 30 dias) e em tratamento medicamentoso otimizado. Foram avaliadas as medidas antropométricas (IMC), o pico de fluxo expiratório (PFE), o estado mental (MEEM), o risco de disfagia (Eating Assessment Tool -EAT-10) e o estado de saúde (COPD Assessment Test -CAT). A média de idade dos participantes foi de 60,39 ± 9,90 anos, dos quais 11 eram do sexo feminino e eutróficos.

Resultados:

Foram encontradas associações positiva e moderada (r=0,57; p=0,004) entre o escore obtido pelo CAT e EAT-10 de indivíduos com DPOC.

Conclusão:

Os resultados demonstraram relação entre o risco de disfagia e o estado de saúde nos indivíduos com DPOC.

Descritores:
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; Transtornos de Deglutição; Disfagia; Nível de Saúde; Equipe de Assistência ao Paciente

ABSTRACT

Purpose:

To verify the relationship between the risk of dysphagia and health status in patients with Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD).

Method:

Cross-sectional study with convenience sample. Twenty-three individuals with a diagnosis of COPD according to GOLD 2019 criteria. The individuals participated in a pulmonary rehabilitation program, clinically stable (without exacerbations of at least 30 days) and in optimized drug treatment were included. The study analyzed anthropometric measures (BMI), peak expiratory flow (PEF), mental status (MEEM), eating assessment tool (EAT-10), and health status (COPD Assessment Test -CAT). The mean age was 60.39 ± 9.90 years, 11 individuals were female and eutrophic.

Results:

We observed a positive and moderate association (r = 0.57, p = 0.004) between the CAT and EAT-10 scores in the sample studied.

Conclusion:

The results demonstrated relationship between the risk of dysphagia and the health status in individuals with COPD.

Keywords:
Pulmonary Disease; Chronic Obstructive; Deglutition Disorders; Dysphagia; Health Status; Patient Care Team

INTRODUÇÃO

A Doença Pulmonar Crônica (DPC) é caracterizada pela presença de patologias respiratórias nas vias aéreas, as quais resultam em significantes interferências na qualidade de vida. Dentre elas, destaca-se a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), a qual se estima ser, até 2020, a terceira causa de mortalidade em todo o mundo(11 Murray CJ, Lopez AD. Alternative projections of mortality and disability by cause 1990-2020: Global Burden of Disease Study. Lancet 1997; 349(9064):1498-1504. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(96)07492-2. PMid:9167458
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,22 GOLD. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Glob Initiat Chronic Obstr Lung Dis http://www.who.int/respiratory/copd/GOLD_WR_06.pdf (2019)
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).

Sabe-se que pacientes com DPOC apresentam uma falta de coordenação entre os processos de respiração e deglutição, mas são poucos os estudos sobre a prevalência de disfagia e outros distúrbios de deglutição nessa população. Pesquisas apontam que a presença de disfagia varia entre 17 e 85% nos pacientes com DPOC(33 Terada K, Muro S, Ohara T, et al. Abnormal Swallowing Reflex and COPD Exacerbations. Chest 2010; 137(2):326-332. https://doi.org/10.1378/chest.09-0482. PMid:19783670
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,44 Clayton NA, Carnaby-Mann GD, Peters MJ, et al. The effect of chronic obstructive pulmonary disease on laryngopharyngeal sensitivity. Ear Nose Throat J 2012; 91(9):370, 372, 374 passim. PMid:22996709).

A disfagia se manifesta por meio de uma série de sinais e sintomas, como tosse, engasgo e globus faríngeo, sendo um importante fator de risco para a desnutrição, a desidratação e a pneumonia aspirativa(55 Carucci LR, Turner MA. Dysphagia Revisited: Common and Unusual Causes. RadioGraphics 2015; 35(1):105-122. https://doi.org/10.1148/rg.351130150
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).

Alguns estudos(33 Terada K, Muro S, Ohara T, et al. Abnormal Swallowing Reflex and COPD Exacerbations. Chest 2010; 137(2):326-332. https://doi.org/10.1378/chest.09-0482. PMid:19783670
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,44 Clayton NA, Carnaby-Mann GD, Peters MJ, et al. The effect of chronic obstructive pulmonary disease on laryngopharyngeal sensitivity. Ear Nose Throat J 2012; 91(9):370, 372, 374 passim. PMid:22996709) sugerem que pacientes com DPOC podem apresentar diminuição da força ao deglutir, utilização do ar expirado para limpeza dos recessos faríngeos, bem como dessensibilização da laringe, o que pode aumentar a chance de episódios de penetração e aspiração silente. Tais fatores podem desencadear pneumonias aspirativas e exacerbação da doença.

No estudo de Bassi et al. (2014)(66 Bassi D, Furkim AM, Silva CA, et al. Identification of risk groups for oropharyngeal dysphagia in hospitalized patients in a university hospital. CoDAS 2014; 26(1):17-27. https://doi.org/10.1590/s2317-17822014000100004
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), foi identificado que pacientes com DPOC, internados em um hospital universitário, apresentaram risco para disfagia orofaríngea, ratificando a relação entre indivíduos com DPOC e sintomas de disfagia. Ademais, no Reino Unido, um estudo(77 Hibberd J, Fraser J, Chapman C, et al. Can we use influencing factors to predict aspiration pneumonia in the United Kingdom? Multidiscip Respir Med 2013; 8(1):39. https://doi.org/10.1186/2049-6958-8-39. PMCID: PMC3686575. PMid:23758693
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) composto por 687 pacientes com suspeita de disfagia encaminhados para avaliação fonoaudiológica buscou identificar os fatores influenciadores de pneumonia aspirativa em pacientes internados ao longo de seis meses e, dentre as causas mais comuns da pneumonia aspirativa nesses pacientes, estava a presença da DPOC(77 Hibberd J, Fraser J, Chapman C, et al. Can we use influencing factors to predict aspiration pneumonia in the United Kingdom? Multidiscip Respir Med 2013; 8(1):39. https://doi.org/10.1186/2049-6958-8-39. PMCID: PMC3686575. PMid:23758693
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).

Para esses indivíduos, a coordenação entre respiração e deglutição é muito importante, já que episódios de aspiração traqueal decorrentes de transtornos da deglutição podem levar a uma exacerbação da doença. Inversamente, uma exacerbação da doença respiratória pode levar a episódios de aspiração, aumentando, assim, a gravidade do quadro.

Com base no exposto, conhecer os sintomas indicativos de disfagia em sujeitos com DPOC permite que os profissionais adotem medidas preventivas e protetivas à saúde do paciente, prevenindo episódios de aspiração e exacerbação da doença. Neste sentido, o objetivo do estudo foi verificar a relação entre o risco de disfagia e o estado de saúde de indivíduos com DPOC.

MÉTODO

Para atingir o objetivo proposto, foi desenvolvido o estudo de caráter transversal, com amostra de conveniência. A pesquisa obedeceu às diretrizes do Conselho Nacional de Saúde (Resolução 466/2012), a qual aprova as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Dessa forma, todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participarem da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob número do parecer 1.967.549.

A pesquisa foi realizada em um Hospital Universitário, no período de setembro de 2017 a junho de 2018. Foram incluídos 23 indivíduos, selecionados por conveniência, de ambos os sexos, com o diagnóstico clínico e espirométrico de DPOC segundo a GOLD (2019), sendo que o VEF1/CVF deve ser menor que 70% do predito, participantes de um programa de reabilitação pulmonar, clinicamente estáveis, ou seja, sem exacerbações dos sintomas - o que consiste no agravamento agudo dos sintomas respiratórios, resultando em terapia adicional, como broncodilatadores de curta duração, antibióticos e/ou corticoides orais e internação ou consulta em emergências(22 GOLD. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Glob Initiat Chronic Obstr Lung Dis http://www.who.int/respiratory/copd/GOLD_WR_06.pdf (2019)
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) de, no mínimo, 30 dias, e em tratamento medicamentoso otimizado. Adotou-se como critério de exclusão a coexistência de condição neurológica, dor orofacial severa - incluindo neuropatia do trigêmeo -, hipertensão arterial sistêmica não controlada, outras doenças respiratórias (asma, bronquiectasia) e indivíduos que tivessem uma pontuação menor ou igual a 24 pontos no MEEM (Mini Exame do Estado Mental).

Espirometria

A espirometria é um teste que realiza a medida de ar que entra e sai dos pulmões, auxiliando no diagnóstico e na quantificação dos distúrbios ventilatórios, assim como na prevenção desses distúrbios. Os resultados são comparados com os valores previstos para a população a ser avaliada e com os dados clínicos e epidemiológicos(88 Pereira CADC. Espirometria. J Pneumol; 28(Supl 3).).

A fim de classificar o grau de obstrução atual de cada indivíduo, os dados espirométricos foram obtidos através de um Espirômetro modelo Micro Medical Limited®, de acordo com as diretrizes para realização de testes de função pulmonar8, por um fisioterapeuta colaborador.

Mini Exame do Estado Mental (MEEM)

O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) foi aplicado a fim de realizar o rastreio de algum comprometimento cognitivo, tanto para a fidedignidade das respostas quanto para a realização de encaminhamento a outros profissionais, caso necessário. O MEEM foi aplicado como instrumento de triagem para a pesquisa(99 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, et al. Sugestões Para o Uso Do Mini-Exame Do Estado Mental No Brasil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61(B):777-781. https://doi.org/10.1590/S0004-282X2003000500014
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).

Perfil nutricional

Para caracterizar o perfil nutricional, foram utilizados dados antropométricos, como: a medida de peso, com o auxílio da balança digital portátil (marca Filizola®), com capacidade de 150 kg e intervalo de 100 g. Para sua obtenção, o paciente foi posicionado em pé, descalço, no centro da balança e com roupas leves. A altura foi aferida com o estadiômetro portátil (marca Sanny®), sendo o paciente posicionado em pé, de costas para o avaliador, descalço e com o peso igualmente distribuído entre os pés, estando com os calcanhares juntos e os braços estendidos ao longo do corpo com as palmas das mãos voltadas para as coxas. O índice de massa corpórea (IMC) foi calculado adotando os valores de referência para DPOC: IMC entre 22 e 27 kg/m2 para eutrofia, IMC < 22 kg/m2 para desnutrição e IMC > 27 kg/m2 para obesidade(1010 Schiano TD. A Physician's Guide to Nutrition in Chronic Disease Management for Older Adults. Nutr Clin Pract 2003; 18(1):101-101. https://doi.org/10.1177/0115426503018001101
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).

Eating Assessment Tool (EAT-10)

Para a identificação de risco de disfagia, foi utilizado o questionário Eating Assessment Tool (EAT-10), adaptado para versão brasileira(1212 Jardim JR, Zillmer L. COPD Assessment Test: rapid and easily applied test that promotes patient self-management. J Bras Pneumol 2013; 39(4):399-401. https://doi.org/10.1590/S1806-37132013000400001. PMid:24068259
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), que avalia as queixas relacionadas à deglutição e às limitações que causam na vida social e emocional dos pacientes. O questionário é composto por 10 questões que fornecem informações sobre funcionalidade, impacto emocional e sintomas físicos que um problema de deglutição pode acarretar na vida de um indivíduo. O instrumento é composto por uma escala autoadministrada utilizada para avaliar as queixas de deglutição, independentemente da sua origem. O tempo para responder é de cerca de dois minutos e pode ser preenchido pelo próprio paciente(1313 Oliveira M de, Santos CLS, Oliveira CF de, et al. Efeitos da técnica expansiva e incentivador respiratório na força da musculatura respiratória em idosos institucionalizados. Fisioter mov 2013; :133-140. https://doi.org/10.1590/S0103-51502013000100015
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).

Avaliação do estado de saúde

O estado de saúde foi avaliado pelo instrumento do COPD Assessment Test (CAT), que quantifica o impacto dos sintomas da DPOC na prática clínica rotineira do paciente, sendo que esse instrumento já é validado para a população brasileira(1111 Silva GPF da, Morano MTAP, Viana CMS, et al. Portuguese-language version of the COPD Assessment Test: validation for use in Brazil. J Bras Pneumol 2013; 39(4):402-408. https://doi.org/10.1590/S1806-37132013000400002
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). É um questionário composto por oito itens, a saber: tosse, expectoração, aperto no peito, dispneia ao subir escadas, atividade caseira, confiança ao sair de casa, sono e energia. Os itens podem ser pontuados de zero a cinco. O resultado é dado pelo somatório dos itens, sendo que pontuações maiores determinam o pior estado do paciente(1212 Jardim JR, Zillmer L. COPD Assessment Test: rapid and easily applied test that promotes patient self-management. J Bras Pneumol 2013; 39(4):399-401. https://doi.org/10.1590/S1806-37132013000400001. PMid:24068259
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).

Medidas de pico de fluxo expiratório

O pico de fluxo expiratório foi avaliado por meio do Peak Flow Meter Assess - Reorder No 710 Full Range (60-880 l/min). Trata-se de um pequeno aparelho portátil feito de material plástico claro, com bocal descartável, contendo um sistema graduado de medidas que avalia a força e a velocidade de saída de ar de dentro dos pulmões em L/min(1313 Oliveira M de, Santos CLS, Oliveira CF de, et al. Efeitos da técnica expansiva e incentivador respiratório na força da musculatura respiratória em idosos institucionalizados. Fisioter mov 2013; :133-140. https://doi.org/10.1590/S0103-51502013000100015
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).

O teste avalia a força e a velocidade do ar dentro dos pulmões, detecta o estreitamento das vias aéreas e pode ser útil para monitorar asma, classificar sua gravidade e avaliar a resposta ao tratamento(1414 Kodgule RR, Singh V, Dhar R, et al. Reference values for peak expiratory flow in Indian adult population using a European Union scale peak flow meter. J Postgrad Med 2014; 60(2):123-9. https://doi.org/10.4103/0022-3859.132311. PMid:24823509
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). Embora não seja recomendado para o diagnóstico de obstrução do fluxo aéreo(1515 Aggarwal AN, Gupta D, Jindal SK. The Relationship Between FEV1 and Peak Expiratory Flow in Patients With Airways Obstruction Is Poor. Chest 2006; 130(5):1454-1461. https://doi.org/10.1378/chest.130.5.1454. PMid:17099024
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), Hegewald et al.(1616 Hegewald MJ, Lefor MJ, Jensen RL, et al. Peak Expiratory Flow Is Not a Quality Indicator for Spirometry: Peak Expiratory Flow Variability and FEV1 Are Poorly Correlated in an Elderly Population. Chest 2007; 131(5):1494-1499. https://doi.org/10.1378/chest.06-2707. PMid:17400677
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) afirmam que as medidas do PFE (Pico de Fluxo Expiratório) pode ser um método prático de triagem e identificação inicial de casos graves de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), para posterior confirmação por espirometria(1717 Jithoo A, Enright PL, Burney P, et al. Case-finding options for COPD: results from the Burden of Obstructive Lung Disease study. Eur Respir J 2013; 41(3):548-55. https://doi.org/10.1183/09031936.00132011. PMCID: PMC3529919. PMid:22743668
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).

O teste foi realizado com o participante em sedestação e os pés apoiados no chão, em uma sala individualizada. O paciente foi instruído a realizar uma inspiração profunda até a sua Capacidade Pulmonar Total (CPT), utilizando um clipe nasal. Para obtenção das medidas do PFE, foi necessário que o indivíduo realizasse uma expiração forçada através do bocal após uma inspiração máxima. Durante a coleta de dados, o pesquisador segurou o aparelho verticalmente, tomando o cuidado para que seus dedos não bloqueassem a saída de ar e, a seguir, foi solicitado ao participante que colocasse a boca firmemente ao redor do bocal de plástico, com a certeza de que não houvesse escape de ar - o que poderia interferir nas medidas - e que soprasse tão forte e o mais rápido que pudesse. Foram realizadas três tentativas de medidas de pico de fluxo expiratório máximo - desde que a última não fosse maior que as demais e que não houvesse diferenças entre as medidas superiores.

Como benefício da pesquisa, os indivíduos considerados com risco de disfagia foram encaminhados para uma avaliação fonoaudiológica especializada com a videofluoroscopia da deglutição, avaliação instrumental considerada “padrão ouro”, na qual é possível verificar questões relacionadas à anatomia e à fisiologia da deglutição(1818 Chaves R de D, Mangilli LD, Sassi FC, et al. Análise videofluoroscópica bidimensional perceptual da fase faríngea da deglutição em indivíduos acima de 50 anos. ABCD Arq Bras Cir Dig (São Paulo) 2013; 26(4):274-279. https://doi.org/10.1590/S0102-67202013000400005
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). O exame é realizado utilizando contraste radiológico e permite um diagnóstico mais preciso quanto aos distúrbios da deglutição, ajudando na conduta e no direcionamento terapêutico(1919 Zart P, Levy D, Bolzan G, et al. Cryostimulation improves recovery from oropharyngeal dysphagia after stroke. Int Arch Otorhinolaryngol 2014; 17(01):031-040. https://doi.org/10.7162/S1809-97772013000100006
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).

A análise dos dados foi feita pelo programa Bioestat 5.0 (domínio público). As variáveis contínuas foram medidas por média, desvio padrão e correlação de Pearson, enquanto as variáveis qualitativas foram descritas por proporção, adotando como significantes valores de p<0,05.

RESULTADOS

Foram avaliados 23 sujeitos, cujas características estão descritas na Tabela 1. Destes, 17,39% (4) tinham grau leve da DPOC, 34,78% (8) grau moderado, 34,78% (8) grau grave e 13,04% (3) grau muito grave, com a média de idade total de 60,39±9,90 anos.

Tabela 1
Caracterização da amostra

A Figura 1 apresenta os resultados de associação entre o CAT e o EAT 10. Os resultados demonstraram correlação positiva e moderada entre as variáveis.

Figura 1
Relação entre as variáveis de risco de disfagia e estado de saúde nos indivíduos com DPOC

DISCUSSÃO

A presença de alterações no processo de deglutição em pacientes portadores de Doença Pulmonar Crônica tem sido muito investigada nos últimos anos, o que reforça a necessidade de métodos de rastreio multidisciplinar, de fácil aplicabilidade e de baixo custo. Nesse sentido, o EAT10 pode auxiliar a identificar a presença de alterações, o que auxilia os médicos e o próprio indivíduo no encaminhamento para posteriores avaliações(2020 Regan J, Lawson S, De Aguiar V. The Eating Assessment Tool-10 Predicts Aspiration in Adults with Stable Chronic Obstructive Pulmonary Disease. Dysphagia 2017; 32(5):714-720. https://doi.org/10.1007/s00455-017-9822-2. PMid:28707015
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).

O questionário EAT10 foi desenvolvido inicialmente como um instrumento de autoavaliação da identificação do risco de disfagia12. Entretanto, ainda carece de validação em uma amostra brasileira, no intuito de confirmar a aplicabilidade e a confiabilidade, já comprovadas em outros países(24).

Gonçalves et al. (2013)(1212 Jardim JR, Zillmer L. COPD Assessment Test: rapid and easily applied test that promotes patient self-management. J Bras Pneumol 2013; 39(4):399-401. https://doi.org/10.1590/S1806-37132013000400001. PMid:24068259
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) desenvolveram uma adaptação cultural da versão brasileira do EAT10 com pacientes internados no Hospital São Paulo e com bom nível cognitivo. Concluíram que, quando esse instrumento é utilizado por diversos profissionais da saúde, além de contribuir para intervenções precoces e reduzir custos de tratamento, melhora a qualidade de vida, pois permite a identificação precoce de sintomas de disfagia. Diante disso, destaca-se a importância de também avaliar os impactos que tais alterações produzem no estado de saúde dos indivíduos.

Em indivíduos com DPOC, o estado de saúde é amplamente avaliado pelo questionário CAT, classificado como “padrão ouro” de avaliação, segundo a Global Initiative for Chronic Obstructive Lung (22 GOLD. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Glob Initiat Chronic Obstr Lung Dis http://www.who.int/respiratory/copd/GOLD_WR_06.pdf (2019)
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). Foi elaborado com objetivo de determinar o impacto da DPOC no estado de saúde do paciente e na qualidade de vida de maneira simples e confiável(25), além de ser um questionário de fácil aplicação, preenchido pelo paciente11.

O questionário é composto por oito questões relacionadas aos sintomas da DPOC que mais incomodam o paciente, as quais estão relacionadas com: tosse, secreção, aperto no peito, falta de ar ao subir rampa, limitações nas atividades diárias, confiança para sair de casa, sono e energia. A pontuação varia de 0 a 5 pontos em cada item, alcançando um total de 40 pontos, cujas pontuações menores correspondem a um baixo impacto da doença no estado de saúde(25).

No presente estudo, a avaliação EAT10 demonstrou relação positiva e moderada com o estado de saúde avaliado através do questionário CAT. Ou seja: quanto melhor o estado de saúde desses pacientes, menores são as chances de desenvolverem alterações durante a deglutição.

Compreender a relação entre aspectos do estado de saúde na DPOC e os sintomas das alterações da deglutição demonstra a necessidade de programas com assistência multiprofissional, nos quais o paciente recebe avaliação e tratamento que possam subsidiar a saúde de um modo geral.

Um estudo(26) realizado em um programa de reabilitação pulmonar ambulatorial no Austin Health, com o objetivo de avaliar o efeito da educação e intervenção do paciente DPOC no manejo da disfagia orofaríngea, demonstrou que a educação e a triagem melhoraram a qualidade de vida. Vale ressaltar, ainda, a necessidade de avaliação instrumental da deglutição como parte integrante de um programa de reabilitação pulmonar, uma vez que, dentre as alterações da deglutição na DPOC, observa-se diminuição da força ao deglutir, utilização do ar expirado para limpeza dos recessos faríngeos, bem como dessensibilização da laringe, o que aumenta o risco de pneumonias aspirativas, resultando na exacerbação da doença.

A escassa literatura acerca dos achados do presente estudo foi limitante para a discussão, assim como a ausência de aplicação de questionário para avaliar a qualidade de vida em sujeitos disfágicos. Mas é possível observar que todos os instrumentos utilizados demonstraram ser complementares e podem ser de grande valia para a tomada de decisões na avaliação e no tratamento da população estudada.

CONCLUSÃO

Houve associação entre o risco de disfagia e o estado de saúde nos indivíduos com DPOC.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria/Hospital Universitário de Santa Maria - UFSM ‐ Santa Maria (RS), Brasil.
  • Fonte de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2019
  • Aceito
    13 Set 2019
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