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O uso de aplicativo como estratégia complementar na terapia fonoaudiológica em um caso de distúrbio cognitivo da comunicação

RESUMO

Com o crescimento da população idosa, evidencia-se um aumento da incidência de doenças comuns a essa faixa etária, como as demências. Esforços para aprimorar a qualidade dos cuidados em saúde a esses pacientes, incluindo os cuidados fonoaudiológicos, têm crescido. Este estudo objetiva avaliar a efetividade e a aplicabilidade do aplicativo Talk Around It como estratégia complementar na terapia fonoaudiológica em um caso de distúrbio cognitivo da comunicação. O participante foi avaliado pré e pós-terapia fonoaudiológica por meio de protocolos padronizados de avaliação da linguagem. A terapia teve como foco principal a redução de anomias. O aplicativo Talk Around It foi selecionado como recurso terapêutico complementar para alcançar esse objetivo. Na avaliação pós-terapia observou-se melhora ou manutenção dos escores dos subtestes da Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da Linguagem-Brasil: Nomeação oral (substantivos, verbos e total), Fluência verbal semântica e ortográfica e Discurso narrativo oral (unidade de informação e cenas). A avaliação funcional das habilidades comunicativas não se modificou de modo consistente após a intervenção O recurso tecnológico empregado com estratégias terapêuticas convencionais, durante três meses, conduziu a melhoras da habilidade de acesso lexical no caso estudado. Seu uso na prática clínica em pacientes com demência em fase leve mostrou-se possível.

Descritores:
Fonoaudiologia; Doença de Alzheimer; Transtornos de Linguagem; Reabilitação dos Transtornos de Fala e da Linguagem; Software

ABSTRACT

With the aging of the population, there is an increase in the incidence of common diseases to this age group, such as dementias. Efforts to improve the quality of health care for these patients, including speech-language therapy, have grown. This study aims to evaluate the effectiveness and applicability of the Talk Around It as a complementary strategy in the language therapy of a patient with cognitive communication disorder. The participant was evaluated before and after speech therapy through standardized language assessment protocols. The main focus of therapy was the reduction of anomies. The Talk Around It application has been selected as a complementary therapeutic resource to achieve this goal. In the post-therapy evaluation improvement or maintenance of the Montreal-Toulouse Battery for Language Assessment-Brazil Battery subtests scores was observed: Oral naming (nouns, verbs and total), Semantic and Orthographic verbal fluency and Oral narrative discourse (information unit and scenes). Functional assessment of communicative skills has not changed consistently after the intervention. The technological resource used with conventional therapeutic strategies, during three months, led to improvements in the lexical access ability in the case studied. It use in clinical practice in patients with mild dementia has proved possible.

Keywords:
Speech-Language Hearing Sciences; Alzheimer Disease; Language Disorders; Rehabilitation of Speech and Language Disorders; Software

INTRODUÇÃO

Com o aumento do envelhecimento populacional, as doenças comuns a essa faixa etária, como as demências, também aumentaram. Entre as demências, a Doença de Alzheimer (DA) é a mais comum e atinge, no mínimo, 5% da população de indivíduos com mais de 65 anos(11 Ortiz KZ, Bertolucci PHF. Alterações de linguagem nas fases iniciais da doença de Alzheimer. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(2A):311-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2005000200020. PMid:16100980.
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). Por ser o diagnóstico de demência mais recorrente, o conhecimento sobre as alterações da linguagem nesse quadro é mais amplo.

Pacientes com DA apresentam alterações linguístico-cognitivas e de comportamento que se agravam durante o curso da doença(11 Ortiz KZ, Bertolucci PHF. Alterações de linguagem nas fases iniciais da doença de Alzheimer. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(2A):311-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2005000200020. PMid:16100980.
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2005...
). A fase inicial é caracterizada pelas alterações de memória, do comportamento e da personalidade. Na comunicação, as alterações se evidenciam na fala espontânea empobrecida, vaga e com circunlóquios, início das anomias e incapacidade de gerar lista de palavras. Na fase moderada, aumentam os prejuízos na memória e aprendizagem. A comunicação se apresenta desorganizada e com dificuldades em manter o discurso coerente. As anomias são frequentes e surgem dificuldades em solucionar problemas e em realizar julgamento. A fase final se caracteriza pela perda de autonomia e independência. Já a comunicação está deteriorada com ecolalias, perseverações e mutismo(22 Mansur LL, Carthery MT, Caramelli P, Nitrini R. Linguagem e cognição na Doença de Alzheimer. Psicol Reflex Crit. 2005;18(3):300-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005000300002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005...
).

Em proposta de classificação recente para os transtornos de linguagem oral no adulto e no idoso, as demências podem ser a causa de diferentes quadros que afetam a comunicação, sendo um deles o transtorno cognitivo da comunicação(33 Beber BC. Proposta de apresentação da classificação dos transtornos de linguagem oral no adulto e no idoso. Distúrb Comun. 2019;31(1):160-9. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2019v31i1p160-169.
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). Os transtornos ou distúrbios cognitivos da comunicação (DCC) são decorrentes ou associados a déficits de outras funções cognitivas(44 MacDonald S, Wiseman-Hakes C. Knowledge translation in ABI rehabilitation: a model for consolidating and applying the evidence for cognitive-communication interventions. Brain Inj. 2010;24(3):486-508. http://dx.doi.org/10.3109/02699050903518118. PMid:20184406.
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), como memória, atenção e funções executivas, que influenciam o processamento da linguagem(33 Beber BC. Proposta de apresentação da classificação dos transtornos de linguagem oral no adulto e no idoso. Distúrb Comun. 2019;31(1):160-9. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2019v31i1p160-169.
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), com um grande impacto no nível discursivo e nas trocas sociais(44 MacDonald S, Wiseman-Hakes C. Knowledge translation in ABI rehabilitation: a model for consolidating and applying the evidence for cognitive-communication interventions. Brain Inj. 2010;24(3):486-508. http://dx.doi.org/10.3109/02699050903518118. PMid:20184406.
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). Nesses quadros, a intervenção fonoaudiológica visa aprimorar as interações sociais e familiares, paliando e compensando o comprometimento linguístico. Os resultados positivos de intervenções cognitivas observados nesses casos são atribuídos à neuroplasticidade associada a mudanças na atividade cerebral e na conectividade funcional(55 Cespón J, Miniussi C, Pellicciari MC. Interventional programmes to improve cognition during healthy and pathological ageing: cortical modulations and evidence for brain plasticity. Ageing Res Rev. 2018;43:81-98. http://dx.doi.org/10.1016/j.arr.2018.03.001. PMid:29522820.
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).

Dentre os recursos utilizados para reabilitação dos distúrbios de linguagem, tem se observado um aumento considerável na utilização dos recursos tecnológicos, como os aplicativos. Seu uso tem crescido em diferentes áreas da atuação fonoaudiológica, como linguagem infantil e voz, incluindo a reabilitação de pacientes em cuidados intensivos, visando possibilitar a comunicação alternativa(66 Palmeiras GB, Bettinelli LA, Pasqualotti A. Uso de dispositivo móvel para comunicação alternativa de pacientes em cuidados intensivos. RECIIS. 2010;7(2):1-13.). Entretanto, em relação a pacientes com demência, são escassos os estudos que tratam do uso de tecnologias complementares na reabilitação dos pacientes, como o uso de computadores, software ou aplicativos(77 Boyd HC, Evans NM, Orpwood RD, Harris ND. Using simple technology to prompt multistep tasks in the home for people with dementia: an exploratory study comparing prompting formats. Dementia. 2017;16(4):424-42. http://dx.doi.org/10.1177/1471301215602417. PMid:26428634.
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8 Pestili LG, Betti NFS. Remember: aplicativo para auxílio de idosos com Alzheimer. In: XXIII Conferência de Estudos em Engenharia Elétrica; 2015 Out 12-16; Uberlândia. Anais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2015.
-99 Caron J, Biduski D, Bertoletti De Marchi AC. Marchi ACB. Alz memory: um aplicativo móvel para treino de memória em paciente com Alzheimer. RECIIS. 2015;9(2):1-13. http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v9i2.964.
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). Tais estudos envolvem, prioritariamente, pessoas com DA(88 Pestili LG, Betti NFS. Remember: aplicativo para auxílio de idosos com Alzheimer. In: XXIII Conferência de Estudos em Engenharia Elétrica; 2015 Out 12-16; Uberlândia. Anais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2015.

9 Caron J, Biduski D, Bertoletti De Marchi AC. Marchi ACB. Alz memory: um aplicativo móvel para treino de memória em paciente com Alzheimer. RECIIS. 2015;9(2):1-13. http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v9i2.964.
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-1010 Ramström I. Linguistic development in Alzheimer’s disease: 12 months language training including use a personal computer system: a pilot study. Dev Neurorehabil. 2011;14(3):156-63. http://dx.doi.org/10.3109/17518423.2011.566594. PMid:21548856.
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).

Um desses estudos abordou o uso do aplicativo Remember, disponível no Português Brasileiro (PB), desenhado para auxilio de idosos com DA, com o objetivo de trabalhar de forma lúdica problemas do seu dia a dia e estimular suas funções cognitivas, principalmente a memória(88 Pestili LG, Betti NFS. Remember: aplicativo para auxílio de idosos com Alzheimer. In: XXIII Conferência de Estudos em Engenharia Elétrica; 2015 Out 12-16; Uberlândia. Anais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2015.). Outro aplicativo usado como alternativa não farmacológica para auxílio de idosos com DA, cujo objetivo principal é treinar a memória, minimizando os efeitos da doença, é o Alz memory(99 Caron J, Biduski D, Bertoletti De Marchi AC. Marchi ACB. Alz memory: um aplicativo móvel para treino de memória em paciente com Alzheimer. RECIIS. 2015;9(2):1-13. http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v9i2.964.
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), também disponível em PB. Os demais aplicativos existentes têm como idioma padrão o Inglês, as tarefas contemplam apenas as alterações de memória e possuem falta de interação com o usuário(88 Pestili LG, Betti NFS. Remember: aplicativo para auxílio de idosos com Alzheimer. In: XXIII Conferência de Estudos em Engenharia Elétrica; 2015 Out 12-16; Uberlândia. Anais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2015.).

O aplicativo Talk Around It é um dos poucos aplicativos voltados para pacientes com demência, cujo foco não é a memória e sim a linguagem. O aplicativo contempla a produção da linguagem oral nos aspectos lexico-semânticos, com exercícios de nomeação. O uso deste aplicativo é indicado para a melhorar as habilidades de nomeação, memorização e comunicação e a autonomia do paciente com DA.

Atualmente, o acesso à parte dessas tecnologias, como as tecnologias digitais, é possível a uma grande parte da população, incluindo os idosos, ainda que em menor proporção neste grupo(1111 Confortin SC, Schneider IJC, Antes DL, Cembranel F, Ono LM, Marques LP, et al. Condições de vida e saúde de idosos: resultados do estudo de coorte EpiFloripa idoso. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(2):305-17. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017000200008. PMid:28492772.
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). O acesso a essas tecnologias e seu uso prévio pelo indivíduo permitem aos fonoaudiólogos o emprego de tais recursos no processo de reabilitação de pacientes com demandas comunicativas, como pacientes idosos com demência em fase inicial.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a efetividade e a aplicabilidade do aplicativo Talk Around It como estratégia complementar na terapia fonoaudiológica em um caso de distúrbio cognitivo da comunicação.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Um estudo de caso único, de natureza prospectiva, foi realizado. Considerando as normas de pesquisa envolvendo seres humanos vigentes no país, esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição responsável pela pesquisa, conforme Parecer 2.044.338. Os participantes envolvidos (paciente e cuidador) assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, consentindo, portanto, com a realização da pesquisa e divulgação de seus resultados.

O participante deste estudo é um idoso, do sexo masculino, com 74 anos de idade e 8 anos de escolaridade, residente em uma Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI) há 8 anos. Apresenta diagnóstico fonoaudiológico de DCC, caracterizado por alterações léxico-semânticas e pragmáticas emissivas e receptivas. No Mini Exame do Estado Mental apresentou escore 20, com perda nos itens orientação temporal, cálculo, linguagem (escrita) e evocação. Tem diagnóstico multiprofissional de demência em fase inicial (CDR= 01 leve), não especificada quanto ao tipo, e está em uso de Donepezila 10mg há 9 meses.

Apresenta histórico de insuficiência vascular periférica, arterial e venosa e hipertensão arterial sistêmica. Sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), com hemiparesia à direita, há mais de 10 anos, sem outras sequelas aparentes na época. Atualmente, queixa-se de que não consegue dizer algumas palavras, ler e de perda da memória para fatos mais recentes. Apresenta alteração da acuidade visual corrigida, mas não possui diagnóstico de outras doenças neurológicas ou psiquiátricas atuais ou pregressas ou de perda auditiva. Possuía hábitos de leitura e escrita prévios, os quais tornaram-se mais restritos nos últimos anos.

Apesar de não ter contato frequente com seus familiares, mostra-se bem adaptado à ILPI. Apresenta bom convívio social com os demais residentes e profissionais da instituição e participa das atividades da rotina. Faz acompanhamento fisioterápico e participa do grupo de estimulação cognitiva há 4 anos, que tem como foco a manutenção das funções cognitivas, a fim de minimizar as perdas com a progressão do quadro demencial.

O participante já fazia uso de computador e celular em seu dia a dia, mesmo antes da institucionalização, sendo esse critério fundamental para sua inclusão na pesquisa.

O participante foi submetido à avaliação antes e imediatamente após um programa terapêutico fonoaudiológico, com abordagem neurocognitiva. Para a avaliação fonoaudiológica das habilidades léxico-semânticas emissivas orais pré e pós-terapia, foi aplicado o seguinte protocolo: subtestes de nomeação, de fluência verbal semântica e ortográfica e de discurso narrativo oral da Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação de Linguagem (Bateria MTL-Brasil) e o Boston Naming Test (Teste de Nomeação Boston – TNB). Para avaliação da capacidade funcional relacionada à comunicação, a Escala de Avaliação Funcional das Habilidades de Comunicação (ASHA-FACS), foi aplicada no participante e em um cuidador da ILPI indicado pela equipe. Os resultados obtidos foram comparados, por meio de estatística descritiva, para fins de análise da efetividade e aplicabilidade do emprego do aplicativo na terapia fonoaudiológica.

O programa terapêutico fonoaudiológico foi realizado em 13 sessões, com frequência semanal e sessões de 50 minutos (Quadro 1). O objetivo da terapia fonoaudiológica foi a redução de anomias. Para isso, foi utilizado o aplicativo Talk Around It (Neuro Hero), como estratégia complementar da terapia fonoaudiológica. Foi usada a versão completa do aplicativo, instalado em um computador portátil com sistema Android.

Quadro 1
Programa terapêutico fonoaudiológico para a redução das anomias

O aplicativo inclui exercícios para encontrar palavras (nomeação) e contêm 108 itens. Disponibiliza ao usuário pistas escritas e em áudio. Além disso, possibilita verificar o progresso do paciente por meio dos resultados dos testes a partir de gráficos. Os itens do aplicativo foram apresentados, visualmente, para o participante, que precisava nomeá-los. Nas cinco primeiras sessões, caso apresentasse anomias ou erros, eram ofertadas as pistas contidas no aplicativo, respectivamente semânticas, fonológicas e ortográficas.

Nas quatro sessões seguintes, o participante foi treinado quanto ao uso e manuseio do computador portátil e do aplicativo. Após esse período de treinamento, o recurso foi disponibilizado ao participante para fazer uso independente do mesmo ao longo das últimas quatro semanas. Nessas etapas o aplicativo foi usado na opção teste, onde as pistas não eram ofertadas. Optou-se por usar a opção teste, nessa etapa do programa terapêutico, por permitir o registro dos resultados. O participante foi orientado a realizar os exercícios do aplicativo, pelo menos, três vezes por semana, durante quatro semanas. Um cuidador membro da equipe foi orientado quanto ao uso do aplicativo para supervisionar e auxiliar, se necessário, o participante, caso tivesse alguma dúvida.

Na Tabela 1, é apresentado o desempenho do participante na Bateria MTL-Brasil, nas fases pré e pós-terapia fonoaudiológica.

Tabela 1
Desempenho do paciente nas tarefas da Bateria MTL-Brasil pré e pós-terapia fonoaudiológica

No TNB, o paciente evocou corretamente, de forma espontânea, 41/60 itens na avaliação pré-terapia e 44/60, na avaliação pós-terapia. O desempenho esperado segundo sua idade e escolaridade seria de 23(1212 Mansur LL, Radanovic M, Araújo GC, Taquemori LY, Greco LL. Teste de nomeação de Boston: desempenho de uma população de São Paulo. Pro Fono. 2006;18(1):13-0. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872006000100003. PMid:16625867.
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).

Os resultados da Escala ASHA-FACS nas fases pré e pós-terapia fonoaudológica são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Desempenho na Escala ASHA-FACS, pré e pós-terapia fonoaudiológica, segundo o paciente e o cuidador

Ao analisarmos o desempenho em nomeação do paciente com o Talk Around It especificamente, observou-se nas cinco primeiras sessões, respectivamente, 90%, 70%, 70%, 67% e 83% de acertos. Durante essas sessões, o número total de estímulos apresentados foram 130. Em todos os itens em que houve anomias (35), exceto em quatro deles, o paciente se beneficiou de alguma pista para realizar o acesso lexical adequadamente. Dentre essas pistas, a que mais beneficiou o paciente foi a pista semântica (17/31 acertos).

Nas sessões de treino para uso independente do aplicativo, o paciente alcançou 100% de acertos nas quatro sessões. Nas quatro semanas em que o participante fez uso independente do aplicativo, a frequência variou entre duas a cinco vezes por semana (média= 3 vezes por semana). Seu desempenho médio foi, respectivamente, 98%, 100%, 95%, 100% de acertos.

Quanto ao efeito de generalização da habilidade de acesso lexical, na estratégia de elaboração de frases com palavras-alvo do aplicativo, o paciente apresentou apenas duas anomias, dentre as 50 palavras selecionadas ao longo das cinco sessões. Já em relação à generalização da nomeação para itens não treinados, observou-se maior frequência de anomias nas sessões nas quais estratégias terapêuticas convencionais para melhorar o acesso lexical foram empregadas (Tabela 3).

Tabela 3
Desempenho do participante nas tarefas de nomeação sem o aplicativo durante a terapia fonoaudiológica

DISCUSSÃO

Na avaliação pré-terapia com a Bateria MTL-Brasil, o paciente apresentou escores abaixo do esperado nos subtestes de nomeação oral (escores: substantivos, verbos e total), fluência verbal semântica e fluência verbal ortográfica. Esses mesmos subtestes tiveram escores superiores pós-terapia, exceto no subteste de fluência verbal ortográfica, cujos escores não variaram, permanecendo bem abaixo do esperado, sugerindo maior dificuldade no nível fonológico, além de prejuízo em funções executivas.

A melhora do desempenho do paciente na fluência com critério semântico pode ser explicada pelo fato de terem sido incluídas estratégias semânticas específicas no programa terapêutico proposto, diferentemente das fonológicas. Em um estudo com dois pacientes com DA, a eficácia do treino semântico no tratamento da anomia foi investigada e melhora na nomeação após o tratamento foi observada(1313 Flanagan KJ, Copland DA, van Hen S, Byrne GJ, Angwin AJ. Semanic feature training for the treat of anomia in Alzheimer disease: a preliminary investigation. Cogn Behav Neurol. 2016;29(1):32-43. http://dx.doi.org/10.1097/WNN.0000000000000088. PMid:27008248.
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). Revisão sistemática nacional recente sobre intervenções não farmacológicas apontaram a abordagem léxico-semântica como uma das mais efetivas para a reabilitação da linguagem ou comunicação de pessoas com DA(1414 Morello ANC, Lima TM, Brandão L. Language and communication non-pharmacological interventions in patients with Alzheimer’s disease: a systematic review. Dement Neuropsychol. 2017;11(3):227-41. http://dx.doi.org/10.1590/1980-57642016dn11-030004. PMid:29213519.
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).

No subteste de discurso narrativo oral, apesar de produzir um número maior de palavras na primeira avaliação, no momento pós-terapia, o discurso foi mais sucinto, porém mais coerente e coeso. O aumento do escore de cenas nesse subteste, após a terapia, reforça essa observação, pois essa medida avalia a capacidade do paciente em perceber elementos essenciais da cena, ou seja, o paciente conseguiu referir em seu discurso elementos da macroestrutura linguística, tornando-o mais coerente.

Ao analisarmos à capacidade funcional relacionada à comunicação, observamos que, na Escala ASHA-FACS, os domínios que apresentaram valores acima do escore de normalidade em todas as etapas e de acordo com os dois respondentes (paciente e cuidador indicado pela equipe da ILPI) foram: comunicação social e comunicação de necessidades básicas. Comparando as respostas do paciente e do cuidador, podemos perceber que o paciente fez uma avaliação mais positiva de suas habilidades de comunicação, decorrente de possível déficit de percepção de suas dificuldades que é observado em casos de demência. Os resultados da ASHA-FACS indicam que as dificuldades na comunicação do paciente são em níveis mais específicos da linguagem, envolvendo os domínios, planejamento diário e leitura, escrita e conceitos numéricos.

Durante todo o processo terapêutico, o participante se mostrou interessado, participativo e bem disposto, apesar dos relatos da equipe da instituição de alteração de humor e inflexibilidade. Nas cinco sessões terapêuticas com o aplicativo, observou-se que o número de anomias foi menor na primeira sessão, o que pode ser explicado pelo uso da versão grátis do aplicativo, que apresenta um número menor de itens. Adicionalmente, é possível que a maior frequência de ocorrência desses itens lexicais na língua tenha contribuído para o melhor desempenho observado. Nas outras quatro sessões, a versão completa do aplicativo foi usada e o número de anomias se manteve, com melhora do desempenho na última sessão.

O desempenho do paciente com o aplicativo nas fases de treino e de uso independente foi melhor comparado ao seu desempenho nas cinco primeiras sessões de terapia. O bom desempenho nos treinos pode ser atribuído à memorização dos itens, pois foram realizados com os 10 itens da versão grátis. Algumas hipóteses que podem explicar o melhor desempenho no uso independente do aplicativo são: a maior familiarização com o aplicativo, o maior tempo de prática, o benefício das sessões convencionais de terapia realizadas paralelamente ou a própria efetividade do aplicativo em si. Há evidências científicas dos efeitos positivos da terapia de base léxico-semântica em casos de demência que justificam essas duas últimas hipóteses(1313 Flanagan KJ, Copland DA, van Hen S, Byrne GJ, Angwin AJ. Semanic feature training for the treat of anomia in Alzheimer disease: a preliminary investigation. Cogn Behav Neurol. 2016;29(1):32-43. http://dx.doi.org/10.1097/WNN.0000000000000088. PMid:27008248.
http://dx.doi.org/10.1097/WNN.0000000000...
,1414 Morello ANC, Lima TM, Brandão L. Language and communication non-pharmacological interventions in patients with Alzheimer’s disease: a systematic review. Dement Neuropsychol. 2017;11(3):227-41. http://dx.doi.org/10.1590/1980-57642016dn11-030004. PMid:29213519.
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).

Em um estudo norte americano, o uso do aplicativo MossTalk Words (indicado para tratamento da dificuldade de nomeação) foi investigado em um paciente com Demência semântica(1515 Jokel R, Rochon E, Anderson ND. Errorless learning of computer: generated words in a patient with semantic dementia. Neuropsychol Rehabil. 2010;20(1):16-41. http://dx.doi.org/10.1080/09602010902879859. PMid:19504403.
http://dx.doi.org/10.1080/09602010902879...
). O programa de tratamento aplicado baseou-se nos princípios da aprendizagem sem erros. Os autores identificaram ganhos na habilidade de nomeação desse paciente após um período de três meses de terapia com o aplicativo. Outra pesquisa que envolveu o uso de computador para a realização de um programa de exercícios de linguagem variados, aplicado em 5 pacientes com DA leve a moderada, observou a manutenção ou ganhos sutis da competência linguística dos participantes ao longo de 12 meses(1010 Ramström I. Linguistic development in Alzheimer’s disease: 12 months language training including use a personal computer system: a pilot study. Dev Neurorehabil. 2011;14(3):156-63. http://dx.doi.org/10.3109/17518423.2011.566594. PMid:21548856.
http://dx.doi.org/10.3109/17518423.2011....
).

Considerando que, na presente pesquisa, o aplicativo foi utilizado como estratégia complementar à terapia fonoaudiológica, os dados sobre o desempenho do participante nas estratégias terapêuticas convencionais também devem ser considerados. Observou-se que o número de anomias foi maior nas três primeiras sessões que empregaram tais estratégias. No decorrer das demais sessões, a ocorrência de anomias diminuiu consideravelmente. A melhora do desempenho ao longo das sessões sugere que programa de intervenção proposto teve efeito positivo no caso estudado, assim como observado em outros programas de intervenção cognitiva no envelhecimento patológico, e pode ser explicada pela neuroplasticidade cerebral(55 Cespón J, Miniussi C, Pellicciari MC. Interventional programmes to improve cognition during healthy and pathological ageing: cortical modulations and evidence for brain plasticity. Ageing Res Rev. 2018;43:81-98. http://dx.doi.org/10.1016/j.arr.2018.03.001. PMid:29522820.
http://dx.doi.org/10.1016/j.arr.2018.03....
).

Nas sessões com estratégias convencionais foram usados estímulos de categorias semânticas diferentes das categorias utilizadas no aplicativo Talk Around It. O pior desempenho inicial em nomeação com os novos estímulos quando comparado aos estímulos do aplicativo (sessões 6, 7 e 8), sugere que não houve a generalização dos ganhos com o aplicativo para os itens não treinados.

As pistas semânticas foram aquelas que mais beneficiaram o paciente nas estratégias terapêuticas que utilizaram ou não o aplicativo. A melhora do desempenho com as pistas semânticas justifica-se pelo déficit léxico-semântico comumente observado nas demências(1313 Flanagan KJ, Copland DA, van Hen S, Byrne GJ, Angwin AJ. Semanic feature training for the treat of anomia in Alzheimer disease: a preliminary investigation. Cogn Behav Neurol. 2016;29(1):32-43. http://dx.doi.org/10.1097/WNN.0000000000000088. PMid:27008248.
http://dx.doi.org/10.1097/WNN.0000000000...

14 Morello ANC, Lima TM, Brandão L. Language and communication non-pharmacological interventions in patients with Alzheimer’s disease: a systematic review. Dement Neuropsychol. 2017;11(3):227-41. http://dx.doi.org/10.1590/1980-57642016dn11-030004. PMid:29213519.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-57642016d...
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http://dx.doi.org/10.1080/09602010902879...
).

Apesar dos resultados favoráveis obtidos, é importante salientar as limitações do presente estudo, restrito a um caso único, sem controle ou seguimento longitudinal após terapia até o momento. Apesar das ressalvas à generalização dos resultados para outros casos, os dados preliminares obtidos sustentam a importância de pesquisas subsequentes, que contribuam com evidências mais consistentes sobre o emprego de recursos tecnológicos como complementação à terapia fonoaudiológica indicada a pessoas com DCC.

COMENTÁRIOS FINAIS

O recurso tecnológico empregado juntamente com estratégias convencionais, durante três meses, conduziu a melhoras da habilidade de acesso lexical no caso estudado. Esses resultados sugerem que é possível o uso do aplicativo Talk Around It na prática clínica em pacientes com demência em fase leve, embora estudos com outros participantes sejam necessários.

AGRADECIMENTOS

À instituição participante, ao participante deste estudo, à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da UFF, pela concessão de bolsa de Iniciação Científica para execução desta pesquisa, e à empresa NeuroHero pela concessão de uma licença da versão completa do aplicativo sem custo para o desenvolvimento desta pesquisa.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal Fluminense – UFF - Nova Friburgo (RJ), Brasil.
  • Fonte de financiamento:

    Bolsa PIBIC-CNPq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2020
  • Aceito
    20 Ago 2020
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