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O empoderamento na reabilitação auditiva: tradução dos questionários de autoadvocacia

RESUMO

Objetivo

Traduzir e adaptar culturalmente para o português brasileiro os questionários Self-Advocacy Checklist “I can”, Audiology Self-Advocacy Checklist - ELEMENTARY SCHOOL (ASAC-ES), Audiology Self-Advocacy Checklist - MIDDLE SCHOOL (ASAC-MS) e Audiology Self-Advocacy Checklist - HIGH SCHOOL (ASAC-HS), para avaliar os habilidades de autoadvocacia de usuários de dispositivos eletrônicos auditivos.

Método

A tradução foi realizada por meio de uma adaptação das diretrizes de Beaton et al. (2000). A versão pré-teste foi aplicada em dois grupos. O Grupo 1 (G1) foi composto por 14 professores de adolescentes com deficiência auditiva. O Grupo 2 (G2) foi composto por 15 pacientes adolescentes com deficiência auditiva, usuários de dispositivos eletrônicos auditivos, que fazem uso da linguagem oral como forma primária de comunicação.

Resultados

Os instrumentos foram traduzidos como Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” e Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Para o G1, não houve relato de dificuldade em relação aos termos utilizados nos protocolos, porém, relataram dificuldades em relação ao preenchimento do progresso do estudante. Para o G2, as fonoaudiólogas que aplicaram os instrumentos em forma de entrevista não relataram dificuldade quanto ao uso do instrumento e sua aplicação. Após a aplicação da versão pré-teste, não houve necessidade de fazer alterações nos instrumentos, os quais foram apresentados como versão final.

Conclusão

As Checklist de autoadvocacia foram traduzidas e adaptadas culturalmente para o português brasileiro e são instrumentos válidos para a mensuração das habilidades de autoadvocacia de estudantes com deficiência auditiva em contexto clínico.

Palavras-chave
Tradução; Questionários; Equipamentos de Autoajuda; Perda Auditiva; Empoderamento

ABSTRACT

Purpose

To translate and cross-culturally adapt to Brazilian Portuguese four instruments for assessing self-advocacy skills of users of electronic hearing devices: the “I can” Self-Advocacy Checklist and three versions of the Audiology Self-Advocacy Checklist (ELEMENTARY SCHOOL, MIDDLE SCHOOL and HIGH SCHOOL).

Methods

The translation process was adapted from the guidelines of Beaton et al. (2000). The prefinal version was pre-tested in two groups. Group 1 (G1) was composed of 14 teachers of adolescents with hearing loss. Group 2 (G2) was composed of 15 adolescent patients with hearing loss, electronic assistive device users, who use oral language as their primary form of communication.

Results

The instruments were translated as Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” e Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II and Ensino Médio. G1 did not report difficulties regarding the terms used in the checklists; however, they reported difficulties completing the student’s progress. The audiologists who used the checklists to interview G2 did not report difficulties regarding the use of the instrument. Therefore, after pre-testing the prefinal version, there was no need to make changes to the instruments, which were then presented as the final version.

Conclusion

All Self-Advocacy Checklists were translated and cross-culturally adapted into Brazilian Portuguese and are valid instruments to measure the self-advocacy skills of students with hearing loss in a clinical context.

Keywords
Translating; Questionnaires; Self-Help Devices; Hearing Loss; Empowerment

INTRODUÇÃO

Os processos de exclusão e desempoderamento sofridos por pessoas com deficiência são fatores impeditivos para que esses indivíduos usufruam de seus direitos humanos básicos, como lazer, cultura e educação(11 Ainscow M. Special needs in the classroom: a teacher education guide. Paris: UNESCO; 1994.).

Aliada à frente filosófica, científica e social do empoderamento, o termo autoadvocacia surgiu para encorajar os indivíduos a serem advogados de si mesmos e, assim, combater o desempoderamento promovido pela sociedade(22 Dantas T. Vivências de empoderamento e autoadvocacia de pessoas com deficiência: um estudo no Brasil e no Canadá. Educação Unisinos. 2017;21(3):336-44. http://dx.doi.org/10.4013/edu.2017.213.07.
http://dx.doi.org/10.4013/edu.2017.213.0...
).

O estudo da autoadvocacia enfatiza a necessidade de formação e informação dos envolvidos. Capacitar uma pessoa para se tornar um autoadvogado, defensor dos seus direitos, é uma forma de auxiliá-la a alcançar seus objetivos, determinar suas metas, defender seus interesses, e advogar pela necessidade de serem ouvidas e de terem a liberdade de decisão. Além disso, a autoadvocacia também pode ser considerada um fator de proteção para problemas psicossociais e acadêmicos entre estudantes com necessidades especiais(11 Ainscow M. Special needs in the classroom: a teacher education guide. Paris: UNESCO; 1994.,33 Michael R, Zidan HM. Differences in self-advocacy among hard of hearing and typical hearing students. Res Dev Disabil. 2018;72:118-27. http://dx.doi.org/10.1016/j.ridd.2017.11.005. PMid:29128783.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ridd.2017.11...
).

A importância das habilidades de autoadvocacia para adolescentes é mais evidente, visto que em breve farão a transição para a vida adulta. No entanto, há grandes benefícios da prática precoce da autoadvocacia em crianças. Quando a autoadvocacia e a autodeterminação são estimuladas desde a infância, proporcionam à criança com deficiência uma melhor qualidade de vida, com melhores resultados pré-escolares e aumento da participação nas atividades acadêmicas(44 Kleinert JO, Harrison EM, Fisher TL, Kleinert HL. “I Can” and “I Did”: self-advocacy for young students with developmental disabilities. Teach Except Child. 2010;43(2):16-26. http://dx.doi.org/10.1177/004005991004300202.
http://dx.doi.org/10.1177/00400599100430...
).

Na perspectiva do jovem com deficiência auditiva (DA) que apresenta dificuldades em se comunicar, implicando em problemas sociais e escolares, a associação dos fatores psicossociais, acadêmicos e dificuldades comunicativas podem refletir na formação da identidade do sujeito com DA e influenciar a visão que tem sobre si, ou seja, seu autoconceito(44 Kleinert JO, Harrison EM, Fisher TL, Kleinert HL. “I Can” and “I Did”: self-advocacy for young students with developmental disabilities. Teach Except Child. 2010;43(2):16-26. http://dx.doi.org/10.1177/004005991004300202.
http://dx.doi.org/10.1177/00400599100430...

5 Antia SD, Rivera MC. Instruction and service time decisions: itinerant services to deaf and hard-of-hearing students. J Deaf Stud Deaf Educ. 2016;21(3):293-302. http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enw032. PMid:27179117.
http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enw032...
-66 Spangler, C. Supporting wellness and social-emotional competence. In: Johnson CDC, Seaton JB. Educational audiology handbook. 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2020. p. 363-401.).

Nessa direção, destaca-se a importância do apoio e do preparo para que esses adolescentes desenvolvam a autoadvocacia desde a infância e, com isso, aprendam estratégias para resolução de conflitos(44 Kleinert JO, Harrison EM, Fisher TL, Kleinert HL. “I Can” and “I Did”: self-advocacy for young students with developmental disabilities. Teach Except Child. 2010;43(2):16-26. http://dx.doi.org/10.1177/004005991004300202.
http://dx.doi.org/10.1177/00400599100430...
,77 Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU), do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais-USP. In: Anais do XI Encontro Internacional de Audiologia; 1996; Bauru. Bauru: HPRLLP-USP; 1996. Vol. 30.). Alguns autores encontraram fortes evidências que as crianças com DA têm mais risco de vitimização na escola quando comparado com a população em geral. No estudo, analisaram 87 jovens e adolescentes de 7 a 18 anos com DA, usuários de dispositivos eletrônico. Os autores concluíram que essa população apresenta uma incidência significativamente maior de bullying em relação à população em geral, especialmente os adolescentes (50,0% vs. 28,0%). Eles enfrentam bullying principalmente por exclusão (26,3% vs. 4,7%) e por repressão (17,5% vs. 3,6%)(88 Warner-Czyz AD, Loy B, Pourchot H, White T, Cokely E. Effect of hearing loss on peer victimization in school-age children. Except Child. 2018;84(3):280-97. http://dx.doi.org/10.1177/0014402918754880.
http://dx.doi.org/10.1177/00144029187548...
).

Perante a necessidade de instrumentos validados de simples aplicação para a identificação e acompanhamento da autoadvocacia de crianças e adolescentes, as autoras Johnson e Spangler desenvolveram os questionários Self-Advocacy Checklist “I can”, Audiology Self-Advocacy Checklist - ELEMENTARY SCHOOL (ASAC-ES), Audiology Self-Advocacy Checklist - MIDDLE SCHOOL (ASAC-MS) e Audiology Self-Advocacy Checklist - HIGH SCHOOL (ASAC-HS) (66 Spangler, C. Supporting wellness and social-emotional competence. In: Johnson CDC, Seaton JB. Educational audiology handbook. 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2020. p. 363-401.) para serem utilizados em contexto escolar.

Os instrumentos são de breve aplicação e constituídos por uma lista de afirmativas relacionadas às habilidades de autoadvocacia. As afirmativas estão divididas em três áreas: saúde pessoal/informações médicas; aparelhos auditivos e outros recursos de tecnologia assistiva; e acomodações e conscientização do consumidor.

Originalmente, os instrumentos foram elaborados pelas autoras para serem preenchidos pelo professor ou pelo estudante com o auxílio do professor, sempre com a assistência de um fonoaudiólogo com experiência em Audiologia Educacional. O professor ou o estudante deve assinalar as afirmativas que correspondem às habilidades que o estudante seja capaz de executar.

O Self-Advocacy Checklist “I can” não possui um escore final para uma classificação; porém, com sua utilização, é possível acompanhar o desenvolvimento das habilidades de autoadvocacia.

Os demais instrumentos possuem um score final, sendo possível classificar o nível de progresso das habilidades mensurados em “1, 2 ou 3” e ainda as opções “NI” e “NA”. “NI” se refere à habilidade não introduzida e “NA”, às habilidades que não se aplicam. Ambas não somam pontuação ao escore final.

O escore final é apresentado em forma de porcentagem e é obtido após a pontuação total ser dividida pelo total de pontos possíveis (45 se todas as competências forem aplicáveis, mesmo que nem todas tenham sido introduzidas). A porcentagem da pontuação alcançada é classificada da seguinte forma: entre 90-100%, o indivíduo é considerado proficiente; entre 65-89%, parcialmente proficiente; e abaixo de 65%, em desenvolvimento.

As habilidades estimuladas e esperadas são assim divididas para cada faixa etária: 1) fase de base/suporte (3 a 6 anos); 2) fase de descobrimento (6 a 9 anos); 3) fase de exploração (9 a 12 anos); 4) fase de co-empoderamento (14 a 18 anos); 5) fase de responsabilidade individual (a partir de 18 anos).

Na fase 1, é esperado que a criança entenda e reporte sobre o funcionamento adequado ou não do dispositivo eletrônico.

Na fase 2, espera-se, por exemplo, que a criança entenda e descreva os princípios básicos da audição, como também saiba descrever as causas de sua DA. Também é esperado que a criança descreva os parâmetros básicos do audiograma, como a frequência e a intensidade, identifique as partes básicas de seus dispositivos eletrônicos e gerencie diariamente a manutenção dos mesmos. Nessa fase, também espera-se, como habilidades, que a criança possa descrever como as tecnologias assistivas melhoram a comunicação, identificar as acomodações que atendam às necessidades de comunicação pessoal (por exemplo, assentos prioritários, intérprete de linguagem gestual e legendagem) e utilizar essas acomodações e estratégias de comunicação na sala de aula.

Na fase 3, a criança deve descrever tratamentos básicos e acomodações para DA, descrever estratégias de comunicação, sua própria audição, implicações básicas de comunicação diante de seu status auditivo, estratégias de prevenção de perda auditiva, assim como os conceitos de privacidade e confidencialidade. Também deve compreender e poder notificar ao professor quando os dispositivos não estão funcionando corretamente, entender a flexibilidade dos dispositivos, compreender o funcionamento básico dos dispositivos de tecnologia assistiva, utilizar os dispositivos em vários ambientes e participar ativamente no treinamento das pessoas com quem convive sobre o uso de dispositivos. Nessa fase, também deve conseguir descrever características básicas de comunicação bem sucedidas na sala de aula, e descrever os desafios de comunicação e estratégias que funcionam. Espera-se, também, que a criança seja capaz de desenvolver uma carta que identifica as acomodações necessárias e a apresentar na educação, descrever as acomodações necessárias para os professores, além de reconhecer quando a comunicação falha e usar estratégias de reparo da comunicação. Por último, é esperado que possa entender os direitos legais básicos da educação e as leis de direitos das pessoas com deficiência.

Na fase 4, além de todas as outras habilidades citadas, é esperado que o adolescente seja capaz de elaborar um roteiro para divulgar informações sobre sua perda auditiva e acomodações necessárias, e ainda identificar especialistas médicos e de saúde pertinentes, suas credenciais, suas funções e como localizá-los. Ainda nessa fase, espera-se que saiba utilizar meios para identificar e acessar serviços e descrever leis de privacidade relacionadas à saúde. É esperado que demonstre capacidade de solucionar problemas relacionados à assistência pessoal e auditiva e saber utilizar a conectividade de dispositivos pessoais e de assistência com outros tecnologias/equipamentos e demonstrar como manipular a tecnologia em várias situações de escuta dentro da escola e da comunidade. Também é esperado que descreva características de outras tecnologias de acessibilidade, como o uso do telefone e como acessar a legenda, ativar o alerta de aparelhos e utilizar as mensagens de texto. Espera-se que consiga descrever o custo de compra e manutenção de aparelhos auditivos/cocleares implante/tecnologia assistiva, planos de garantia e serviço e opções de financiamento. Também espera-se que saiba como usar a web e outras fontes para aprender e localizar as informações atuais relacionadas ao tratamento da DA e acomodações necessárias. É esperado que o adolescente afirme-se como defensor de si mesmo, estabeleça limites, e manifeste reclamações e necessidades. Também é esperado que faça uso constante de estratégias de comunicação, identifique suas necessidades acadêmicas, explique os pontos fortes e os desafios da educação, e descreva e diferencie as leis pertinentes de educação e acessibilidade relacionadas à DA. Além disso, o adolescente deve ser capaz de descrever os recursos e serviços oferecidos por instituições, organizações e agências.

Por fim, na última fase, é esperado que o jovem tenha o domínio de todas as habilidades citadas anteriormente(66 Spangler, C. Supporting wellness and social-emotional competence. In: Johnson CDC, Seaton JB. Educational audiology handbook. 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2020. p. 363-401.).

Para que os questionários sejam aplicados no Brasil, é necessária a tradução e validação para a língua portuguesa(99 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014. PMid:11124735.
http://dx.doi.org/10.1097/00007632-20001...
). A aplicação dos questionários e sua respectiva pontuação permitirão uma rápida identificação das habilidades que envolvam a autoadvocacia e, se necessário, posteriormente, a intervenção.

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo traduzir e adaptar culturalmente para o português brasileiro os questionários Self-Advocacy Checklist “I can”, Audiology Self-Advocacy Checklist - ELEMENTARY SCHOOL (ASAC-ES), Audiology Self-Advocacy Checklist - MIDDLE SCHOOL (ASAC-MS) e Audiology Self-Advocacy Checklist - HIGH SCHOOL (ASAC-HS) (66 Spangler, C. Supporting wellness and social-emotional competence. In: Johnson CDC, Seaton JB. Educational audiology handbook. 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2020. p. 363-401.), para avaliar as habilidades de autoadvocacia de usuários de dispositivos eletrônicos auditivos.

MÉTODO

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, sob o número 3.718.085 e 2.909.498. Todos os participantes no processo de validação assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As autoras da versão original dos questionários Self-Advocacy Checklist “I can”, Audiology Self-Advocacy Checklist - ELEMENTARY SCHOOL (ASAC-ES), Audiology Self-Advocacy Checklist - MIDDLE SCHOOL (ASAC-MS) e Audiology Self-Advocacy Checklist - HIGH SCHOOL (ASAC-HS) (66 Spangler, C. Supporting wellness and social-emotional competence. In: Johnson CDC, Seaton JB. Educational audiology handbook. 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2020. p. 363-401.) autorizaram este estudo, a tradução para o português brasileiro e confirmaram a sua originalidade por correspondência eletrônica.

Tradução e adaptação cultural

A tradução e adaptação cultural dos questionários para o idioma português brasileiro foi realizada por meio de uma adaptação da metodologia de Beaton, Bombardier, Guillemin e Ferraz (2000). A metodologia preconiza diretrizes que objetivam a equivalência entre o texto fonte de um questionário (escrito na língua do país em que foi criado) e seu texto alvo (que foi traduzido para uma cultura diferente). Para tanto, prescrevem seis etapas que incluem tanto a tradução linguística quanto a adaptação cultural(99 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014. PMid:11124735.
http://dx.doi.org/10.1097/00007632-20001...
).

São seis etapas descritas nas diretrizes(99 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014. PMid:11124735.
http://dx.doi.org/10.1097/00007632-20001...
): (1) Tradução: no mínimo duas traduções do texto fonte para o idioma alvo elaboradas por independentemente pelos tradutores; (2) Síntese: elaboração de uma tradução consenso feita pelos tradutores e um profissional da área; (3) Retrotradução: realização de pelo menos duas traduções da síntese para o idioma fonte, deve ser realizada por tradutores que não conheçam o texto e seu propósito; (4) Reunião com tradutores e peritos: elaboração de uma nova síntese por meio de uma reunião com os tradutores que participaram do processo, de um profissional da área e de um especialista no idioma alvo; (5) Pré-teste: um teste a ser realizado com 30 a 40 indivíduos para avaliar a compreensão do questionário no público alvo; e (6) Submissão: envio de todas as versões para o desenvolvedor do instrumento ou para a comissão que está analisando o processo de tradução e adaptação transcultural.

Neste estudo, devido a restrições temporais, foi realizada uma tradução e uma retrotradução, o que elimina a segunda etapa da diretriz. É importante realçar que as etapas de tradução e retrotradução foram realizadas por tradutores profissionais, especializados no par de idiomas português-inglês.

Tradução

A tradução comentada do material foi a primeira etapa do processo. Foi realizada a tradução (T) dos questionários para o português brasileiro por um tradutor bilíngue, com formação em tradução português-inglês. Nessa etapa, a consistência, o estilo do texto e as equivalências semântica, idiomática, experimental e conceitual foram respeitadas.

Retrotradução

Para cada questionário traduzido, foi realizada a retrotradução (RT) para a língua inglesa por um tradutor bilíngue que não tinha o conhecimento dos instrumentos.

Reunião com tradutores e peritos

Para atingir a equivalência transcultural da tradução, considerando a metodologia empregada(9), foi realizada uma reunião com os dois tradutores das etapas iniciais, um fonoaudiólogo e um profissional especializado na língua portuguesa a fim de comparar e analisar o material original (O), a tradução (T) e a retrotradução (RT) para estabelecer uma tradução pré-teste (TF).

Anteriormente à reunião de consenso, os participantes foram orientados por e-mail quanto à consideração do significado e à pertinência dos conceitos na língua e cultura do público-alvo para definir se as quatro áreas de equivalência foram alcançadas: semântica, idiomática, experiencial e conceitual.

Para a indicação da avaliação dos peritos, em cada item havia uma numeração: (+1) item equivalente; (0) item parcialmente equivalente; e (-1) item não equivalente. Próximo aos números foi inserido um espaço com o intuito de especificar a área de equivalência a ser estudada.

Aplicação da versão pré-teste

De acordo com a metodologia, o pré-teste dos instrumentos traduzidos deve ser conduzido com indivíduos/sujeitos ou pacientes do contexto alvo(99 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014. PMid:11124735.
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).

A versão pré-teste foi aplicada em:

Grupo 1 (G1) - Participaram 14 professores da educação básica do estado de São Paulo, que responderam de acordo com a sua experiência com estudantes com DA. Seis professores preencheram as Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, sete preencheram a Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental II e um professor preencheu a Checklist de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Médio. Para este grupo, não foi aplicado o Checklist de autoadvocacia “Eu consigo”, devido à indisponibilidade dos participantes no momento da coleta. Os professores foram convidados a responder as Checklists por e-mail durante um curso na instituição em que foi desenvolvida a pesquisa, portanto, não tinham relação com o Grupo 2 e, dessa forma, não foi possível a distribuição de maneira balanceada das etapas de ensino em que os professores faziam parte (Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio);

Grupo 2 (G2): Participaram do estudo 15 pacientes da Clínica de Fonoaudiologia da instituição (Quadro 1), usuários de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) ou implante coclear (IC), que fazem uso da linguagem oral como forma primária de comunicação, e sendo considerados na categoria de linguagem cinco(77 Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU), do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais-USP. In: Anais do XI Encontro Internacional de Audiologia; 1996; Bauru. Bauru: HPRLLP-USP; 1996. Vol. 30.) . Os participantes foram divididos em três grupos de acordo com o seu nível acadêmico, sendo sete participantes do Ensino Fundamental I (F1), quatro do Ensino Fundamental II (F2), e quatro do Ensino Médio (EM).

Quadro 1
Dados demográficos dos participantes do G2 quanto à idade cronológica e auditiva, o gênero, escolaridade, a média de escolaridade dos responsáveis, o nível socioeconômico (NSE)(88 Warner-Czyz AD, Loy B, Pourchot H, White T, Cokely E. Effect of hearing loss on peer victimization in school-age children. Except Child. 2018;84(3):280-97. http://dx.doi.org/10.1177/0014402918754880.
http://dx.doi.org/10.1177/00144029187548...
), o tipo e grau da perda auditiva, os dispositivos eletrônicos utilizados e se utiliza ou não o Sistema FM.

Caracterização da amostra

Para o G2, os instrumentos foram preenchidos por cinco fonoaudiólogas que leram as questões para cada participante. A entrevista foi individual, em sala exclusiva para o participante e sua entrevistadora. A opção pela entrevista se deu pela dificuldades educacionais apresentadas por estudantes com DA e suas limitações em responderem sozinhos, no formato papel e lápis, a Checklist em um estudo piloto anterior(1010 Nery DB, Silva RLF, Duarte LA, Salimon A, Medina C, de Angelo TCS, et al. A autoadvocacia na rehabilitação auditiva: tradução e adaptação transcultural do self-advocacy checklist. In: Anais do 25° Congresso Fonoaudiológico de Bauru; 2018; Bauru. Bauru: USP; 2018.). Nesse estudo, foi necessária a intervenção das entrevistadoras, cinco fonoaudiólogas com experiência na área de Audiologia Clínica e Educacional, que leram as perguntas e, em alguns momentos, utilizaram estratégias de comunicação para melhor compreensão do enunciado.

Análise dos resultados

Os dados coletados pelos questionários foram transferidos para uma planilha do Microsoft Excel e foram analisados de forma quantitativa por meio do uso e da análise de gráficos box-plot.

RESULTADOS

Todas as modificações realizadas para a versão pré-teste dos instrumentos Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” e Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio estão disponíveis para acesso no material suplementar (Tabela Comparativa - Modificações) e sintetizadas na Figura 1.

Figura 1
Ilustração dos resultados da reunião dos tradutores e peritos

Os resultados obtidos na aplicação dos questionários Checklist de Autoadvocacia em Audiologia – Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio apresentados na Figura 2 de acordo com resultados dos questionários respondidos pelos dois grupos participantes do estudo (F1G1, F1G2, F2G1, F2G2, EMG1, EMG2).

Figura 2
Resultados dos questionários Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio respondidos pelos dois grupos participantes do estudo (G1 e G2)

Para o G1, as principais dificuldades relatadas foram em relação ao preenchimento do progresso do estudante (NA - não aplicável, NI - não introduzida, 1 - introduzida, 2 - em andamento e 3 - proficiente), o que é definido pelo cálculo do escore de pontuação total e porcentagem. Um professor preencheu mais de um nível de progresso em um mesmo item; oito professores realizaram o cálculo da porcentagem de forma errada; cinco não conseguiram realizar o cálculo da porcentagem e um professor realizou de forma correta a somatória e a porcentagem de proficiência.

Não houve relato de dificuldade em relação aos termos utilizados nos protocolos.

Para o G2, as fonoaudiólogas não relataram dificuldade quanto ao uso dos instrumentos na entrevista. Para essa percepção, não foi utilizada nenhuma avaliação padronizada para mensurar as dificuldades. A percepção foi subjetiva e individual, de forma que cada fonoaudióloga percebeu a dificuldade do seu entrevistado/participante e então utilizou estratégias de comunicação e foi realizada a mensuração do nível de progresso. Segundo as fonoaudiólogas, os instrumentos foram de rápida e fácil aplicação, com linguagem clara e simples, e os termos que não eram de conhecimento do paciente estavam relacionados às habilidades a serem ainda desenvolvidas.

A Figura 3 expõe os resultados obtidos na aplicação do Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” - Versão português brasileiro, respondido apenas pelo grupo G2.

Figura 3
Resultados do Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” respondido pelo grupo G2

Após a aplicação da versão pré-teste, não houve necessidade de fazer alterações nos instrumentos Checklist de autoadvocacia “Eu consigo”, Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio, os quais foram apresentados como versão final e estão disponíveis para download na seção de material suplementar (Anexo 1 - Checklists de Autoadvocacia).

DISCUSSÃO

Tradução e adaptação cultural

A Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” e as Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio foram traduzidas e adaptadas adequadamente de acordo com os padrões de adaptação transcultural, não sendo identificadas dificuldades no processo de compreensão das questões. As etapas de tradução linguística e adaptação cultural de um instrumento são necessárias para manter a validade do conteúdo em nível conceitual entre as diferentes culturas para que, assim, o instrumento possa ser utilizado em outros países(99 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014. PMid:11124735.
http://dx.doi.org/10.1097/00007632-20001...
).

Durante a reunião formada pelo comitê de especialistas para estabelecer as equivalências, foi enfatizada a influência do nível sociocultural e da escolaridade na compreensão dos enunciados dos instrumentos pelo público-alvo, estudantes com DA e professores de estudantes com DA. Assim, foram realizadas modificações na redação de alguns itens da versão traduzida para adequar os termos utilizados ao público-alvo, como as expressões pitch e loudness, que foram mantidas nas etapas de tradução e retrotradução por serem termos comumente utilizados na área da Fonoaudiologia. Entretanto, na reunião com tradutores e peritos, foi decidido traduzir as duas expressões e acrescentar exemplos. Assim, pitch foi alterado para “frequência (grave e agudo)” e loudness, para “intensidade (forte e fraco)” devido à dificuldade de compreensão dos termos por parte dos participantes. Da mesma forma, as expressões “continuum de audibilidade” e “estática” também foram modificadas para “limiar auditivo” e “chiado”.

Foram adicionados os exemplos “sentar próximo à fonte sonora, uso de cortinas e cortiças, não sentar perto de janelas e paredes, etc.” ao item que consultava os leitores em relação ao desenvolvimento e prática de um roteiro para divulgar as informações sobre a sua perda auditiva e as acomodações necessárias. O mesmo ocorreu no tópico referente ao uso dos dispositivos eletrônicos, com o acréscimo das opções “aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) ou implante coclear (IC) ou aparelho auditivo ancorado no osso (exemplo: BAHA) e Sistema FM ou microfone remoto”. Além disso, foi inserida a subdivisão dos itens no que se refere aos dispositivos eletrônicos de audição, de forma que fosse especificado o tipo do dispositivo utilizado pelo paciente para cada afirmativa.

A nova versão dos instrumentos também adequa o termo abrangente “Língua de sinais” por “Libras”, que se refere à Língua Brasileira de Sinais, e “leitura da fala” por “leitura orofacial”, termo comumente utilizado no cenário nacional.

As leis e siglas referentes aos recursos e serviços de apoio mencionados nos instrumentos originais se referem ao contexto norte-americano, sendo necessário adequá-los de acordo com o código de leis e a realidade brasileira. Ressalta-se que, no contexto internacional, as habilidades de autoadvocacia estão incluídas como objetivos do Individualized Education Program (IEP) - Plano de Ensino Individualizado - como determina a normativa “Individuals with Disabilities Education Act” (1111 IDEA: Individuals With Disabilities Education. Act of 2004, P.L. 108-446. Washington: IDEA.). Já no Brasil, a inclusão do estudante com DA na escola é assegurada pelo poder público por documentos oficiais, dentre eles, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN/9394/96 e recentemente a Lei nº 13.146/15, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência(1212 Brasil. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União; Brasília, 7 jul. 2015; Seção 1, p. 2.). O Plano Educacional Individualizado (PEI), presente nos questionários na versão brasileira, refere-se ao conteúdo a ser trabalhado na escola de forma personalizada, levando em consideração a necessidade de cada estudante, ensino da Libras ou o uso de recursos de tecnologias assistivas, como o Sistema de Frequência Modulada (FM).

Aplicação das Checklists

Os instrumentos originais foram elaborados para a aplicação em contexto escolar, sendo preenchido pelo professor ou pelo próprio estudante com o auxílio do professor, e contando com o apoio e auxílio do fonoaudiólogo com experiência em Audiologia Educacional. No contexto norte-americano, as profissões Speech-language Pathologist e Audiologist, diferentemente do contexto brasileiro, são profissões independentes, sendo a Audiologia Educacional uma área de atuação reconhecida pelos órgãos americanos American Academy of Audiology (1313 AAA: American Academy of Audiology. Scope of practice in audiology. Reston: AAA; 2004.) e American Speech-Language-Hearing Association (1414 ASHA: American Speech-Language-Hearing Association. Scope of practice in audiology. Rockville: ASHA; 2018.). Desta forma, o profissional foi nomeado como “fonoaudiólogo” na versão brasileira.

De acordo com os documentos “Scope of Practice in Audiology” publicado pela American Speech-Language-Hearing Association (1414 ASHA: American Speech-Language-Hearing Association. Scope of practice in audiology. Rockville: ASHA; 2018.) e “Educational Audiology Scope of Practice” publicado pela Educational Audiology Association (1515 EAA: Educational Audiology Association. Educational audiology scope of practice. Pittsburgh: EAA; 2019.), são atribuições do profissional audiologista atuante no ambiente educacional: apoiar o desempenho acadêmico e social de crianças e adolescentes em idade escolar com DA, participando como membro da equipe multidisciplinar da escola. Ademais, a normativa norte-americana “Individuals with Disabilities Education Act” (1111 IDEA: Individuals With Disabilities Education. Act of 2004, P.L. 108-446. Washington: IDEA.) também prevê a atuação do profissional audiologista no contexto escolar.

No Brasil, segundo a Lei 6965/81, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Fonoaudiólogo, é competência desse profissional participar da equipe de orientação e planejamento escolar, inserindo aspectos preventivos ligados a assuntos fonoaudiológicos. Entretanto, diferentemente do contexto norte-americano, não temos a figura do audiologista educacional nas escolas, visto que esta não é uma especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia(1616 CFFa: Conselhos Federal e Regionais de Fonoaudiologia. Lei nº 6.965/81. Código de Ética da Fonoaudiologia. Brasília: CFFa; 2004.).

No dia 11 de dezembro de 2019, foi promulgada a Lei 13.935, que dispõe sobre a atuação de profissionais da psicologia e serviço social na educação básica, para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais. Destaca-se que, apesar da demanda para a área de fonoaudiologia, os fonoaudiólogos não foram incluídos dentro dessa normativa(1717 Brasil. Lei n° 13.935, de 11 dezembro de 2019. Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Diário Oficial da União; Brasília; 12 dez. 2019. nº 240, Seção 1, p. 7.).

É sabido que os professores recebem estudantes com diferentes demandas, não estando, muitas vezes, preparados para atuar com o estudante com DA usuário de dispositivos eletrônicos auditivos(1818 Esturaro GT, Novaes BCDAC, Deperon TM, Martinez MAN, Mendes BDCA. Uso de sistema de transmissão sem fio e desempenho de estudantes com deficiência auditiva na perspectiva de professores. Distúrb Comun. 2016;28(4):730-42.,1919 Carvalho DS, Pedruzzi CM. Uso do sistema de frequência modulada por escolares com perda auditiva. Distúrb Comun. 2019;31(1):12-21. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2019v31i1p12-21.
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), e/ou não possuem suporte/orientação especializada de profissionais da saúde. Com isso, ressalta-se mais uma vez a importância do fonoaudiólogo no contexto educacional como parte da equipe multiprofissional.

Neste estudo, os professores participantes que preencheram as Checklists (versão pré-teste) tiveram contato prévio com o site REMIC(2020 REMIC. [Internet]. Bauru: REMIC; 2020 [citado em 2020 Mar 10]. Disponível em: http://remic.fob.usp.br/
http://remic.fob.usp.br/...
) sobre as tecnologias de acessibilidade para o estudante com DA. Sendo assim, houve a construção de conceitos em audiologia previamente ao contato com os instrumentos, o que justifica a facilidade em compreender os termos audiológicos utilizados nos enunciados. Assim, não houve alterações na redação da versão pré-teste dos instrumentos.

Após a aplicação da versão pré-teste, observou-se que, mesmo com o conhecimento dos professores sobre os conceitos abordados nos enunciados, houve dificuldade no preenchimento dos níveis de progresso. A mensuração de qual nível de progresso o estudante com DA está é subjetiva e depende da proficiência e experiência de quem está aplicando os instrumentos.

Dessa forma, considerando os pontos supracitados, acreditamos que a utilização das Checklists de Autoadvocacia em Audiologia no contexto escolar não seja viável. Caso o professor não tenha domínio sobre os temas abordados nos enunciados, a pontuação dos níveis de progresso do estudante poderá não ser fidedigna.

Diante da experiência prévia de aplicação do questionário em um estudo piloto, optamos pela entrevista com os participantes ao invés dos próprios estudantes preencherem os itens da Checklist. Em um estudo(2121 Penna LM, Lemos SMA, Alves CRL. Auditory and language skills of children using hearing aids. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81(2):148-57. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.05.034. PMid:25458255.
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), os pesquisadores avaliaram o desempenho da linguagem escrita de crianças com DA e relataram que, em todos os grupos avaliados, a maior parte das crianças ficou com desempenho inferior no teste de desempenho acadêmico. É comum encontrar desempenho escolar abaixo do esperado para as crianças e adolescentes com DA(1010 Nery DB, Silva RLF, Duarte LA, Salimon A, Medina C, de Angelo TCS, et al. A autoadvocacia na rehabilitação auditiva: tradução e adaptação transcultural do self-advocacy checklist. In: Anais do 25° Congresso Fonoaudiológico de Bauru; 2018; Bauru. Bauru: USP; 2018.), cujas dificuldades escolares podem ser justificadas pela limitação na comunicação com os professores e colegas decorrentes da perda auditiva(2121 Penna LM, Lemos SMA, Alves CRL. Auditory and language skills of children using hearing aids. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81(2):148-57. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.05.034. PMid:25458255.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.0...
,2222 Long G, Stinson MS, Braeges J. Students’ perceptions of communication ease and engagement: how they relate to academic success. Am Ann Deaf. 1991;136(5):414-21. http://dx.doi.org/10.1353/aad.2012.0455. PMid:1799179.
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).

Recomendamos a aplicação dos instrumentos em contexto clínico, especificamente pelo profissional que atua na área da reabilitação auditiva, visto que o G2 não relatou dificuldade na aplicação e pontuação dos instrumentos. Assim, as Checklists poderão ser utilizadas para orientar os estudantes com DA, sua família e a escola sobre as habilidades de autoadvocacia desenvolvidas e em andamento.

Importância do trabalho com as habilidades de autoadvocacia no processo de reabilitação auditiva

O desenvolvimento das habilidades de autoadvocacia permite romper os ciclos de desempoderamento(2323 Beresford P. Empowerment and Emancipation. In: Albrecht GL, editors. Encyclopedia of disability. Thousand Oaks: Sage Reference; 2013. p. 593-601.). O conhecimento de si e de seus direitos são elementos fundamentais da autoadvocacia, pois é necessário que o indivíduo se entenda e se conheça antes que possa expressar suas necessidades e desejos aos outros(2424 Test DW, Fowler CH, Wood WM, Brewer DM, Eddy S. A conceptual framework of self-advocacy for students with disabilities. Remedial Spec Educ. 2005;26(1):43-54. http://dx.doi.org/10.1177/07419325050260010601.
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). As habilidades de autoadvocacia devem ser estimuladas desde cedo e poderão facilitar momentos de transições durante a vida(2525 Paradiz V, Kelso S, Nelson A, Earl A. Essential self-advocacy and transition. Pediatrics. 2018;141(Suppl 4):S373-7. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2016-4300P. PMid:29610420.
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). Vale ressaltar que, no grupo G2, todos os participantes faziam ou já haviam frequentado terapia fonoaudiológica na instituição, mas, ainda assim, apesar da maior pontuação obtida conforme o avanço da faixa etária (Figura 3), nenhum apresentou proficiência nas habilidades de autoadvocacia (Figura 2). Esses achados reforçam que a responsabilidade pelos dispositivos auditivos e seu uso para o acesso à comunicação e aos direitos no ambiente escolar e de trabalho devem ser ensinados desde a infância para os estudantes com DA, visto que a conscientização é um componente importante para o desenvolvimento da autoadvocacia(66 Spangler, C. Supporting wellness and social-emotional competence. In: Johnson CDC, Seaton JB. Educational audiology handbook. 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2020. p. 363-401.).

Alguns pesquisadores(2626 Reed S, Antia SD, Kreimeyer KH. Academic status of deaf and hard-of- hearing students in public schools: student, home, and service facilitators and detractors. J Deaf Stud Deaf Educ. 2008;13(4):485-502. http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enn006. PMid:18344539.
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) estudaram as variáveis que facilitaram ou dificultaram o sucesso acadêmico de estudantes com DA e, entre os resultados, relataram que a capacidade da autoadvocacia foi um facilitador para nove (36%) dos 25 estudantes avaliados. Frente a esse estudo, outros autores(22 Dantas T. Vivências de empoderamento e autoadvocacia de pessoas com deficiência: um estudo no Brasil e no Canadá. Educação Unisinos. 2017;21(3):336-44. http://dx.doi.org/10.4013/edu.2017.213.07.
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) também destacam que a implementação de intervenção como a autoadvocacia é uma estratégia para apoiar os estudantes com DA. O treinamento dessas habilidades resulta em uma maior autonomia para lidar com o uso adequado das tecnologias assistivas e das acomodações necessárias ao estudante em sala de aula(77 Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU), do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais-USP. In: Anais do XI Encontro Internacional de Audiologia; 1996; Bauru. Bauru: HPRLLP-USP; 1996. Vol. 30.).

Como não existem na literatura nacional, até o momento, questionários que possam avaliar as habilidades de autoadvocacia de estudantes com DA, a versão em português brasileiro dessas checklists pode contribuir para preencher essa lacuna. Sugere-se a aplicação dos instrumentos em uma amostragem maior na qual também sejam avaliados os parâmetros psicométricos.

CONCLUSÃO

Conclui-se que os instrumentos Checklist de autoadvocacia “Eu consigo” e das Checklists de Autoadvocacia em Audiologia - Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio foram traduzidos e adaptados culturalmente para o português brasileiro e são instrumentos válidos para a mensuração das habilidades de autoadvocacia de estudantes com DA em contexto clínico. Sugere-se que sejam analisadas em uma amostragem maior para que os parâmetros psicométricos desses instrumentos também sejam avaliados.

Material Suplementar

Este artigo acompanha material suplementar.

Tabela Comparativa Modificações Anexo 1 Checklists de Autoadvocacia

Este material está disponível como parte da versão online do artigo na página:https://www.scielo.br/j/codas

AGRADECIMENTOS

Agradecemos as autoras Cheryl DeConde Johnson e Carrie Spangler por autorizarem e disponibilizarem os questionários Self-Advocacy Checklist “I can”, Audiology Self-Advocacy Checklist - ELEMENTARY SCHOOL (ASAC-ES), Audiology Self-Advocacy Checklist - MIDDLE SCHOOL (ASAC-ES) e Audiology Self-Advocacy Checklist - HIGH SCHOOL (ASAC-ES) para tradução. Agradecemos a contribuição dos tradutores envolvidos nessa pesquisa.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB, Universidade de São Paulo –USP - Bauru (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - (001).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2020
  • Aceito
    17 Set 2020
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