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Atividades e participação de crianças com transtornos de linguagem em atendimento ambulatorial segundo a CIF

RESUMO

Objetivo

Identificar as principais categorias do componente Atividades e Participação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, bem como os possíveis qualificadores de Capacidade e Desempenho, e verificar suas associações com idade, sexo, escolaridade e diagnóstico fonoaudiológico em crianças atendidas em um ambulatório de linguagem oral.

Método

Trata-se de estudo observacional analítico e transversal, realizado com dados secundários de 32 prontuários de crianças com maioria do sexo masculino, média de idade de 41,03 meses, em ensino infantil e transtorno de linguagem associado a outras condições. Foi realizada a codificação das principais manifestações fonoaudiológicas segundo as categorias do componente Atividades e Participação pré-selecionadas e realizadas análises estatísticas descritivas e bivariadas e uso do teste Exato de Fisher com nível de significância de 5%.

Resultados

A análise descritiva das categorias pré-selecionadas permitiu verificar um número alto de respostas “Não informado”, com maior porcentagem em expressão vocal sem fala (d331) desempenho (93,8%), tomar decisões (d177) capacidade (90,6%), resolver problemas (d175) desempenho (65,6%) e capacidade (87,5%), recepção de mensagens orais (d310) desempenho (65,6%) e comer (d550) capacidade (65,6%). Dentre as 24 categorias selecionadas, 12 contemplaram conjuntamente os qualificadores de Desempenho e Capacidade. Houve associação com significância estatística entre as categorias (d175, d815 e d350) com dados sociodemográficos e diagnósticos fonoaudiológicos.

Conclusão

Foram identificadas dificuldades em categorias do componente Atividades e Participação e associações com significância estatística entre elas e os dados sociodemográficos e diagnósticos fonoaudiológicos, evidenciando impactos dos transtornos de linguagem oral nas atividades e participação de crianças atendidas em um serviço ambulatorial.

Descritores:
Linguagem Infantil; Desenvolvimento da Linguagem; Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem; Criança; Classificação Internacional de Funcionalidade; Incapacidade e Saúde

ABSTRACT

Purpose

To identify the main categories of the Activities and Participation component of the International Classification of Functioning, Disability, and Health and to verify the association with age, gender, education, and speech therapy diagnosis in children who are assisted by an oral language clinic.

Methods

This is an analytical and cross-sectional observational study, carried out with secondary data from 32 medical records of children with the majority male, mean age of 41.03 months, in early childhood education and language disorder associated with other conditions. The main speech-language pathology manifestations were coded according to the pre-selected categories of the Activities and Participation component, and descriptive and bivariate statistical analyzes were performed, and the Fisher's Exact test was used with a significance level of 5%.

Results

The descriptive analysis of the pre-selected categories allowed us to verify a high number of “Not informed” answers, with a higher percentage in vocal expression without speech (d331) performance (93.8%), making decisions (d177) ability (90.6%), problem solving (d175) performance (65.6%) and capacity (87.5%), reception of oral messages (d310) performance (65.6%) and eating (d550) capacity (65.6%). Among the 24 categories selected, 12 jointly contemplated the Qualifiers of Performance and Capacity. There was a statistically significant association between the three categories with sociodemographic data and speech therapy diagnoses.

Conclusion

Difficulties were identified in several categories of the Activities and Participation component and statistically significant associations between them and sociodemographic data and speech therapy diagnoses, showing the impacts of oral language disorders on the activities and participation of children assisted in an outpatient speech therapy service.

Keywords:
Child Language; Language Development; Language Development Disorders; Child; International Classification of Functioning; Disability and Health

INTRODUÇÃO

A linguagem é um sistema de comunicação fundamental para a funcionalidade humana e por meio dela o ser humano interage na sociedade. A aquisição e o refinamento das habilidades de fala e linguagem no decorrer do desenvolvimento infantil, permitem que a criança exerça maior controle sobre sua vida por meio da expressão de suas necessidades, sentimentos e ideias. Comprometimentos na linguagem infantil podem gerar impacto ou prejuízo ao desenvolvimento psicossocial e cognitivo, bem como à qualidade de vida da criança(11 Souza RPF, Cunha DA, Silva HJ. Fonoaudiologia: a inserção da área de Linguagem no Sistema Único de Saúde (SUS). Rev CEFAC. 2005;7(4):426-32.

2 Ostroschi DT, Zanolli ML, Chun RYS. Percepção de familiares de crianças e adolescentes com alteração de linguagem utilizando a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF-CJ). CoDAS. 2017;29(3):e20160096. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016096. PMid:28538828.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2017...
-33 Dempsey L, Skarakis-Doyle E. Developmental language impairment through the lens of the ICF: an integrated account of children’s functioning. J Commun Disord. 2010;43(5):424-37. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2010.05.004. PMid:20538283.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2010...
).

A avaliação da linguagem infantil e o planejamento das estratégias terapêuticas na reabilitação não devem se restringir aos aspectos orgânicos, mas integrar a influência dos aspectos ambientais, psicossociais e cognitivos. Tal abordagem permite uma compreensão mais ampla da linguagem, que considera seu uso nos diferentes contextos da vida e a maneira que esta molda a funcionalidade da criança(44 Santana MTM, Chun RYS. Linguagem e funcionalidade de adultos pós-Acidente Vascular Encefálico (AVE): avaliação baseada na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). CoDAS. 2017;29(1):e20150284. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172015284. PMid:28300953.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2017...
).

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) é uma classificação pertencente à Família de Classificações Internacionais da Organização Mundial de Saúde (OMS), que se propõe a descrever a saúde e seus estados relacionados e proporcionar uma linguagem unificada e padronizada(55 Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: EDUSP; 2020.). Dessa forma, a ferramenta permite classificar, por meio de uma perspectiva biopsicossocial, a funcionalidade, a incapacidade e os fatores contextuais associados às condições de saúde(55 Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: EDUSP; 2020.).

O uso da CIF como ferramenta para monitorar a evolução da funcionalidade contribui para identificar, compreender e monitorar os impactos que o comprometimento de linguagem pode representar ao desenvolvimento global e social da criança, além de favorecer uma assistência fundamentada na atenção e cuidado integral à saúde e seus estados relacionados. Ao auxiliar na identificação dos aspectos da funcionalidade, principalmente aqueles relacionados às limitações de atividades e restrições de participação, a caracterização realizada por meio da CIF pode auxiliar no planejamento de intervenções para a superação das barreiras nos diferentes contextos da vida(22 Ostroschi DT, Zanolli ML, Chun RYS. Percepção de familiares de crianças e adolescentes com alteração de linguagem utilizando a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF-CJ). CoDAS. 2017;29(3):e20160096. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016096. PMid:28538828.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2017...
).

A American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) recomenda a incorporação da CIF em todos os componentes de atenção à saúde a fim de integrar, nas decisões clínicas, a influência dos fatores contextuais à funcionalidade e promover o desenvolvimento de objetivos funcionais e práticas colaborativas(66 ASHA: American Speech-Language-Hearing Association [Internet]. Rockville: American Speech-Language-Hearing Association; c2016 [citado em 2022 Ago 15]. Disponível em: www.asha.org/policy
www.asha.org/policy...
).

Diante de sua complexidade e extensão, assim como da carência de estudos e ferramentas de referência, evidencia-se a necessidade de ampliar o uso da CIF na prática fonoaudiológica, por meio do desenvolvimento de instrumentos clínicos padronizados que norteiem e auxiliem sua aplicação clínica(77 Biz MCP, Chun RYS. Operacionalização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, CIF, em um Centro Especializado em Reabilitação. CoDAS. 2020;32(2):e20190046. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192019046. PMid:31851217.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2019...
). Além disso, o desenvolvimento de estudos que associem as categorias relevantes às alterações de linguagem oral, com os fatores pessoais e diagnósticos clínicos, favorece uma compreensão mais ampla do comprometimento de linguagem, e considera suas repercussões individuais e sociais.

A CIF é estruturada em duas partes. A primeira, Funcionalidade e Incapacidade, inclui os componentes Funções e Estruturas do Corpo e, Atividades e Participação. A segunda parte traz as informações do contexto, incluindo os componentes Fatores Ambientais e Fatores Pessoais. Os aspectos positivos (integridade, funcional e estrutural, atividades e participação) são denominados Funcionalidade. Os aspectos negativos (deficiência, limitação da atividade ou restrição da participação) constituem a Incapacidade. Em relação aos fatores ambientais, os aspectos positivos são os facilitadores e os aspectos negativos são barreiras(55 Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: EDUSP; 2020.).

No presente estudo, o foco será o componente Atividades e Participação, que contempla os qualificadores de Capacidade e Desempenho e inclui domínios que indicam os aspectos da funcionalidade no nível individual e social, e, por isso, representa a “matriz da informação” gerada pela CIF(55 Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: EDUSP; 2020.). Por entender que as alterações de linguagem em crianças podem comprometer execuções de tarefas ou ações (Atividades) e o envolvimento em situações de vida diária (Participação) configurando limitações e restrições, respectivamente, é de suma importância investigar as interações entre os construtos Linguagem e Funcionalidade.

Portanto, os objetivos do presente estudo foram identificar as principais categorias, referentes ao componente Atividades e Participação da CIF, bem como os possíveis qualificadores de Capacidade e Desempenho, e verificar suas associações com idade, sexo, escolaridade e diagnóstico fonoaudiológico global em crianças atendidas em um ambulatório de linguagem oral.

MÉTODO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob número 3.172.707 e CAAE: 02470618.1.0000.5149.

Trata-se de estudo observacional analítico, de caráter transversal, com base na análise de dados secundários, coletados em prontuários de pacientes atendidos em um serviço fonoaudiológico ambulatorial pertencente a um hospital da rede pública.

O serviço em questão é um ambulatório de terapia de linguagem oral infantil, que presta assistência a crianças com Transtornos de Linguagem associados à Síndrome de Down e outras condições genéticas ou sensoriais; Transtorno do Espectro Autista; Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem e Transtornos dos Sons da Fala.

A amostra refere-se aos dados coletados de 32 prontuários de pacientes, configurando a totalidade dos atendidos no período de agosto de 2018 a março de 2021, com faixa etária entre 14 meses e 8 anos e que apresentavam diagnóstico de transtorno de linguagem oral infantil. Todos os responsáveis pelos participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e autorizaram o acesso aos prontuários dos participantes.

Inicialmente, foram coletados os seguintes dados nos relatórios de avaliação inicial: sexo, data de nascimento, escolaridade e diagnóstico fonoaudiológico global. Em seguida, foi realizada a classificação das principais manifestações e diagnósticos fonoaudiológicos segundo o componente Atividades e Participação da CIF, utilizando seus qualificadores de Capacidade e Desempenho.

Foram consideradas as manifestações e hipóteses diagnósticas fonoaudiológicas relacionadas às alterações de linguagem, em seus aspectos receptivos, expressivos e seus subsistemas fonológico, morfossintático, pragmático e semântico, assim como dos aspectos do desenvolvimento cognitivo, descritos nos relatórios conforme os resultados dos seguintes testes: Protocolo de Observação Comportamental (PROC)(88 Zorzi JL, Hage SRV. PROC - protocolo de observação comportamental: avaliação de linguagem e aspectos cognitivos infantis. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2004.), Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem (ADL)(99 Menezes MLN. ADL: Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem. São Paulo: Pró-Fono; 2004.), Protocolo de Observação de Comportamentos de crianças até 6 anos de idade (1010 Chiari BM, Basilio CS, Nakagawa EA, Cormedi MA, Silva NSM, Cardoso RM, et al. Proposta de sistematização de dados da avaliação fonoaudiológica através da observação de comportamentos de criança de 0 a 6 anos. Pro Fono. 1991;3(2):29-36.), Teste de Linguagem Infantil ABFW(1111 Andrade CRF, Béfi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner WH. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. Carapicuíba: Pró-Fono; 2004.), Teste de Vocabulário por Figuras USP (TVfusp)(1212 Capovilla FC, organizador. Teste de Vocabulário por Figuras USP (Tvfusp). São Paulo: Memnon; 2011.), Teste de Vocabulário Auditivo (TVAud) e Teste de Vocabulário Expressivo (TVExp)(1313 Capovilla FC, Negrão VB, Damazio M. Teste de Vocabulário Auditivo e Teste de Vocabulário Expressivo. São Paulo: Memnon; 2011.). Foram considerados também os resultados da avaliação auditiva, quando presentes.

Para a definição das categorias da CIF, foi realizada a pré-seleção dos capítulos do componente Atividades e Participação que se relacionam às alterações de linguagem oral infantil. Vale destacar que a pré-seleção foi feita de forma aberta, ou seja, considerando a descrição das manifestações e diagnósticos fonoaudiológicos elencados nos relatórios. Foram incluídos cinco no presente estudo, sendo eles: “Aprendizagem e aplicação de conhecimento”, “Tarefas e demandas gerais”, “Comunicação”, “Cuidado pessoal” e “Áreas principais da vida” (Quadro 1).

Quadro 1
Categorias selecionadas do componente Atividades e Participação da CIF

Após a definição dos capítulos, foi realizada a seleção do conjunto de categorias de cada um destes e posterior codificação dos achados nos relatórios, com os respectivos qualificadores de Desempenho e Capacidade. Para o presente estudo foram utilizados apenas os qualificadores .0 (nenhuma dificuldade), .8 (dificuldade não especificada) e .9 (não aplicável), não especificando o grau de dificuldade.

Foram selecionadas 24 categorias: dez do capítulo “Aprendizagem e aplicação de conhecimento”, três do capítulo “Tarefas e demandas gerais”, cinco do capítulo “Comunicação”, quatro do capítulo “Cuidado pessoal” e duas do capítulo “Áreas principais da vida”, conforme descrito no Quadro 1.

Os dados coletados foram tabulados em planilha construída no programa Excel e compilados para caracterização do perfil, das manifestações fonoaudiológicas e construção da lista de categorias. Os dados referentes ao processo de classificação das manifestações presentes nos relatórios foram compilados para análise.

Foram realizadas análises descritiva e bivariada. A análise descritiva foi realizada por meio de distribuição de frequência absoluta e relativa das variáveis categóricas, e de síntese numérica das variáveis contínuas. Foram definidas como variáveis resposta as categorias do componente Atividades e Participação da CIF e como as variáveis explicativas sexo, idade, escolaridade e diagnóstico fonoaudiológico global. Vale destacar que para as análises estatísticas o qualificador .9 (não aplicável) foi retirado para facilitar a síntese dos dados.

Na análise bivariada foi utilizado o teste Exato de Fisher para todas as variáveis categóricas. Para a realização da análise bivariada foi necessário realizar a recategorização e criação de novas variáveis, devido ao pequeno número de observações em determinadas categorias das variáveis. A variável “Escolaridade” foi reclassificada em duas categorias na nova variável: “Frequenta escola” (sim para “Ensino infantil” e “Ensino fundamental” e não para “Não frequenta”). A variável “Idade” teve distribuição assimétrica (Teste de Kolmogorov-Smirnov com valor-p=0,002) e optou-se por categorizá-la usando como ponto de corte a mediana da distribuição, que foi de 37,5 meses, sendo esta realizada em duas categorias, sendo a primeira ≤37,5 meses e a segunda categoria >37,5 meses. Para todas as análises foi considerado o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A análise descritiva dos dados sociodemográficos revelou que 59,4% dos participantes pertenciam ao sexo masculino e 40,6% ao sexo feminino. A média de idade foi de 41,03 meses, desvio padrão 19,77, mínimo 14 e máximo 96. Em relação à escolaridade, 19 participantes (60,7%) cursavam o ensino infantil, cinco participantes (14,3%) cursavam o ensino fundamental e oito participantes (25%) não frequentavam a escola. A análise do diagnóstico fonoaudiológico global permitiu verificar prevalência de transtorno de linguagem associado a outras condições (60%), seguido de transtorno do desenvolvimento da linguagem (40%).

Quanto ao componente Atividades e Participação da CIF, a análise descritiva das categorias pré-selecionadas permitiu verificar um número alto de respostas “Não informado”, com maior porcentagem em expressão vocal sem fala (d331) desempenho (93,8%), tomar decisões (d177) capacidade (90,6%), resolver problemas (d175) desempenho (65,6%) e capacidade (87,5%), recepção de mensagens orais (d310) desempenho (65,6%) e comer (d550) capacidade (65,6%). Dentre as 24 categorias selecionadas, 12 contemplaram conjuntamente os qualificadores de Desempenho e Capacidade.

Para as categorias referentes ao capítulo “Aprendizagem e aplicação de conhecimento”, as que foram descritas em maior porcentagem como “há dificuldade” foram: aquisição de linguagem (d132) - desempenho (68,8%) e capacidade (96,9%); aprender por meio de ações com objetos (d131) - capacidade (75%); aquisição de conceitos (d137) - capacidade (62,5%) e concentrar a atenção (d160) - capacidade (59,4%).

No capítulo “Tarefas e demandas gerais”, as três categorias selecionadas foram descritas em maior prevalência como “há dificuldade”, sendo elas: lidar com o estresse e outras demandas psicológicas (d240) - desempenho (59,4%); realizar uma única tarefa (d210) - desempenho (50%) e realizar a rotina diária (d230) - desempenho (50%).

Das cinco categorias selecionadas do capítulo “Comunicação”, as que em maior porcentagem foram descritas como “há dificuldade” foram: fala (d330) - desempenho (62,5%) e capacidade (100%); conversação (d350) - capacidade (75%) e recepção de mensagens orais (d310) - capacidade (53,1%). As categorias descritas em maior porcentagem como “não há dificuldade” foram: produção de mensagens não verbais (d335) - capacidade (59,4%) e expressão vocal sem fala (d331) - capacidade (50%).

No capítulo “Cuidado pessoal” verificou-se um número alto de respostas “Não informado”. As categorias lavar-se (d510), cuidado das partes do corpo (d520) e vestir-se (d540) contemplaram apenas o qualificador de desempenho e todas foram mais frequentemente descritas como “há dificuldade” (34,4%). A categoria comer (d550) foi descrita como “não há dificuldade” em 46,9% no qualificador de desempenho e em 34,4% no qualificador de capacidade.

No capítulo “Áreas principais da vida”, as categorias educação infantil (d815) e educação escolar (d820) também contemplaram apenas o qualificador de desempenho. A categoria educação escolar foi descrita como “não se aplica” em 87,5% dos pacientes. A categoria educação infantil foi descrita como “não há dificuldade” em 37,5% e como “há dificuldade” em 31,3%.

A análise de associação entre as categorias do componente Atividades e Participação da CIF e o sexo dos pacientes não apresentou resultado com significância estatística.

Na análise de associação entre as categorias do componente Atividades e Participação da CIF e a idade dos pacientes, categorizada segundo a mediana, houve resultado com significância estatística entre a idade e a categoria resolver problemas (d175) - desempenho, com valor-p de 0,045. Entre os participantes que apresentaram dificuldade, 71,4% tinham idade ≤ 37,5 meses. A análise de associação entre as categorias da CIF e a variável “Frequenta escola” (sim e não) demonstrou resultado com significância estatística com a categoria educação infantil (d815) - desempenho, com valor-p de 0,003, sendo que entre os pacientes que não apresentaram dificuldade, todos frequentam a escola (Tabela 1).

Tabela 1
Análise de associação entre as variáveis selecionadas da CIF e os dados sociodemográficos dos participantes

Quanto a associação entre as categorias da CIF e a variável “Diagnóstico Fonoaudiológico” (transtorno do desenvolvimento de linguagem e transtorno de linguagem associado a outras condições) houve significância estatística entre o diagnóstico fonoaudiológico e a categoria conversação (d350) - capacidade (p=0,013), em que entre os participantes que apresentaram dificuldade, 77,3% apresentaram como diagnóstico fonoaudiológico Transtorno de Linguagem associado a outras condições (Tabela 2).

Tabela 2
Análise de associação entre variáveis selecionadas da CIF e o diagnóstico fonoaudiológico

DISCUSSÃO

A diversidade de categorias do componente Atividades e Participação da CIF encontradas no presente estudo, permitiu a reflexão sobre os impactos que os transtornos de linguagem oral podem representar ao desenvolvimento infantil, principalmente com relação a limitações de atividades e restrições de participação. Deste modo, o estudo buscou identificar as categorias referentes ao componente Atividades e Participação da CIF, e suas associações com idade, sexo, escolaridade e diagnóstico fonoaudiológico global, no contexto de um ambulatório de linguagem infantil.

Quanto aos dados sociodemográficos, o presente estudo revela que a maioria dos participantes pertence ao sexo masculino, resultado similar a outros estudos, que associam a prevalência de alterações de linguagem infantil para o sexo masculino devido a fatores neurológicos, hormonais e sociais(1414 Gomes HB, Schrer JF, Ardenghi LG. Caracterização de perfil e evolução de crianças em terapia fonoaudiológica no Sistema Único de Saúde (SUS). Braz J Dev. 2020;6(10):82564-73.

15 Bittencourt AM, Rockenbach SP. Perfil dos pacientes de fonoaudiologia atendidos em uma unidade básica de saúde. Rev Iniciaç Cient ULBRA. 2018;16:78-87.

16 Longo IA, Tupinelli GG, Hermógenes C, Ferreira LV, Molini-Avejonas DR. Prevalence of speech and language disorders in children in the western region of São Paulo. CoDAS. 2017;29(6):e20160036. PMid:29160334.

17 Mandrá PP, Diniz MV. Caracterização do perfil diagnóstico e fluxo de um ambulatório de Fonoaudiologia hospitalar na área de Linguagem Infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):121-5. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011000200003.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011...

18 Farias IKMS, Araúdo ANB, Nascimento CMB, Xavier IALN, Vilela MBR. Caracterização dos atendimentos realizados numa Clínica Escola de Fonoaudiologia conveniada à rede Sistema Único de Saúde - SUS. Rev CEFAC. 2020;22(1):e10119. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/202022110119.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2020...
-1919 Sideri KP, Botega MBS, Chun RYS. Perfil populacional de Grupo de Avaliação e Prevenção de Alterações de Linguagem (GAPAL). Audiol Commun Res. 2015;20(3):269-73. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-ACR-2015-1548.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-ACR-...
). Quanto aos achados na amostra referentes a idade e escolaridade, em estudo sobre a prevalência das alterações fonoaudiológicas em crianças, foi observado a prevalência das alterações comunicativas na idade pré-escolar (48,7% dos participantes de 36 a 72 meses)(1616 Longo IA, Tupinelli GG, Hermógenes C, Ferreira LV, Molini-Avejonas DR. Prevalence of speech and language disorders in children in the western region of São Paulo. CoDAS. 2017;29(6):e20160036. PMid:29160334.). Vale destacar ainda que o presente estudo apresenta uma faixa etária ampla, 14 a 96 meses, o que configura uma amplitude bem maior para se pensar e referir às etapas do desenvolvimento e alterações comunicativas.

A predominância do diagnóstico fonoaudiológico de Transtorno de linguagem associado a outras condições corrobora estudo sobre o perfil diagnóstico de um ambulatório de Fonoaudiologia na área de Linguagem infantil, em que foi verificado uma alta prevalência de comorbidades (76,9%), sendo que as doenças neurológicas e o atraso do desenvolvimento neuropsicomotor foram as associações de maior ocorrência(1717 Mandrá PP, Diniz MV. Caracterização do perfil diagnóstico e fluxo de um ambulatório de Fonoaudiologia hospitalar na área de Linguagem Infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):121-5. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011000200003.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011...
).

Em relação às categorias do componente Atividades e Participação da CIF, os resultados demonstram que, a pré-seleção dos capítulos e categorias que se relacionam às alterações de linguagem oral infantil favorece sua aplicação, uma vez que todos os capítulos e categorias selecionados foram contemplados no presente estudo. A importância da consideração dos fatores associados às limitações de atividades e restrições de participação é refletida na multiplicidade de categorias também encontrada em outros estudos(2020 Borges MGS, Medeiros AM, Lemos SMA. Caracterização de aspectos fonoaudiológicos segundo as categorias da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens (CIF-CJ). CoDAS. 2018;30(4):e20170184. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017184. PMid:30110109.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...

21 Thomas-Stonell N, Oddson B, Robertson B, Rosenbaum P. Predicted and observed outcomes in preschool children following speech and language treatment: parent and clinician perspectives. J Commun Disord. 2009;42(1):29-42. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2008.08.002. PMid:18835607.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2008...

22 Pinto FCA, Schiefer AM, Perissinoto J. A anamnese fonoaudiológica segundo os preceitos da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Distúrb Comun. 2018;30(2):252-65. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2018v30i2p-252-265.
http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.201...
-2323 Zerbeto AB, Chun RYS, Zanolli ML. Contribuições da CIF para uma abordagem integral na atenção à Saúde de Crianças e Adolescentes. CoDAS. 2020;32(3):e20180320. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202018320. PMid:32638827.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2020...
), que evidencia a diversidade de manifestações fonoaudiológicas presentes em um mesmo diagnóstico de linguagem. Em estudo sobre as expectativas e os resultados observados após a terapia de fala e linguagem de crianças em idade pré-escolar, foi verificado que a maioria das preocupações, expectativas e evoluções observadas pelos pais e médicos estavam relacionadas a limitações de atividades(2121 Thomas-Stonell N, Oddson B, Robertson B, Rosenbaum P. Predicted and observed outcomes in preschool children following speech and language treatment: parent and clinician perspectives. J Commun Disord. 2009;42(1):29-42. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2008.08.002. PMid:18835607.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2008...
), o que demonstra a importância da integração dos aspectos da funcionalidade, principalmente aqueles relacionados às limitações de atividades e restrições de participação, na atuação fonoaudiológica dos transtornos de linguagem oral infantil.

Em estudo sobre a caracterização do desempenho, em aspectos fonoaudiológicos, de pacientes ambulatoriais segundo a versão da CIF para Crianças e Jovens (CIF-CJ), foi verificada a prevalência da descrição das dificuldades nas categorias relacionadas com questões de linguagem, aprendizagem ou escolares(2020 Borges MGS, Medeiros AM, Lemos SMA. Caracterização de aspectos fonoaudiológicos segundo as categorias da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens (CIF-CJ). CoDAS. 2018;30(4):e20170184. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017184. PMid:30110109.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
). O estudo referiu com maior ocorrência a descrição de dificuldade nas categorias pertencentes aos capítulos de aprendizado básico e aplicação de conhecimentos, sendo elas: aprender a ler (d140) - desempenho, dirigir a atenção (d161) - desempenho, escrever (d170) - capacidade e aprender a escrever (d145) - capacidade. Os estudos se coincidem quanto a prevalência da descrição da dificuldade no capítulo “Aprendizagem e aplicação de conhecimento”, no entanto, se diferem quanto às categorias descritas em maior porcentagem como “há dificuldade”. Tal diferença pode ser justificada pelo cenário, caracterização da amostra, faixa etária e alterações apresentadas pelos pacientes de cada estudo. O estudo referenciado foi realizado com base na análise de prontuários de pacientes atendidos em um ambulatório de avaliação, com idades entre 5 e 16 anos, em que as alterações poderiam não estar relacionadas à linguagem oral, além da possibilidade de os pacientes apresentarem outros tipos de alterações, como de leitura e escrita. Além disso, com relação à caracterização da amostra, o estudo apresentou como critérios de exclusão pacientes com suspeita ou confirmação dos diagnósticos de Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD).

Por outro lado, em estudo, que realizou a identificação das categorias da CIF em quadros de Transtornos de Linguagem e de Fala, as categorias mais frequentes do componente Atividades e Participação - comunicação-recepção de mensagens orais (d310), fala (d330), aquisição de habilidades (d155) e conversação (d350) - estiveram relacionadas aos capítulos de aprendizagem básica e de comunicação(2222 Pinto FCA, Schiefer AM, Perissinoto J. A anamnese fonoaudiológica segundo os preceitos da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Distúrb Comun. 2018;30(2):252-65. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2018v30i2p-252-265.
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), o que se assemelha aos resultados do presente estudo quanto aos capítulos em que a descrição da dificuldade ocorreu com maior frequência e quanto às categorias fala (d330) e conversação (d350,) que também foram umas das descritas com maior porcentagem como “há dificuldade”.

Estudos que associam as categorias relevantes às alterações de linguagem oral com os fatores pessoais e diagnósticos clínicos favorecem a compreensão das condições de saúde. As análises realizadas no presente estudo permitiram verificar associação entre a idade e a categoria resolver problemas (d175) - desempenho, em que a maioria dos participantes que apresentaram dificuldade tinha idade ≤ 37,5 meses, o que pode ser justificada pelo desenvolvimento da autonomia, habilidades sociais ou inserção no ambiente escolar, ou a interação de dois ou mais fatores. Assim, independente do diagnóstico de linguagem, os fatores do desenvolvimento têm papel preponderante. Outro fator importante é a experiência escolar, fundamental para as aquisições sociais e educacionais nos primeiros anos escolares(2424 Rodrigues MC, Dias JP, Freitas MFRL. Resolução de problemas interpessoais: promovendo o desenvolvimento sociocognitivo na escola. Psicol Estud. 2010;15(4):831-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722010000400019.
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). A escola favorece a evolução de estágios cognitivos, fortalecendo suas habilidades de enfrentamento das adversidades e incentivando soluções criativas para seus problemas(2424 Rodrigues MC, Dias JP, Freitas MFRL. Resolução de problemas interpessoais: promovendo o desenvolvimento sociocognitivo na escola. Psicol Estud. 2010;15(4):831-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722010000400019.
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).

A associação entre frequentar a escola e a categoria educação infantil (d815) - desempenho, em que todos os participantes que não apresentaram dificuldade frequentam a escola, pode ser justificada pelo fato de as queixas dos pais de crianças em idade pré-escolar ainda não estarem voltadas às questões escolares, que se iniciam na idade escolar. Após a inserção na escola, os pais tendem a ampliar a percepção de queixas relacionadas às dificuldades escolares. Em estudo realizado com familiares de crianças em idade escolar, as principais queixas que motivaram os encaminhamentos à clínica estavam vinculadas a dificuldades de escrita e leitura, enquanto as queixas relacionadas a aspectos psicológicos/comportamentais foram menos frequentes(2525 Mazzarotto IHEK, Berberian AP, Massi G, Cunha JT, Tonocchi R, Barbosa APB. School referrals of children with writing difficulties: an analysis of the position adopted by their family. Rev CEFAC. 2016;18(2):408-16. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201618211615.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
).

Em outro estudo, realizado em um ambulatório de avaliação fonoaudiológica, foi verificada associação entre a escolaridade e o Fator denominado “Família/escola”, pertencente ao componente Atividades e Participação da CIF e composto pelas categorias “Relacionamentos familiares - Desempenho” e “Educação escolar - Desempenho”, em que o Fator apresentou maiores pontuações entre os pacientes de maior idade que cursavam o ensino fundamental, explicada pelas maiores demandas escolares apresentadas por indivíduos no ensino fundamental ou mais velhos(2626 Borges MGS, Medeiros AM, Lemos SMA. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens (CIF-CJ) e Fonoaudiologia: associação com fatores sociodemográficos e clínico-assistenciais. CoDAS. 2020;32(3):e20190058. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019058. PMid:32609224.
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). Embora os estudos se diferenciem quanto às variáveis analisadas, é possível relacionar a idade escolar às maiores demandas e dificuldades escolares observadas no estudo referenciado. Tal fato reflete a importância da atuação fonoaudiológica englobar a linguagem oral e escrita, antes mesmo da entrada no ensino formal, uma vez que o domínio do sistema linguístico em sua modalidade oral e o desenvolvimento das habilidades metacognitivas e metalinguísticas são fundamentais para o aprendizado de leitura e escrita(2727 Williams EMO, Denucci MAM, Ribeiro JM, Carvalho TM, Rodrigues ALC. Linguagem escrita: o trabalho da fonoaudiologia na educação infantil com as habilidades preditoras da alfabetização. Braz J Dev. 2021;7(6):55212-27. http://dx.doi.org/10.34117/bjdv7n6-094.
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).

A associação verificada entre o diagnóstico fonoaudiológico e a categoria d350 - capacidade, em que a maioria dos participantes com dificuldade apresentou como diagnóstico Transtorno de Linguagem associado a outras condições, pode ser explicada pelo perfil dos pacientes atendidos no serviço, uma vez que o hospital ao qual o ambulatório em questão pertence realiza atendimentos de média e alta complexidade, sendo referência no encaminhamento de serviços como neurologia e genética, e recebendo, em sua maioria, pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Síndrome de Down, condições em que o prejuízo nas habilidades pragmáticas é frequente, o que gera dificuldades de interação, comunicação social e conversação(2828 Alba TC, Pérez-Pereira M. Habilidades pragmáticas en niños con TEA, TDAH, síndrome de Down y desarrollo típico según la versión gallega del CCC-2. Rev Logop Fon Audiol. 2019;39(3):105-14.).

Por se tratar de uma análise com base em dados secundários, coletados em prontuários, a limitação do estudo envolve a perda de informações, como evidenciado pelo número alto de respostas “Não informado” na análise descritiva das categorias da CIF, que pode ser justificado pelos instrumentos de anamnese e avaliação utilizados no serviço ainda terem pouca associação com os aspectos de funcionalidade descritos na CIF. Isso evidencia a necessidade do desenvolvimento de instrumentos clínicos padronizados com categorias relevantes às alterações de linguagem infantil, que viabilizem sua implementação na prática clínica do serviço e minimizem a perda de informações gerada na análise dos prontuários. Além disso, o estudo apresenta limitações quanto ao tamanho da amostra pesquisada, no entanto, por se tratar de um ambulatório cuja população não é extensa, a amostra foi representativa do perfil do serviço.

Como avanços, o estudo permite a identificação das principais categorias relevantes às alterações de linguagem oral infantil, a compreensão das limitações de atividades e restrições de participação decorrentes dessa condição, assim como a implementação da lista de categorias construída no serviço, viabilizando a aplicação da CIF em sua prática clínica e o desenvolvimento de um estudo longitudinal futuro com a mesma população, ampliando o uso dos qualificadores que especificam o grau de dificuldade para fazer um comparativo pré e pós terapia fonoaudiológica. Além disso, o presente estudo pode motivar fonoaudiólogos de outros serviços que atuam com perfil de pacientes semelhantes à incorporação e operacionalização da CIF no fluxo clínico-assistencial.

Diante dos resultados encontrados, observa-se a importância do uso da CIF como uma ferramenta para a integração dos impactos decorrentes das alterações de linguagem à funcionalidade e a ampliação da abordagem biopsicossocial na clínica fonoaudiológica.

CONCLUSÃO

Foram selecionadas 24 categorias do componente Atividades e Participação da CIF, das quais 12 contemplaram conjuntamente os qualificadores de Desempenho e Capacidade, em crianças com transtornos de linguagem oral e que se encontram em terapia fonoaudiológica em um serviço ambulatorial da rede pública. A descrição da dificuldade ocorreu com maior frequência nas categorias pertencentes aos capítulos de aprendizagem e aplicação de conhecimento e comunicação, e estiveram relacionadas a atividades como adquirir linguagem, aprender por meio de ações com objetos, falar e conversar.

Além disso, foi possível verificar associações com significância estatística entre os dados sociodemográficos e os diagnósticos fonoaudiológicos com as categorias do componente Atividades e Participação da CIF.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2022
  • Aceito
    15 Ago 2022
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