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Nota de passagem no perfil de extensão vocal de coristas: estudo preliminar de frequência e intensidade

RESUMO

Objetivo

Analisar a nota de passagem no perfil de extensão vocal de coristas, pela identificação das frequências fundamentais e intensidades, tanto na mudança para o registro agudo quanto para o grave, comparando-as, por naipe.

Método

Participaram 67 coristas, com média de idade de 27,79 (±7,50) anos, dos naipes: soprano (n=20), contralto (n=17), tenor (n=15) e baixo (n=15). Para coleta e análise dos dados utilizou-se o software Vocalgrama (CTS Informática) no qual foi realizada a gravação da emissão da vogal /Ɛ/ em glissando ascendente e descendente, até às frequências mais grave e mais aguda, nas intensidades mais fraca e mais forte possíveis.

Resultados

Foram identificados os valores das frequências e respectivas intensidades das notas de passagem nas emissões ascendentes e descendentes fortes e fracas nos quatro naipes. Houve maior ocorrência de identificação de quebra nas vozes agudas, comparativamente às mais graves. Os valores médios das frequências encontradas foram correspondentes a notas diferentes das estabelecidas na literatura para todos os naipes.

Conclusão

As notas de passagem identificadas no perfil de extensão vocal de coristas, a partir de suas frequências e intensidades, obtiveram maior ocorrência nos naipes soprano e tenor, comparativamente ao contralto e baixo, nas mudanças para os registros graves e agudos.

Descritores:
Voz; Canto; Fonoaudiologia; Qualidade da Voz; Música

ABSTRACT

Purpose

To analyze the passaggio in the voice range profile of choristers, by identifying the fundamental frequencies and intensities, both in the change to the high and low registers, comparing them, by voice types.

Method

67 choristers participated, mean age of 27.79 (± 7.50) years old, of the following voice types: soprano (n = 20), alto (n = 17), tenor (n = 15) and bass (n = 15). For data collection and analysis, the Vocalgram software (CTS Informática) was used, which recorded the emission of the vowel / Ɛ / in ascending and descending glissando, up to the lowest and highest note in the weakest and strongest intensities possible.

Results

The values of frequencies and respective intensities of the passaggio were identified in ascending and descending, strong and weak emissions in all voice types. There was a higher occurrence of voice break in the high voices, compared to the low ones. The average values ​​of the frequencies found corresponded to different tones from those established in the literature for all voice types.

Conclusion

The passaggio identified in the vocal range profile of choristers, based on their frequencies and intensities were more frequent in soprano na tenor, compared to alto and bass, in changes to the low and high registers.

Keywords:
Voice; Singing; Speech; Language and Hearing Sciences; Voice Quality; Music

INTRODUÇÃO

Uma das principais características da mudança de registro do cantor não treinado é a “quebra na voz”, identificada como nota de passagem. A despeito das controvérsias quanto às suas atribuições aos naipes, ela é utilizada como um dos parâmetros para a classificação vocal de cantores(11 Paparotti C, Leal V. Cantonário: guia prático para o canto. Brasília: MusiMed; 2011.,22 Lima AT, Lucena JA, Araújo ANB, Lira ZS, Gomes AOC. Perfil de extensão vocal em coristas após técnica de vibração de língua associada a escalas. Rev CEFAC. 2016;18(3):626-34. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201618315415.
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).

A classificação dos registros tem como base a ação do grupo muscular predominante na emissão, bem como seus efeitos de ressonância, seja na voz falada ou cantada(33 Roubeau B, Henrich N, Castellengo M. Laryngeal vibratory mechanisms: the notion of vocal register revisited. J Voice. 2009;23(4):425-38. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.014. PMid:18538982.
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). As notas de passagem, por sua vez, representam variações repentinas da massa vibratória em ações ocasionadas por modificações na tensão das pregas vocais, que podem ser de forma gradual, como durante a produção de um glissando.

A transição no registro pode ser identificada por medidas instrumentais, ainda que o cantor seja habilidoso o suficiente para suavizá-la, sem que sejam produzidas mudanças auditivamente perceptíveis(33 Roubeau B, Henrich N, Castellengo M. Laryngeal vibratory mechanisms: the notion of vocal register revisited. J Voice. 2009;23(4):425-38. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.014. PMid:18538982.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
,44 Henrich N. Mirroring the voice from Garcia to the present day: some insights into singing voice registers. Logoped Phoniatr Vocol. 2006;31(1):3-14. http://dx.doi.org/10.1080/14015430500344844. PMid:16531287.
http://dx.doi.org/10.1080/14015430500344...
).

Desse modo, o uso de medidas acústicas computadorizadas poderia minimizar as divergências quanto à identificação das notas de passagem, além de ser um possível recurso para a análise do comportamento vocal durante as mudanças de registro, para acompanhamento de resultados terapêuticos e do aprimoramento vocal, permitindo o feedback visual durante a execução dos exercícios propostos para minimização dessas quebras, tão incômodas para o cantor, mas que podem ser ocultadas com treino constante. Além disso, devido à sua importância para a classificação vocal, essas notas podem ser melhor avaliadas com tais medidas que, somadas às análises perceptivo-auditivas, são capazes de fornecer dados mais objetivos sobre os parâmetros estudados(55 Camargo TF, Barbosa DA, Teles LCS. Características da fonetografia em coristas de diferentes classificações vocais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000100004.
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).

Por isso, a adesão dos fonoaudiólogos a essas novas tecnologias é crescente, como ocorre com a fonetografia, capaz de avaliar o perfil de extensão vocal (PEV) dos indivíduos por meio da relação entre frequência e intensidade, favorecendo a análise da performance vocal(55 Camargo TF, Barbosa DA, Teles LCS. Características da fonetografia em coristas de diferentes classificações vocais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000100004.
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6 Vargas AC, Costa AG, Hanayama EM. Perfil de extensão vocal em indivíduos falantes normais do português brasileiro. Rev CEFAC. 2005;7(1):108-16.
-77 Šiupšinskienė N, Lycke H. Effects of vocal training on singing and speaking voice characteristics in vocally healthy adults and children based on choral and nonchoral data. J Voice. 2011;25(4):e177-89. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2010.03.010. PMid:20702062.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2010....
). Nesse sentido, o Vocalgrama® da CTS Informática é um software que pode ser utilizado para avaliar a intensidade e frequência da voz cantada pelo registro do perfil de extensão vocal (PEV). Para tal, emite-se a vogal / Ɛ / em glissando ascendente e descendente, da tonalidade mínima à máxima possível, nos níveis de intensidade fraco e forte(22 Lima AT, Lucena JA, Araújo ANB, Lira ZS, Gomes AOC. Perfil de extensão vocal em coristas após técnica de vibração de língua associada a escalas. Rev CEFAC. 2016;18(3):626-34. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201618315415.
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).

Além de fornecer informações sobre a extensão vocal, a análise gerada pelo PEV resulta em gráficos que propiciam a investigação de outros parâmetros, além de auxiliar na visualização de mudanças vocais não percebidas auditivamente(88 Santos ACM, Borrego MCM, Behlau M. Efeito de treinamento vocal direto e indireto em estudantes de Fonoaudiologia. CoDAS. 2015;27(4):384-91. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014232. PMid:26398263.
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). Tais resultados reforçam a importância do uso desse instrumento para o registro de resultados e para o biofeedback dos sujeitos submetidos à terapia ou aprimoramento vocais.

Considerando-se que os efeitos acústicos da transição de registros podem ser ocultados com o treino constante(99 Behlau M, Madázio G. Voz: tudo o que você queria saber sobre fala e canto, Rio de Janeiro: Revinter; 2015.), este programa desponta como um grande aliado na atuação fonoaudiológica com cantores, pois - dentre outras coisas - é útil no monitoramento visual e auditivo da evolução do paciente. Desse modo, o objetivo deste trabalho foi analisar a nota de passagem no perfil de extensão vocal de coristas, identificando a frequência fundamental e a intensidade, tanto na mudança para o registro agudo (emissões ascendentes), quanto para o grave (emissões descendentes), em coristas, estratificados por naipes.

MÉTODO

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, sob o parecer 1.455.166. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, antes da coleta dos dados.

Participaram 67 coristas adultos de diferentes corais, divididos em naipes, segundo a classificação dada por seus respectivos regentes/professores de canto, a saber: soprano (n=20), contralto (n=17), tenor (n=15) e baixo (n=15). A média de idade foi de 27,79 (±7,50) anos. Toda a amostra foi composta por cantores sem queixas vocais.

Para coleta e análise dos dados utilizou-se o software Vocalgrama, da CTS Informática, instalado em um computador HP Notebook PC, com microfone Auricular Karsect HT-2 e um Adaptador Andrea PureAudio™ USB-AS, para filtragem e redução dos ruídos. Os registros vocais foram gravados no próprio programa, e o microfone foi ajustado a quatro centímetros da comissura labial do cantor.

Para a gravação do PEV, o cantor foi solicitado a emitir a vogal /Ɛ/ em glissando ascendente e descendente, chegando à frequência mais grave e a mais aguda que era capaz de produzir, nas intensidades fraca e forte. Esses dados foram coletados três vezes, para cada cantor, a fim de se garantir a reprodutibilidade das medidas. O gráfico selecionado para análise foi sempre o que representava a melhor emissão do sujeito.

Os resultados do PEV são calculados pelo próprio programa, a partir de um gráfico, delineado à medida em que a emissão é realizada. Nele é possível identificar as frequências em Hertz (Hz) e as intensidades em decibel (dB), localizadas no eixo das abscissas e ordenadas, respectivamente(22 Lima AT, Lucena JA, Araújo ANB, Lira ZS, Gomes AOC. Perfil de extensão vocal em coristas após técnica de vibração de língua associada a escalas. Rev CEFAC. 2016;18(3):626-34. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201618315415.
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).

Para este estudo, foram consideradas as seguintes variáveis de análise: 1) Variáveis dependentes: identificação das notas de passagem (em %); frequência fundamental (f0) em Hertz (Hz); intensidade vocal em decibel (dB); 2) Variáveis independentes: Modo de emissão do/Ɛ/ glissando (forte e fraco; ascendente (para o registro agudo) e descendente (para o registro grave) e naipes (soprano, contralto, tenor e baixo).

A investigação da nota de passagem foi realizada através da análise do gráfico gerado pelo software, de forma visual e perceptivo-auditiva. Os dados foram averiguados por dois pesquisadores (fonoaudiólogos com experiência em canto), em consenso, sendo um terceiro convocado quando houve divergência entre os dois primeiros. Os pesquisadores observavam o gráfico, enquanto reproduziam a gravação da vogal /Ɛ/ em glissando (nos momentos ascendente e descendente) durante a análise das emissões. A “quebra” era identificada visualmente no momento em que ocorria a descontinuidade do sinal no gráfico e, de forma perceptivoauditiva, pela instabilidade vocal típica percebida pelos pesquisadores, enquanto ouviam tal reprodução (Figura 1).

Figura 1
Representação da identificação da nota de passagem, a partir da descontinuidade (“quebra”) no gráfico, nas emissões fraca (azul claro) e forte (azul escuro). 1= ponto identificado na emissão ascendente, fraca; 2 = ponto identificado na emissão ascendente, forte

A confirmação da presença da nota de passagem foi possível pela análise visual do gráfico gerado pelo programa, pois este as representa como uma descontinuidade no traçado produzido. Dessa forma, para identificação da frequência e intensidade das notas de passagem, posicionou-se o cursor do computador no centro do ponto que corresponde ao último registro anterior à quebra. Para as emissões ascendentes, esse momento ocorre da esquerda para direita, enquanto que para as descendentes, da direita para a esquerda (Figura 1).

Para identificação das notas correspondentes às frequências encontradas utilizou-se o “frequency to musical note converter”(1010 Botros, A [Internet]. Sydney: UNSW; c2001 [citado em Jul 2020]. Disponível em: http://newt.phys.unsw.edu.au/music/note/
http://newt.phys.unsw.edu.au/music/note/...
). A notação musical utilizada foi segundo a notação americana, em que o Dó central (de 261,63 Hz) do teclado de um piano de sete oitavas, corresponde a C4.

Para testar a normalidade dos dados de f0 e intensidade, foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk, rejeitando-se a hipótese de distribuição normal quando p<0,05. Para comparação entre os naipes, quanto à porcentagem de notas de passagem identificadas, utilizou-se o teste Qui-Quadrado para análise de proporções entre mais de duas amostras independentes e para a comparação entre as medianas de f0 e de intensidade das notas de passagem, utilizou-se o teste Mann-Whitney. Todas as análises foram realizadas considerando-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Os resultados quanto à porcentagem de sujeitos cujas notas de passagem foram identificadas, por meio da análise perceptivo-auditiva e visual, estão expressos na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição, em porcentagem, dos sujeitos segundo a identificação da nota de passagem, estratificados por naipe, nas emissões ascendentes e descendentes e nos modos de emissão fraco e forte

Quanto às emissões no modo ascendente, houve diferença entre os naipes quanto à identificação das notas de passagem e no grupo dos tenores as quebras foram mais evidentes, comparativamente aos demais naipes, tanto nas emissões fracas, quanto nas fortes.

Em relação às emissões no modo descendente, não houve diferença entre os naipes quanto à ocorrência das notas de passagem. Na comparação entre os modos ascendente e descendente e entre as emissões forte e fraca, não houve diferenças na porcentagem de identificação das notas de passagem.

Ao considerar o total das notas de passagem identificadas, a maior porcentagem está nos naipes caracterizados pelas vozes mais agudas (soprano e tenor) comparativamente aos das vozes graves (contralto e baixo). A soma de tenores e sopranos representa 70% dos sujeitos identificados.

A Tabela 2 apresenta a média dos valores da frequência e intensidade, encontradas no momento da quebra de passagem de registro vocal, e as notas correspondentes, estratificados por naipe, nas emissões ascendentes e descendentes, fraco e forte.

Tabela 2
Valores medianos das frequências (em Hz), e suas respectivas notas, e das intensidades (em dB) encontrados no momento da mudança de registro vocal, nas emissões ascendentes e descendentes, segundo os naipes dos coristas

Ao considerar os resultados individuais, por naipe, observa-se que as notas de passagem são diferentes nos momentos ascendentes e descendentes e nos modos fraco e forte, sendo que as notas dos tenores e baixos foram muito próximas, nas emissões ascendentes e a de sopranos e contraltos foi a mesma, nas emissões descendentes. No entanto, na análise inferencial, em que o grupo foi considerado em sua totalidade, devido ao número pequeno de sujeitos na amostra, não houve diferença na f0 entre as emissões ascendentes e descendentes e entre os momentos fraco e forte. Quanto à intensidade, como esperado, houve diferença entre os momentos fraco e forte, mas não entre as emissões ascendentes e descendentes.

DISCUSSÃO

O estudo dos registros vocais não é tão salientado na literatura, comparativamente aos demais parâmetros vocais, além de apresentar divergências conceituais entre profissionais(33 Roubeau B, Henrich N, Castellengo M. Laryngeal vibratory mechanisms: the notion of vocal register revisited. J Voice. 2009;23(4):425-38. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.014. PMid:18538982.
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). Recursos computadorizados podem ajudar fonoaudiólogos e professores de canto no controle das transições entre um registro e outro, considerando-se o feedback visual que esses recursos permitem. Portanto, este estudo se propôs a estudar de forma preliminar a caracterização da nota de passagem por meio da identificação da frequência e intensidade, tanto na transição de notas ascendentes quanto descendentes.

Neste estudo, com 67 coristas, pôde-se notar que, em todos os modos de emissão, a identificação das notas de passagem não ultrapassou 30% do total de sujeitos. Isso pode se justificar pelo fato de que a amostra é constituída de cantores treinados, por serem participantes de Coral. A despeito de não se ter controlado a variável tempo de treinamento em canto, pode-se supor que os cantores mais treinados tenham sido os que não apresentaram a nota de passagem evidenciada. Para a comprovação dessa hipótese, sugere-se controlar a variável tempo de treinamento em canto, em estudos futuros.

Uma vez que a potência, projeção e controle da emissão são aprimorados quando se obtêm melhores condições de apoio respiratório(77 Šiupšinskienė N, Lycke H. Effects of vocal training on singing and speaking voice characteristics in vocally healthy adults and children based on choral and nonchoral data. J Voice. 2011;25(4):e177-89. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2010.03.010. PMid:20702062.
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,1111 Gava WG Jr, Ferreira LP, Silva MAA. Apoio respiratório na voz cantada: perspectiva de professores de canto e fonoaudiólogos. Rev CEFAC. 2010;12(4):551-62. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000047.
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), esperava-se maior identificação da quebra nas emissões fracas. Por outro lado, considerando-se que o treino do canto visa também o controle desse apoio, pode-se inferir que, na amostra estudada, os cantores não apresentaram diferenças entre esses dois modos, em consequência de seu treino.

Outra possível explicação estaria na forma de emissão dos sons (em glissandos) que, a despeito de serem emissões mais próximas da voz cantada, podem induzir à maior limitação da extensão vocal, comparativamente à emissão nota a nota(33 Roubeau B, Henrich N, Castellengo M. Laryngeal vibratory mechanisms: the notion of vocal register revisited. J Voice. 2009;23(4):425-38. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.014. PMid:18538982.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
). Uma sugestão para futuros estudos é a de se comparar os dois tipos de emissão: em glissando e nota a nota, para se testar esses resultados.

Quanto à distribuição entre os naipes da ocorrência de identificação das notas de passagem, cuja maior porcentagem ocorreu nos naipes de vozes agudas (tenores e sopranos) uma hipótese para tal seria a possível maior extensão fonatória das vozes agudas(1212 Storck C, Unteregger F. Cricothyroid joint type as predictor for vocal fold elongation in professional singers. Laryngoscope. 2018;128(5):1176-81. http://dx.doi.org/10.1002/lary.26984. PMid:29114888.
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), que aumentariam as chances de evidenciação da nota de passagem. Essa hipótese poderia ser confirmada por meio da comparação das extensões fonatórias entre os naipes. Sugere-se portanto, a continuidade deste estudo, para análise dessa variável.

Devido à escassez de estudos que levem em consideração a frequência fundamental das notas de passagem, optou-se por compará-las às notas que cada frequência representa, tendo em vista, também, sua aplicabilidade na classificação vocal. O naipe dos sopranos apresentou notas que não corroboram as descritas na literatura, a saber: de Mi3 a Fa3(1313 Martinez E. Regência coral: princípios básicos. Curitiba: Dom Bosco; 2000.) (equivalente, na notação americana, a E4 e F4, respectivamente), ou entre Mi4 a Fa4(1414 Costa PJBM, Ferreira KL, Camargo ZA, Pinho SM. Extensão vocal de cantores de coros evangélicos amadores. Rev CEFAC. 2006;8(1):96-106.) e Fa#4(11 Paparotti C, Leal V. Cantonário: guia prático para o canto. Brasília: MusiMed; 2011.) (que, na notação americana, correspondem a E5, F5 e F#5, respectivamente).

O mesmo aconteceu com o grupo dos contraltos, cuja quebra é definida de Do3 a Reb3(1313 Martinez E. Regência coral: princípios básicos. Curitiba: Dom Bosco; 2000.) (correspondente a C4 a Db4, na notação americana), em Re3 e entre Re4 e Mi4(1414 Costa PJBM, Ferreira KL, Camargo ZA, Pinho SM. Extensão vocal de cantores de coros evangélicos amadores. Rev CEFAC. 2006;8(1):96-106.) (correspondente a D4, D5 e E5, respectivamente) e em Ré4(11 Paparotti C, Leal V. Cantonário: guia prático para o canto. Brasília: MusiMed; 2011.) (D5, na notação americana), enquanto que no presente estudo a nota de passagem foi mais aguda nas emissões ascendentes, no modo fraco; e mais grave nas emissões descendentes, no modo forte, comparativamente aos estudos citados.

Para os tenores, os autores assumem que as notas de passagem vão de Mi3 a Fa3 (E4 a F4)(1313 Martinez E. Regência coral: princípios básicos. Curitiba: Dom Bosco; 2000.) e Si#3 (B#4)(1414 Costa PJBM, Ferreira KL, Camargo ZA, Pinho SM. Extensão vocal de cantores de coros evangélicos amadores. Rev CEFAC. 2006;8(1):96-106.). Embora sendo um dado que diverge dos demais autores, o La2 (A3) citado como a nota de passagem para esse grupo(11 Paparotti C, Leal V. Cantonário: guia prático para o canto. Brasília: MusiMed; 2011.) foi corroborado pelo presente estudo, que também encontrou essa nota na emissão grave fraca. O mesmo não aconteceu com a nota Ré3 (D4), presente na emissão ascendente fraca.

No naipe dos baixos, as notas das emissões ascendentes fraca e forte foram Dó3 (C4) e Ré3 (D4), respectivamente, ao passo que aquelas encontradas nos descendentes fraco e forte foram Lá2 (A3) e Dó3 (C4). Tal achado difere do Mib3(11 Paparotti C, Leal V. Cantonário: guia prático para o canto. Brasília: MusiMed; 2011.) (Eb4), mas concorda em parte com o estudo que admite que a “quebra” pode ser encontrada de Dó3 a Reb3 (C4 a Db4)(1313 Martinez E. Regência coral: princípios básicos. Curitiba: Dom Bosco; 2000.). Ao assumir Mi#2 (E#3), Sol2 (G3), Ré3 (D4) e Sol3 (G4) como notas de passagem para esse naipe(1414 Costa PJBM, Ferreira KL, Camargo ZA, Pinho SM. Extensão vocal de cantores de coros evangélicos amadores. Rev CEFAC. 2006;8(1):96-106.), os achados do presente estudo corrobora, em parte, tais proposições.

Ainda que apresente diferenças na análise das notas, a avaliação por oitava permitiu observar que as notas identificadas para as quatro vozes pertencem às oitavas indicadas: terceira e quarta oitava, para sopranos e contraltos, terceira oitava e a transição entre a terceira e a quarta oitavas para os tenores, e segunda e terceira oitavas para os baixos(1414 Costa PJBM, Ferreira KL, Camargo ZA, Pinho SM. Extensão vocal de cantores de coros evangélicos amadores. Rev CEFAC. 2006;8(1):96-106.). Apenas o Lá2 (A3), encontrado na emissão descendente fraca do tenor, encontra-se na segunda oitava e, portanto, fora do que seria esperado.

Para as divergências encontradas entre este estudo e a literatura, pode-se inferir que o método de análise tenha interferido, por serem coletados em um teste de extensão vocal, no qual o corista vai da emissão mais grave à mais aguda e vice-versa. Sugere-se, portanto, que estudos futuros adotem o Dó central como ponto inicial para as emissões ascendentes e descendentes.

Quanto à intensidade das notas, nas emissões fracas e fortes, não há dados comparativos na literatura e o número de sujeitos, por naipe, cujas notas de passagem foram identificadas, não permitiu a comparação estatística. Portanto, sugere-se aumento da amostra para estudos futuros, no intuito de se comparar a diferença dessa variável, por naipe.

Portanto, as notas de passagem foram identificadas em todos os naipes, tanto nas emissões fracas, quanto nas emissões fortes. Os valores medianos das frequências encontradas foram correspondentes a notas diferentes das estabelecidas na literatura, para todos os naipes. Quanto às intensidades das notas de passagem, há necessidade de estudos com amostras maiores para o estabelecimento de valores de referência.

Ressalte-se que este estudo preliminar permitiu ainda elucidar a aplicabilidade do Vocalgrama na identificação, de forma instrumental, do fenômeno fisiológico da nota de passagem. O feedback visual gráfico desse evento pode auxiliar tanto na classificação vocal quanto no acompanhamento de resultados de tratamento ou de aprimoramento vocal de cantores e não cantores, sendo útil para o registro da análise da voz e como recurso terapêutico.

Ademais, o presente estudo se diferencia dos demais em pontos importantes, a saber: 1) realizou medidas de frequência, em vez de uso de instrumentos musicais, tornando os dados mais precisos e possíveis de serem calculadas as médias e medianas; 2) com emissões em glissando, em vez de nota a nota, por ser a emissão em glissando mais próxima da produção de voz cantada, comparativamente; 3) nos modos de emissão forte e fraco, que, na voz cantada, têm um valor imprescindível no controle aerodinâmico e na expressividade musical.

Vale ressaltar, ainda, que as diferenças sobre o tema são evidentes na própria literatura(1212 Storck C, Unteregger F. Cricothyroid joint type as predictor for vocal fold elongation in professional singers. Laryngoscope. 2018;128(5):1176-81. http://dx.doi.org/10.1002/lary.26984. PMid:29114888.
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13 Martinez E. Regência coral: princípios básicos. Curitiba: Dom Bosco; 2000.

14 Costa PJBM, Ferreira KL, Camargo ZA, Pinho SM. Extensão vocal de cantores de coros evangélicos amadores. Rev CEFAC. 2006;8(1):96-106.
-1515 Herbst CT, Duus E, Jers H, Švec JG. Quantitative voice class assessment of amateur choir singers: a pilot investigation. Int J Res Chor Sing. 2012;4(1):47-59.), demonstrando que não há um consenso entre os autores. A carência de estudos que façam uma análise considerando as diferentes condições de emissão, como ascendente e descendente, forte e fraco, também dificultam a análise por nota ou frequência.

Portanto, tendo em vista a possibilidade atual de novos instrumentos de análise de caráter menos subjetivo, como os utilizados tradicionalmente, sugere-se a continuidade do estudo com o aumento da amostra, a comparação de cantores treinados e não treinados e a comparação dos dados instrumentais com os resultados de análise perceptivoaudititva.

CONCLUSÃO

As notas de passagem identificadas no perfil de extensão vocal de coristas, a partir de suas frequências e intensidades, obtiveram maior ocorrência nos naipes soprano e tenor, comparativamente ao contralto e baixo, nas mudanças para os registros graves e agudos.

AGRADECIMENTOS

Ao Departamento de Música do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAC-UFPE), na pessoa do chefe de Departamento, Professor Mauro de Almeida Maibrada e dos Professores Dr. Sérgio Luiz Deslandes de Souza e Dr. Flávio Gomes Tenório de Medeiros.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - código de financiamento 001, Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (PROPG-UFPE) - edital 06/2022 e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Bolsa de Iniciação Científica.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Paparotti C, Leal V. Cantonário: guia prático para o canto. Brasília: MusiMed; 2011.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2020
  • Aceito
    16 Jan 2023
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