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Terapia miofuncional orofacial associada ao uso da placa palatina de memória em crianças com Trissomia do 21: estudo de casos

RESUMO

Indivíduos com Trissomia do 21 podem apresentar hipotonia muscular dos órgãos fonoarticulatórios, língua alargada, posicionada no assoalho oral e protrusa e ausência de selamento labial. A placa palatina de memória é um dispositivo intraoral que, associado à terapia miofuncional, visa à melhora da postura habitual dos lábios e da língua dessas crianças. O objetivo deste trabalho foi apresentar os casos de quatro crianças com Trissomia do 21, do sexo masculino, com média de idade de 6,7 e desvio-padrão de 7,8 meses, que fizeram uso da placa palatina de memória de forma associada à terapia miofuncional. As crianças utilizaram a placa por seis meses, realizaram exercícios baseados na terapia de regulação orofacial e receberam orientações quanto à alimentação e retirada de hábitos orais deletérios. Na primeira sessão e ao final do tratamento, foi realizada a gravação de 5 minutos da face de cada criança em repouso e a análise da postura habitual de língua e de lábios foi realizada por dois pesquisadores independentes. Observou-se maior melhora da postura de língua e de lábios dos participantes que iniciaram o tratamento mais precocemente e que apresentavam as alterações posturais mais severas.

Descritores:
Síndrome de Down; Hipotonia Muscular; Reabilitação; Terapia Miofuncional; Aparelhos Ortopédicos

ABSTRACT

Individuals with trisomy 21 may have muscle hypotonia of the speech articulation organs, an enlarged protruding tongue positioned on the floor of the mouth, and a lack of lip closure. The stimulating palatal plate is an intraoral appliance that, associated with myofunctional therapy, aims to improve these children’s habitual lip and tongue posture. This study aimed to present the cases of four male children with trisomy 21, with a mean age of 6.7 and a standard deviation of 7.8 months, who used the stimulating palatal plate in association with myofunctional therapy. The children used the plate for 6 months and did exercises based on the orofacial regulation therapy, and their parents received instructions on feeding them and removing deleterious oral habits. In the first session and at the end of the treatment, each child’s face was video-recorded for 5 minutes at rest, and two researchers analyzed independently their habitual tongue and lip posture. Participants who began the treatment earlier and had the most severe postural changes had greater tongue and lip posture improvement.

Keywords:
Down Syndrome; Muscle Hypotonia; Rehabilitation; Myofunctional Therapy; Orthotic Devices

INTRODUÇÃO

A Trissomia do 21 (T21) é uma alteração cromossômica caracterizada por uma série de modificações congênitas que interferem no desenvolvimento motor e neurofisiológico, tais como disfunções motoras e hipotonia muscular(11 Corrêa JCF, Oliveira AR, Oliveira CS, Corrêa FI. A existência de alterações neurofisiológicas pode auxiliar na compreensão do papel da hipotonia no desenvolvimento motor dos indivíduos com síndrome de Down. Rev Fisioterapia e Pesquisa. 2011;8(4):377-81. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-29502011000400014.
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). Segundo dados do Ministério da Saúde(22 Ministério da Saúde. “Não deixe ninguém para trás”: Dia Internacional da Síndrome de Down 2019 [Internet]. 2019 [citado em 2021 Set 4]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ultimas-noticias/2916-nao-deixe-ninguem-para-tras-dia-internacional-da-sindrome-de-down-2020.
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), um a cada 700 nascidos no Brasil apresenta diagnóstico de T21, totalizando cerca de 270 mil pessoas. Indivíduos com T21 podem apresentar a maxila com tamanho diminuído, hipoplasia do terço médio da face, protrusão de língua e dificuldade no fechamento dos lábios(33 Carneiro VL, Sullcahuamán JAG, Fraiz FC. Utilización de la placa palatina de memoria y desarrollo orofacial en infante con Síndrome de Down. Rev Cubana Estomatol. 2012;49(4):305-11.). Essas alterações têm impacto direto em funções como mastigação, deglutição, fonação e respiração(44 Licio LN, Paulin RF, Carvalho TM. A importância da ortodontia preventiva em Síndrome de Down. Rev Cien Odonto. 2019;4(1):14-21.).

Durante a década de 70, o médico argentino Castillo-Morales(55 Castillo-Morales R. Terapia de regulación orofacial. São Paulo: Memnon; 2002. 195 p.) desenvolveu um método de reabilitação neuromotora para crianças deficientes que consiste na Terapia de Regulação Orofacial (TRO), realizada por meio de exercícios para estimulação da musculatura. Associado à TRO, ele propunha o uso de um aparelho intraoral, a Placa Palatina de Memória (PPM).

A PPM é um aparelho confeccionado por dentistas a partir de moldagem do arco superior da criança, descrito em estudos sobre tratamento de indivíduos com T21, que visa promover adequação da posição habitual de língua e viabilizar o fechamento de boca(66 De la Cruz Campos S, Cárdenas Flores CM. Uso de placas palatinas para mejorar el cierre bucal y la posición lingual en pacientes con Síndrome de Down: relato de caso. Rev Cient Odonto. 2016;4(1):464-70. http://dx.doi.org/10.21142/2523-2754-0401-2016-464-470.
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,77 Xepapadeas AB, Weise C, Frank K, Spintzyk S, Poets CF, Wiechers C, et al. Technical note on introducing a digital workflow for newborns with craniofacial anomalies based on intraoral scans - part I: 3D printed and milled palatal stimulation plate for trisomy 21. BMC Oral Health. 2020;20:171. http://dx.doi.org/10.1186/s12903-020-01159-7. PMid:32546229.
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). Um estudo longitudinal que acompanhou vinte crianças com T21 em uso de PPM, associada à TRO, durante quatro anos, apontou que o tratamento gerou efeito positivo na função motora oral, principalmente no primeiro ano de vida das crianças, destacando-se melhorias no tônus e vedamento labial(88 Carlstedt K, Henningsson G, Dahllöf G. A longitudinal study of palatal plate therapy in children with Down syndrome. Effects on oral motor function. Disabil Oral Health. 2007;8(1):13-9.).

Existem poucos estudos a respeito dos benefícios do uso da PPM associada à terapia miofuncional, e o tempo de tratamento para que as mudanças musculares ocorram ainda não está bem definido. Sendo assim, este trabalho relata os resultados do uso da placa palatina de memória, associada à terapia miofuncional, na postura de língua e de lábios, durante seis meses, em crianças com Trissomia do 21.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Um estudo de quatro casos, de natureza prospectiva, foi realizado. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE 37828920.1.0000.5149 - Número do Parecer: 4.381.966). Os pais ou responsáveis legais dos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, consentindo a realização da pesquisa e divulgação de seus resultados.

Os participantes da pesquisa consistiram de quatro crianças com diagnóstico de T21, todas do sexo masculino, com média de idade de 6,7 meses e desvio-padrão de 7,8 meses. Nenhuma delas apresentava outras síndromes associadas, más-formações craniofaciais, distúrbios cardíacos ou respiratórios. Tais participantes foram recrutados dentre aqueles encaminhados para atendimento em um projeto de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais.

As crianças foram avaliadas por dentista e fonoaudiólogo na primeira sessão. A avaliação miofuncional orofacial compreendeu a avaliação do tônus(99 Almeida FCF, Bühler KEBLS. Protocolo de avaliação clínica da disfagia pediátrica (PAD-PED). Barueri: Pró-Fono; 2014.,1010 Berretin-Felix G, Genaro KF, Marchesan IQ. Protocolos de avaliação da motricidade orofacial 1: Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial - MBGR. In: Silva HJ, Tessitore A, Motta AR, Cunha DA, Berretin-Felix G, Marchesan IQ, editors. Tratado de Motricidade Orofacial. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2019. p. 255-72.), da postura habitual de lábios e de língua(1111 Glatz-Noll E, Berg R. Oral dysfunction in children with Down’s syndrome: an evaluation of treatment effects by means of video registration. Eur J Orthod. 1991;13(6):446-51. http://dx.doi.org/10.1093/ejo/13.6.446. PMid:1840103.
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), do frênulo lingual(1010 Berretin-Felix G, Genaro KF, Marchesan IQ. Protocolos de avaliação da motricidade orofacial 1: Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial - MBGR. In: Silva HJ, Tessitore A, Motta AR, Cunha DA, Berretin-Felix G, Marchesan IQ, editors. Tratado de Motricidade Orofacial. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2019. p. 255-72.), bem como a investigação sobre a alimentação(99 Almeida FCF, Bühler KEBLS. Protocolo de avaliação clínica da disfagia pediátrica (PAD-PED). Barueri: Pró-Fono; 2014.) e presença de hábitos orais(1010 Berretin-Felix G, Genaro KF, Marchesan IQ. Protocolos de avaliação da motricidade orofacial 1: Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial - MBGR. In: Silva HJ, Tessitore A, Motta AR, Cunha DA, Berretin-Felix G, Marchesan IQ, editors. Tratado de Motricidade Orofacial. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2019. p. 255-72.). Todas apresentaram lábios e língua com tônus diminuído e postura habitual alterada e frênulo de língua sem alterações. Os principais achados orofaciais miofuncionais encontram-se descritos no Quadro 1.

Quadro 1
Principais achados da avaliação miofuncional orofacial das crianças

O dentista realizou o molde do arco superior de cada participante para confecção da PPM, que foi entregue, na semana seguinte, aos responsáveis pela criança. Um exemplo de PPM pode ser observado na Figura 1.

Figura 1
Placa Palatina de Memória (PPM)

Ainda na primeira sessão, o fonoaudiólogo realizou gravação de vídeo da face da criança com duração de 5 minutos. A gravação foi realizada com máquina digital semiprofissional da Marca Sony, modelo DSC-H50 (Sony®, Manaus, Brasil) em alta qualidade. A criança foi posicionada no bebê conforto ou no colo do responsável, o qual foi orientado a não interferir nas gravações. No momento da gravação, a criança não estava fazendo uso da PPM. Brinquedos apropriados a cada idade foram oferecidos para manter a criança distraída, uma vez que o intuito foi captar a postura habitual de lábios e língua.

Na segunda sessão, que ocorreu após uma semana da avaliação, os participantes receberam a PPM e os pais foram orientados a inseri-la na cavidade oral da criança, quatro vezes ao dia, pelo período mínimo de 30 minutos(1212 Schuster G, Giese R. Retrospective clinical investigation of the impact of early treatment of children with Down’s Syndrome according to Castillo-Morales. J Orofac Orthop. 2001;62(4):255-63. http://dx.doi.org/10.1007/PL00001933. PMid:11508102.
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). Também foram orientados quanto aos procedimentos de higienização da placa e para que não a utilizassem no momento das refeições ou durante o sono(55 Castillo-Morales R. Terapia de regulación orofacial. São Paulo: Memnon; 2002. 195 p.). Além disso, foram solicitados a realizar, diariamente, algumas estratégias terapêuticas visando ao fortalecimento da musculatura orofacial, as quais se encontram descritas no Quadro 2(55 Castillo-Morales R. Terapia de regulación orofacial. São Paulo: Memnon; 2002. 195 p.). Todas estas estratégias foram realizadas pela fonoaudióloga responsável pela pesquisa, na presença dos pais, os quais foram treinados para repeti-las em casa, bem como foram filmadas e os vídeos disponibilizados à família, juntamente com uma cartilha contendo explicações sobre as mesmas.

Quadro 2
Exercícios indicados no tratamento

A terceira sessão foi realizada após 14 dias da segunda e a quarta após dois meses. Tais sessões tiveram por objetivo reforçar as orientações relacionadas às estratégias terapêuticas visando ao fortalecimento da musculatura orofacial. Além disso, foram realizadas orientações às famílias para retirada de hábitos orais deletérios, sobre pega correta e posicionamento durante a amamentação para os casos 2 e 4 e sobre o modo de oferta dos alimentos, posicionamento da criança durante a oferta e utensílios apropriados para os casos 1 e 3. Essas sessões foram realizadas na modalidade presencial.

Os profissionais ficaram à disposição das famílias para sanar dúvidas relacionadas ao uso da placa e aos exercícios por telefone ou por teleconsulta sempre que eles julgassem necessário. O número de sessões, para cada caso clínico variou conforme a necessidade de confecção da nova placa ou de dúvidas apresentadas pelas famílias. Os casos 1 e 3 realizaram quatro sessões presenciais e uma sessão por teleatendimento. Os casos 2 e 4 realizaram seis sessões presenciais e uma sessão por teleatendimento, pois a PPM precisou ser refeita devido ao crescimento do palato da criança, daí o aumento de uma sessão para moldagem e outra para recebimento da nova placa.

Após seis meses de tratamento, foi realizada reavaliação e nova gravação da face, mantendo condições similares às da avaliação inicial. No momento das gravações, a criança não estava fazendo uso da PPM.

Os vídeos foram analisados, quadro a quadro, por duas pesquisadoras de forma independente. Em cada quadro, a postura de língua da criança foi classificada como: I) dentro da cavidade oral (língua atrás do rolete gengival inferior ou atrás dos dentes incisivos inferiores); II) entre os roletes gengivais (língua sobre o rolete gengival inferior e atrás do lábio inferior); III) sobre o lábio inferior (língua tocando o lábio inferior); IV) protrusão severa em relação ao lábio inferior (língua protruída, sobre o lábio inferior, com o ápice ultrapassando o limite anterior do lábio inferior)(1111 Glatz-Noll E, Berg R. Oral dysfunction in children with Down’s syndrome: an evaluation of treatment effects by means of video registration. Eur J Orthod. 1991;13(6):446-51. http://dx.doi.org/10.1093/ejo/13.6.446. PMid:1840103.
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). A postura de lábios foi classificada como: I) fechados (presença de contato entre os lábios inferior e superior em toda a extensão da rima labial); II) semiabertos (contato entre os lábios superior e inferior apenas próximo às comissuras labiais); ou III) abertos (não há contato entre lábio inferior e superior). Foram contabilizados os segundos em que a criança permaneceu em cada classificação da postura habitual de lábios e de língua. Sendo que, os momentos em que a criança sorriu ou vocalizou não foram considerados na análise. Os dados foram comparados entre os momentos da avaliação e da reavaliação após 6 meses.

Para aumentar a confiabilidade dos dados, dois pesquisadores realizaram a análise dos vídeos. Para verificação da concordância entre eles, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman (Rho). Os dados de cada participante foram analisados de forma qualitativa. O coeficiente de correlação intraclasse (ICC) foi de 0,98 para o participante 1, 0,95 para o participante 2, 0,99 para o participante 3 e 0,98 para o participante 4, revelando excelente concordância interexaminador.

As Tabelas 1 e 2 apresentam o tempo de permanência de cada participante em diferentes posturas habituais de língua e de lábios nos vídeos realizados no início e ao final do tratamento.

Tabela 1
Tempo de permanência dos participantes em cada postura de lábios no início e final do tratamento
Tabela 2
Tempo de permanência dos participantes em cada postura de língua no início e final do tratamento

As Figuras 2 e 3 indicam o tempo de permanência de cada participante nas diferentes posturas habituais de língua e de lábios nos vídeos realizados no início e ao final do tratamento, em porcentagem do tempo total útil de vídeo, ou seja, excluídos os momentos caracterizados como sorriso, choro ou vocalização.

Figura 2
Tempo de permanência dos participantes, em porcentagem do tempo de duração do vídeo, para cada postura de lábios no início e final do tratamento
Figura 3
Tempo de permanência dos participantes em porcentagem do tempo de duração do vídeo, para cada postura de língua no início e final do tratamento

Ao se comparar a postura de língua e de lábios no início e ao final do tratamento, todos os participantes apresentaram diminuição no tempo de postura de língua classificada como protrusão severa em relação ao lábio inferior. Além disso, todos, com exceção do participante 1, apresentaram aumento no tempo de permanência da postura de lábios fechados.

O participante 1 apresentou maior tempo de permanência de lábios abertos ao final do período de tratamento, porém apresentou diminuição importante na postura de língua com protrusão severa em relação ao lábio inferior. O participante 2 diminuiu em 20% o tempo de permanência de lábios abertos e, ao final do tratamento, não apresentou mais a postura de língua classificada como protrusão severa em relação ao lábio inferior. O participante 3 diminuiu em quase 10% o tempo de permanência de lábios abertos, porém passou a adotar a postura de língua sobre o lábio inferior por mais tempo. O participante 4 diminuiu em quase 69% o tempo de permanência de lábios abertos, e, ao final do tratamento, passou a adotar a postura de língua entre os roletes gengivais.

Com relação aos aspectos funcionais, na reavaliação realizada ao final do tratamento, nenhuma criança possuía hábitos deletérios de sucção e as famílias não apresentavam queixas de engasgos.

DISCUSSÃO

A hipotonia muscular, característica de indivíduos com T21, prejudica o desenvolvimento orofacial, acarretando limitações funcionais na sucção, respiração, mastigação e fala(33 Carneiro VL, Sullcahuamán JAG, Fraiz FC. Utilización de la placa palatina de memoria y desarrollo orofacial en infante con Síndrome de Down. Rev Cubana Estomatol. 2012;49(4):305-11.). Estudos prévios já utilizaram registros de vídeo para avaliar os efeitos do tratamento com a placa palatina de memória em crianças com T21(88 Carlstedt K, Henningsson G, Dahllöf G. A longitudinal study of palatal plate therapy in children with Down syndrome. Effects on oral motor function. Disabil Oral Health. 2007;8(1):13-9.,1111 Glatz-Noll E, Berg R. Oral dysfunction in children with Down’s syndrome: an evaluation of treatment effects by means of video registration. Eur J Orthod. 1991;13(6):446-51. http://dx.doi.org/10.1093/ejo/13.6.446. PMid:1840103.
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) e indicaram as vantagens desse método em comparação ao registro fotográfico, observação clínica isolada e relato dos pais.

Neste estudo, o participante 1, que iniciou o tratamento aos seis meses de idade, apresentou menor tempo de permanência de lábios fechados ao final do período de tratamento, passando a adotar predominantemente a postura de lábios abertos. Este participante também apresentou menor tempo de língua dentro da cavidade oral, ao final do tratamento. Apesar destes dois achados negativos, houve diminuição na postura de língua com protrusão severa em relação ao lábio inferior. Destaca-se o fato de que as condições posturais dos órgãos fonoarticulatórios do caso 1 eram as melhores dentre todos os participantes e que a literatura aponta que os melhores resultados para essa abordagem terapêutica são vistos nos casos de maior severidade(1313 Korbmacher HM, Limbrock JG, Kahl-Nieke B. Long-term evaluation of orofacial function in children with Down Syndrome after treatment with a stimulating plate according to Castillo Morales. J Clin Pediatr Dent. 2006;30(4):325-8. http://dx.doi.org/10.17796/jcpd.30.4.60q6841412763771. PMid:16937860.
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).

O participante 2 iniciou o tratamento com apenas um mês de vida. Acredita-se que o início precoce do tratamento neste caso foi responsável pelos bons resultados obtidos com o tratamento. Ao final, o participante não apresentou mais a postura de língua classificada como protrusão severa em relação ao lábio inferior e diminuiu consideravelmente a postura de lábios abertos, tendo apresentado os melhores resultados dentre os quatro casos analisados. Segundo Castillo-Morales(55 Castillo-Morales R. Terapia de regulación orofacial. São Paulo: Memnon; 2002. 195 p.), a terapia é mais efetiva quando realizada o mais precocemente possível, de preferência, aproveitando o período de maior desenvolvimento da cavidade oral e do sistema nervoso central. Além disso, aos 6 meses a criança já é capaz de lateralizar a língua e realizar, mais frequentemente, movimentos de protrusão para expulsá-la da cavidade oral(1414 Carlstedt K, Henningsson G, McAllister A, Dahllöf G. Long-term effects of palatal plate therapy on oral motor function in children with Down syndrome evaluated by video registration. Acta Odontol Scand. 2001;59(2):63-8. http://dx.doi.org/10.1080/000163501750157117. PMid:11370751.
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), o que diminuiu o tempo de uso da placa. A erupção dentária também é considerada um dificultador para a retenção da PPM(1515 Hohoff A, Ehmer U. Short-term and long-term results after early treatment with the Castillo Morales Stimulating Plate. A longitudinal study. J Orofac Orthop. 1999;60(1):2-12. http://dx.doi.org/10.1007/BF01358711. PMid:10028784.
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).

Embora os estudos apontem para melhores benefícios se iniciado precocemente(1515 Hohoff A, Ehmer U. Short-term and long-term results after early treatment with the Castillo Morales Stimulating Plate. A longitudinal study. J Orofac Orthop. 1999;60(1):2-12. http://dx.doi.org/10.1007/BF01358711. PMid:10028784.
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), resultados positivos também foram relatados em casos com crianças mais velhas(66 De la Cruz Campos S, Cárdenas Flores CM. Uso de placas palatinas para mejorar el cierre bucal y la posición lingual en pacientes con Síndrome de Down: relato de caso. Rev Cient Odonto. 2016;4(1):464-70. http://dx.doi.org/10.21142/2523-2754-0401-2016-464-470.
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). No estudo de um caso clínico em que essa abordagem terapêutica foi oferecida a uma criança de três anos e dez meses com diagnóstico de T21, foi observado que, após quatro meses de tratamento, a criança apresentou melhora no selamento labial e na postura de língua(66 De la Cruz Campos S, Cárdenas Flores CM. Uso de placas palatinas para mejorar el cierre bucal y la posición lingual en pacientes con Síndrome de Down: relato de caso. Rev Cient Odonto. 2016;4(1):464-70. http://dx.doi.org/10.21142/2523-2754-0401-2016-464-470.
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). Isso demonstra que crianças com mais de um ano de idade também podem ter benefícios com o tratamento. Contrariando tais autores e corroborando aqueles a favor do tratamento precoce(55 Castillo-Morales R. Terapia de regulación orofacial. São Paulo: Memnon; 2002. 195 p.,1515 Hohoff A, Ehmer U. Short-term and long-term results after early treatment with the Castillo Morales Stimulating Plate. A longitudinal study. J Orofac Orthop. 1999;60(1):2-12. http://dx.doi.org/10.1007/BF01358711. PMid:10028784.
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), o participante 3, que iniciou o tratamento com dezoito meses, passou a adotar a postura de língua sobre o lábio inferior por mais tempo. A melhora neste caso foi vista apenas na postura de lábios.

O participante 4, que iniciou a terapia com dois meses de idade, apresentou a postura habitual de lábios abertos em 93% do tempo no início do tratamento, passando a adotar, ao final do tratamento, a postura de lábios semiabertos. Além disso, ao final do tratamento, passou a permanecer com a postura de língua entre os roletes gengivais na maior parte do tempo, o que representa melhora neste aspecto, visto que, no início, sua postura habitual de língua predominante era sobre o lábio inferior. Isso indica que o tratamento promoveu melhora na musculatura do paciente e reforça o fato de que resultados positivos são encontrados quando o início do tratamento acontece de forma precoce(1616 Sixou JL, Vernusset N, Daigneau A, Watine D, Marin L. Orofacial therapy in infants with Down syndrome. J Dentofac Anom Orthod. 2017;20(1):108. http://dx.doi.org/10.1051/odfen/2016038.
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). Este paciente, no que se refere à postura de língua, apresentava na avaliação inicial a maior severidade dentre os quatro participantes (protrusão severa em 13,4% do tempo e protrusão sobre o lábio inferior em 77,7% do tempo), além de permanecer com lábios abertos em 93,8% do tempo. Este achado, associado aos resultados positivos apresentados pelo participante 2, que também apresentava condições posturais ruins no início do tratamento, condiz com a literatura que aponta para os melhores resultados nos casos com maiores alterações na avaliação inicial(1313 Korbmacher HM, Limbrock JG, Kahl-Nieke B. Long-term evaluation of orofacial function in children with Down Syndrome after treatment with a stimulating plate according to Castillo Morales. J Clin Pediatr Dent. 2006;30(4):325-8. http://dx.doi.org/10.17796/jcpd.30.4.60q6841412763771. PMid:16937860.
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).

Vale ressaltar que a idade de início do tratamento e a gravidade das alterações posturais dos órgãos fonoarticulatórios não foram as únicas variáveis que se diferiam entre os participantes. Outros aspectos, não investigados, como a adesão ao tratamento não foram controlados, o que constitui um viés da pesquisa.

Uma revisão da literatura sobre a terapia precoce para as alterações orofaciais de crianças com T21 apontou que, por causa da grande variedade de elementos que fazem parte do tratamento com uso da PPM e TRO, é impossível atribuir os efeitos específicos para os diferentes componentes que o constituem. Por isso, o tratamento utilizando a PPM isoladamente, sem realizar a TRO não é recomendado. Outra lacuna nos estudos já publicados a respeito da terapia com a PPM e a TRO, é que nenhum dos artigos encontrados descreveu com clareza quais foram os exercícios usados na TRO(1717 Vergara PV, Figueroa FR, Hidalgo GS, Flores MAP, Monti CF. Tratamiento temprano de alteraciones orofaciales con fisioterapia y placa palatina en niños con síndrome de down. Odontoestomatologia. 2019;21(34):46-55.).

O presente estudo constitui um relato de casos, por isso, os resultados obtidos impossibilitaram a generalização e as conclusões são específicas para os casos estudados. Limitações do estudo referem-se à subjetividade da avaliação da postura habitual de língua e de lábios e ao fato de que uma gravação de cinco minutos pode não representar fidedignamente a postura habitual adotada por estas crianças em outros momentos do dia. Como ponto forte do estudo tem-se o fato de que as avaliações foram gravadas e analisadas por dois pesquisadores, o que aumentou a confiabilidade dos resultados. Sugerem-se outros estudos sobre a terapia com o uso da Placa Palatina de Memória associada à terapia miofuncional orofacial com amostras maiores e com avaliação realizada meses após o encerramento do tratamento, a fim de se verificar se os resultados permanecem. Além disso, que os futuros estudos controlem a adesão ao uso da Placa Palatina de Memória e à terapia miofuncional orofacial.

COMENTÁRIOS FINAIS

Foi possível observar que a Placa Palatina de Memória associada à terapia miofuncional teve melhores resultados para a postura habitual de língua e lábios dos pacientes que iniciaram a terapia com um e dois meses de idade e apresentavam condições posturais mais alteradas na avaliação inicial.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Corrêa JCF, Oliveira AR, Oliveira CS, Corrêa FI. A existência de alterações neurofisiológicas pode auxiliar na compreensão do papel da hipotonia no desenvolvimento motor dos indivíduos com síndrome de Down. Rev Fisioterapia e Pesquisa. 2011;8(4):377-81. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-29502011000400014
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1809-29502011000400014
  • 2
    Ministério da Saúde. “Não deixe ninguém para trás”: Dia Internacional da Síndrome de Down 2019 [Internet]. 2019 [citado em 2021 Set 4]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ultimas-noticias/2916-nao-deixe-ninguem-para-tras-dia-internacional-da-sindrome-de-down-2020
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2021
  • Aceito
    17 Ago 2022
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