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Evidências de validade de critério concorrente e preditiva do Instrumento de Rastreio da Comunicação de Crianças de 0 a 36 meses (IRC-36)

RESUMO

Objetivo

Determinar evidências de validade de critério concorrente e preditiva do Instrumento de Rastreio da Comunicação de crianças de 0 a 36 meses (IRC-36).

Método

Participaram da pesquisa 78 pais/responsáveis de crianças que frequentam o serviço de puericultura das Unidades de Saúde da Família, além de 33 crianças com idades entre 0 e 36 meses, convidadas para segunda etapa do estudo. Na primeira etapa do estudo, 13 profissionais de saúde foram treinados para realizar a aplicação do IRC-36 nos pais/responsáveis das crianças. No segundo momento, os pais responderam a uma nova aplicação do IRC-36 e as crianças foram avaliadas com o Denver II.

Resultados

O IRC-36 apresentou correlação com o Denver II em mais da metade dos casos, confirmando a validade de critério concorrente do instrumento. Os resultados do IRC-36 da primeira etapa quando correlacionados com o Denver II, não apresentaram valores significativos. O valor de ponto de corte do instrumento foi 12, sendo este o valor de referência entre crianças em risco e sem risco para alteração da comunicação. O instrumento apresentou valor de acurácia dentro dos níveis preconizados e alta sensibilidade. A ocorrência de risco para alteração da comunicação apresentou-se maior na segunda aplicação do IRC-36.

Conclusão

O estudo apresentou evidências de validade de critério concorrente, indicando que o instrumento possui evidências de medidas de acurácia e de validade para o rastreio da comunicação de crianças de 0 a 36 meses sendo capaz de identificar risco para as alterações da comunicação.

Descritores:
Linguagem Infantil; Desenvolvimento Infantil; Programa de Rastreamento; Estudo de Validação; Psicometria; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose

To determine evidence of concurrent and predictive criterion validity of the Communication Screening Instrument for children aged 0 to 36 months (IRC-36).

Methods

78 parents/guardians of children who attend the childcare service of the Family Health Centers participated in the research, in addition to 33 children aged between 0 and 36 months, invited to the second stage of the study. In its first stage, 13 health professionals were trained to apply the IRC-36 to the children's parents/guardians. In the second moment, the parents responded to a new IRC-36 application, and the children were evaluated with Denver II.

Results

IRC-36 correlated with Denver II in more than half of the cases, confirming the instrument’s concurrent criterion validity. IRC-36 results in the first stage did not significantly correlate with Denver II. The instrument's cutoff value was 12, which is the reference value between children at risk and not at risk of communication disorders. The instrument had high sensitivity and an accuracy value within the recommended levels. The occurrence of risk of communication changes was higher in the second IRC-36 application.

Conclusion

The study presented evidence of concurrent criterion validity, indicating that the instrument has evidence of accuracy and validity measures to screen communication in children aged 0 to 36 months, being able to identify the risk for communication disorders.

Keywords:
Child Language; Child Development; Mass Screening; Validation Study; Psychometrics; Speech; Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil é um dos principais eixos preconizados pelo Ministério da Saúde na estratégia de atenção à saúde da criança(11 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.). No âmbito da vigilância do desenvolvimento, o monitoramento do desenvolvimento da audição e da linguagem são marcos importantes para o acompanhamento do desenvolvimento infantil, juntamente com o desenvolvimento motor(22 Brasil. Ministério da Saúde. Caderneta da Criança. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.).

Os instrumentos de rastreio são importantes ferramentas para identificar atrasos no desenvolvimento, entretanto, pela ausência de instrumentos precisos e viáveis, estes não são regularmente utilizados no monitoramento do desenvolvimento da linguagem das crianças(33 Holzinger D, Weber C, Barbaresi W, Beitel C, Fellinger J. Language screening in 3-year-olds: development and validation of a feasible and effective instrument for pediatric primary care. Front Pediatr. 2021;9:752141. http://dx.doi.org/10.3389/fped.2021.752141. PMid:34888268.
http://dx.doi.org/10.3389/fped.2021.7521...
). No Brasil, existem alguns instrumentos de avaliação da linguagem infantil, entretanto, instrumentos de rastreio ainda são escassos(44 Barbosa ALA, Soares HBA, Azoni CAS. Construção de um instrumento de triagem do vocabulário para crianças entre 3 e 7 anos. Audiol Commun Res. 2019;24:e2131. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019-2131. [online]
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019...
).

Os testes de rastreio permitem identificar pessoas que têm um acometimento ou doença, mas que ainda não apresentam sintomas, facilitando o diagnóstico, o tratamento e reduzindo os efeitos da condição em longo prazo(55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Primária: Rastreamento. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). ). No caso de crianças, a ausência de identificação precoce, e o consequente diagnóstico tardio, dificultam o acesso ao tratamento e trazem maiores prejuízos para a qualidade de vida e desenvolvimento posterior(66 Lamego DTC, Moreira MCN, Bastos OM. Diretrizes para a saúde da criança: o desenvolvimento da linguagem em foco. Cien Saude Colet. 2018;23(9):3095-106. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018239.04892016. PMid:30281746.
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).

Os testes de rastreio apresentam como grande vantagem o fato de serem rápidos, de fácil aplicação, além de geralmente terem um baixo custo, proporcionando risco reduzido ao indivíduo submetido e garantindo resultado com boa sensibilidade(77 Pernambuco LA, Magalhães HV Jr. Aspectos epidemiológicos da disfagia orofaríngea. In: Marchesan IQ, Silva HJ, Tomé MC, editors. Tratado de Especialidades em Fonoaudiologia. São Paulo: Guanabara Kooagan; 2014. p. 171-178.). Estes testes devem fazer parte da prática clínica dos profissionais de saúde(88 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB, Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022. PMid:28977189.
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), contudo, é essencial que sejam elaborados levando em consideração medidas psicométricas, como validade e acurácia(99 Ceron MI, Gubiani NB, Oliveira CR, Keske-Soares M. Evidências de validade e fidedignidade de um instrumento de avaliação fonológica. CoDAS. 2018;30(3):e20170180. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017180. PMid:29972445.
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,1010 Pernambuco L, Espelt A, Magalhães HV Jr, Lima KC. Recommendations for elaboration, transcultural adaptation and valitation process of tests in speech, hearing and language pathology. CoDAS. 2017;29(3):e20160217. PMid:28614460.).

O Instrumento de Rastreio da Comunicação de Crianças de 0 a 36 meses (IRC-36) foi um instrumento desenvolvido com o objetivo de rastrear a comunicação de crianças nos três primeiros anos de vida. É um instrumento simples, baseado do relato parental, que se divide em nove categorias distribuídas e organizadas por faixa etária, contendo perguntas específicas para cada fase do desenvolvimento da criança de 0 a 36 meses. Ao final de sua aplicação permite ao profissional que o aplicou, identificar como se apresenta a comunicação naquela etapa, classificando o desempenho da criança como em risco, sob atenção ou dentro do esperado(1111 Queiroga CAM. Explorações Psicométricas de um Instrumento de Rastreio dos Marcos de Desenvolvimento da Comunicação de Crianças de 0 a 36 Meses [Dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2019.).

Para que um instrumento tenha seu uso recomendado, orienta-se que suas propriedades psicométricas sejam verificadas(1212 Pasquali L. Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas. Porto Alegre: ArtMed Editora; 2010). O IRC-36 passou pelas etapas de elaboração e validação de conteúdo(1111 Queiroga CAM. Explorações Psicométricas de um Instrumento de Rastreio dos Marcos de Desenvolvimento da Comunicação de Crianças de 0 a 36 Meses [Dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2019.). O presente estudo visa verificar outros aspectos de validade. Nas etapas iniciais(1111 Queiroga CAM. Explorações Psicométricas de um Instrumento de Rastreio dos Marcos de Desenvolvimento da Comunicação de Crianças de 0 a 36 Meses [Dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2019.), o IRC-36 apresentou alto índice de concordância entre os juízes, confirmando a sua validade de conteúdo.

A validade é uma das medidas psicométricas importantes e está dividida em três tipos: validade de conteúdo, validade de critério e validade de construto(88 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB, Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022. PMid:28977189.
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). A validade de critério é verificada quando o resultado do teste em validação pode ser comparado a outro teste considerado ‘padrão-ouro’(88 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB, Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022. PMid:28977189.
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) e está dividida em dois subtipos: preditiva e concorrente(1010 Pernambuco L, Espelt A, Magalhães HV Jr, Lima KC. Recommendations for elaboration, transcultural adaptation and valitation process of tests in speech, hearing and language pathology. CoDAS. 2017;29(3):e20160217. PMid:28614460.). A validade de critério preditiva está relacionada com o resultado do teste no que se refere a condição do avaliado no futuro, ou seja, se o instrumento é capaz de prever desempenhos futuros e na validade de critério concorrente o resultado do teste em validação é comparado ao resultado de outro teste aplicado paralelamente(1010 Pernambuco L, Espelt A, Magalhães HV Jr, Lima KC. Recommendations for elaboration, transcultural adaptation and valitation process of tests in speech, hearing and language pathology. CoDAS. 2017;29(3):e20160217. PMid:28614460.).

Outra medida psicométrica importante é a acurácia. Esta medida está relacionada aos valores de sensibilidade e especificidade do teste em validação quando comparadas a outro teste considerado padrão de referência(1010 Pernambuco L, Espelt A, Magalhães HV Jr, Lima KC. Recommendations for elaboration, transcultural adaptation and valitation process of tests in speech, hearing and language pathology. CoDAS. 2017;29(3):e20160217. PMid:28614460.).

Reconhecendo a importância das medidas psicométricas na validação de instrumento(99 Ceron MI, Gubiani NB, Oliveira CR, Keske-Soares M. Evidências de validade e fidedignidade de um instrumento de avaliação fonológica. CoDAS. 2018;30(3):e20170180. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017180. PMid:29972445.
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) e as etapas de validação(1010 Pernambuco L, Espelt A, Magalhães HV Jr, Lima KC. Recommendations for elaboration, transcultural adaptation and valitation process of tests in speech, hearing and language pathology. CoDAS. 2017;29(3):e20160217. PMid:28614460.), o presente estudo se propôs a dar continuidade a validação do IRC-36, objetivando determinar evidências de validade de critério e de acurácia (sensibilidade e especificidade) do Instrumento de Rastreio da Comunicação de crianças de 0 a 36 meses (IRC-36).

MÉTODO

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco com o número de CAAE: 26176319.6.0000.5208, de acordo com a resolução do Conselho Nacional de Saúde. Todos os indivíduos participantes, após serem esclarecidos sobre a pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Trata-se de um estudo exploratório de validação de instrumento com abordagem quantitativa.

O estudo foi realizado em duas etapas. A primeira etapa foi realizada em quatro Unidades de Saúde da Família (USF), selecionadas por conveniência. A participação das unidades foi autorizada pela secretaria de saúde do município. Primeiramente houve a apresentação da pesquisa na reunião de equipe da ESF e os profissionais que desejaram participar do trabalho passaram posteriormente por treinamento, sendo estes os profissionais que aceitaram: dez Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e três enfermeiras. O treinamento foi agendado na unidade em que os profissionais estavam vinculados e eles precisavam comparecer para receber o treinamento sobre a aplicação do IRC-36. O treinamento se deu por meio de leitura e explicação de cada item do IRC-36 onde os ACS e enfermeiros tiraram as dúvidas para maior segurança na aplicação.

Após o treinamento, os profissionais aplicavam o IRC-36 aos pais/responsáveis pelas crianças em sua rotina de trabalho. As enfermeiras no serviço de puericultura e os ACS na visita domiciliar.

O IRC-36 é dividido em nove categorias. Cada categoria compreende uma faixa-etária (categoria 1: 0 a 3 meses; categoria 2: 4 a 6 meses; categoria 3: 7 a 9 meses; categoria 4: 10 a 12 meses; categoria 5: 13 a 15 meses; categoria 6: 16 a 18 meses; categoria 7: 19 a 24 meses; categoria 8: 25 a 30 meses; e categoria 9: 31 a 36 meses).

As categorias possuem dez perguntas fechadas e as respostas possíveis para cada pergunta são: sim, não e às vezes. As respostas “sim” pontuam dois, as “às vezes” pontuam um e as “não” não pontuam. Ao final de cada pergunta é oferecido um espaço para respostas complementares todas as vezes que responderam “sim” ou “às vezes”. A pontuação total para as categorias é de 20 pontos sendo este o melhor resultado, e, o resultado final é: “em risco”, para as crianças que obtiveram pontuação igual ou inferior a 10, “sob atenção”, para as que apresentaram pontuação entre 11 e 14 pontos e “fora de risco” para as que apresentaram pontuação de 15 a 20 pontos.

Finalizadas as aplicações, os instrumentos eram enviados para fonoaudióloga pesquisadora para posterior análise. Foram recebidas no total 92 avaliações, entretanto, 23 instrumentos precisaram ser excluídos, pois não estavam preenchidos corretamente. Restaram então 69 instrumentos na primeira etapa.

Na segunda etapa do estudo, para verificação da validade de critério concorrente e preditiva, entrou-se em contato com os pais/responsáveis para que recebessem a reaplicação do IRC-36 e suas respectivas crianças fossem submetidas à aplicação do Teste de Triagem do Desenvolvimento Denver II.

Do total de pais/responsáveis que participaram da primeira etapa, apenas 24 retornaram para a etapa seguinte. Os motivos da perda amostral foram vários, mas os principais foram: mudança do usuário de território, não se conseguiu contato ou não compareceram no dia agendado para avaliação.

As avaliações foram realizadas no mesmo dia, uma seguida da outra e ocorreram na USF ou na residência da criança, após assinatura do TCLE pelo responsável. Para avaliação da segunda etapa, utilizou-se o critério de cegamento para a fonoaudióloga avaliadora (com relação ao resultado obtido na aplicação do primeiro IRC-36) e o teste Denver II como critério.

Denver II

O Teste de Triagem de Desenvolvimento Denver II é um instrumento que permite avaliar crianças de zero a seis anos, quanto ao seu desenvolvimento nas áreas pessoal-social (socialização da criança), motora fina-adaptativo (coordenação olho-mão), linguagem (reconhecer, entender e usar a linguagem) e motora grossa (controle motor corporal), e, são verificados mediantes observação direta da criança.

Os itens do Denver II devem ser visualizados com a criança desempenhando determinada tarefa com possibilidade de passa (P), falha (F) ou recusa (R). Caso não seja possível visualizá-las executando a tarefa, alguns itens permitem que o responsável relate se a criança já o desempenha, se teve ou não oportunidade de desempenhá-lo. No Denver II as crianças podem apresentar desenvolvimento normal ou risco para atraso no desenvolvimento.

Para aplicação do Denver II, fez-se necessário que a fonoaudióloga avaliadora realizasse um curso de treinamento com duração de 70 horas para certificação de aplicador. A profissional recebeu treinamento teórico e prático, através de aulas online, leitura e discussão de artigos, vídeos explicativos e exercícios práticos. Também foi necessária a aquisição do “kit de teste” padronizado para evitar redução da confiabilidade dos resultados obtidos.

Após aplicação dos testes os pais recebiam os resultados e eram orientados quanto à estimulação da linguagem oral e quando necessário, a criança era encaminhada para a rede especializada.

Este estudo foi realizado em um dos municípios da Região Metropolitana de Recife. Os profissionais aplicadores foram, três enfermeiras e dez agentes comunitários de saúde na primeira etapa e a fonoaudióloga pesquisadora na segunda etapa. Participaram da pesquisa 78 pais/responsáveis de crianças que frequentam o serviço no qual esses profissionais estão inseridos, em sua grande maioria mães (99%), além de 33 crianças com idades entre 0 e 36 meses, convidadas para a segunda etapa do estudo.

Dos 78 protocolos IRC-36 aplicados, 41 (52,6%) eram de crianças do sexo feminino e 37 (47,4%) do sexo masculino. A média de tempo entre o primeiro e o segundo IRC-36 foi de cinco meses e três dias. As aplicações estão descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Aplicação dos instrumentos por profissional, local de aplicação e quantitativo de instrumentos aplicados

Utilizou-se como critérios de exclusão deste estudo, pais/ responsáveis que apresentem limitação intelectual, pais/ responsáveis com idade inferior a 18 anos, pais de crianças com alterações genética ou neurológica e crianças com diagnóstico de problema de audição e/ou visão.

Os dados coletados foram organizados e analisados por meio do programa estatístico SPSS, versão 21.0. Depois da verificação da não normalidade da distribuição dos dados, aplicaram-se os testes não-paramétricos Exato de Fisher e de Correlação de Spearman para avaliar as associações e as correlações. O nível de significância considerado para o cálculo foi de 5%.

Dos 69 pais que responderam ao primeiro IRC-36, 24 deles receberam a reaplicação do instrumento e o Denver II, e, nove novas crianças que entraram na amostra, os pais responderam apenas o segundo IRC-36 e o Denver II. Totalizou-se 102 IRC aplicados e 33 testes Denver II.

É importante salientar que diante do cenário de pandemia do Covid-19 vivenciado nos últimos anos a coleta teve atraso em seu início e seu ritmo sofreu influência em consequência das dificuldades enfrentadas no contexto pandêmico. Entretanto, mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas foi possível coletar dados suficientes para conclusão da pesquisa. Segue abaixo na Figura 1 o fluxograma da coleta de dados.

Figura 1
Fluxograma metodológico da coleta dos dados

RESULTADOS

A Tabela 1, a seguir, apresenta o cruzamento dos desempenhos das crianças no IRC-36 1ª (primeira aplicação, realizada pelos ACS e enfermeiras), no IRC-36 2ª (segunda aplicação realizada pela pesquisadora responsável) e no Teste de Denver II. Para análise, considerou-se “esperado” o desempenho de crianças fora de risco e “não esperado” o desempenho de crianças cujos scores no IRC indicavam estar sob atenção ou em risco para as alterações da comunicação.

Tabela 1
Dados referentes à classificação do desempenho das crianças no IRC e no Denver II Total

Como é possível observar, o desempenho das crianças na segunda aplicação do IRC-36 se associou à classificação do Denver II em 83,3%, o que significa dizer que as classificadas fora de risco pelo IRC-36 também estavam dentro da faixa considerada normal para o Denver II, confirmando a validade de critério concorrente do instrumento.

Além disso, também se observou associação significativa (73,3%) entre a frequência de casos com desempenho “não esperado” (incluídos aqui os desempenhos em risco e sob atenção) para a idade no IRC-36 e os casos de risco no Denver II. Estes resultados demonstram boa sensibilidade do IRC-36 e reforçam sua validade de critério concorrente.

Contudo, como é possível visualizar na Tabela 1, não foram observadas associações significativas entre os escores obtidos na primeira aplicação do IRC-36 e o teste Denver.

A fim de aprofundar essa questão e se seriam obtidos resultados diferentes com a manutenção dos scores originais do IRC-36, sem considerar a classificação de crianças sob atenção e em risco como “não esperado”, foi realizada uma análise de Correlação de Spearman. Esta análise pode ser visualizada na Tabela 2, a seguir.

Tabela 2
Matriz de correlação (Spearman´s rho) entre o desempenho no primeiro e segundo IRC-36 com o Denver II e com o domínio linguagem do Denver II

Como é possível observar mais uma vez, encontrou-se uma forte correlação entre a segunda aplicação do IRC-36 e o Denver II (rho = 0,606), confirmando a validade concorrente de que o instrumento avalia aspectos de linguagem e pode ser comparado com uma medida de referência o Denver II. As aplicações também foram correlacionadas com a área específica de linguagem do Denver II e a apresentaram forte correlação (rho = 0,621; p<0,01). Também de modo semelhante ao observado anteriormente, a primeira aplicação do IRC-36 não apresentou correlação significativa com o Denver II.

Os resultados do IRC-36 1ª quando correlacionados com o Denver II na classificação padrão e no resultado “esperado” e “não esperado” não apresentaram valores significativos, não sendo possível, com esses resultados, confirmar a capacidade preditiva do instrumento.

Considerando que o teste de Denver possui os seguintes domínios: pessoal-social, motor fino adaptativo, linguagem e motor grosso, com o objetivo de explorar mais a fundo as relações entre o IRC-36 e o domínio “linguagem” do Denver, foi realizada uma nova análise de associação por meio do Teste Exato de Fisher e pode ser visualizada na Tabela 3.

Tabela 3
Dados referentes à classificação do desempenho das crianças no IRC e no Denver II linguagem

Na relação entre a classificação do IRC-36 e o Denver II referente à Linguagem, observou-se um resultado semelhante, sendo que a associação foi ainda maior (94,7%) quando observados os casos com desenvolvimento “esperado” e “não esperado” em relação à normalidade e ao risco. De modo semelhante ao que foi observado anteriormente, a primeira aplicação do IRC-36 novamente não apresentou correlação significativa com o Denver II no domínio linguagem.

A verificação da confirmação dos pontos de corte do instrumento para permitir discriminar os indivíduos com os desfechos propostos também foi verificada, considerando-se “esperado” quando os resultados foram fora de risco e “não esperado” quando foram sob atenção ou em risco.

A Figura 2 aponta a curva ROC com uma área sob a curva de 0,796 (IC95%: 0,634 - 0,959).

Figura 2
Curva ROC IRC 2 a partir da classificação Denver II – normal e risco

Considerou-se para o melhor valor de corte o ponto onde existe o menor erro possível e melhor medida de sensibilidade, sendo o melhor valor 11,5. Contudo, como no IRC-36 as pontuações são mediante números inteiros, o valor do ponto de corte será considerado 12. Levando em consideração que o IRC-36 é um instrumento de rastreio, o instrumento indicará presença de risco de alteração da comunicação quando o valor for menor que 12 e ausência de risco de alteração quando o valor for igual ou maior que 12.

A acurácia do teste é representada pela área da curva e foi de 79,6% (Tabela 4) e está dentro dos níveis preconizados, confirmando que o instrumento é capaz de prever crianças com e sem risco de alteração da comunicação. O valor de sensibilidade do instrumento foi de 94,4%, sendo este um alto valor a ser considerado em instrumentos de rastreio, pois verifica a capacidade do instrumento em detectar pessoas que provavelmente têm a condição investigada.

Tabela 4
Área sob a Curva e coordenadas da curva ROC IRC-36 2ª

Na primeira aplicação do IRC-36 obteve-se um grande quantitativo de crianças “sob atenção” e “em risco” para alteração da comunicação, sendo esta ocorrência de 13% na primeira aplicação e 15,2% na segunda aplicação. Quando considerado o resultado não esperado que soma os resultados “em risco” e “sob atenção”, esses valores aumentaram sendo 36,2% e 42,5%, respectivamente.

Com relação às áreas do Denver II, o domínio linguagem foi o que apresentou o maior número de crianças em risco para atraso (27,3%), seguido do domínio pessoal-social (24,2%). Quando considerado o resultado geral do Denver II, ou seja, levando em consideração todos os domínios do instrumento, o quantitativo de crianças em risco para alteração do desenvolvimento foi de 45,5%.

O desempenho ao longo do tempo das 24 crianças que realizaram as duas aplicações do IRC-36 está exposto na Figura 3.

Figura 3
Desempenho das 24 crianças no IRC-36 primeira aplicação e IRC-36 segunda aplicação ao longo do tempo

Das 24 crianças avaliadas em momentos distintos, no primeiro IRC-36 quatro estavam “em risco” e seis “sob atenção”. No segundo IRC-36 três ficaram “em risco” e sete “sob atenção”. Duas crianças que estavam em risco no primeiro IRC, permaneceram no segundo momento, a que estava “sob atenção” desceu para o risco, uma continuou no sob atenção. As médias nos dois momentos foram de 14,95 e 14,37, sendo a média do segundo IRC-36 menor.

Entre as 33 crianças rastreadas com o IRC-36 e o Denver II, duas foram encaminhadas ao serviço especializado, pois apresentaram risco nas duas avaliações, atraso de linguagem considerável, além de sinais de Transtorno do Espectro do Autismo como: não atender quando chamadas pelo nome, dificuldade de interação, estereotipias vocais e ausência de contato visual.

DISCUSSÃO

Os resultados da presente pesquisa apontam correlação positiva entre o IRC-36 e o Denver II, confirmando a validade de critério concorrente. Considerando que o Denver II é um instrumento conceituado internacionalmente, que vem sendo amplamente utilizado na prática clínica e em pesquisas brasileiras(1414 Albuquerque KA, Cunha ACB. Novas tendências em instrumentos para triagem do desenvolvimento infantil no Brasil: uma revisão sistemática. J Hum Growth Dev. 2020;30(2):188-96. http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.10366.
http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.10366...
,1515 Altafim ER, McCoy DC, Brentani A, Escobar AM, Grisi SJ, Fink G. Measuring early childhood development in Brazil: validation of the Caregiver Reported Early Development Instruments (CREDI). J Pediatr (Rio J). 2020;96(1):66-75. http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2018.07.008. PMid:30102876.
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), além de vir passando por etapas de validação com resultados positivos(1616 Sabatés AL, Lamônica DAC, Perissinoto J, Brêtas JS, Silva MGB, Rezende MA, et al. Teste de triagem do desenvolvimento Denver II: adaptação transcultural para a criança brasileira. Com autorização do autor Frankenburg WK. São Paulo: Hogrefe; 2013.,1717 Boo FL, Mateus MC, Sabatés AL. Initial psychometric properties of the Denver II in a sample from Northeast Brazil. Infant Behav Dev. 2020;58:101391. http://dx.doi.org/10.1016/j.infbeh.2019.101391. PMid:32120177.
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), sua correlação com o IRC-36 aponta o quão válido é o novo instrumento e quão útil ele pode ser para verificar os aspectos da comunicação, tendo em vista a escassez de instrumentos de triagem da linguagem infantil no Brasil(44 Barbosa ALA, Soares HBA, Azoni CAS. Construção de um instrumento de triagem do vocabulário para crianças entre 3 e 7 anos. Audiol Commun Res. 2019;24:e2131. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019-2131. [online]
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019...
).

A verificação da validade de critério preditiva não apresentou valores significativos, ou seja, pelo menos na presente investigação o instrumento não foi capaz de predizer o resultado futuro do desempenho da comunicação da criança. Contudo, é importante destacar que alguns aspectos podem ter interferido neste resultado, dentre eles destacam-se o tempo de aplicação entre a primeira e segunda triagem, a aplicação nas duas etapas ter sido realizada por aplicadores diferentes e a pesquisa ter sido realizada durante um período crítico da pandemia da Covid-19 que pode ter trazido modificações no desenvolvimento infantil. Estudos já mostram que o contexto de isolamento social provocado pela pandemia do COVID-19 pode gerar fatores de risco para o crescimento e desenvolvimento da criança(1818 Araújo LA, Veloso CF, Souza MC, Azevedo JMC, Tarro G. The potential impact of the COVID-19 pandemic on child growth and development: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2021;97(4):369-77. http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2020.08.008. PMid:32980318.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2020.08...
).

Outra questão relativa à aplicação que também deve ser levada em consideração é que o treinamento ofertado aos aplicadores pode não ter sido suficiente para capacitá-los, comprometendo assim o resultado final dos testes quando comparados. Isto pode ter ocorrido devido à metodologia aplicada no treinamento, sendo esta apenas expositiva, quando sugere-se que no processo de educação permanente se priorize o emprego de metodologias ativas, nas quais os profissionais podem vivenciar a prática, facilitando a aquisição do conhecimento(1919 Pinheiro GEW, Azambuja MS, Bonamigo AW. Facilidades e dificuldades vivenciadas na Educação Permanente em Saúde, na Estratégia Saúde da Família. Saúde Debate. 2018;42(4):187-97. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s415.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s...
). Por outro lado, vale ressaltar que, devido à rotina do serviço e o momento de pandemia vivenciado na etapa de coleta de dados, além do tempo que é um desafio na atenção primária(2020 Wilkinson CL, Wilkinson MJ, Lucarelli J, Fogler JM, Becker RE, Huntington N. Quantitative evaluation of content and age concordance across developmental milestone checklists. J Dev Behav Pediatr. 2019;40(7):511-8. http://dx.doi.org/10.1097/DBP.0000000000000695. PMid:31169653.
http://dx.doi.org/10.1097/DBP.0000000000...
) não foi possível realizar outro modelo de formação.

O valor de sensibilidade do IRC-36 (no segundo momento) quando relacionado com o Denver II no domínio linguagem, mostrou que entre os casos de risco de alteração confirmados pelo critério (Denver II) o IRC-36 foi capaz de identificar corretamente quem tem risco de alteração em 94,4% das vezes. Um estudo holandês que realizou a verificação da validade concorrente e preditiva de um teste de triagem da linguagem infantil, obteve bons resultados de validade concorrente (sensibilidade de 0,79 e especificidade de 0,86) e mostrou uma alta capacidade preditiva do instrumento (sensibilidade de 0,82 e uma especificidade de 0,74) indicando o quão importante esses instrumentos podem ser na observação da linguagem infantil, inclusive para prever resultados futuros, além de fornecerem suporte aos profissionais que atuam na saúde infantil(2121 Visser-Bochane M, Luinge M, Dieleman L, van der Schans C, Reijneveld S. The Dutch well child language screening protocol for 2-year-old children was valid for detecting current and later language problems. Acta Paediatr. 2021;110(2):556-62. http://dx.doi.org/10.1111/apa.15447. PMid:32585043.
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). Portanto, o IRC-36 pode ser utilizado com a finalidade de fornecer informações de como se encontra a comunicação da criança, além de favorecer o trabalho dos profissionais que acompanham o desenvolvimento infantil.

A curva ROC evidenciou o ponto de corte entre crianças com risco de alteração e crianças sem risco, apresentando um valor de acurácia de 79,6% estando dentro dos níveis preconizados. Quanto mais distante a curva estiver da diagonal principal, aproximando-se do canto superior esquerdo, melhor será o desempenho do teste para discriminar pessoas com e sem o desfecho investigado(2222 Polo TCF, Miot HA. Aplicações da curva ROC em estudos clínicos e experimentais. J Vasc Bras. 2020;19:e20200186. http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.200186. PMid:34211533.
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).

O ponto de corte do instrumento foi verificado através da curva ROC e identificou-se o valor que delimita indivíduos com e sem risco para alteração na comunicação, sendo este de 12 (score/pontuação). Este valor faz referência ao valor da estratificação primária do IRC-36(1111 Queiroga CAM. Explorações Psicométricas de um Instrumento de Rastreio dos Marcos de Desenvolvimento da Comunicação de Crianças de 0 a 36 Meses [Dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2019.), que define crianças “em risco” para alteração da comunicação as que pontuarem até 10 e “sob atenção” as que obtiverem pontuação entre 11 e 14. Entretanto, devido aos resultados obtidos na curva ROC que delimitaram o valor entre crianças em risco e fora de risco, a estratificação do “sob atenção” assumirá os valores de 13 e 14 para indicar crianças que precisam ser monitoradas no desenvolvimento da comunicação. Os valores de ponto de corte poderão ser melhor verificados seguindo a classificação original quando houver ampliação do N da amostra.

Tendo em vista que o IRC-36 tem como constructo principal a comunicação sua aplicação pode apresentar-se mais breve que o Denver II que por sua vez abrange quatro domínios do desenvolvimento(2323 Sabatés AL. Denver II: teste de triagem do desenvolvimento: manual de treinamento. São Paulo: Hogrefe; 2018.).

Além disso, o IRC-36 é um teste de rastreio de baixo custo em que se necessita apenas do formulário para ser preenchido e de uma orientação prévia(1111 Queiroga CAM. Explorações Psicométricas de um Instrumento de Rastreio dos Marcos de Desenvolvimento da Comunicação de Crianças de 0 a 36 Meses [Dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2019.), atendendo as recomendações do que é preconizado para instrumentos de rastreio: rápido, de fácil aplicação e de baixo custo(77 Pernambuco LA, Magalhães HV Jr. Aspectos epidemiológicos da disfagia orofaríngea. In: Marchesan IQ, Silva HJ, Tomé MC, editors. Tratado de Especialidades em Fonoaudiologia. São Paulo: Guanabara Kooagan; 2014. p. 171-178.), o lhe que difere do Denver II que preconiza uma formação específica para sua aplicação, além da aquisição de um “kit de teste” com os itens específicos para avaliação(2323 Sabatés AL. Denver II: teste de triagem do desenvolvimento: manual de treinamento. São Paulo: Hogrefe; 2018.).

A aplicação do instrumento em validação pode ser realizada por profissionais de saúde e educação que estão envolvidos com o acompanhamento do desenvolvimento infantil a fim de auxiliá-los no acompanhamento do desenvolvimento da comunicação da criança. Neste sentido é importante destacar, que o atraso de linguagem pode apresentar-se com alta prevalência nos três primeiros anos de vida(2424 Conroy K, Rea C, Kovacikova GI, Sprecher E, Reisinger E, Durant H, et al. Ensuring timely connection to early intervention for young children with developmental delays. Pediatrics. 2018;142(1):e20174017. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2017-4017. PMid:29875180.
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).

A ocorrência de risco para alteração de comunicação foi de 13% e 15,2%, nos dois momentos respectivamente. Tais resultados evidenciam que os aspectos da comunicação infantil devem ser acompanhados, tendo em vista que as alterações atuais podem gerar grandes repercussões futuras e que as alterações de linguagem quando não identificadas no momento oportuno podem influenciar o desenvolvimento infantil em todas as áreas(2525 Mélo TR, Lucchesi VO, Robeiro EJF Jr, Signorelli LC. Characterization of neuropsychomotor and language development of children receiving care from groups at an extended Family Health Care Center: an interprofessional approach. Rev CEFAC. 2020;22(3):1-10. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/202022314919.
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).

O número de crianças com risco para alteração mostrou-se alto tanto no IRC-36 quanto no Denver II. Em estudo com crianças pré-escolares avaliadas com o Denver II verificou-se 24,8% de risco de atraso no desenvolvimento(2626 Oliveira AC, César CPHAR, Matos GG, Passos PS, Pereira LD, Alves T, et al. Hearing, language, motor and social skills in the child development: a screening proposal. Rev CEFAC. 2018;20(2):218-27. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201820216617.
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), sendo que na presente pesquisa esse valor praticamente dobrou (45,5%) corroborando com estudo realizado com usuários da Atenção Primária à Saúde com idade entre sete e 18 meses(2727 Araujo LB, Novakoski KRM, Bastos MST, Mélo TR. Characterization of the neuropsychomotor development of children up to three years old: the ICF model in the context of the Family Health Support Center. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 2018;26(3):538-57. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1183.
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), onde o valor de crianças em risco foi de 47,37%. Este alto percentual de risco de atraso no desenvolvimento pode estar relacionado à realidade da criança acompanhada na atenção básica no contexto estudado na presente investigação, que pode receber pouco estímulo devido as muitas atribuições que a família possui, além de terem menos oportunidade de estimulação à medida que a idade vai aumentando(2727 Araujo LB, Novakoski KRM, Bastos MST, Mélo TR. Characterization of the neuropsychomotor development of children up to three years old: the ICF model in the context of the Family Health Support Center. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 2018;26(3):538-57. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1183.
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). Somando-se a isso destaca-se, como mencionado anteriormente, que a pesquisa foi realizada em um período crítico da pandemia em que as crianças tiveram suas experiências sociais limitadas pelo isolamento social, fato que pode ter contribuído para o aumento na prevalência de crianças em risco(1818 Araújo LA, Veloso CF, Souza MC, Azevedo JMC, Tarro G. The potential impact of the COVID-19 pandemic on child growth and development: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2021;97(4):369-77. http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2020.08.008. PMid:32980318.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2020.08...
).

Outros estudos também verificaram a área de linguagem como a área que mais apresenta risco de atraso no desenvolvimento(2727 Araujo LB, Novakoski KRM, Bastos MST, Mélo TR. Characterization of the neuropsychomotor development of children up to three years old: the ICF model in the context of the Family Health Support Center. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 2018;26(3):538-57. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1183.
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,2828 Silva REG, Pereira C, Silva DF, Carvalho ROR. Avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor em crianças de 4 meses a 3 anos de duas creches na cidade de Porto Velho – RO. South Am J Basic Educ Tech Technol. 2017;4(1):106-17.) por isto, a importância de monitorar o desenvolvimento linguístico e orientar os cuidadores, tendo em vista que a aquisição de linguagem está relacionada aos estímulos que a criança recebe no meio em que vive(2929 Soares ACC, Silva K, Zuanetti PA. Variáveis de risco para o desenvolvimento da linguagem associadas à prematuridade. Audiol Commun Res. 2017;22(0):1745. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1745.
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).

A utilização do IRC-36 pode ser útil para implementar estratégias de estimulação da comunicação infantil quando esses níveis de desenvolvimento estiverem no “sob atenção” ou “em risco”. É fundamental fornecer estratégias de intervenção para a criança e suas famílias para assim prevenir atraso no desenvolvimento, pois a estimulação familiar inadequada é um fator de risco para atraso de linguagem(3030 Sunderajan T, Kanhere SV. Speech and language delay in children: prevalence and risk factors. J Family Med Prim Care. 2019;8(5):1642-6. http://dx.doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_162_19. PMid:31198730.
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).

O IRC-36 é um instrumento útil, que vem passando pelas etapas de validação orientadas, obtendo valores positivos que evidenciam o quão válido o instrumento pode ser. No presente estudo, foi possível observar outros parâmetros de validade em que o instrumento passou com resultados satisfatórios.

O instrumento irá contribuir para a verificação da comunicação infantil na atenção primária à saúde e possivelmente em outros contextos, como nas creches infantis. É um teste simples, de fácil aplicação e que tem uma importante aplicabilidade para o desenvolvimento infantil, tendo em vista que a linguagem é uma habilidade que influencia outras áreas do desenvolvimento(3131 Snowling MJ, Duff FJ, Nash HM, Hulme C. Language profiles and literacy outcomes of children with resolving, emerging, or persisting language impairments. J Child Psychol Psychiatry. 2016;57(12):1360-9. http://dx.doi.org/10.1111/jcpp.12497. PMid:26681150.
http://dx.doi.org/10.1111/jcpp.12497...
).

CONCLUSÃO

O estudo mostrou que houve uma forte correlação entre o IRC-36 e o Denver II, confirmando a validade de critério concorrente do instrumento e indicando que o instrumento em validação pode ser utilizado para o rastreio de comunicação de crianças de 0 a 36 meses. O instrumento também apresentou medidas de acurácia e de sensibilidade satisfatórias, apontando que é capaz de identificar risco para as alterações da comunicação. Observou-se a ocorrência de crianças “em risco e sob atenção” para as alterações da comunicação, sendo estes valores expressivos e apontando o quanto é importante acompanhar o desenvolvimento infantil. Os valores da validade de critério preditiva não foram significativos, contudo alguns aspectos metodológicos e circunstanciais podem ter influenciado no resultado e este aspecto necessita ser melhor investigado em estudos posteriores.

Levando em consideração o momento de pandemia do Covid-19 no qual a presente pesquisa foi realizada, além da diferença de tempo entre a primeira e a segunda aplicação e sendo estas realizadas por profissionais diferentes, sugere-se, ainda, para os trabalhos futuros uma nova aplicação do instrumento após esse período pandêmico para confirmação dos resultados obtidos anteriormente, redução e padronização do tempo de aplicação entre as etapas do estudo, ampliação da amostra e diversificação do seu contexto social e geográfico da população testada, tendo em vista que a pesquisa foi realizada apenas na Atenção Primária à Saúde com um público de um nível socioeconômico baixo. Outra relevante sugestão é verificar junto aos aplicadores as dificuldades encontradas na realização da triagem, além do tempo médio de aplicação.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento a Secretaria Municipal de Saúde do município de Ipojuca-PE.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE - Recife (PE), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - código de financiamento 001

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2022
  • Aceito
    12 Maio 2023
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