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Método de Desenvolvimento das Habilidades de Comunicação no Autismo – DHACA: validação da aparência e do conteúdo

RESUMO

Objetivo

Validar a aparência e o conteúdo do método de Desenvolvimento das Habilidades de Comunicação no Autismo (DHACA).

Método

Trata-se de estudo de validação de abordagem quali-quantitativa. Participaram do estudo dez juízes fonoaudiólogos com expertise na área da comunicação alternativa. Os juízes receberam o livro de comunicação, bem como a descrição dos princípios, habilidades e estratégias do método DHACA e um formulário com itens relativos à apreciação da aparência e conteúdo do método. A validade foi calculada usando o índice de validade de conteúdo.

Resultados

A análise das respostas possibilitou o cálculo do grau de concordância entre os juízes e a elaboração da nova versão do instrumento. O cálculo do Índice de Validade de Conteúdo revelou uma validade de conteúdo excelente. Os juízes deram sugestões referentes aos aspectos de conteúdo do livro de comunicação, nos textos de participação do parceiro de comunicação e modelagem, uso de dicas e habilidades comunicativas.

Conclusão

O grau de concordância observado entre os juízes possibilitou a obtenção da validação da aparência e do conteúdo do método DHACA, considerando-se os itens isoladamente e o instrumento como um todo, podendo ter seu uso recomendado na prática clínica fonoaudiológica.

Descritores:
Autismo; Comunicação; Fonoaudiologia; Tecnologia Assistiva; Sistemas de Comunicação Alternativos e Aumentativos

ABSTRACT

Purpose

To validate the appearance and content of the DHACA method to develop communication skills in autism.

Methods

This qualitative and quantitative validation study included 10 speech-language-hearing judges with expertise in alternative communication. The judges received the communication book, the description of the principles, skills, and strategies in the DHACA method, and a form with items for them to appraise the appearance and content of the method. The validity was calculated with the content validity index.

Results

The response analysis made it possible to calculate the degree of agreement between judges and develop the new instrument version. The calculation of the content validity index revealed excellent content validity. The judges made suggestions regarding the content of the communication book, texts regarding the participation of communication partners and modeling, using cues, and communicative skills.

Conclusion

The degree of agreement between judges ensured the validation of the appearance and content of the DHACA method, considering the items alone and the whole instrument. Hence, its use can be recommended for speech-language-hearing clinical practice.

Keywords:
Autism; Communication; Speech; Language and Hearing Sciences; Assistive Technology; Alternative and Augmentative Communication Systems

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por alterações e prejuízos na comunicação e na interação social, bem como em padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, apresentando grande variação no grau de intensidade(11 OPAS: Organização Pan-Americana da Saúde. Transtorno do espectro autista [Internet]. 2022 [citado em 2022 Jul 8]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista
https://www.paho.org/pt/topicos/transtor...
).

As habilidades linguísticas nos indivíduos com TEA são heterogêneas, variando entre a ausência de fala ou produção de poucas palavras, a indivíduos que adquirem habilidades verbais mais robustas, entretanto com déficits persistentes em situações de uso funcional, visando a comunicação(22 Montenegro ACA, Xavier IALN. Transtorno de linguagem associado ao transtorno do espectro do autismo. In: Feitosa ALF, Depolli GT, Vogeley A, editores. Mapas conceituais em fonoaudiologia: linguagem. Ribeirão Preto: Book Toy; 2022. p. 57-67.).

São comuns atrasos na aquisição e desenvolvimento da linguagem, com comprometimentos linguísticos nos aspectos pragmático, semântico, morfossintático e fonológico. As funções sociais da comunicação são limitadas, geralmente o indivíduo se comunica para solicitar ou rejeitar algo, sendo as funções comunicativas mais frequentemente usadas aquelas relacionadas à satisfação de necessidades e ao protesto(22 Montenegro ACA, Xavier IALN. Transtorno de linguagem associado ao transtorno do espectro do autismo. In: Feitosa ALF, Depolli GT, Vogeley A, editores. Mapas conceituais em fonoaudiologia: linguagem. Ribeirão Preto: Book Toy; 2022. p. 57-67.).

No TEA também são descritos comprometimentos na Atenção Compartilhada (AC), contato visual e intenção comunicativa, habilidades que influenciam a aquisição e desenvolvimento da comunicação. Quanto mais grave o déficit nestas habilidades, mais tardio é o desenvolvimento da comunicação(22 Montenegro ACA, Xavier IALN. Transtorno de linguagem associado ao transtorno do espectro do autismo. In: Feitosa ALF, Depolli GT, Vogeley A, editores. Mapas conceituais em fonoaudiologia: linguagem. Ribeirão Preto: Book Toy; 2022. p. 57-67.).

Durante o processo de aquisição da linguagem neurotípica são evocados vários aspectos biológicos e sociopragmáticos que tornam possível o desenvolvimento de habilidades linguísticas, sendo assim, é necessário o envolvimento de habilidades sociocognitivas como a compreensão, o compartilhamento da intencionalidade e a participação em atividades sociocomunicativas com indivíduos humanos linguístico e simbolicamente competentes(33 Tomasello M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2003. 342 p.).

No Brasil, ainda são escassos os estudos quanto à eficácia do uso da Comunicação Alternativa Aumentativa (CAA) no desenvolvimento da comunicação de indivíduos com TEA(44 Nunes D, Walter C. AAC and autism in Brazil: a descriptive review. Int J Disabil Dev Educ. 2020;67(3):263-79. http://dx.doi.org/10.1080/1034912X.2018.1515424.
http://dx.doi.org/10.1080/1034912X.2018....
). A maioria dos métodos de intervenção utilizados no país são diretamente tomados ou inspirados em protocolos desenvolvidos no exterior, o que pode torná-los culturalmente inviáveis ou inacessíveis para os parceiros de comunicação(44 Nunes D, Walter C. AAC and autism in Brazil: a descriptive review. Int J Disabil Dev Educ. 2020;67(3):263-79. http://dx.doi.org/10.1080/1034912X.2018.1515424.
http://dx.doi.org/10.1080/1034912X.2018....
).

Outro hiato encontrado é viabilidade da intervenção em contextos menos estruturados, uma vez que os programas alternativos de comunicação são, usualmente, aplicados em ambientes extremamente estruturados e sem uso dicas verbais por parte do interlocutor, podendo inviabilizar a generalização das respostas para situações reais de comunicação(55 Walter CCF. Comunicação alternativa para pessoas com autismo: o que as pesquisas revelam sobre o uso do PECS por pessoas com autismo. In: Deliberato D, Gonçalves MJ, Macedo EC, editores. Comunicação alternativa: teoria, prática, tecnologia e pesquisa. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2020. 368 p.).

O método DHACA - Desenvolvimento das Habilidades de Comunicação no Autismo(66 Montenegro ACA, Xavier IALN, Lima RASC. Autismo comunica: comunicação alternativa promovendo acessibilidade comunicacional. In: Araújo AN, Lucena JA, Studart-Pereira L, editores. Relatos de experiência em Fonoaudiologia. Recife: Editora UFPE; 2021. p. 19-33.), tem como pressuposto a Teoria Sociopragmática ou “Teoria da aquisição da linguagem baseada no uso”(33 Tomasello M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2003. 342 p.). O autor entende que é através da atividade linguística, durante a interação com o outro, que o ser humano adquire sua linguagem.

O método, proposto como intervenção fonoaudiológica, possui como pré-requisitos para a aplicação: presença mínima de atenção compartilhada, boa coordenação motora fina, ausência de alterações na coordenação óculo-manual, ausência de comorbidades como deficiência intelectual, deficiência visual. Destaca-se que a presença da habilidade de imitação e do brincar simbólico facilitam a implementação do método. É importante ressaltar que esta versão do DHACA não é indicada para quem não apresenta os pré-requisitos acima descritos, entretanto, poderá ser adaptada em estudos futuros.

Além disso, o método possui seis princípios norteadores e cinco habilidades a serem estimuladas. Os princípios norteadores são: 1) Uso de Apoio Visual; 2) Atenção Compartilhada; 3) Participação do parceiro de comunicação e Modelagem; 4) Uso de dicas; 5) Desenvolvimento Linguístico e 6) Comunicação Funcional. As habilidades são: 1) Intenção comunicativa inicial; 2) Pedido com ampliação lexical no vocabulário acessório; 3) Pedido com ampliação lexical e morfossintática; 4) Ampliação morfossintática, lexical e das funções comunicativas e 5) Diálogo.

Com base no exposto, o DHACA tem como objetivo desenvolver a comunicação funcional por meio do uso de um sistema robusto de comunicação alternativa, buscando ser uma alternativa diante das lacunas observadas na literatura nacional, como apontado anteriormente. Assim, o objetivo do presente estudo foi validar a aparência e o conteúdo do método DHACA, com foco na recomendação do seu uso na prática clínica fonoaudiológica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de validação, com abordagem quali-quantitativa, que visa validar a aparência e conteúdo do Método DHACA, de modo a reconhecê-lo como confiável e válido para o fim a que se destina e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, n° 5.831.912.

Para a validação de conteúdo, foram selecionados dez juízes, fonoaudiólogos, divididos, igualmente, em dois grupos: a) com experiência clínica em intervenção fonoaudiológica para indivíduos com autismo há mais de cinco anos e que estejam aplicando o método DHACA há mais de doze meses e b) com experiência clínica em intervenção fonoaudiológica para indivíduos com autismo há mais de cinco anos, mas que não apliquem o método DHACA.

Após seleção, foi encaminhada, para cada juiz, uma carta convite por e-mail, convidando-os a participarem da pesquisa, bem como o Termo de Consentimento livre e Esclarecido (TCLE), acompanhado do formulário para a validação da aparência e do conteúdo do método DHACA.

O método DHACA utiliza um livro de comunicação, composto por sessenta e seis pictogramas numa única página, além de páginas menores sobrepostas, com outros pictogramas de vocabulários, que são divididos em categorias lexicais, inseridos paulatinamente durante o processo terapêutico(66 Montenegro ACA, Xavier IALN, Lima RASC. Autismo comunica: comunicação alternativa promovendo acessibilidade comunicacional. In: Araújo AN, Lucena JA, Studart-Pereira L, editores. Relatos de experiência em Fonoaudiologia. Recife: Editora UFPE; 2021. p. 19-33.). Essas páginas sobrepostas têm apenas uma linha composta por dez pictogramas com a escrita dos nomes acima e são separadas de acordo com a categoria lexical. A seleção do vocabulário do método foi baseada no conceito de “core words” e “fringe words”. Core words (palavras essenciais) consiste em palavras de alta frequência, contendo, principalmente, pronomes, verbos, adjetivos e advérbios. Essas palavras são muito frequentes nas interações de modo geral. Fringe words (palavras acessórias) consiste em palavras de baixa frequência, principalmente substantivos, que tendem a ser específicos do contexto e de interesse do usuário de CAA(77 ASHA: American Speech and Hearing Association. Augmentative and alternative communication [Internet]. 2022 [citado em 2022 Ago 8]. Disponível em: https://www.asha.org/Practice-Portal/Professional-Issues/Augmentative-and-Alternative-Communication
https://www.asha.org/Practice-Portal/Pro...
).

A organização do vocabulário no livro de comunicação DHACA tendo como base o conceito de core words, caracteriza-se como um sistema robusto de comunicação alternativa(88 Montenegro ACA, Silva LKSM, Bonotto RCS, Lima RASC, Xavier IALN. Use of a robust alternative communication system in autism spectrum disorder: a case report. Rev CEFAC. 2022;24(2):e11421. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/202224211421s.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2022...
).

A versão inicial do método, resultante da análise da literatura e da prática clínica das fonoaudiólogas pesquisadoras que desenvolveram o método, foi submetida aos juízes para a realização da análise de conteúdo, por meio dos seguintes procedimentos:

  1. Apresentação do livro de comunicação (Apêndice A Apêndice A Página do Livro de Comunicação do Método DHACA Figura 1A Página do Vocabulário essencial do Método DHACA Figura 2A Exemplo de abas dos vocabulários acessórios do Método DHACA ), bem como a descrição dos princípios e habilidades do método DHACA e suas respectivas estratégias;

  2. Análise da aparência e do conteúdo do livro de comunicação, por meio do preenchimento de um formulário de análise de conteúdo, que possibilitou o cálculo do Índice de Validade de Conteúdo (IVC)(99 Polit DF, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what’s being reported? Critique and recommendations. Res Nurs Health. 2006;29(5):489-97. http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147. PMid:16977646.
    http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147...
    ), bem como a apreciação de aspectos qualitativos apontados pelos examinadores.

No formulário que foi enviado aos juízes constavam como opções de respostas as seguintes possibilidades: 1= Não representativo; 2= Pouco representativo; 3= Item representativo e 4= Bastante representativo. Além do espaço para pontuação, tinha um espaço para possíveis sugestões, que geraram os dados qualitativos deste estudo.

O escore do índice de relevância dos itens individualmente (IVC - I) foi calculado por meio da soma de concordância dos itens que foram marcados por “3” ou “4” pelos especialistas e divididos pelo número total de respostas(99 Polit DF, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what’s being reported? Critique and recommendations. Res Nurs Health. 2006;29(5):489-97. http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147. PMid:16977646.
http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147...
). Já para calcular o escore do índice de relevância do instrumento como um todo (IVC - T), foi realizada a divisão do número total de itens considerados como relevantes pelos juízes pelo número total de itens(99 Polit DF, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what’s being reported? Critique and recommendations. Res Nurs Health. 2006;29(5):489-97. http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147. PMid:16977646.
http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147...
).

É importante salientar que para a realização de mudanças ou exclusão de técnicas, estratégias e aparência do livro foi considerada a concordância entre, pelo menos, dois juízes, em cada item.

Na sequência, após as modificações, o material foi novamente apresentado para apreciação dos juízes, o que não resultou em novas mudanças.

RESULTADOS

Inicialmente serão apresentados os dados relativos às respostas dos especialistas no que diz respeito à aparência do livro - que inclui a forma física e o aspecto visual do instrumento. Na 1ª e na 2ª rodadas observou-se que, em ambas, cinco juízes consideraram-na representativa e cinco bastante representativa.

Quanto ao conteúdo do livro de comunicação e aos princípios e habilidades do método, a taxa de concordância entre os juízes para os itens analisados, individualmente, mostraram valores acima de 78%, ou seja, do mínimo para ser considerado representativo, já na análise inicial. O compilado da análise da frequência das respostas dos juízes também pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição de juízes segundo respostas sobre a representatividade do método (N=10)

Da mesma forma, o resultado da análise do instrumento como um todo, que foi de 99% de concordância, superou a taxa mínima para torná-lo representativo (90%). Ou seja, ainda na primeira análise, o instrumento foi validado, uma vez que a taxa de concordância do IVC - I e do IVC - T foram acima do valor percentual mínimo de 0,78, valor mínimo para ser considerado representativo (Tabela 2).

Tabela 2
Índice de Validação de Conteúdo dos itens individuais, bem como do instrumento como um todo

Vale ressaltar que alguns itens julgados como “3= item representativo” ou “4= bastante representativo” também receberam sugestões por parte dos especialistas, visando ao aprimoramento do método. Todavia, apenas os itens que apresentaram concordância, entre pelo menos dois juízes, foram modificados ou excluídos do texto.

O recorte abaixo descreve as principais sugestões dadas pelos juízes:

  1. Livro DHACA, quanto a aparência e conteúdo

“O fundo todo na cor da categoria seria mais interessante do que só a borda.” “Sinto falta dos pictogramas “minha vez e sua vez.” “Até o momento não utilizei os pronomes demonstrativos “isto ” e “aquilo”, por esse motivo sugiro a revisão desses pictogramas.”

  1. Princípio: Participação do parceiro de comunicação e modelagem

“O princípio é Participação do Parceiro de Comunicação e Modelagem, a descrição está focando a modelagem - e o parceiro se torna o responsável por realizar a modelagem... acho importante definir o parceiro (figura importante no desenvolvimento da CAA).”

  1. Princípio: Uso de dicas

“Nem sempre vejo a necessidade de suporte físico total para ensinar nova habilidade. Prefiro hierarquia de dica de menos para mais (verbal, visual, física). Dessa forma a intervenção fica menos invasiva e mais pautada em perfil naturalístico.”

  1. Princípio: Uso de apoio visual

“Sobre o termo “apoio visual”, será que não seria interessante acrescentar: participar de uma atividade conjunta com terapeutas e mais uma ou duas pessoas com necessidades complexas de comunicação para mostrar o uso e o alcance da Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), seria uma estratégia onde outras díades poderão ilustrar essa poderosa ferramenta de comunicação.”

  1. Princípio: Comunicação funcional

“Eu incluiria promover as diferentes funções comunicativas, não só comentários e informações.” “Colocaria o item ‘diálogo’ - fazer com que haja um momento de conversa: como você está hoje? Será que teremos sol ou chuva?... etc. Tudo que fica claramente descrito começa a ter espaço.”

Diante das sugestões foram realizadas modificações relacionadas à aparência e conteúdo do livro DHACA e aos princípios norteadores. Quanto à aparência, aplicou-se preenchimento do fundo dos pictogramas do vocabulário essencial, na cor da classe gramatical correspondente, em vez de apenas a borda colorida. No que se refere ao conteúdo do livro houve a retirada dos pronomes demonstrativos “isto” e “aquilo”, e inclusão de “meu/minha”, “seu/sua.”

Os pesquisadores procederam às mudanças no protocolo, realizando as modificações pertinentes, de acordo com as análises dos especialistas na primeira rodada. O instrumento revisado, em sua 2ª versão, foi novamente enviado aos juízes especialistas para que avaliassem o material, agora modificado, dando seguimento à validação da aparência e do conteúdo.

Na segunda rodada de avaliação, a versão final do instrumento obteve um alto nível de concordância entre os avaliadores, quanto à aparência e ao conteúdo.

Após a análise quantitativa das respostas dos juízes na reavaliação, constatou-se que não houve necessidade de modificações no conteúdo do método, devido aos valores de IVC – I acima de 0,78 para todos os itens e IVC – T de 0,92. Destaca-se que, após a reformulação, as respostas recebidas na reavaliação foram mais homogêneas, trazendo mais confiabilidade, como pode ser observado na Tabela 2. Além disso, as poucas sugestões que foram dadas na reavaliação não foram consideradas, porque referiam-se a questões relacionadas ao critério de personalização das categorias lexicais, que, conforme a descrição do princípio “desenvolvimento linguístico”, são organizadas de acordo com as necessidades e demandas do indivíduo.

Como não houve necessidade de modificações, devido aos valores de IVC - I acima de 0,78 para todos os itens do método, foi mantida a aparência e conteúdo desta etapa, podendo-se considerar o método DHACA validado em sua aparência e em seu conteúdo, já que obteve IVC – T de 0,99, atendendo à sua finalidade.

Sendo assim, segue a apresentação final da descrição dos princípios do método DHACA, com objetivos e estratégias no Quadro 1 e das habilidades comunicacionais com objetivos e estratégias, no Quadro 2.

Quadro 1
Descrição dos princípios do método DHACA, com objetivos e estratégias, versão final
Quadro 2
Descrição das habilidades do método DHACA, com objetivos e estratégias, versão final

DISCUSSÃO

O método DHACA foi elaborado com base no conhecimento científico e na experiência clínica de fonoaudiólogas pesquisadoras que desenvolveram o método ao longo da trajetória profissional atuando na área de CAA com crianças autistas.

O método proposto utiliza um sistema robusto de comunicação que procura suprir as lacunas encontradas no que tange tanto à eficácia da CAA no desenvolvimento da comunicação, a viabilidade da implementação em contextos menos estruturados, mais naturalísticos, e a possibilidade de ser reproduzido clinicamente na intervenção fonoaudiológica dessa população(55 Walter CCF. Comunicação alternativa para pessoas com autismo: o que as pesquisas revelam sobre o uso do PECS por pessoas com autismo. In: Deliberato D, Gonçalves MJ, Macedo EC, editores. Comunicação alternativa: teoria, prática, tecnologia e pesquisa. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2020. 368 p.).

O processo de validação de um método de intervenção, particularmente na área da CAA no Brasil, constitui um fator inovador dada a ausência de métodos desenvolvidos para o contexto nacional.

O método tem como diferencial a base teórica sociopragmática e do desenvolvimento linguístico, com valorização do papel do parceiro de comunicação e uso em contextos diversos e naturais. É um método nacional que utiliza como base linguística o uso funcional da língua, desde a escolha do vocabulário ao uso das funções comunicativas. Além disso, considera as especificidades cultural e individual.

Pioneiro como método brasileiro de intervenção, descreve as habilidades a serem adquiridas, gradativamente e com base no desenvolvimento linguístico, por pessoas com TEA ao longo da intervenção, com objetivo final de adquirir a comunicação funcional. Utiliza um sistema robusto de comunicação, de fácil manuseio - num livro de comunicação com vocabulário essencial composto por pictogramas selecionados com base em um banco de palavras de alta frequência(1818 Franco N M. Vocabulary selection and organization for augmentative and alternative communication of children with speech impairment [tese]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2020 [citado em 2022 Set 16]. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/37884
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) e vocabulário acessório.

Após a análise da concordância entre juízes, já na primeira avaliação, o resultado do IVC validou a aparência e conteúdo do método DHACA(99 Polit DF, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what’s being reported? Critique and recommendations. Res Nurs Health. 2006;29(5):489-97. http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147. PMid:16977646.
http://dx.doi.org/10.1002/nur.20147...
). Entretanto destaca-se que, qualitativamente, foram apresentadas relevantes sugestões e os ajustes foram realizados, potencializando a aparência e conteúdo do método. Vale enfatizar que cinco juízes são profissionais com experiência clínica no uso de outros métodos de intervenção com CAA e validaram o método, o que fortalece a validação.

Dentre as sugestões destaca-se o preenchimento do fundo dos pictogramas do vocabulário essencial, na cor da classe gramatical correspondente, em vez de apenas a borda colorida. Essa mudança fortalece o conceito de sistema de codificação semântica de cores, que já era utilizado no método, mas apenas nas bordas, o qual agrupa conceitos em núcleos quanto ao seu papel gramatical, facilitando o uso, a memorização e auxiliando o desenvolvimento da gramática infantil.

Outra modificação foi a retirada dos pronomes demonstrativos “isto” e “aquilo”, e inclusão de “meu/minha”, “seu/sua.” Estudos apontam que a aquisição e uso de pronomes pessoais e possessivos estão relacionados à habilidade do interlocutor se reconhecer na relação com o outro e compreender a sua perspectiva e a do outro, ou seja, ao desenvolvimento de habilidades de comunicação social(2020 Finnegan EG, Asaro-Saddler K, Zajic MC. Production and comprehension of pronouns in individuals with autism: a meta-analysis and systematic review. Autism. 2021;25(1):3-17. http://dx.doi.org/10.1177/1362361320949103. PMid:32838535.
http://dx.doi.org/10.1177/13623613209491...
). Além desses pronomes possessivos também serem de alta frequência, este recurso estimulará o uso dos pronomes das primeira pessoa nas pessoas com TEA que têm dificuldade quanto a esse aspecto(2121 Barokova M, Tager-Flusberg H. Person-reference in autism spectrum disorder: developmental trends and the role of linguistic input. Autism Res. 2020;13(6):959-69. http://dx.doi.org/10.1002/aur.2243. PMid:31769223.
http://dx.doi.org/10.1002/aur.2243...
).

A seleção das palavras essenciais é fundamental na obtenção de bons resultados. Tanto a seleção quanto a organização do vocabulário são tarefas essenciais para o uso bem-sucedido da CAA, que devem fornecer acesso a um vocabulário grande, adequado ao desenvolvimento da comunicação e organizado para facilitar a recuperação de pictogramas(1818 Franco N M. Vocabulary selection and organization for augmentative and alternative communication of children with speech impairment [tese]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2020 [citado em 2022 Set 16]. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/37884
https://repositorio.ufpe.br/handle/12345...
).

Sobre a sugestão no conteúdo do princípio da participação do parceiro de comunicação, ressaltou-se a relevância deste no processo de desenvolvimento das habilidades e uso do recurso em múltiplos contextos e ambientes, o que coaduna com o propósito do método com abordagem sociopragmática(66 Montenegro ACA, Xavier IALN, Lima RASC. Autismo comunica: comunicação alternativa promovendo acessibilidade comunicacional. In: Araújo AN, Lucena JA, Studart-Pereira L, editores. Relatos de experiência em Fonoaudiologia. Recife: Editora UFPE; 2021. p. 19-33.).

Quanto ao uso de dicas, acredita-se que o uso inicial da dica física, ou seja, o uso de suportes sensoriais incluindo dicas de toque, propriocepção amplificada, entradas sensoriais multimodais (uso de áudio combinado com modelo visual para dar suporte ao movimento independente), favorece o desenvolvimento psicomotor e a aquisição de novas habilidades(2222 Crawford S. Fundamental movement skill acquisition for children and adults with autism: a practical guide to teaching and assessing individuals on the spectrum. London: Jessica Kingsley Publishers; 2018. 152 p.).

Quanto à inserção de diferentes funções comunicativas no texto do princípio de “comunicação funcional”, foram incluídas a descrição de funções comunicativas no princípio de “desenvolvimento linguístico”, classificando-as em iniciais, intermediárias e avançadas; além da modificação das terminologias das habilidades do DHACA. Os sistemas robustos de comunicação permitem explorar e desenvolver as diferentes funções comunicativas, bem como o progresso morfossintático, semântico e pragmático(88 Montenegro ACA, Silva LKSM, Bonotto RCS, Lima RASC, Xavier IALN. Use of a robust alternative communication system in autism spectrum disorder: a case report. Rev CEFAC. 2022;24(2):e11421. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/202224211421s.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2022...
). Além disso, a seleção adequada do vocabulário essencial e acessório também possibilita que a criança se expresse de acordo com diferentes funções comunicativas(1818 Franco N M. Vocabulary selection and organization for augmentative and alternative communication of children with speech impairment [tese]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2020 [citado em 2022 Set 16]. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/37884
https://repositorio.ufpe.br/handle/12345...
).

E quanto ao termo diálogo, foi modificada a nomenclatura da última habilidade, sendo alterado de habilidade narrativa por habilidade diálogo. Considerando que o objetivo da última habilidade é ter uma comunicação funcional, na qual ocorre um diálogo e não apenas a função comunicativa narrativa.

Diante das lacunas constatadas, quanto aos métodos de intervenção descritos cientificamente na área da CAA, enfatiza-se a importância da validação do conteúdo e aparência do método DHACA. Para além disso, a prática baseada em evidências na tomada de decisões é fundamental para elevar a qualidade da intervenção terapêutica.

O método DHACA abre caminho para outros estudos no âmbito da intervenção com o uso de CAA em pessoas com TEA, contribuindo para melhoria da prática clínica nos transtornos de linguagem associados ao TEA. Como perspectivas futuras, estão previstos estudos com o objetivo de avançar em outras etapas de validação com outras propriedades psicométricas.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu a validação de conteúdo e aparência do método DHACA, cumprindo com as etapas definidas na literatura para a validação.

Trata-se de um método inovador, que contribui para a fonoaudiologia brasileira, considerando a importância do uso de instrumentos validados e da prática baseada em evidências.

Apêndice A Página do Livro de Comunicação do Método DHACA

Figura 1A
Página do Vocabulário essencial do Método DHACA
Figura 2A
Exemplo de abas dos vocabulários acessórios do Método DHACA
  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE - Recife (PE), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

  • 1
    OPAS: Organização Pan-Americana da Saúde. Transtorno do espectro autista [Internet]. 2022 [citado em 2022 Jul 8]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista
    » https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista
  • 2
    Montenegro ACA, Xavier IALN. Transtorno de linguagem associado ao transtorno do espectro do autismo. In: Feitosa ALF, Depolli GT, Vogeley A, editores. Mapas conceituais em fonoaudiologia: linguagem. Ribeirão Preto: Book Toy; 2022. p. 57-67.
  • 3
    Tomasello M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2003. 342 p.
  • 4
    Nunes D, Walter C. AAC and autism in Brazil: a descriptive review. Int J Disabil Dev Educ. 2020;67(3):263-79. http://dx.doi.org/10.1080/1034912X.2018.1515424
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2023
  • Aceito
    13 Jun 2023
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