Acessibilidade / Reportar erro

Habilidade auditiva em criança desnutrida

Resumos

Objetivo

Caracterizar e comparar o desempenho de crianças com desnutrição e crianças eutróficas nas habilidades do processamento auditivo.

Métodos

A amostra foi composta por 30 crianças na faixa etária de 5 a 10 anos, de ambos os gêneros, sendo 15 crianças com desnutrição, que compuseram o grupo amostral (G1) e 15 crianças com estado nutricional adequado, como grupo controle (G2). Os grupos foram pareados segundo gênero, faixa etária e escolaridade. Ambos os grupos foram submetidos à avaliação auditiva periférica e central.

Resultados

As crianças desnutridas apresentaram maior índice de alterações na habilidade de sequencialização sonora para sons verbais e não verbais, quando comparadas com as crianças eutróficas. O mesmo ocorreu nas habilidades de fechamento e figura fundo. Quanto ao grau do distúrbio do processamento auditivo, houve maior severidade nas crianças desnutridas.

Conclusão

Crianças com desnutrição apresentaram maior frequência de alterações nas habilidades auditivas, quando comparadas a crianças eutróficas, sendo as habilidades de ordenação temporal, memória auditiva, atenção seletiva, figura fundo e fechamento, as habilidades mais afetadas.

Desnutrição; Audição; Percepção auditiva; Transtornos da percepção auditiva; Transtornos da audição


Purpose

To characterize and compare the performance of malnourished children and normal children in auditory processing.

Methods

The sample comprised 30 children from five to ten years old, both genders, being 15 malnourished children (G1) and 15 children with adequate nutritional status, as a control group (G2). The groups were paired according to gender, age and grade level. Both groups underwent peripheral and central auditory assessment, noting that malnourished children had higher changes in the skill of sequencing score for verbal and nonverbal when compared to normal children, and the same occurred in closing skills and background figure.

Results

Regarding the degree of auditory processing disorder, it was more severe in malnourished children.

Conclusion

Children with malnutrition have higher frequency alterations in auditory abilities when compared to normal children, being the temporal ordering skills, auditory memory, selective attention, figure-ground and closing the most affected skills.

Malnutrition; Hearing; Auditory perception; Auditory perceptual disorders; Hearing disorders


INTRODUÇÃO

A desnutrição é uma condição patológica, causada por ingestão deficiente ou inadequada de calorias e/ou proteínas, apresentando-se como um problema de grande dimensão em vários países. Tem relação direta com a pobreza, por ser reflexo das desigualdades socioeconômicas e políticas, inadequada distribuição de rendas, dificuldade de acesso a recursos educacionais, sendo, portanto, um dos maiores fatores da mortalidade infantil em países em desenvolvimento(1. Nunes ML, Batista BB, Micheli F, Batistella V. Efeitos da desnutrição precoce e reabilitação nutricional em ratos. J Pediatr (Rio J). 2002;78(1):39-44. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572002000100009
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200200...
,2. Monte CMG. Desnutrição: um desafio secular à nutrição infantil. J Pediatr (Rio J). 2000;76(Supl 3):S285-97.).

O risco de desnutrição está associado à saúde mental materna, estrutura familiar instável, educação pobre, desemprego e condições de moradia inadequadas. Os estudos revelam ainda grande dificuldade em separar as causas econômicas, sociais e culturais da desnutrição(3. Lucas BL, Feucht SA. Nutrição na infância. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause, alimentos, nutrição e dietoterapia. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. Capítulo 7, p. 22-37.).

Muitas evidências têm sido levantadas, no sentido de demonstrar que carências nutricionais, durante o período fetal e nos primeiros anos de vida, podem ocasionar efeitos deletérios sobre a maturação bioquímica e morfológica do organismo(4. Nóbrega FJ. Distúrbios da nutrição: na infância e na adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. Capitulo 20, Introdução, nomenclatura e metodologia de avaliação; p. 149-56.). As alterações mais graves são as que se referem ao Sistema Nervoso Central (SNC), porque na maioria das vezes, são irreversíveis(4. Nóbrega FJ. Distúrbios da nutrição: na infância e na adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. Capitulo 20, Introdução, nomenclatura e metodologia de avaliação; p. 149-56.). Quanto mais precocemente instalada a Desnutrição Energético-Proteica (DEP), mais intensos e permanentes são seus efeitos(3. Lucas BL, Feucht SA. Nutrição na infância. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause, alimentos, nutrição e dietoterapia. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. Capítulo 7, p. 22-37.). Crianças desnutridas são menos responsivas, menos curiosas e participam de menos comportamentos exploratórios que os lactentes bem nutridos(3. Lucas BL, Feucht SA. Nutrição na infância. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause, alimentos, nutrição e dietoterapia. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. Capítulo 7, p. 22-37.). As deficiências específicas de nutrientes podem resultar em diminuição da capacidade de prestar atenção e da capacidade de resolver problemas(3. Lucas BL, Feucht SA. Nutrição na infância. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause, alimentos, nutrição e dietoterapia. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. Capítulo 7, p. 22-37.). Existe associação entre a insuficiência alimentar da criança e seu crescimento, desenvolvimento e função comportamental ou acadêmica(3. Lucas BL, Feucht SA. Nutrição na infância. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause, alimentos, nutrição e dietoterapia. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. Capítulo 7, p. 22-37.,5. Miranda MC, Nobrega FJ, Sato K, Pompéia S, Sinnes EG, Bueno OFA. Neuropsicoogia e desnutrição: um estudo com crianças de 7 a 10 aos de idade, em uma comunidade carente. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2007;7(1):45-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292007000100006
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200700...

. Nunes ML. Desnutrição e desenvolvimento neuropsicomotor. J Pediatr (Rio J). 2010;77(3):159-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572001000300004
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200100...
-7. Santos JN, Lemos SMA, Lamounier JA. Estado nutricional e desenvolvimento da linguagem em crianças de uma creche pública. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):566-71. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342010000400015
https://doi.org/10.1590/S1516-8034201000...
). Dependendo da duração e intensidade da deficiência nutricional, funções neurais como cognição, consciência, emoção, aprendizado, memória, motivação e ansiedade podem ser afetadas(8. Silva VC, Alameida SS. Desnutrição proteica no início da vida prejudica a memória social em ratos adultos. Rev Nutri. 2006;19(2):195-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732006000200007
https://doi.org/10.1590/S1415-5273200600...
,9. Sampaio VDF, Oliveira LM, Almeida SS, Marchini JS, Antunes-Rodrigues J, Elias LLK. The effects of early protein malnutrition and environmental stimulation on behavioral and biochemical parameters in rats. Psycol Neurosci. 2008;1(2):109-19. http://dx.doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.004
https://doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.00...
).

A desnutrição aumenta o risco de diversas doenças devido a deficiências no sistema imunológico do indivíduo que, em consequência dessas doenças, pode ter o seu desenvolvimento físico e intelectual comprometido(5. Miranda MC, Nobrega FJ, Sato K, Pompéia S, Sinnes EG, Bueno OFA. Neuropsicoogia e desnutrição: um estudo com crianças de 7 a 10 aos de idade, em uma comunidade carente. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2007;7(1):45-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292007000100006
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200700...
,1010 . Porto JA, Oliveira AG, Largura A, Adam TS, Nunes ML. Efeitos da epilepsia e da desnutrição no sistema nervoso central em desenvolvimento: aspectos clínicos e evidências experimentais. J Epilepy Clin Neurophysiol. 2010;16(1):26-31. http://dx.doi.org/10.1590/S1676-26492010000100006
https://doi.org/10.1590/S1676-2649201000...
).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 20 milhões de crianças nascem com baixo peso, a cada ano. Cerca de 150 milhões de crianças menores de 5 anos têm baixo peso para a sua idade e 182 milhões (32,5%) têm baixa estatura.

Nas últimas décadas, o índice de desnutrição no Brasil diminuiu, mas, como nos demais países em desenvolvimento, ainda é uma causa significativa de mortalidade infantil(4. Nóbrega FJ. Distúrbios da nutrição: na infância e na adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. Capitulo 20, Introdução, nomenclatura e metodologia de avaliação; p. 149-56.).

O Estado do Maranhão, em especial, apresenta o quadro mais grave de desnutrição infantil no país, com déficits moderados ou severos de 30,6%, seguindo-se por Piauí, Ceará e Paraíba, com 22,9%, 21,1% e 19,7%, respectivamente(9. Sampaio VDF, Oliveira LM, Almeida SS, Marchini JS, Antunes-Rodrigues J, Elias LLK. The effects of early protein malnutrition and environmental stimulation on behavioral and biochemical parameters in rats. Psycol Neurosci. 2008;1(2):109-19. http://dx.doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.004
https://doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.00...
,1010 . Porto JA, Oliveira AG, Largura A, Adam TS, Nunes ML. Efeitos da epilepsia e da desnutrição no sistema nervoso central em desenvolvimento: aspectos clínicos e evidências experimentais. J Epilepy Clin Neurophysiol. 2010;16(1):26-31. http://dx.doi.org/10.1590/S1676-26492010000100006
https://doi.org/10.1590/S1676-2649201000...
). De acordo com a estatística do Ministério da Saúde, 66 municípios do Maranhão estão na lista do alto índice de desnutrição infantil e o Estado tem o maior número de ocorrências de baixo peso em crianças de até 5 anos(1111 . Thomaz EBAF, Valença AMG. Avaliação do estado nutricional entre pré-escolares na cidade de São Luís – Maranhão – Brasil. Rev Bras Cienci Saúde. 2002;6(3):237-48.,1212 . Chagas DC, Silva AAM, Batista RFL, Simões VMF, Lamy ZC, Coimbra LC, et al. Prevalência e fatores associados à desnutrição e ao excesso de peso em menores de cinco anos nos seis maiores municípios do Maranhão. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(1):146-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000100014
https://doi.org/10.1590/S1415-790X201300...
).

A desnutrição grave interfere negativamente no desenvolvimento de funções como inteligência, memória, leitura e testes matemáticos, habilidades verbais, capacidade de resolução de problemas e desenvolvimento motor. Crianças com desnutrição crônica apresentam escores baixos nos testes de vocabulário (expressivo), o que reflete dificuldade em organizar o pensamento(5. Miranda MC, Nobrega FJ, Sato K, Pompéia S, Sinnes EG, Bueno OFA. Neuropsicoogia e desnutrição: um estudo com crianças de 7 a 10 aos de idade, em uma comunidade carente. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2007;7(1):45-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292007000100006
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200700...
).

Considerando que a desnutrição provoca efeitos nocivos ao SNC e que o processamento auditivo envolve complexas conexões nervosas, reflete-se sobre o modo como as informações auditivas são processadas por crianças desnutridas.

O Sistema Nervoso Auditivo Central (SNAC) é um sistema complexo de vias neurais, que pode ser afetado por diversos fatores desenvolvimentais e patológicos, ocasionando o Distúrbio do Processamento Auditivo(1313 . Pereira LD. Avaliação do processamento auditivo. In: Lopes Filho, O. Tratado de fonoaudiologia. 2a ed. Ribeirão Preto: Tecmed, 2004. Capítulo 5, p. 111-30.), considerado um déficit no processamento da informação de sinais auditivos, sem alterações auditivas na audição periférica, nem déficit intelectual. É uma limitação da transmissão, análise, organização, transformação, elaboração e memória de informações específicas da modalidade auditiva(1414 . Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.

15 . American Academy of Audiology. Diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder. Reston: American Academy of Audiology; 2010. (American Academy of Audiology clinical practice guidelines).
-1616 . American Speech-Language-Hearing Association. Working Group on Auditory Processing Disorders. (Central) Auditory Processing Disorder Audiologist. 2005 [Acesso em: 10 jun 2013]. Disponível em: http://www.asha.org/policy/PS2005-00114/#sec1.3
http://www.asha.org/policy/PS2005-00114/...
).

Observou-se escassez de estudos sobre avaliação do sistema nervoso auditivo central relacionado à desnutrição, o que também foi relatado por outros autores(1717 . Zuanetti PA. Desempenho de crianças com histórico de subnutrição em idade precoce em linguagem escrita, processamento fonológico e processamento auditivo [dissertação]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2011.,1818 . Almeida RP, Matas CG. Potenciais evocados auditivos de longa latência em crianças desnutridas. CoDAS. 2013;25(5):407-12. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-1782201300050000
https://doi.org/10.1590/S2317-1782201300...
), que realizaram estudos avaliando a via auditiva central de crianças desnutridas. Um dos estudos(1818 . Almeida RP, Matas CG. Potenciais evocados auditivos de longa latência em crianças desnutridas. CoDAS. 2013;25(5):407-12. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-1782201300050000
https://doi.org/10.1590/S2317-1782201300...
) caracterizou os potenciais evocados auditivos de longa latência (PEALL) em crianças desnutridas, tendo sido observado aumento de latência no grupo com desnutrição. As latências dos componentes P1, N1 e P300 foram maiores no grupo de desnutridos do que no grupo eutrófico, o que sugere redução na velocidade do processamento da informação acústica, em nível cortical.

Um estudo internacional(1919 . Gladstone M, Mallewa M, Alusine Jalloh A, Voskuijl W, Postels D, Groce N, et al. Assessment of neurodisability and malnutrition in children in Africa. Semin Pedriatr Neurol. 2014;21(1):50-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.spen.2014.01.002
https://doi.org/10.1016/j.spen.2014.01.0...
) realizou levantamento de avaliações do SNC de crianças desnutridas. Os exames citados foram: neuroimagem, eletrofisiológico, neuroradiologia, eletroencefalograma e potenciais evocados auditivos. Nos estudos histológicos e de imagem no cérebro em desenvolvimento, em humanos e animais, tanto macro como microestruturas estavam alteradas no cérebro de desnutridos. A neuroradiologia comprovou atrofia cerebral e dilatação ventricular com proeminência da fissura de Sylvian e cavidade basal em crianças com kwashiokor. Quanto aos achados encontrados no eletroencefalograma das crianças desnutridas, a frequência dominante era muito mais baixa, quando comparada às crianças eutróficas. No potencial evocado auditivo, observou-se aumento na latência das ondas, o que sugere deficiência no processo de mielinização, com decréscimo da eficiência das sinapses do sistema auditivo.

Diante do exposto e da escassez de estudos nacionais e internacionais que relacionem a desnutrição e as habilidades auditivas, este estudo teve o objetivo de caracterizar o desempenho nas habilidades do processamento auditivo em crianças com desnutrição e comparar com crianças eutróficas.

MÉTODOS

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Marília (SP), sob o protocolo nº 0551/2012. Os responsáveis pelos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em que estavam descritos todos os procedimentos realizados.

A amostra foi composta por 30 crianças, na faixa etária de 5 a 10 anos, de ambos os gêneros, sendo 15 crianças com diagnóstico de desnutrição, que compuseram o grupo amostral (G1) e 15 crianças com estado nutricional adequado (eutrofia), como grupo controle (G2). Ambos os diagnósticos foram realizados por nutricionista.

Ressalta-se que, neste estudo, não foi utilizada a classificação do estado nutricional em graus (leve, moderado e grave), pois o protocolo utilizado na instituição onde foram coletados os dados não dispunha dessa classificação. Sendo assim, os grupos foram pareados segundo gênero, faixa etária e escolaridade (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos sujeitos por idade e gênero dos grupos

Foram excluídas da amostra crianças com diagnóstico prévio de perda auditiva, patologias neurológias, comportamentais ou síndromes genéticas. Tal critério foi utilizado para os dois grupos. As crianças que, durante a avaliação auditiva periférica, apresentaram alterações, também foram excluídas da amostra, como demonstrado na Figura 1.

Figura 1
Representação do processo de seleção do Grupo Amostral

O G2 foi pareado ao G1 conforme faixa etária, gênero e escolaridade e, assim, submetido à avaliação auditiva periférica e central, conforme Figura 2.

Figura 2
Representação do processo de seleção do Grupo Controle

Avaliação nutricional

As crianças com desnutrição eram procedentes do setor de Nutrição de uma instituição pública. Já as crianças do G2, foram selecionadas em uma escola e, posteriormente, encaminhadas para avaliação nutricional, com o intuito de verificar a possibilidade de pertencerem a esse grupo.

Para a avaliação do estado nutricional das crianças, foram utilizadas as curvas de Peso para a Idade (P/I), Estatura para a Idade (E/I) e Índice de Massa Corporal por Idade (IMC/I) com o critério escore-z, considerando-se a World Health Organization (WHO) - Multicenter Growth Reference Study (2007). As classificações antropométricas foram aquelas propostas pela OMS. A avaliação para caracterização do estado nutricional foi realizada por nutricionista do Serviço, em uma sessão de, aproximadamente, uma hora de duração.

Avaliação socioeconômica

Para a caracterização socioeconômica dos sujeitos, foi utilizado o critério de classificação econômica Brasil (Critério Brasil), da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2011). Trata-se de um questionário socioeconômico, baseado nos bens familiares e formação acadêmica, onde, para cada bem possuído, há uma pontuação e cada classe é definida pela soma dessa pontuação. As classes são divididas em: A1, A2, B1, B2, C, D e E.

Avaliação auditiva

Os sujeitos de ambos os grupos participaram de todas as etapas do estudo: (1) anamnese; (2) inspeção do meato acústico externo; (3) audiometria tonal e (4) avaliação do processamento auditivo.

A anamnese permitiu a obtenção de dados de identificação, presença ou não de queixa auditiva, bem como a presença de fatores de risco para alteração auditiva e sintomas referentes ao processamento auditivo.

A inspeção do meato acústico externo foi realizada com o intuito de verificar suas condições. Indivíduos com presença de cerúmen foram encaminhados para avaliação otorrinolaringológica e, posteriormente, submetidos à avaliação audiológica.

Com as informações obtidas na anamnese e os dados sobre a avaliação otoscópica, deu-se início à avaliação audiológica, realizada em cabina acústica, em três sessões de uma hora cada. A primeira sessão foi para aplicação dos questionários, anamnese e avaliação da audição periférica. Nas segunda e terceira sessões, foram realizados os testes para avaliação da audição central, por meio dos seguintes procedimentos:

1) Audiometria tonal: foi utilizado Audiômetro Interacoustics® AC33, calibrado segundo normas 8253.1, Resolução 364.9 ISO3741, nas frequências de 250 a 8000 Hz com estímulo sonoro frequência modulada (Warble)(2020 . Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978.).

2) Logoaudiometria: foram aplicados dois testes: o LRF (Limiar de Reconhecimento de Fala), utilizando-se uma lista de palavras trissílabas e polissílabas, como estímulo sonoro. O limiar foi pesquisado por meio do método descendente de intensidade, obtido quando a criança acertasse 50% das quatro palavras apresentadas. O segundo teste foi o IPRF (Índice Percentual de Reconhecimento de Fala), em que foi utilizada uma lista de 25 monossílabas e uma de 25 dissílabas, apresentadas como estímulo, em uma intensidade fixa (média tritonal somada a 40 dB NA)(2020 . Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978.).

3) Timpanometria: foi realizada a pesquisa da curva timpanométrica e dos reflexos estapedianos ipsilaterais e contralaterais(2121 . Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otorhinolaryngol. 1970;92(4):311-24.), utilizando-se o imitanciômetro AT235, calibrado segundo normas 8253.1, Resolução 364.9 ISO3741.

4) Processamento Auditivo (PA): para a avaliação do PA, foram aplicados os testes descritos a seguir:

Testes dióticos

a) Teste de sequencialização sonora verbal, utilizando-se como critério de análise, o proposto por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.), que consideram como padrão de normalidade >2 acertos em 3 tentativas.

b) Teste de sequencialização sonora não verbal, utilizando-se como critério de análise, também a proposta de Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.), que consideram como padrão de normalidade >2 acertos em 3 tentativas.

c) Teste de localização da fonte sonora em cinco direções utilizando-se como critério de análise, o proposto por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.), que consideram como padrão de normalidade > 4 acertos.

Testes monóticos

a) Logoaudiometria Pediátrica, abreviada PSI (Pediatric Speech Intelligibility). Para a realização desse teste foi utilizado um audiômetro de dois canais, CD player e CD proposto por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.), com a gravação de dez frases e uma história infantil, usadas como estímulo principal e mensagem competitiva, respectivamente, assim como um tabuleiro de figuras relacionadas às dez frases. Como critério de normalidade, as autoras consideram >80% de acertos para MCI=0; >70% de acertos para MCI= -10 e >60% de acertos para MCI= -15.

b) Teste de Fala com Ruído (TFR). Para a realização do teste, foram empregados os mesmos equipamentos citados no teste acima e, como estímulo sonoro, uma lista com 25 monossílabos, como estímulo principal, e ruído branco, como mensagem competitiva, na relação estímulo principal/mensagem competitiva de +5 dBNA, como proposto por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.). Como critério de normalidade as autoras consideram F/R >70% de acertos e diferença entre IPRF e F/R <20%.

Os resultados do desempenho do teste também foram utilizados para classificação do grau de severidade do DPAC, de leve a severo, conforme proposto por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.).

Testes dicóticos

a) Logoaudiometria Pediátrica (PSI). Os equipamentos e procedimentos foram iguais ao modo monótico, diferenciando-se a forma de aplicação dos estímulos sonoros, que foram apresentados contralateralmente e simultaneamente, tendo como critério de normalidade >90% de acertos.

b) Teste dicótico de dígitos. Para a realização desse teste, foram necessários um audiômetro de dois canais, CD player, CD de estímulo sonoro, quatro listas de 20 itens cada uma, sendo cada item formado por quatro dígitos selecionados entre os números de 1 a 9, que representam dissílabos da língua portuguesa (quatro, cinco, sete, oito e nove). Esse teste foi aplicado em duas etapas: Integração Binaural e Escuta Direcionada (direita/esquerda). Como critério de normalidade, utilizou-se o proposto por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.).

Os resultados da avaliação audiológica básica foram registrados em audiograma e timpanograma. Já os resultados da avaliação do PA, foram registrados em protocolos propostos por Pereira e Schochat (2011)(2222 . Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.).

Análise estatística

Para a análise estatística, utilizou-se o pacote estatístico IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), em sua versão 21.0. O nível de significância adotado foi de 5% (0,050). Os testes aplicados foram o Teste da Razão de Verossimilhança e o Teste Qui- quadrado com variação de Fisher, para proporções, com o intuito de verificar possíveis diferenças entre os grupos estudados.

RESULTADOS

Analisando a amostra, identificou-se maior frequência de alterações nas crianças desnutridas, quando comparadas com as crianças eutróficas. Pôde-se observar elevado índice de crianças de ambos os grupos que não apresentaram alterações na habilidade de localização da fonte sonora. Porém, o desempenho do G1 foi inferior ao G2 nas habilidades avaliadas no teste de memória para sons verbais e não verbais em sequência. O desempenho dos grupos nos testes de localização sonora (TLS), teste de memória para sons verbais em sequência e teste de memória para sons não verbais em sequência, está detalhado na Tabela 2.

Tabela 2
Comparativo de desempenho dos grupos G1 e G2 nos testes dióticos

Quanto ao TDD, foi possível observar efetiva diferença na comparação entre os dois grupos, na tarefa de Integração Binaural, em que o G2 demonstrou desempenho superior ao G1. Cem por cento das crianças desnutridas apresentaram dificuldade em relação à habilidade avaliada por esse teste. Ocorreram diferenças de desempenho entre G1 e G2 no Teste de Fala com Ruído, onde G1 apresentou desempenho inferior, não sendo observada, no entanto, diferença significativa (Tabela 3).

Tabela 3
Comparativo de desempenho no TDD e TFR

Os valores obtidos no Teste de Fala com ruído permitiram classificar o grau de severidade do DPAC e os resultados evidenciaram maior severidade no G1, sendo o grau leve o de maior ocorrência (Tabela 4).

Tabela 4
Grau de severidade do DPAC dos grupos

O Teste PSI foi realizado com mensagem competitiva contralateral e ipsilateral. No PSI contralateral, não houve relevância estatística entre os grupos. Entretanto, no PSI ipsilateral, o G1 apresentou índice de alterações maior que no G2, para ambas as orelhas. Na realização do teste em MCI, houve semelhança entre os dois grupos, quando a relação fala/ruído foi 0 dBNA, mas, quando realizado na relação fala/ruído -10 dBNA e -15 dBNA, houve pior desempenho do G1. Porém, quando comparado o desempenho entre os grupos, com relação fala/ruído -15 dBNA, não houve diferença significativa (Tabela 5).

Tabela 5
Comparativo de desempenho entre grupo G1 e G2 no teste PSI

Os grupos foram comparados, também, quanto à classificação socioeconômica e não foram evidenciadas diferenças significativas. Na comparação quanto ao gênero, houve índice maior do gênero masculino.

DISCUSSÃO

As habilidades auditivas são de extrema importância no desenvolvimento da linguagem e da fala do indivíduo. O desenvolvimento dessas habilidades depende de processos que envolvem vias nervosas complexas, que podem ser afetadas por fatores ambientais, sociais e patológicos, como descrito na literatura especializada(1. Nunes ML, Batista BB, Micheli F, Batistella V. Efeitos da desnutrição precoce e reabilitação nutricional em ratos. J Pediatr (Rio J). 2002;78(1):39-44. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572002000100009
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200200...
,2. Monte CMG. Desnutrição: um desafio secular à nutrição infantil. J Pediatr (Rio J). 2000;76(Supl 3):S285-97.,4. Nóbrega FJ. Distúrbios da nutrição: na infância e na adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. Capitulo 20, Introdução, nomenclatura e metodologia de avaliação; p. 149-56.,5. Miranda MC, Nobrega FJ, Sato K, Pompéia S, Sinnes EG, Bueno OFA. Neuropsicoogia e desnutrição: um estudo com crianças de 7 a 10 aos de idade, em uma comunidade carente. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2007;7(1):45-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292007000100006
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200700...
,6. Nunes ML. Desnutrição e desenvolvimento neuropsicomotor. J Pediatr (Rio J). 2010;77(3):159-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572001000300004
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200100...
,8. Silva VC, Alameida SS. Desnutrição proteica no início da vida prejudica a memória social em ratos adultos. Rev Nutri. 2006;19(2):195-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732006000200007
https://doi.org/10.1590/S1415-5273200600...
).

Na literatura nacional e internacional há poucos estudos(2323 . Magalhães MSQ, Oliveira PRP, Assencio-Ferreira VJ. Desnutrição como fator etiológico da deficiência auditiva em crianças de 0 a 2 anos. Rev CEFAC. 2001;3(2):183-6.

24 . Lima JG, Funayama CAR, Oliveira LM, Rossato M, Colafêmina JF. Effects of malnutrition and sensory-motor stimulation on auditory evoked potentials. Psychol Neurosci. 2008;1(2):121-7. http://dx.doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.005
https://doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.00...
-2525 . Sharma M, Purdy SC, Kelly AS. Comorbidity of auditory processing, language, and reading disorders. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(3):706-22. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2008/07-0226)
https://doi.org/10.1044/1092-4388(2008/0...
) que relacionam a desnutrição e o desenvolvimento das habilidades do processamento auditivo. Porém, os estudos encontrados também constataram desempenho inferior em crianças com desnutrição.

Na análise dos testes com tarefa diótica identificou-se que no teste de localização sonora o desempenho entre os grupos foi semelhante. Considerando que o processo de maturação interfere no desenvolvimento das habilidades auditivas, e que a criança é capaz de localizar a fonte sonora por volta dos sete meses de idade e que a faixa etária da casuística deste estudo era de 5 a 10 anos de idade, não se pode inferir que a desnutrição não interfere no desenvolvimento dessa habilidade. Foi realizado um estudo(2323 . Magalhães MSQ, Oliveira PRP, Assencio-Ferreira VJ. Desnutrição como fator etiológico da deficiência auditiva em crianças de 0 a 2 anos. Rev CEFAC. 2001;3(2):183-6.) em crianças com faixa etária de 0 a 2 anos de idade, com desnutrição, em que a audição central foi avaliada por meio da avaliação auditiva comportamental. O estudo identificou alterações na localização sonora, podendo, assim, sugerir que a desnutrição precoce poderia afetar essa habilidade.

No TMSV e TMSnV, testes que avaliam as habilidades de memória para sons verbais e não verbais em sequência, as crianças desnutridas apresentaram desempenho inferior às eutróficas. Considerando-se que a diferença entre o desempenho dos grupos foi significativa, pode-se sugerir que a desnutrição pode ter afetado o desempenho nos processos envolvidos, devido ao tipo de tarefa auditiva executada no teste, que envolve conexões nervosas mais complexas. Neste sentido, autores relataram que a desnutrição pode acarretar prejuízos na estrutura celular, nos neurotransmissores e no processo de mielinização(4. Nóbrega FJ. Distúrbios da nutrição: na infância e na adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. Capitulo 20, Introdução, nomenclatura e metodologia de avaliação; p. 149-56.,2626 . Penido AB, Rezende GHS, Abreu RV, Oliveira ACP, Guidine PAM, Pereira GS, et al. Malnutrition during central nervous system growth and developmente impairs permanently the subcortical auditory pathway. Nutr Neurosci. 2012;15(1):31-6. http://dx.doi.org/10.1179/1476830511Y.0000000022
https://doi.org/10.1179/1476830511Y.0000...
).

Com a aplicação do TDD na casuística e controle deste trabalho, foi possível avaliar o desempenho na habilidade de figura fundo para sons verbais, por meio das tarefas de Escuta Dicótica/Integração Binaural. Alterações nesse teste podem indicar prejuízo na habilidade de figura fundo para sons verbais, no mecanismo fisiológico de atenção seletiva e no processo gnósico de decodificação. Cem por cento das crianças desnutridas apresentaram baixo desempenho, indicando que a desnutrição pode ter afetado os processos auditivos centrais citados acima.

Os dados encontrados no presente estudo concordam com estudo realizado(2727 . Almeida RP. Avaliação comportamental, eletroacústica e eletrofisiológica da audição em crianças desnutridas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2012.) em um grupo de crianças com desnutrição e em um grupo de crianças saudáveis, onde a autora aplicou o mesmo teste e identificou diferença significativa nas alterações no grupo de crianças com desnutrição (67,7%), quando comparado com o grupo controle (38,2%).

A escuta dicótica em crianças desnutridas também foi pesquisada em um estudo(2828 . Lima MB. O papel da resiliência nas tarefas de escuta dicótica em adolescentes em situação de risco social [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2013.), com relação ao papel da resiliência nas tarefas de escuta dicótica em adolescentes em situação de risco social. A autora observou que, no teste dicótico de dígitos para habilidade de integração binaural, mais de 85% do grupo vulnerável apresentou alteração. Os dados apontaram para uma dificuldade em transferir a informação do hemisfério direito para o esquerdo, onde deve ser processada. Ressaltamos que o processo de maturação deve ser levado em consideração na análise dos resultados, devido ao fato de as habilidades estarem, ainda, em período de desenvolvimento, conforme citado na literatura(2929 . Casaprima V, Jannelli A, Lobo M, Martínez E, Lezarraga A. Obtención de valores normativos en la evaluación de la función auditiva central. Rev Med Rosario. 2013;79(2):73-7.). Dessa forma, em razão da faixa etária da população estudada, não foi possível, neste estudo, relacionar o desempenho das crianças com possíveis alterações no SNC, mas pôde-se observar que fatores nutricionais podem interferir nesse processo.

Os testes usados para avaliar as crianças deste estudo também foram aplicados em uma pesquisa(3030 . Gallo J, Dias KZ, Pereira LD, Azevedo MF de, Sousa EC. Avaliação do processamento auditivo em crianças nascidas pré-termo. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):95-101. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000200003
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201100...
), em que foi realizada a avaliação do processamento auditivo em crianças nascidas pré-termo. Um dos fatores de risco encontrado nessa população foi baixo peso, <1,500 Kg. Os testes aplicados foram TLS, TMSV, TMSnV, TFR, PSI/ MCC, PSI/ MCI e TDD e os autores observaram alteração em 93,75% dos indivíduos avaliados. Os mecanismos fisiológicos que se apresentaram alterados foram os de reconhecimento de sons verbais fisicamente distorcidos e reconhecimento de sons verbais em escuta monótica (50% das crianças). Quarenta e três vírgula setenta e cinco por cento das crianças apresentaram alteração do processamento temporal, 37,5%, do reconhecimento de sons verbais em escuta dicótica e 6,25%, do mecanismo de interação binaural. Os autores também identificaram atraso na habilidade de localização sonora, ordenação temporal, fechamento e figura fundo, assim como no presente estudo.

Estudo com crianças subnutridas com queixas escolares avaliou a audição central por meio do teste SSW e, segundo a autora, 100% das crianças subnutridas apresentaram alteração no teste e o processo gnósico mais prejudicado foi o de decodificação(2525 . Sharma M, Purdy SC, Kelly AS. Comorbidity of auditory processing, language, and reading disorders. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(3):706-22. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2008/07-0226)
https://doi.org/10.1044/1092-4388(2008/0...
).

Os efeitos da desnutrição nos PEATE, na estimulação sensório motora e no processamento auditivo também foram estudados e os achados sugerem que a desnutrição, nos primeiros anos de vida, pode provocar sérios efeitos na mielinização da via auditiva(2626 . Penido AB, Rezende GHS, Abreu RV, Oliveira ACP, Guidine PAM, Pereira GS, et al. Malnutrition during central nervous system growth and developmente impairs permanently the subcortical auditory pathway. Nutr Neurosci. 2012;15(1):31-6. http://dx.doi.org/10.1179/1476830511Y.0000000022
https://doi.org/10.1179/1476830511Y.0000...
).

Com a realização deste estudo, pôde-se detectar a carência de estudos que relacionem a desnutrição e o desenvolvimento das habilidades do PA. A maioria das pesquisas relaciona a desnutrição ao baixo rendimento escolar, dificuldades no desenvolvimento da linguagem e da aprendizagem. Porém, citam que o grupo que demonstrou dificuldades na linguagem escrita, apresentou maior incidência de alterações no PA do que o grupo que não manifestou alterações de linguagem escrita, indicando que alterações no PA podem estar associadas à dificuldade na linguagem escrita(1717 . Zuanetti PA. Desempenho de crianças com histórico de subnutrição em idade precoce em linguagem escrita, processamento fonológico e processamento auditivo [dissertação]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2011.,2626 . Penido AB, Rezende GHS, Abreu RV, Oliveira ACP, Guidine PAM, Pereira GS, et al. Malnutrition during central nervous system growth and developmente impairs permanently the subcortical auditory pathway. Nutr Neurosci. 2012;15(1):31-6. http://dx.doi.org/10.1179/1476830511Y.0000000022
https://doi.org/10.1179/1476830511Y.0000...
).

CONCLUSÃO

Crianças com desnutrição apresentaram maior frequência de alterações nas habilidades auditivas, quando comparadas a crianças eutróficas, sendo as habilidades mais afetadas as de ordenação temporal, memória auditiva, atenção seletiva, figura fundo e fechamento. Quanto ao grau do distúrbio do processamento auditivo, houve maior severidade nas crianças desnutridas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Nunes ML, Batista BB, Micheli F, Batistella V. Efeitos da desnutrição precoce e reabilitação nutricional em ratos. J Pediatr (Rio J). 2002;78(1):39-44. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572002000100009
    » https://doi.org/10.1590/S0021-75572002000100009
  • 2
    Monte CMG. Desnutrição: um desafio secular à nutrição infantil. J Pediatr (Rio J). 2000;76(Supl 3):S285-97.
  • 3
    Lucas BL, Feucht SA. Nutrição na infância. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause, alimentos, nutrição e dietoterapia. 12a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. Capítulo 7, p. 22-37.
  • 4
    Nóbrega FJ. Distúrbios da nutrição: na infância e na adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. Capitulo 20, Introdução, nomenclatura e metodologia de avaliação; p. 149-56.
  • 5
    Miranda MC, Nobrega FJ, Sato K, Pompéia S, Sinnes EG, Bueno OFA. Neuropsicoogia e desnutrição: um estudo com crianças de 7 a 10 aos de idade, em uma comunidade carente. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2007;7(1):45-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292007000100006
    » https://doi.org/10.1590/S1519-38292007000100006
  • 6
    Nunes ML. Desnutrição e desenvolvimento neuropsicomotor. J Pediatr (Rio J). 2010;77(3):159-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572001000300004
    » https://doi.org/10.1590/S0021-75572001000300004
  • 7
    Santos JN, Lemos SMA, Lamounier JA. Estado nutricional e desenvolvimento da linguagem em crianças de uma creche pública. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):566-71. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342010000400015
    » https://doi.org/10.1590/S1516-80342010000400015
  • 8
    Silva VC, Alameida SS. Desnutrição proteica no início da vida prejudica a memória social em ratos adultos. Rev Nutri. 2006;19(2):195-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732006000200007
    » https://doi.org/10.1590/S1415-52732006000200007
  • 9
    Sampaio VDF, Oliveira LM, Almeida SS, Marchini JS, Antunes-Rodrigues J, Elias LLK. The effects of early protein malnutrition and environmental stimulation on behavioral and biochemical parameters in rats. Psycol Neurosci. 2008;1(2):109-19. http://dx.doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.004
    » https://doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.004
  • 10
    Porto JA, Oliveira AG, Largura A, Adam TS, Nunes ML. Efeitos da epilepsia e da desnutrição no sistema nervoso central em desenvolvimento: aspectos clínicos e evidências experimentais. J Epilepy Clin Neurophysiol. 2010;16(1):26-31. http://dx.doi.org/10.1590/S1676-26492010000100006
    » https://doi.org/10.1590/S1676-26492010000100006
  • 11
    Thomaz EBAF, Valença AMG. Avaliação do estado nutricional entre pré-escolares na cidade de São Luís – Maranhão – Brasil. Rev Bras Cienci Saúde. 2002;6(3):237-48.
  • 12
    Chagas DC, Silva AAM, Batista RFL, Simões VMF, Lamy ZC, Coimbra LC, et al. Prevalência e fatores associados à desnutrição e ao excesso de peso em menores de cinco anos nos seis maiores municípios do Maranhão. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(1):146-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000100014
    » https://doi.org/10.1590/S1415-790X2013000100014
  • 13
    Pereira LD. Avaliação do processamento auditivo. In: Lopes Filho, O. Tratado de fonoaudiologia. 2a ed. Ribeirão Preto: Tecmed, 2004. Capítulo 5, p. 111-30.
  • 14
    Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.
  • 15
    American Academy of Audiology. Diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder. Reston: American Academy of Audiology; 2010. (American Academy of Audiology clinical practice guidelines).
  • 16
    American Speech-Language-Hearing Association. Working Group on Auditory Processing Disorders. (Central) Auditory Processing Disorder Audiologist. 2005 [Acesso em: 10 jun 2013]. Disponível em: http://www.asha.org/policy/PS2005-00114/#sec1.3
    » http://www.asha.org/policy/PS2005-00114/#sec1.3
  • 17
    Zuanetti PA. Desempenho de crianças com histórico de subnutrição em idade precoce em linguagem escrita, processamento fonológico e processamento auditivo [dissertação]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2011.
  • 18
    Almeida RP, Matas CG. Potenciais evocados auditivos de longa latência em crianças desnutridas. CoDAS. 2013;25(5):407-12. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-1782201300050000
    » https://doi.org/10.1590/S2317-1782201300050000
  • 19
    Gladstone M, Mallewa M, Alusine Jalloh A, Voskuijl W, Postels D, Groce N, et al. Assessment of neurodisability and malnutrition in children in Africa. Semin Pedriatr Neurol. 2014;21(1):50-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.spen.2014.01.002
    » https://doi.org/10.1016/j.spen.2014.01.002
  • 20
    Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978.
  • 21
    Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otorhinolaryngol. 1970;92(4):311-24.
  • 22
    Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011.
  • 23
    Magalhães MSQ, Oliveira PRP, Assencio-Ferreira VJ. Desnutrição como fator etiológico da deficiência auditiva em crianças de 0 a 2 anos. Rev CEFAC. 2001;3(2):183-6.
  • 24
    Lima JG, Funayama CAR, Oliveira LM, Rossato M, Colafêmina JF. Effects of malnutrition and sensory-motor stimulation on auditory evoked potentials. Psychol Neurosci. 2008;1(2):121-7. http://dx.doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.005
    » https://doi.org/10.3922/j.psns.2008.2.005
  • 25
    Sharma M, Purdy SC, Kelly AS. Comorbidity of auditory processing, language, and reading disorders. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(3):706-22. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2008/07-0226)
    » https://doi.org/10.1044/1092-4388(2008/07-0226)
  • 26
    Penido AB, Rezende GHS, Abreu RV, Oliveira ACP, Guidine PAM, Pereira GS, et al. Malnutrition during central nervous system growth and developmente impairs permanently the subcortical auditory pathway. Nutr Neurosci. 2012;15(1):31-6. http://dx.doi.org/10.1179/1476830511Y.0000000022
    » https://doi.org/10.1179/1476830511Y.0000000022
  • 27
    Almeida RP. Avaliação comportamental, eletroacústica e eletrofisiológica da audição em crianças desnutridas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2012.
  • 28
    Lima MB. O papel da resiliência nas tarefas de escuta dicótica em adolescentes em situação de risco social [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2013.
  • 29
    Casaprima V, Jannelli A, Lobo M, Martínez E, Lezarraga A. Obtención de valores normativos en la evaluación de la función auditiva central. Rev Med Rosario. 2013;79(2):73-7.
  • 30
    Gallo J, Dias KZ, Pereira LD, Azevedo MF de, Sousa EC. Avaliação do processamento auditivo em crianças nascidas pré-termo. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):95-101. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000200003
    » https://doi.org/10.1590/S2179-64912011000200003
  • Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista – UNESP – Marília (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2013
  • Aceito
    23 Abr 2014
Academia Brasileira de Audiologia Rua Itapeva, 202, conjunto 61, CEP 01332-000, Tel.: (11) 3253-8711, Fax: (11) 3253-8473 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@audiologiabrasil.org.br