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Correlação entre sintomas e avaliação perceptivo-auditiva da voz em indivíduos disfônicos

Resumos

Objetivo

Correlacionar os sintomas vocais e os dados da avaliação perceptivo-auditiva da voz de indivíduos disfônicos.

Métodos

Foram analisados os prontuários de 30 indivíduos com queixas vocais, atendidos em um serviço de Fonoaudiologia, sendo 22 mulheres e oito homens, com média de idade de 51,8 anos (±15,5). Foram coletadas as seguintes informações: resultados da Escala de Sintomas Vocais (ESV) dos domínios Limitação, Emocional, Físico e Total; resultados da avaliação perceptivo-auditiva por meio do protocolo CAPE-V (grau geral do desvio vocal, rugosidade, soprosidade, tensão, pitch, loudness e ressonância). Ambos os procedimentos foram realizados pela fonoaudióloga responsável, na primeira consulta do paciente. Os dados foram analisados estatisticamente.

Resultados

Houve correlações positivas consideradas boas apenas para os cruzamentos entre as variáveis “Escores totais da ESV” x “Grau geral do desvio vocal” e “Escores Limitação da ESV” x “Grau geral do desvio vocal”. Os escores dos domínios Limitação e Total da ESV tiveram correlação regular com o parâmetro rugosidade. Os demais parâmetros perceptivo-auditivos, de forma isolada, principalmente soprosidade de tensão, não se correlacionaram com os sintomas vocais.

Conclusão

A relação entre os sintomas vocais e as características perceptivo-auditivas da voz não é direta. No entanto, os sintomas relacionados à funcionalidade, ou seja, às limitações vocais e de comunicação, parecem ter maior correlação com a avaliação clínica, especificamente com o parâmetro “grau geral do desvio vocal”.

Voz; Distúrbios da voz; Disfonia; Autoavaliação; Qualidade da voz


Purpose

To determine the correlation between voice symptoms and auditory-perceptual evaluation of voice in dysphonic patients.

Methods

We analyzed medicals records of 30 dysphonic patients with mean age 51.8±15.5 years, 22 of whom were woman and eight were man. The information collected included the results of the Voice Symptoms Scale (VoiSS) in the Limitation, Emotional and Physical domains and the total score and results of the auditory-perceptual evaluation according to the CAPE-V protocol. Both were evaluated by a speech pathologist on the first appointment. The data were statistically analyzed.

Results

There were significant positive correlations between “VoiSS total score” and “overall severity of vocal deviance” and “VoiSS Limitation” and “overall severity of vocal deviance”. VoiSS Limitation and Total Scores showed correlation with roughness. In contrast, there was no correlation of breathiness and strain with voice symptoms.

Conclusion

There is no direct correlation between voice symptoms and auditory-perceptual characteristics of voice. However, symptoms related to functionality, voice and communication limitations seem to have a greater correlation with clinical evaluation, specifically with the overall severity of voice deviance.

Voice; Voice disorders; Dysphonia; Self-assessment; Voice quality


INTRODUÇÃO

A autoavaliação vocal tem se tornado uma ferramenta muito utilizada na clínica fonoaudiológica, tanto na avaliação, quanto durante o acompanhamento do paciente disfônico(1-5). Em geral, a autoavaliação é feita por meio de protocolos internacionais, traduzidos e validados para a língua portuguesa, que passam por um rigoroso processo durante seu desenvolvimento e que, portanto, são sensíveis e confiáveis em seu propósito(2).

A Escala de Sintomas Vocais (ESV) é o primeiro protocolo validado para a língua portuguesa que avalia, além do impacto de uma disfonia na vida do indivíduo, a sintomatologia vocal referida por ele(6). Foi validada no Brasil em 2011 e, por este motivo, pesquisas utilizando o instrumento têm publicação recente(7,8). Trata-se de um protocolo que permite que o clínico conheça exatamente as queixas do paciente, de forma objetiva e padronizada. A ESV é composta por 30 questões sobre os sintomas referentes à limitação vocal (Domínio Limitação), aos aspectos físicos relacionados à disfonia (Domínio Físico) e ao impacto psicológico e emocional ocasionado por um possível problema de voz (Domínio Emocional). O instrumento permite, ainda, que seja calculado um escore geral, que corresponde à junção dos três domínios supracitados.

Tão importante quanto a autoavaliação do paciente, é a avaliação clínica da voz. Quanto aos dados perceptivo-auditivos, o protocolo CAPE-V tem sido amplamente utilizado na clínica e nas pesquisas em voz(9,10), por permitir que sejam feitas análises não só relacionadas à fonte glótica, como na GRBASI, mas também aos aspectos de filtro, além de envolver uma grande quantidade de parâmetros vocais. Nesse instrumento, as amostras sustentadas e encadeadas são analisadas em conjunto e é possível a marcação de parâmetros adicionais, caso o clínico julgue necessário. A marcação de cada um dos parâmetros é feita em escala analógico-visual (EAV) de 100 mm, sendo que, quanto mais próximo à pontuação máxima, maior é o desvio vocal(10).

Embora já existam muitas pesquisas relacionando a autoavaliação vocal do paciente à avaliação clínica da voz, na maior parte das vezes elas contemplam os instrumentos validados há mais tempo, como o QVV, o IDV e o PPAV(11-13). Especificamente sobre a ESV, as produções com esse objetivo ainda são escassas. Além disso, não foram localizados trabalhos que mencionem a correlação da autoavaliação com a análise perceptivo-auditiva feita por meio do CAPE-V.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi correlacionar os sintomas vocais aos dados perceptivo-auditivos da voz em indivíduos disfônicos.

MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional, analítico, transversal e retrospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob o número 575.722. Foram analisados 30 prontuários referentes à totalidade de indivíduos encaminhados para o serviço de Fonoaudiologia vinculado ao Serviço de Endoscopia Per Oral do HC/UFPR entre os meses de maio e agosto de 2013. Os prontuários pertenciam a indivíduos com queixas vocais, sendo 22 mulheres e oito homens, com média de idade de 51,8 anos (+15,5), nível socioeconômico baixo, alfabetizados, com patologias laríngeas diversas e graus de comprometimento vocal variados.

Foram coletados os seguintes dados dos prontuários:

  • - Escores obtidos pelo indivíduo na ESV (domínios: limitação, físico, emocional e total). O domínio limitação tem pontuação máxima de 60 pontos, o físico de 32 pontos e o emocional de 28 pontos. A pontuação total máxima da ESV é de 120 pontos, sendo que, quanto maior o valor apresentado pelo indivíduo, maior a sintomatologia relacionada à voz.

  • - Valores obtidos nas EAV do protocolo CAPE-V, para cada um dos parâmetros predeterminados no instrumento (grau geral do desvio vocal, rugosidade, soprosidade, tensão, pitch, loudness e ressonância). No próprio protocolo, já havia a marcação realizada pela avaliadora, que variava de 0 a 100 mm, sendo que, quanto mais próximo de 100, maior o desvio vocal.

Todas as variáveis utilizadas nesta pesquisa são contínuas e, por isso, para análise estatística, foi utilizado o teste de Correlação de Pearson, que investiga se à medida que uma variável aumenta a outra também aumenta (correlação positiva), ou diminui (correlação negativa). Considerou-se o coeficiente de correlação de 1,0 como indicativo de correlação linear perfeita; entre 0,80 e 0,99, forte; 0,60 a 0,79, moderada; 0,40 a 0,59, fraca e menor que 0,40, ínfima para as correlações positivas e negativas.

RESULTADOS

Foram obtidos os coeficientes de correlação para o cruzamento entre os escores obtidos na ESV e os resultados da avaliação perceptivo-auditiva por meio do CAPE-V. Observou-se correlações positivas consideradas boas apenas para os cruzamentos entre os escores médios do domínio Limitação da ESV x grau geral do desvio vocal (coeficiente de correlação de 0,619) e escores médios do domínio total da ESV x grau geral do desvio vocal (coeficiente de correlação de 0,645). Os parâmetros soprosidade e tensão foram os que tiveram piores correlações com os escores da ESV (todas consideradas ínfimas) (Tabela 1).

Tabela 1
Correlação entre escores obtidos na ESV e resultados da avaliação perceptivo-auditiva por meio da escala CAPE-V

DISCUSSÃO

Atualmente, a avaliação perceptivo-auditiva e a autoavaliação vocal têm a mesma importância na clínica vocal, uma vez que a análise conjunta das duas permitirá um bom raciocínio do profissional a respeito do prognóstico e do processo terapêutico do paciente(6). Identificar possíveis relações entre esses dois tipos de avaliação pode contribuir para a compreensão da complexidade de fatores envolvidos no desencadeamento e manutenção de uma disfonia.

As correlações positivas consideradas boas aconteceram entre dois domínios da ESV (limitação e total) e o grau geral da disfonia, que corresponde à junção dos outros parâmetros perceptivo-auditivos avaliados. O domínio referente à limitação contempla sintomas relacionados à funcionalidade, ou seja, às restrições de voz e comunicação causadas pela disfonia. Neste domínio, são questionados sintomas como rouquidão, perda da voz, voz fraca/baixa, falhas na voz e cansaço ao falar(8). Por este motivo, esperava-se haver correlações mais fortes entre seus resultados e os parâmetros avaliados isoladamente (rugosidade, soprosidade, loudness, etc.), o que não ocorreu. No entanto, a boa correlação com o grau geral da disfonia indica que este é o domínio que mais se associa à avaliação perceptivo-auditiva realizada pelo clínico.

Os resultados aqui obtidos confirmam pesquisa internacional recente, que teve como objetivo correlacionar os dados de autoavaliação vocal, por meio do instrumento IDV e avaliação clínica da voz(14). Os autores concluíram que, embora haja algumas correlações significativas entre autoavaliação e parâmetros acústicos, os dados de autoavaliação são diferentes dos obtidos na avaliação perceptivo-auditiva da voz.

No presente estudo, os demais domínios da ESV, que contemplam as limitações emocionais e físicas não tiveram boa correlação com nenhum dos parâmetros perceptivo-auditivos. Os sintomas relacionados ao impacto emocional do distúrbio vocal dependem de uma série de fatores sociodemográficos e ocupacionais e, por isso, podem não ter relação direta com a avaliação do clínico(3,14). Já os sintomas físicos, em geral, contemplam aspectos orgânicos, sem relação direta com a produção vocal (dor na garganta, sensação de nódulos inchados no pescoço, tosses/pigarros, entre outros) e, por este motivo, esperava-se que também não teriam correlação direta com a avaliação perceptivo-auditiva.

Chamou a atenção o fato de os parâmetros perceptivo-auditivos soprosidade e tensão terem tido correlação praticamente insignificante com todos os escores da ESV, mesmo os relacionados ao domínio Limitação, que tem maior relação com a avaliação clínica. Acredita-se que outras características vocais possam ter se sobreposto a eles na avaliação perceptivo-auditiva, uma vez que é comum, nos casos de disfonia, as vozes serem consideradas predominantemente rugosas, por exemplo. Neste sentido, é possível que haja maior impacto na autoavaliação do sujeito (que em geral não sabe identificar exatamente o tipo de alteração auditiva que observa em sua própria voz) do que na avaliação do especialista (que avalia cada um dos aspectos individualmente).

Os parâmetros rugosidade, pitch e loudness tiveram correlação regular com os sintomas vocais, provavelmente pelo fato de estas características serem mais facilmente observadas/percebidas por leigos. A ampliação do número de sujeitos em um próximo estudo permitirá melhor inferência a respeito da correlação entre esses três parâmetros e os resultados da ESV. Nas condições atuais, pode-se estar diante de um erro estatístico do tipo II, aceitando-se a hipótese nula (H0 - que no presente trabalho seria a não correlação entre as variáveis), quando, na verdade, ela é falsa e poderia ser comprovada por meio de modificações amostrais ou de outras tomadas de decisões referentes aos aspectos metodológicos.

CONCLUSÃO

A relação entre os sintomas vocais e as características perceptivo-auditivas da voz não é direta. No entanto, os sintomas relacionados à funcionalidade, ou seja, às limitações vocais e de comunicação, parecem ter maior correlação com a avaliação clínica, especificamente com o parâmetro grau geral do desvio vocal.

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  • Trabalho realizado no Curso de Especialização em Voz, Universidade Tuiuti do Paraná – UTP – Irati (PR), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2014
  • Aceito
    9 Mar 2015
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