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Caracterização de acidente vascular cerebral com enfoque em distúrbios da comunicação oral em pacientes de um hospital regional

RESUMO

Objetivo

Caracterizar pacientes com acidente vascular cerebral (AVC), verificar a prevalência de distúrbios de comunicação oral relacionados e a frequência de encaminhamento para reabilitação fonoaudiológica.

Métodos

Estudo retrospectivo dos prontuários de 95 pacientes internados por AVC, entre junho de 2007 e junho de 2008, em hospital público da região metropolitana de Porto Alegre.

Resultados

Dos 95 pacientes, 51 (53,7%) eram do sexo masculino, com média de idade de 59,8 anos; 48 (59,3%) apresentavam histórico de hipertensão arterial; 82 (86,3%) apresentaram AVC tipo isquêmico e 53 (55,8%), distúrbios de comunicação oral. O tempo médio de internação foi de cinco dias. Não houve relação significativa entre o tipo de AVC e distúrbio de comunicação oral, tampouco entre o local da lesão neurológica decorrente do AVC e a ocorrência de distúrbio de comunicação oral. Nenhum dos sujeitos recebeu indicação de avaliação ou tratamento fonoaudiológico durante a internação ou na alta.

Conclusão

Mais de 50% dos indivíduos acometidos por AVC apresentam distúrbios de comunicação oral durante o período de internação hospitalar. Não houve nenhuma indicação ou solicitação de atendimento fonoaudiológico neste período, tampouco em encaminhamento para atendimento após a alta hospitalar. Estes achados indicam provável falha da inserção fonoaudiológica em equipes que atendem pacientes acometidos por doenças neurológicas, sendo necessário avaliar mais profundamente se isto ocorre devido à ausência do fonoaudiólogo na equipe, ou ao pouco conhecimento dos profissionais sobre a atuação fonoaudiológica junto aos distúrbios de comunicação oral decorrentes de AVC.

Acidente vascular cerebral; Transtornos da comunicação; Transtornos da linguagem; Fonoaudiologia; Epidemiologia

ABSTRACT

Purpose

To characterize patients with stroke and to establish the prevalence of oral communication disorders (CD) related by cerebrovascular accident (CVA) and the frequency of indication or request of speech therapy.

Methods

A retrospective cross-sectional study from the medical report forms of 95 patients hospitalized for stroke between June 2007 and June 2008 in a regional public hospital.

Results

Out of the 95 patients, 51 (53.7%) were male (mean age was 59.8 years old), 48 (59.3%) had a history of hypertension, 82 (86.3%) had ischaemic stroke and CD were present in 53 (55.8%) of patients. The mean hospital stay was 5 days. There was no significant relationship between the type of stroke and CD, or between the site of neurological damage due to stroke and the occurrence of CD. None of the subjects received an evaluation or speech-language therapy during hospitalization, and there were no referrals to healthcare after discharge.

Conclusion

More than 50% of individuals affected by stroke had oral communication disorders during the hospitalization. There was no any indication or request for speech therapy in this period, even after discharge. These findings indicate a probable failure to integrate with the speech therapy staff for the treatment of patients with neurological diseases. It is necessary to further evaluate whether this is due absence of speech therapists in the team or just healthcare professionals lacking knowledge about the possibilities of speech therapy along with disturbances in oral communication due to stroke.

Stroke; Communication disorders; Language disorders; Speech, Language and Hearing Sciences; Epidemiology

INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um dos mais importantes problemas de saúde pública da atualidade, constituindo-se em uma das patologias neurológicas de maior prevalência e, ainda, uma das principais causas de incapacidade temporária ou definitiva. No Brasil, anualmente, são registradas 68 mil mortes por AVC(11. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 665, de 12 de dezembro de 2012 [acesso 15 maio 2015]. Dispõe sobre os critérios de habilitação dos estabelecimentos hospitalares como Centro de Atendimento de Urgência aos Pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), institui o respectivo incentivo financeiro e aprova a Linha de Cuidados em AVC. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/PRT0665_12_04_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Até 70% dos pacientes que têm AVC recebem alta hospitalar com problemas relacionados à comunicação oral e à incapacidade funcional residual, fontes geradoras de dependência nas atividades de vida diária(22. Forster A, Dickerson J, Young J, Patel A, Kalra L, Nixon J et al. A cluster randomised controlled trial and economic evaluation of a structured training programme for caregivers of inpatients after stroke: the TRACS trial. Health Technol Assess. 2013;17(46):1-216. http://dx.doi.org/10.3310/hta17460
http://dx.doi.org/10.3310/hta17460...
,33. Pringle J, Hendry C, McLafferty E, Drummond J. Stroke survivors with aphasia: personal experiences of coming home. Br J Community Nurs. 2010;15(5):241-3, 245-7. http://dx.doi.org/10.12968/bjcn.2010.15.5.47950
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). O prejuízo da comunicação oral no AVC é decorrente da afasia e da disartria(44. Vieira AC, Roazzi A, Queiroga BM, Asfora R, Valença MM. Afasias e áreas cerebrais: argumentos prós e contras à perspectiva localizacionista. Psicol Reflex Crit. 2011;(24)3:588-96. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000300020
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), perdas da capacidade de comunicação que podem gerar isolamento social e consequentes quadros depressivos(55. De Ryck A, Brouns R, Fransen E, Geurden M, Van Gestel G, Wilssens I et al. A prospective study on the prevalence and risk factors of poststroke depression. Cerebrovasc Dis Extra. 2013;3(1):1- 13. http://dx.doi.org/10.1159/000345557
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).

Alguns estudos apontam a relevância da intervenção precoce para a prevenção e/ou reabilitação da comunicação, após AVC. O prognóstico parece ser melhor, quanto mais cedo essas estratégias forem iniciadas(66. Paolucci S, Antonucci G, Grasso MG, Morelli D, Troisi E, Coiro P et al. Early versus delayed inpatient stroke rehabilitation: A matched comparison conducted in Italy. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(6):695-700. http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993(00)90095-9
http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993...
,77. Trialists OS. Therapy-based rehabilitation services for stroke patients at home. Cochrane Database Syst Rev. 2003;(1):CD002925. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD002925
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD002...
,88. Bersano A, Burgio F, Gattinoni M, Candelise L. Aphasia burden to hospitalised acute stroke patients: Need for an early rehabilitation programme. Int J Stroke. 2009;4(6):443-47. http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.2009.00349.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.20...
,99. Daviet JC, Verdié-Kessler C, Stuit A, Popielarz S, Sinzakaraye A, Munoz M e t. al. Early prediction of functional outcome one year after initial unilateral hemispheric stroke. Ann Readapt Med Phys. 2006;49(2):49-56. http://dx.doi.org/10.1016/j.annrmp.2005.10.005
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,1010. Engelter S. [Aphasia in stroke patients: frequency and significance]. Praxis (Bern 1994). 2006;95(12):489-492. German. http://dx.doi.org/10.1024/0369-8394.95.13.489
http://dx.doi.org/10.1024/0369-8394.95.1...
,1111. Meschia JF, Bushnell C, Boden-Albala B, Braun LT, Bravata DM, Chatuvedi S et al. Guidelines for the primary prevention of stroke: a statement for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke. 2014;45(12):3754-832. http://dx.doi.org/10.1161/STR.0000000000000046
http://dx.doi.org/10.1161/STR.0000000000...
,1212. Dobkin BH. Impairments, disabilities, and bases for neurological rehabilitation after stroke. J Stroke Cerebrovasc Dis. 1997;6(4):221-6. http://dx.doi.org/10.1016/S1052-3057(97)80015-8
http://dx.doi.org/10.1016/S1052-3057...
,1313. Fisher RJ, Gaynor C, Kerr M, Langhorne P, Anderson C, Bautz-Holter E et al. A consensus on stroke: early supported discharge. Stroke. 2011;42(5):1392-7. http://dx.doi.org/10.1161/STROKEAHA.110.606285
http://dx.doi.org/10.1161/STROKEAHA.110....
,1414. Berthier ML, Pulvermüller F. Neuroscience insights improve neurorehabilitation of poststroke aphasia. Nat Rev Neurol. 2011;7(2):86-97. http://dx.doi.org/10.1038/nrneurol.2010.201
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), ainda que estudos controlados sejam raros.

No Brasil, a presença de fonoaudiólogos nas unidades de AVC foi recomendada para suporte terapêutico somente após a implementação da linha de cuidado do AVC(11. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 665, de 12 de dezembro de 2012 [acesso 15 maio 2015]. Dispõe sobre os critérios de habilitação dos estabelecimentos hospitalares como Centro de Atendimento de Urgência aos Pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), institui o respectivo incentivo financeiro e aprova a Linha de Cuidados em AVC. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/PRT0665_12_04_2012.html
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) e, mesmo assim, ainda é difícil estimar o número de encaminhamentos para continuidade do tratamento fonoaudiológico após a alta hospitalar.

Este estudo buscou caracterizar os pacientes com AVC, bem como verificar a prevalência dos distúrbios da comunicação oral e a frequência de encaminhamento para reabilitação fonoaudiológica em indivíduos acometidos por AVC, atendidos em um hospital regional de médio porte de referência do SUS no sul do Brasil, até o momento da alta hospitalar.

MÉTODOS

Estudo descritivo observacional, realizado a partir da coleta de dados dos prontuários de todos os pacientes admitidos por AVC, entre junho de 2007 e junho de 2008, em um hospital público municipal de referência da região do Vale dos Sinos (RS), que compreende 20 municípios da região metropolitana de Porto Alegre (RS) e serve a uma população aproximada de dois milhões de pessoas.

Foram elegíveis para a pesquisa pacientes adultos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 25 anos, cujo motivo da internação no hospital tenha sido AVC agudo, sem histórico de outra doença neurológica. A busca foi realizada por meio da verificação das listas de autorização de internação hospitalar (AIH) e identificação dos prontuários dos pacientes com AVC, pelos códigos I.60 a I.69(1515. Organização Mundial de Saúde, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças - CBCD. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: CID-10. São Paulo: Organização Mundial de Saúde; 2015 [acesso 10 abr 2015]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm
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) do Código Internacional de Doenças, versão 10 (CID-10), para o período do estudo. Dentre os 134 casos elegíveis, foram analisados os 95 casos cujos prontuários foram localizados e fornecidos pela equipe do hospital. Foram excluídos do estudo os pacientes internados por outras patologias diferentes de AVC, pacientes internados por AVC cujos prontuários não foram localizados para a coleta de dados e pacientes que foram a óbito durante o período da internação.

As variáveis avaliadas foram:

  1. Idade no período da internação, sexo, escolaridade, área de ocupação profissional e doença crônica prévia do paciente.

  2. Tipo do AVC (isquêmico ou hemorrágico).

  3. Localização do AVC - (I) hemisfério esquerdo, (II) hemisfério direito, (III) hemisférios direito e esquerdo e (IV) indefinido.

  4. Presença de distúrbio da comunicação oral, considerada a partir do registro em prontuário de aspectos relacionados a dificuldades de fala, compreensão ou comunicação verbal/oral, após a primeira avaliação médica.

  5. Encaminhamento para avaliação e/ou reabilitação, verificada no registro do prontuário, desde a internação ocasionada pelo AVC até a alta.

Os dados foram inseridos em um banco de dados em Excel e analisados pelo programa SPSS versão 21.0. Foram tabuladas a frequência das variáveis e seus intervalos de confiança de 95%. A significância estatística considerada foi p ≤ 0,05. Para uma prevalência estimada em 50% de distúrbios de comunicação oral, o poder do estudo foi de 70%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Feevale, sob o protocolo número 4.07.03.08.996. A pesquisa foi autorizada pelo diretor técnico do hospital referenciado e os autores assinaram o Termo de Compromisso para Uso de Dados Secundários, conforme disposto na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Dentre os 134 pacientes com diagnóstico de AVC atendidos no hospital, entre junho de 2007 e junho de 2008, 39 (29,1%) não tiveram seus prontuários localizados, ou foram a óbito durante a internação, impossibilitando a coleta de dados para o estudo. Dos 95 pacientes estudados, 51 (53,7%) eram do sexo masculino, com média de idade de 59,8 anos (DP=13,9) e originários da microrregião onde se localiza o hospital em que o estudo foi realizado, sendo a maioria (91,5%) residente da cidade de Novo Hamburgo (RS), onde fica o hospital. Ressalta-se a baixa escolaridade, com média de 4,7 (DP=3,16; mediana=5) anos de estudo completos (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas na população estudada

O campo de ocupação dos sujeitos estudados foi bastante diversificado, incluindo atuações nas áreas de serviços e indústria.

Em relação à presença de doenças crônicas, 65 (68,4%) indivíduos apresentaram diagnóstico de uma delas, sendo a hipertensão arterial sistêmica a prevalente (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição de diagnóstico de doenças crônicas na população estudada

Ao total, 53 (55,7%) casos apresentaram algum tipo de distúrbio da comunicação oral (DCO). Destes, 86,7% tiveram AVC do tipo isquêmico e 69,8% possuíam diagnóstico de, pelo menos, uma doença crônica. O local da lesão foi identificado em exame de imagem em 70% dos casos, aproximadamente (Tabela 3).

Tabela 3
Características dos distúrbios da comunicação na população estudada

O tempo de hospitalização foi curto; 75% dos sujeitos permaneceram internados, em média, 5 dias (DP=4).

Os dados não evidenciaram atendimento fonoaudiológico durante a hospitalização, tampouco prescrição desse tipo de tratamento na alta hospitalar. Quanto às associações testadas (diagnóstico de doença crônica, tipo de AVC, local da lesão e tempo de hospitalização versus DCO), nenhuma delas mostrou-se significante.

DISCUSSÃO

Este estudo, que buscou caracterizar os pacientes acometidos por AVC, observando-se a prevalência de distúrbios da comunicação e posterior encaminhamento para reabilitação fonoaudiológica, mostrou que a inexistência de diferença significante da ocorrência de AVC, em relação ao sexo, confirma os achados de estudos recentes(1616. Pereira AB, Alvarenga H, Pereira RS, Barbosa MT. Prevalência de acidente vascular cerebral em idosos no Município de Vassouras, Rio de Janeiro, Brasil, através do rastreamento de dados do Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2009;25(9):1929-36. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X200900090000
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,1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
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), sobretudo os que contaram com descrição detalhada da população estudada e se originaram de serviços com características semelhantes(1616. Pereira AB, Alvarenga H, Pereira RS, Barbosa MT. Prevalência de acidente vascular cerebral em idosos no Município de Vassouras, Rio de Janeiro, Brasil, através do rastreamento de dados do Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2009;25(9):1929-36. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X200900090000
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,1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
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), ainda que outros estudos tenham demonstrado predomínio do sexo masculino(1818. Chancellor AM, Glasgow GL, Ockelford PA, Johns A, Smith J. Etiology, prognosis, and hemostatic function after cerebral infarction in young adults. Stroke. 1989;20(4):477-82.) ou feminino(1919. Mansur LL, Radanovic M, Araújo GeC, Taquemori LY, Greco LL. Teste de nomeação de Boston: desempenho de uma população de São Paulo. Pro Fono. 2006;18(1):13-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872006000100003
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). O AVC compromete mais comumente a população adulta, especialmente a partir da sexta década de vida, fato constatado em alguns estudos(1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
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) e discordante de outros(2020. Mansur LL, Radanovic M, Rüegg D, Zanotto de Mendonça LI, Scaff M. Descriptive study of 192 adults with speech and language disturbances. Sao Paulo Med J. 2002;120(6):170-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802002000600003
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802002...
,2121. Hochstenbach JB, Otter R, Mulder TW. Cognitive recovery after stroke: a 2-year follow-up. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(10):1499-504. http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993(03)00370-8
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). Esta pesquisa chama a atenção em razão do percentual de pacientes abaixo de 50 anos acometidos por AVC (Tabela 3). A proporção de acidentes vasculares cerebrais nos adultos jovens varia de país para país, entre 5% a 20% de incidência, conforme a região geográfica(2222. Smajlović D. Strokes in young adults: epidemiology and prevention. Vasc Health and Risk Manag. 2015;11:157-64. http://dx.doi.org/10.2147/VHRM.S53203
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). Enquanto o diabetes mellitus e as doenças coronarianas são fatores de risco modificáveis para AVC em pacientes idosos, o tabagismo(1111. Meschia JF, Bushnell C, Boden-Albala B, Braun LT, Bravata DM, Chatuvedi S et al. Guidelines for the primary prevention of stroke: a statement for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke. 2014;45(12):3754-832. http://dx.doi.org/10.1161/STR.0000000000000046
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) e a dislipidemia aparecem como principais causas nos pacientes jovens. Por sua vez, a hipertensão arterial está representativamente correlacionada ao AVC, nas diferentes faixas etárias(2222. Smajlović D. Strokes in young adults: epidemiology and prevention. Vasc Health and Risk Manag. 2015;11:157-64. http://dx.doi.org/10.2147/VHRM.S53203
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).

A hipertensão arterial foi a doença crônica com ocorrência isolada mais comum nos indivíduos pesquisados (Tabela 2), demonstrando a importância da realização de ações voltadas para a prevenção desse fator de risco, já que está associado a inúmeras comorbidades(1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
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). Entretanto, em estudos com modelos multivariados de análise, o diabete mellitus esteve mais associado à afasia nos pacientes sobreviventes(2323. Kyrozis A, Potagas C, Ghika A, Tsimpouris PK, Virvidaki ES, Vemmos KN. Incidence and predictors of post-stroke aphasia: the arcadia stroke registry. Eur J Neurol. 2009;16(6):733-9. http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-1331.2009.02580.x
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), possivelmente pelo fato da doença ter curso mais longo que problemas cardiovasculares.

Uma das limitações do presente estudo foi a ausência de dados sobre tabagismo, uso de contraceptivos orais ou práticas de atividade física, que são fatores de risco de AVC sinérgicos e comuns nos adultos jovens(2222. Smajlović D. Strokes in young adults: epidemiology and prevention. Vasc Health and Risk Manag. 2015;11:157-64. http://dx.doi.org/10.2147/VHRM.S53203
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). Entretanto, sabe-se que o hábito de fumar é prevalente na população do Rio Grande do Sul, visto a incidência de câncer de pulmão nesse Estado(2424. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Secretaria da Saúde. Plano estadual de saúde: 2012/2015. Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul; 2013.). Assim, a investigação mais minuciosa desses fatores e de outras etiologias que compõem o diagnóstico diferencial, poderia ter contribuído para explicar melhor a proporção de adultos jovens com AVC encontrados nesta amostra.

Dos indivíduos que participaram do estudo, a maioria apresentou o AVC do tipo isquêmico e a minoria, AVC do tipo hemorrágico (Tabela 3), demonstrando significativa diferença em relação à prevalência dos tipos de AVC e confirmando resultados de outros estudos(1818. Chancellor AM, Glasgow GL, Ockelford PA, Johns A, Smith J. Etiology, prognosis, and hemostatic function after cerebral infarction in young adults. Stroke. 1989;20(4):477-82.,2020. Mansur LL, Radanovic M, Rüegg D, Zanotto de Mendonça LI, Scaff M. Descriptive study of 192 adults with speech and language disturbances. Sao Paulo Med J. 2002;120(6):170-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802002000600003
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,2121. Hochstenbach JB, Otter R, Mulder TW. Cognitive recovery after stroke: a 2-year follow-up. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(10):1499-504. http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993(03)00370-8
http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993...
,2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
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).

O tempo médio de internação hospitalar dos indivíduos estudados foi de cinco dias, menor que a média de outros estudos(2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
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). Possivelmente, um tempo de internação hospitalar tão diminuto para os pacientes com características clínicas complexas, comumente associadas à demanda por cuidados para a manutenção da vida, pode inibir a avaliação mais detalhada de aspectos, como a comunicação, tão relevante para a manutenção e/ou resgate da autonomia e convívio do homem com seus pares, além de fortemente requisitada para as atividades laborais, na atualidade(2626. Olusanya BO, Ruben RJ, Parving A. Reducing the burden of communication disorders in the developing world: an opportunity for the millennium development project. JAMA. 2006;296(4):441-4. http://dx.doi.org/10.1001/jama.296.4.441
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). A maior rotatividade de pacientes, em consequência do baixo tempo de internação, provavelmente relega aspectos, como a comunicação, ao segundo plano, de forma que a identificação e o tratamento acabam sendo mais raros. Por outro lado, o tempo de internação breve contribui para a redução de possíveis complicações inerentes a internação prolongada, além de reduzir o impacto financeiro sobre o sistema de saúde(1919. Mansur LL, Radanovic M, Araújo GeC, Taquemori LY, Greco LL. Teste de nomeação de Boston: desempenho de uma população de São Paulo. Pro Fono. 2006;18(1):13-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872006000100003
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872006...
). A ocorrência de distúrbio de comunicação relacionada ao aumento do tempo de internação é evidenciada em outros estudos(2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.20...
).

Os distúrbios de comunicação oral estiveram presentes em mais da metade dos pesquisados. Ademais, observou-se que um número considerável de pessoas vítimas do AVC apresentaram dificuldades para se comunicar, durante o período de internação hospitalar (Tabela 3). Tais dados estão em consonância com a literatura da área(2727. Croquelois A, Bogousslavsky J. Stroke aphasia: 1,500 consecutive cases. Cerebrovasc Dis. 2011;31(4):392-99. http://dx.doi.org/10.1159/000323217
http://dx.doi.org/10.1159/000323217...
), ainda que a incidência de distúrbios da comunicação oral entre os sobreviventes varie entre 17% e 36% nos primeiros 30 dias pós-AVC(88. Bersano A, Burgio F, Gattinoni M, Candelise L. Aphasia burden to hospitalised acute stroke patients: Need for an early rehabilitation programme. Int J Stroke. 2009;4(6):443-47. http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.2009.00349.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.20...
,2323. Kyrozis A, Potagas C, Ghika A, Tsimpouris PK, Virvidaki ES, Vemmos KN. Incidence and predictors of post-stroke aphasia: the arcadia stroke registry. Eur J Neurol. 2009;16(6):733-9. http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-1331.2009.02580.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-1331.20...
), e até 41% após um ano(99. Daviet JC, Verdié-Kessler C, Stuit A, Popielarz S, Sinzakaraye A, Munoz M e t. al. Early prediction of functional outcome one year after initial unilateral hemispheric stroke. Ann Readapt Med Phys. 2006;49(2):49-56. http://dx.doi.org/10.1016/j.annrmp.2005.10.005
http://dx.doi.org/10.1016/j.annrmp.2005....
). Estes aspectos possivelmente são relacionados às características das populações e aos serviços de saúde aos quais estão vinculadas, serviços estes que seriam beneficiados por estudos regionais para determinar o planejamento mais apropriado para atendimento da demanda(2323. Kyrozis A, Potagas C, Ghika A, Tsimpouris PK, Virvidaki ES, Vemmos KN. Incidence and predictors of post-stroke aphasia: the arcadia stroke registry. Eur J Neurol. 2009;16(6):733-9. http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-1331.2009.02580.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-1331.20...
).

Não foi possível estabelecer relação entre o tipo de AVC e a presença de distúrbios de comunicação nesta pesquisa, ainda que outros estudos tenham verificado associação entre AVC isquêmico e distúrbios da comunicação(2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.20...
).

Também não se encontrou associação significativa entre o local da lesão e a presença de distúrbios de comunicação. Contudo, estudos relacionados ao tema demonstraram que as alterações da comunicação em lesões no hemisfério dominante consistem em dificuldades articulatórias, na praxia oral e na linguagem(1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009...
,2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.20...
). Nas lesões do hemisfério não dominante, são mais afetadas a articulação e as habilidades discursivas, pragmático-inferenciais, léxico-semânticas e prosódicas(2828. Brady MC, Kelly H, Godwin J, Enderby P. Speech and language therapy for aphasia following stroke. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD000425. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000425.pub3
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000...
).

Os distúrbios de comunicação oral estão associados a dificuldades residuais de comunicação, demandando atendimento de reabilitação(88. Bersano A, Burgio F, Gattinoni M, Candelise L. Aphasia burden to hospitalised acute stroke patients: Need for an early rehabilitation programme. Int J Stroke. 2009;4(6):443-47. http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.2009.00349.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.20...
,1111. Meschia JF, Bushnell C, Boden-Albala B, Braun LT, Bravata DM, Chatuvedi S et al. Guidelines for the primary prevention of stroke: a statement for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke. 2014;45(12):3754-832. http://dx.doi.org/10.1161/STR.0000000000000046
http://dx.doi.org/10.1161/STR.0000000000...
,1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009...
,2020. Mansur LL, Radanovic M, Rüegg D, Zanotto de Mendonça LI, Scaff M. Descriptive study of 192 adults with speech and language disturbances. Sao Paulo Med J. 2002;120(6):170-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802002000600003
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802002...
). Ao considerar que os sujeitos que apresentam AVC leve ou moderado possam não ter sido atendidos no ambiente hospitalar, mas ainda assim apresentem algum tipo de distúrbio de comunicação oral, a incidência de tais sequelas pode ser ainda maior e, portanto, maior também a demanda por reabilitação(2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.20...
).

Dado que as evidências de que a reabilitação precoce é mais efetiva e está relacionada à diminuição do tempo de internação, ainda que outros fatores, como comorbidades prévias ao AVC, histórico prévio de AVC e tipo, local e gravidade da lesão devam ser considerados(88. Bersano A, Burgio F, Gattinoni M, Candelise L. Aphasia burden to hospitalised acute stroke patients: Need for an early rehabilitation programme. Int J Stroke. 2009;4(6):443-47. http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.2009.00349.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4949.20...
), seria esperada a implementação e continuidade dos cuidados fonoaudiológicos. No entanto, nenhum dos indivíduos pesquisados recebeu atendimento fonoaudiológico durante a internação hospitalar, tampouco foram encontrados registros de encaminhamento para atendimento fonoaudiológico após a alta hospitalar, aspecto completamente contrário às diretrizes de intervenção para sequelas de AVC, tanto durante a internação hospitalar, quanto no seguimento dos pacientes com sequelas(66. Paolucci S, Antonucci G, Grasso MG, Morelli D, Troisi E, Coiro P et al. Early versus delayed inpatient stroke rehabilitation: A matched comparison conducted in Italy. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(6):695-700. http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993(00)90095-9
http://dx.doi.org/10.1016/S0003-9993...
). Esses achados demonstram que o paciente acometido por AVC, na melhor as hipóteses, somente receberá atendimento integral de reabilitação se for encaminhado para acompanhamento, após a alta hospitalar, por alguma equipe de saúde básica, visto que não foram encontrados registros de tratamentos auxiliares para a reabilitação de sequelas no período de internação hospitalar, ou mesmo nas descrições imediatamente anteriores a alta hospitalar, conforme amplamente recomendado na literatura da área(2626. Olusanya BO, Ruben RJ, Parving A. Reducing the burden of communication disorders in the developing world: an opportunity for the millennium development project. JAMA. 2006;296(4):441-4. http://dx.doi.org/10.1001/jama.296.4.441
http://dx.doi.org/10.1001/jama.296.4.441...
,2828. Brady MC, Kelly H, Godwin J, Enderby P. Speech and language therapy for aphasia following stroke. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD000425. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000425.pub3
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000...
). A contribuição da intervenção fonoaudiológica junto aos pacientes com AVC visa ampliar as perspectivas prognósticas, como a redução do tempo de internação e da taxa de reinternações por complicações alimentares, bem como a retomada de atividades de interação social por meio da comunicação, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes(1414. Berthier ML, Pulvermüller F. Neuroscience insights improve neurorehabilitation of poststroke aphasia. Nat Rev Neurol. 2011;7(2):86-97. http://dx.doi.org/10.1038/nrneurol.2010.201
http://dx.doi.org/10.1038/nrneurol.2010....
,1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009...
,2828. Brady MC, Kelly H, Godwin J, Enderby P. Speech and language therapy for aphasia following stroke. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD000425. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000425.pub3
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000...
,2929. Langhorne P, Bernhardt J, Kwakkel G. Stroke rehabilitation. Lancet. 2011;377(9778):1693-702. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60325-5
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736...
).

Os achados referentes à inexistência de atuação do fonoaudiólogo no hospital pesquisado remetem ao fato de que, em algumas regiões do Brasil, não há equipes multidisciplinares que atendam os pacientes acometidos por AVC, seja durante a internação, ou após a alta hospitalar, especialmente para que comorbidades sejam evitadas, conforme indicam diversos estudos sobre o tema(99. Daviet JC, Verdié-Kessler C, Stuit A, Popielarz S, Sinzakaraye A, Munoz M e t. al. Early prediction of functional outcome one year after initial unilateral hemispheric stroke. Ann Readapt Med Phys. 2006;49(2):49-56. http://dx.doi.org/10.1016/j.annrmp.2005.10.005
http://dx.doi.org/10.1016/j.annrmp.2005....
,2525. Guyomard V, Fulcher RA, Redmayne O, Metcalf AK, Potter JF, Myint PK. Effect of dysphasia and dysphagia on inpatient mortality and hospital length of stay: a database study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(11):2101-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02526.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.20...
). Além disso, cabe destacar que, embora parte dos pacientes recupere suas funções comunicativas espontaneamente, uma parcela expressiva requer avaliação e tratamento especializados, que demonstram ser efetivos para a reabilitação da comunicação(1717. Remesso GC, Chiappetta AL, Aguiar AS, Fukujima MM, Prado GF. Verbal language spontaneous recovery after ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(3B):856-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000500014
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009...
,2828. Brady MC, Kelly H, Godwin J, Enderby P. Speech and language therapy for aphasia following stroke. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD000425. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000425.pub3
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD000...
).

A atuação fonoaudiológica precoce no ambiente hospitalar traz ganhos significativos ao paciente vítima do AVC, pois contribui para a recuperação das habilidades linguísticas e alimentares, contribuindo para a diminuição do tempo de hospitalização, reduzindo custos, promovendo a retomada da independência funcional, motora e comunicativa e melhorando a qualidade de vida do paciente e da família.

Embora a orientação seja de registro de todos os fatos e condutas propostas ao paciente, é possível que alguns encaminhamentos para serviços de reabilitação sejam prescritos somente em receituários, não constando nos documentos de prontuário e nota de alta hospitalar. A ausência da utilização de uma escala de caracterização de distúrbios de comunicação também pode ter subestimado o número de pacientes com diagnóstico positivo, especialmente para casos mais leves de distúrbio de comunicação oral. Esses dois fatos podem se caracterizar como possíveis vieses de aferição e, portanto, limitações nos achados.

As referências bibliográficas relacionadas aos distúrbios de comunicação oral em pacientes acometidos por acidente vascular cerebral são restritas e os dados epidemiológicos, limitados. Os estudos epidemiológicos e descritivos na área de neuropsicologia desenvolvidos no Brasil são escassos, levando especialistas dessa área a buscar referências e confiar em estudos realizados fora do país(1919. Mansur LL, Radanovic M, Araújo GeC, Taquemori LY, Greco LL. Teste de nomeação de Boston: desempenho de uma população de São Paulo. Pro Fono. 2006;18(1):13-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872006000100003
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872006...
). A quantidade de artigos publicados sobre reabilitação motora nas principais bases de dados excede em quase dez vezes aquela sobre reabilitação fonoaudiológica. O grande contraste talvez possa ser explicado pelo pouco tempo de existência de algumas profissões da área da saúde e reflita, sobretudo em países menos desenvolvidos, a transição demográfica e a previsão de grandes incidências de AVC para os próximos anos(3030. World Health Organization – WHO. Global status report on non communicable diseases 2010. Geneva: World Health Organization; 2011.), o reduzido investimento em serviços de reabilitação funcional e a baixa inserção dos profissionais de fonoaudiologia nos hospitais e em todas as instâncias da rede de saúde, fato demonstrado nesta pesquisa.

Finalmente, nossos achados de caracterização dos pacientes acometidos por AVC, bem como de prevalência de distúrbios da comunicação oral nesses pacientes estão em consonância com a descrição da literatura. No entanto, gostaríamos de ter encontrado maiores percentuais de encaminhamento para reabilitação fonoaudiológica, considerando que os distúrbios de comunicação oral estiveram presentes em mais de 50% da amostra. A ausência desses profissionais inseridos na equipe hospitalar pode ajudar a compreender os resultados. Todavia, a coleta dos dados ocorreu antes da implantação da linha de cuidado do AVC e da orientação da presença de fonoaudiólogos nas equipes multidisciplinares de cuidado. Assim, é provável que a realidade da frequência dos encaminhamentos possa ter se transformado.

CONCLUSÃO

Mais de 50% dos indivíduos acometidos por AVC apresentaram distúrbios de comunicação oral durante o período de internação hospitalar. Não houve nenhuma indicação ou solicitação de atendimento fonoaudiológico neste período, tampouco em encaminhamento para atendimento após a alta hospitalar. Estes achados indicam provável falha da inserção fonoaudiológica em equipes que atendem pacientes acometidos por doenças neurológicas, sendo necessário avaliar mais profundamente se isto ocorre devido à ausência do fonoaudiólogo na equipe, ou ao pouco conhecimento dos profissionais sobre a atuação fonoaudiológica junto aos distúrbios de comunicação oral decorrentes de AVC.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2015
  • Aceito
    21 Jul 2016
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