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Atuação fonoaudiológica na doença de Machado-Joseph: relato de caso

RESUMO

A doença de Machado-Joseph é a forma de ataxia espinocerebelar de maior prevalência no Brasil e tem como alguns dos principais sinais clínicos a disfagia e a disartria. Este relato de caso objetivou verificar os efeitos da intervenção intensiva fonoaudiológica em um paciente com a doença de Machado-Joseph. A coleta de dados foi realizada a partir de protocolos de avaliação de fala e deglutição e protocolos de autoavaliação de qualidade de vida, em relação à deglutição e comunicação. Também foram realizadas avaliações quantitativas de parâmetros acústicos. A intervenção foi administrada por meio do método Lee Silverman, programa intensivo que visa ao aumento da intensidade vocal. A partir das avaliações clínicas e instrumentais, os resultados demonstraram melhora em todas as bases motoras de fala, respiratória, fonatória, ressonantal, articulatória e a prosódia, além da diminuição dos sinais disfágicos. Na qualidade vocal, houve diminuição de rouquidão e instabilidade, regularização de jitter e shimmer, aumento da intensidade vocal, melhora na coordenação de palavras e frases por expiração e, ainda, melhora discreta da diadococinesia. Após intervenção, a autoavaliação de qualidade de vida relacionada à deglutição apresentou valores iguais ou maiores nos domínios diretamente ligados à alimentação, porém, os domínios emocionais diminuíram. O paciente relatou satisfação em todos os domínios da qualidade de vida em voz e foram obtidos valores maiores em todos os domínios. Concluiu-se que a intervenção intensiva beneficiou o participante e impactou positivamente sua qualidade de vida.

Palavras-chave:
Ataxia espinocerebelar tipo 3; Doença de Machado-Joseph; SCA3; Disfagia; Desordens da deglutição; Disartria; Método Lee Silverman; Qualidade de vida

ABSTRACT

Machado-Joseph disease is the most prevalent form of spinocerebellar ataxia in Brazil, and has dysphagia and dysarthria among its main clinical signs. This case report aims to ascertain the effects of intensive speech-language intervention in a patient with Machado-Joseph disease. Data collection was performed based on speech and swallowing assessment protocols and self-assessment protocols specific to swallowing-related and communication-related quality of life. Quantitative assessments of acoustic parameters were also performed. The intervention was administered through the Lee Silverman method, which is an intensive program aimed at increasing vocal intensity. The results of clinical and instrumental evaluations showed improvement in all motor parameters of speech (respiration, phonation, resonance, articulation, and prosody), besides a reduction in dysphagic signs. Regarding vocal quality, there was a decrease in hoarseness and instability, regularization of jitter and shimmer, increased vocal intensity, and improved coordination of words and phrases by expiration, as well as slight improvement of diadochokinesis. After intervention, self-assessment of swallowing-related quality of life was unchanged or improved in the domains directly related to food, but reduced in emotional domains. The patient reported satisfaction in all domains of voice-related quality of life, and scores were increased in all domains. We conclude that intensive intervention was beneficial for the participant and positively impacted their quality of life.

Keywords:
Spinocerebellar ataxia type 3; Machado-Joseph disease; SCA3; Dysphagia; Deglutition disorders; Dysarthria; Lee Silverman voice treatment; Quality of life

INTRODUÇÃO

As ataxias espinocerebelares (SCAs) são doenças neurodegenerativas, que têm como alteração genética o aumento de trinucleotídeos CAG (citosina/adenina/guanina) nos genes(11 Teive HA. Spinocerebellar ataxias. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(4):1133-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000600035. PMid:20069236.
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). A SCA3, também conhecida como doença de Machado-Joseph (DMJ), é a forma de maior prevalência no Brasil(11 Teive HA. Spinocerebellar ataxias. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(4):1133-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2009000600035. PMid:20069236.
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). Clinicamente, é caracterizada por ataxia progressiva, oftalmoplegia e grau variável de sinais piramidais, como hiperreflexia, espasticidade, disfagia e disartria, de sinais extrapiramidais, como distonia, rigidez e bradicinesia, ou neuropatia periférica com arreflexia ou amiotrofias(22 Coutinho MPMA. Doença de Machado-Joseph: tentativa de definição [tese]. Porto: Universidade do Porto - Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar; 1992.).

Disartria refere-se às alterações de fala causadas por falhas no controle muscular dos mecanismos fonoarticulatórios, decorrentes de lesões no sistema nervoso central ou periférico(33 Ortiz KZ. Avaliação das disartria. In: Ortiz KZ, editor. Distúrbios neurológicos adquiridos: fala e deglutição. Barueri: Manole; 2010. p. 84-96.). A disartria modifica uma ou mais funções, dentre fonação, respiração, articulação, ressonância e prosódia, que devem atuar de forma sincronizada para uma adequada emissão dos sons(33 Ortiz KZ. Avaliação das disartria. In: Ortiz KZ, editor. Distúrbios neurológicos adquiridos: fala e deglutição. Barueri: Manole; 2010. p. 84-96.) e, na DMJ, é esperada piora, com a evolução da doença. Em um estudo(22 Coutinho MPMA. Doença de Machado-Joseph: tentativa de definição [tese]. Porto: Universidade do Porto - Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar; 1992.) com 47 famílias afetadas pela DMJ, a disartria foi evidenciada em 25% dos indivíduos, em dez anos de evolução da doença, e 50%, em 15 anos de evolução. As principais manifestações das disartrias relacionadas a ataxias são caracterizadas, geralmente, por fonação com tremor vocal, esforço e aspereza (alterações na estabilidade vocal), articulação com interrupção irregular, prolongamento de fonemas e distorção de vogais e consoantes, prosódia com acentuação excessiva, sem diferenciação de tonicidade e excesso de altura assistemática(33 Ortiz KZ. Avaliação das disartria. In: Ortiz KZ, editor. Distúrbios neurológicos adquiridos: fala e deglutição. Barueri: Manole; 2010. p. 84-96.).

A disfagia, dificuldade na passagem dos alimentos da cavidade oral até o estômago, é um dos sintomas comumente presentes nas ataxias espinocerebelares. Tem considerável impacto, em razão das complicações clínicas e associação direta com uma das frequentes causas de morte, a pneumonia aspirativa(22 Coutinho MPMA. Doença de Machado-Joseph: tentativa de definição [tese]. Porto: Universidade do Porto - Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar; 1992.). As manifestações mais frequentes na DMJ são os engasgos constantes, inclusive com saliva, e o emagrecimento(22 Coutinho MPMA. Doença de Machado-Joseph: tentativa de definição [tese]. Porto: Universidade do Porto - Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar; 1992.). Cerca de 70% dos pacientes apresentam disfagia a partir do oitavo ano de evolução da doença e, após quinze anos, o sintoma evolui para grau moderado ou grave(22 Coutinho MPMA. Doença de Machado-Joseph: tentativa de definição [tese]. Porto: Universidade do Porto - Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar; 1992.).

Poucos estudos foram compilados sobre intervenção fonoaudiológica na DMJ. Em um relato de caso(44 Busanello AR, Castro SAFN, Rosa AAA. Disartria e doença de Machado-Joseph: relato de caso. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):247-51. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300013.
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) em paciente com disartria leve, foi analisado o processo de intervenção semanal, realizado por dois meses, com foco nas funções fonatória e respiratória. Observou-se alternância entre estabilização e piora do quadro e, apesar do seguimento bimensal de orientações e exercícios, a disartria tornou-se mais grave. Em outra pesquisa de intervenção em quatro casos de DMJ com diagnóstico de disfagia leve(55 Silva BF, Finard AS, Olchik MR. Qualidade de vida em pacientes com doença de Machado-Joseph sob acompanhamento fonoaudiológico para disfagia. Rev CEFAC. 2016;18(4):992-1000. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201618418515.
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), foram realizadas sessões semanais durante seis semanas, utilizando exercícios miofuncionais orofaciais, adequação de consistência, terapia direta com manobras facilitadoras, compensatórias e de limpeza. Após intervenção, três dos quatro pacientes acompanhados não apresentaram alteração do quadro de disfagia e um apresentou avanço das manifestações.

Não foram encontradas, na literatura, intervenções fonoaudiológicas com o método Lee Silvermann Voice Treatment (LSVT) em casos da doença de Machado-Joseph, porém, em uma paciente disártrica por disfunção cerebelar secundária à deficiência de tiamina(66 Sapir S, Spielman J, Ramig LO, Hinds SL, Countryman S, Fox C, et al. Effects of intensive voice treatment (the Lee Silverman Voice Treatment [LSVT]) on ataxic dysarthria. Am J Speech Lang Pathol. 2003;12(4):387-99. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2003/085). PMid:14658991.
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), os resultados indicaram aumento de média de frequência fundamental, melhora de precisão articulatória e entonação, em curto e em longo prazo.

O método denominado Lee Silverman Voice Treatment (LSVT) é um programa de fácil aprendizado, requer baixa demanda cognitiva, visa ao aumento da intensidade vocal, através do esforço fonatório, e se diferencia por ser centrado em aspectos específicos, como treino intensivo diário, foco na voz e automonitoramento(77 Ramig LO, Sapir S, Countryman S, Pawlas A, O’Brien C, Hoehn M, et al. Intensive voice treatment (LSVT) for individuals with Parkinson disease: a two year follow-up. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001;71(4):493-8. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.71.4.493. PMid:11561033.
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) e tem se mostrado eficaz no tratamento de disartria e disfagia. Inicialmente proposto para o tratamento da doença de Parkinson (DP), também é utilizado para outras patologias neurológicas, como paralisia supranuclear progressiva e esclerose múltipla, além da presbifagia(88 Sale P, Castiglioni D, De Pandis MF, Torti M, Dall’armi V, Radicati FG, et al. The Lee Silverman Voice Treatment (LSVT®) speech therapy in progressive supranuclear palsy. Eur J Phys Rehabil Med. 2015;51(5):569-74. PMid:26138088.

9 Sapir S, Pawlas A, Ramig L, Seeley E, Fox C, Corboy J. Effects of intensive phonatory-respiratory treatment (LSVT®) on voice in two individuals with multiple sclerosis. Journal of Speech Language Pathology. 2001;9(2):35-45.
-1010 Ramig LO, Gray S, Baker K, Corbin-Lewis K, Buder E, Luschei E, et al. The aging voice: a review, treatment data and familial and genetic perspectives. Folia Phoniatr Logop. 2001;53(5):252-65. http://dx.doi.org/10.1159/000052680. PMid:11464067.
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).

Apesar de não ser encontrada, na literatura, a intervenção com o LSVT na DMJ, o método foi aplicado em uma paciente com ataxia(66 Sapir S, Spielman J, Ramig LO, Hinds SL, Countryman S, Fox C, et al. Effects of intensive voice treatment (the Lee Silverman Voice Treatment [LSVT]) on ataxic dysarthria. Am J Speech Lang Pathol. 2003;12(4):387-99. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2003/085). PMid:14658991.
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), que apresentou melhoras em aspectos de fala. Os autores apontaram que, nas disartrias relacionadas a ataxias, há dificuldade em ajustar o aprendizado motor, ou seja, a capacidade de detectar e corrigir erros, automatizar e armazenar os novos padrões necessários dos movimentos. Ocorre, também, a dificuldade em efetuar a coordenação e estabilidade do movimento. Estas funções são desempenhadas pelo cerebelo, em associação com outras áreas, como o estriado, sistema límbico e córtex pré-frontal. As dificuldades citadas levam à necessidade de constantes monitoramentos e controle na execução dos movimentos. Quando o movimento é destinado à fala, estas alterações podem piorar ainda mais, por causa das demandas linguísticas e cognitivas associadas.

Assim, segundo Sapir et al.(66 Sapir S, Spielman J, Ramig LO, Hinds SL, Countryman S, Fox C, et al. Effects of intensive voice treatment (the Lee Silverman Voice Treatment [LSVT]) on ataxic dysarthria. Am J Speech Lang Pathol. 2003;12(4):387-99. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2003/085). PMid:14658991.
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), o tratamento efetivo para as disartrias atáxicas deve: não requerer esforço consciente para ajustar a automatização dos padrões de fala pré-mórbidos, ter durações mais curtas e não apresentar demandas cognitivas. O LSVT atende a todos esses critérios e, ainda, atua na melhora da instabilidade vocal que ocorre nesses pacientes. Sendo assim, o objetivo deste relato de caso foi verificar os efeitos da terapia intensiva fonoaudiológica utilizando o método LSVT, tanto na visão dos examinadores, quanto do próprio participante, de um indivíduo portador da doença progressiva Machado-Joseph.

Apresentação do caso clínico

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ceilândia – CEP/FCE sob número de protocolo CAAE 09573219.6.0000.8093 e o participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participante do sexo masculino, 33 anos, graduado em Publicidade e Propaganda, atua como profissional autônomo na área de animação, design gráfico e produção de vídeo. Compareceu para atendimento fonoaudiológico no ambulatório de Neurologia de um hospital universitário. Diagnosticado há seis anos com ataxia espinocerebelar Tipo 3, teve como sintomas iniciais a dificuldade de deambulação e as alterações de fala, principalmente após ingestão de bebidas alcóolicas, por volta dos 20 anos de idade. Possui histórico familiar da doença, inclusive seu pai, que seguiu por 16 anos com as alterações e faleceu por infecção generalizada, devido à pneumonia aspirativa.

As avaliações iniciais e finais foram realizadas por dois fonoaudiólogos com experiência clínica, por meio de análise de concordância. O paciente apresentou adequação na autonomia e informou realizar as atividades de vida diária sozinho. Entretanto, necessita de dispositivo de auxílio para deambulação (andador ortopédico) e acompanhante para sair de casa. É comunicativo e foi capaz de responder a todos os comandos verbalmente e de forma independente. Apresentou comportamentos contextualizados. Referiu não ter perdido peso após o diagnóstico, que faz acompanhamento nutricional e se queixou de engasgos frequentes e restrições alimentares (alimentos secos). Afirmou nunca ter sido submetido à intervenção fonoaudiológica.

Para avaliações clínicas foi usado o Protocolo de Disartria(33 Ortiz KZ. Avaliação das disartria. In: Ortiz KZ, editor. Distúrbios neurológicos adquiridos: fala e deglutição. Barueri: Manole; 2010. p. 84-96.), que consiste na exploração isolada e combinada das cinco bases motoras da fala (respiração, fonação, ressonância, articulação e prosódia). A qualidade vocal foi classificada utilizando a escala GRBASI: G (grau de alteração global), R (irregularidade das pregas vocais, envolvendo rouquidão, bitonalidade e aspereza), B (soprosidade, escape de ar na glote), A (astenia, fraqueza e perda de potência vocal), S (tensão, hiperfunção na emissão), I (instabilidade, flutuação da qualidade vocal). A escala GRBASI(1111 Hirano M. Clinical examination of voice. Wien: Springer Verlag; 1981. p. 81-4.) é utilizada para avaliar o grau do desvio vocal em 4 pontos: 0, sem desvio; 1, leve ou discreto; 2, moderado e 3, acentuado.

A avaliação de inteligibilidade de fala foi executada a partir da leitura em voz alta de lista de dez palavras monossilábicas e 11 frases dispostas no referido protocolo. A análise foi realizada por meio de transcrição das amostras de fala por um ouvinte leigo, exatamente da forma como escutou, e corrigida com base na correspondência com as palavras-alvo. Ausência de conformidade entre a transcrição e a palavra-alvo atribuiu pontuação zero àquela palavra/frase e, por fim, a porcentagem de acertos foi calculada. O participante apresentou hipótese diagnóstica fonoaudiológica de disartria.

As amostras de fala foram coletadas com gravador digital, com o participante sentado em postura ereta e microfone posicionado a uma distância de 15 cm. As ponderações acústicas foram realizadas a partir da análise da vogal sustentada /a/, no software Voxmetria (CTS Informática). Os parâmetros acústicos selecionados para comparação foram média de F0 (frequência fundamental), jitter, shimmer, GNE (proporção sinal glótico/ruído excitado) e o recurso DDF (diagrama de desvio fonatório).

A F0 corresponde ao número de ciclos que as pregas vocais realizam em um segundo e, nos homens, são esperados valores em uma faixa de 80 a 150 Hz(1212 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 85-245.). O jitter é determinado a partir da variação de frequência e, quando alterado, sugere diminuição de controle de vibração das pregas vocais. Está relacionado à qualidade vocal áspera e tem como valor máximo de normalidade 6,0%, estabelecido pelo software Voxmetria. Já o shimmer, é determinado a partir da variação de intensidade e, quando alterado, sugere redução de resistência glótica ou lesões de massa. Correlaciona-se com a presença de ruído na emissão e a qualidade de voz soprosa(1212 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 85-245.) e tem como valor máximo de normalidade 6,5%, segundo o software. O GNE (proporção sinal glótico/ruído excitado) é um parâmetro que mensura se o sinal vocal origina-se pela vibração das pregas vocais ou pela turbulência de corrente de ar gerada no trato vocal, além de relacionar-se à soprosidade(1313 Michaelis D, Gramss T, Strube HW. Glottal-to-noise excitation ratio: a new measure for describing pathological voices. Acta Acustica. 1997;83(4):700-6.). No software, são padronizados como dentro da normalidade valores de 0,5 a 1,0 dB. O diagrama do desvio fonatório (DDF) é um recurso do Voxmetria, que correlaciona as medidas acústicas de jitter, shimmer e seus equivalentes no eixo horizontal e apresenta a proporção de GNE no eixo vertical, combinando esses parâmetros em uma apresentação gráfica bidimensional(1313 Michaelis D, Gramss T, Strube HW. Glottal-to-noise excitation ratio: a new measure for describing pathological voices. Acta Acustica. 1997;83(4):700-6.).

Para avaliação clínica da deglutição foi utilizado o Protocolo Conjunto de Avaliação Funcional da Deglutição(1414 Santoro PP, Furia CLB, Forte AP, Lemos EM, Garcia RI, Tavares RA, et al. Avaliação otorrinolaringológica e fonoaudiológica na abordagem da disfagia orofaríngea: proposta de protocolo conjunto. Rev Bras Otorrinolaringol. 2011;77(2):201-13.), para caracterização dos eventos da fase oral e faríngea. Observou-se posicionamento do sistema-sensório motor oral estruturalmente adequado no repouso, porém hipertônico e com mobilidade, velocidade, amplitude e precisão dos movimentos diminuídas. As consistências testadas foram a líquida (100 mL de água), mel (100 mL de água espessada) e a sólida (biscoito de água e sal). Os alimentos foram ofertados em goles livres. O participante apresentou hipótese diagnóstica fonoaudiológica de disfagia neurogênica orofaríngea leve/moderada.

As autoavaliações foram verificadas por meio da aplicação do Protocolo Qualidade de Vida Relacionada à Deglutição (Quality of life in Swallowing Disorders –SWAL-QOL), validado para a doença de Machado Joseph(1515 Russo AD. Validação do questionário Swal-Qol na doença de Machado-Joseph [monografia]. Porto Alegre: Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012.). O protocolo avalia dez domínios, como deglutição como um fardo, desejo e tempo de se alimentar, frequência de sintomas, comunicação, medo de se alimentar, saúde mental, sono e fadiga, mensurados numa escala Likert de 1 a 5, de “sempre” a “nunca”. Os domínios seleção do alimento e questões sociais relacionadas ao alimento possuem opções de respostas a partir do grau de concordância, também com valores correspondentes de 1 a 5, de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”. O escore é obtido por meio da soma dos valores de cada domínio e divisão pela quantidade de questões de cada um. Os valores variam de 0 a 100, sendo que quanto maior o valor, maior a qualidade de vida em relação à deglutição.

Foi utilizado, também, o questionário de Qualidade de Vida em Voz (QVV)(1616 Gasparini GGO. Validação do questionário de Avaliação de Qualidade de Vida em Voz (QVV) [dissertação]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de São Paulo; 2005.), que consiste em uma lista de dez possíveis problemas relacionados à voz e que devem ser respondidas de acordo com a severidade e frequência de aparecimento, numa escala Likert de 1 a 5, de “nunca acontece e não é um problema” a “sempre acontece e realmente é um problema ruim”. O escore é calculado segundo algoritmo específico e, quanto maior o resultado, maior a qualidade de vida relacionada à voz.

Após caracterização, devido similaridade com caso de disartria decorrente de disfunção cerebelar já descrito(66 Sapir S, Spielman J, Ramig LO, Hinds SL, Countryman S, Fox C, et al. Effects of intensive voice treatment (the Lee Silverman Voice Treatment [LSVT]) on ataxic dysarthria. Am J Speech Lang Pathol. 2003;12(4):387-99. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2003/085). PMid:14658991.
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), a intervenção consistiu na aplicação do método Lee Silverman (LSVT)(77 Ramig LO, Sapir S, Countryman S, Pawlas A, O’Brien C, Hoehn M, et al. Intensive voice treatment (LSVT) for individuals with Parkinson disease: a two year follow-up. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001;71(4):493-8. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.71.4.493. PMid:11561033.
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), que tem como alvo o aumento da intensidade vocal, através de um programa intensivo de exercícios de calibração e hierárquicos de fala espontânea e leitura estruturada. A aplicação foi realizada por um terceiro profissional fonoaudiólogo, certificado no referido método. Como padronizado, foram realizadas 16 sessões individuais, com uma hora de duração, quatro dias consecutivos por semana, por quatro semanas. Em todas as sessões, foram utilizados cronômetro e decibelímetro posicionado a 30 centímetros de distância. Treinos diários deveriam ser realizados pelo participante em casa, nos outros dias da semana.

A reavaliação ocorreu uma semana após a última sessão e teve cerca de duas horas de duração. No Quadro 1, é possível verificar os resultados clínicos de fonoarticulação e deglutição, segundo a visão dos examinadores. No Quadro 2, encontram-se os resultados segundo visão do participante, por meio dos protocolos de autoavaliação.

Quadro 1
Resultados clínicos na visão dos examinadores
Quadro 2
Resultados na visão do participante

Foi observada melhora em todas as bases motoras de fala, respiratória, fonatória, ressonantal, articulatória e prosódia, além da diminuição de sinais disfágicos. Na qualidade vocal, houve diminuição de rouquidão e instabilidade, regularização do jitter e shimmer, aumento da intensidade vocal, melhora na coordenação de palavras e frases por expiração e, ainda, melhora discreta da diadococinesia. A autoavaliação com o SWAL-QOL(1515 Russo AD. Validação do questionário Swal-Qol na doença de Machado-Joseph [monografia]. Porto Alegre: Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012.) apresentou valores maiores nos domínios desejo e tempo de se alimentar, frequência de sintomas, seleção do alimento, comunicação, domínio social e sono. Domínios de caráter mais emocional, como medo de se alimentar e saúde mental, apresentaram respostas menores que na avaliação inicial. O domínio deglutição como fardo e fadiga mantiveram os resultados anteriores. Quanto as respostas do QVV(1616 Gasparini GGO. Validação do questionário de Avaliação de Qualidade de Vida em Voz (QVV) [dissertação]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de São Paulo; 2005.), foram obtido valores maiores em todos os domínios, demonstrando melhoria na qualidade de vida relacionada à voz do participante.

DISCUSSÃO

O objetivo do relato de caso foi verificar os efeitos de intervenção intensiva fonoaudiológica com o método LSVT, em um paciente com a DMJ. Os resultados, a partir das avaliações clínicas e instrumentais, demonstraram melhora em todas as bases motoras de fala, respiratória, fonatória, ressonantal, articulatória e a prosódia, além da diminuição dos sinais disfágicos.

Apesar de não encontradas, na literatura, intervenções com o LSVT na doença de Machado-Joseph, em caso similar(66 Sapir S, Spielman J, Ramig LO, Hinds SL, Countryman S, Fox C, et al. Effects of intensive voice treatment (the Lee Silverman Voice Treatment [LSVT]) on ataxic dysarthria. Am J Speech Lang Pathol. 2003;12(4):387-99. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2003/085). PMid:14658991.
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) de disartria por disfunção cerebelar, indicaram melhorias em curto e longo prazo, como aumento de força fonatória, estabilidade e precisão articulatória, melhor entonação e inteligibilidade de fala. Estes achados foram semelhantes ao deste estudo, apesar de não ter sido avaliado o ganho em longo prazo. Entretanto, segundo a literatura(77 Ramig LO, Sapir S, Countryman S, Pawlas A, O’Brien C, Hoehn M, et al. Intensive voice treatment (LSVT) for individuals with Parkinson disease: a two year follow-up. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001;71(4):493-8. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.71.4.493. PMid:11561033.
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), os ganhos obtidos com o método se mantêm por cerca de dois anos em casos de doença de Parkinson, viabilizando manutenções e acompanhamento futuro do caso.

Embora a ataxia seja constante na DMJ, também ocorrem alterações nos sistemas nervoso piramidal, extrapiramidal e periférico, resultando em múltiplas alterações na qualidade vocal, como soprosidade, rugosidade e tensão(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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). A qualidade vocal do paciente foi classificada inicialmente em G2R2B2A0S1I2, manifestando alteração global, rouquidão, soprosidade e instabilidade em grau moderado de desvio e tensão de grau leve presente ao final das emissões. Após a intervenção, o caso apresentou G1R1B0A0S0I1, constatando supressão de soprosidade e tensão e diminuição do grau de desvio de rouquidão e instabilidade.

Na avaliação temporal, o tempo máximo de fonação (TMF), que estima o controle de fluxo aéreo durante a fonação(1212 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 85-245.), diminuiu alguns segundos após a intervenção. No entanto, o TMF é mensurado a partir da emissão sustentada de uma vogal e dificuldades na realização dessa prova são recorrentes em casos de doenças neurológicas, porque exigem apurado controle do sistema nervoso central na coordenação das forças mioelásticas da laringe e aerodinâmicas da corrente de ar(1212 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 85-245.). Na análise da emissão, foi possível perceber que apesar desse fato, houve um aumento qualitativo na análise perceptiva do participante, marcada pela diminuição de ataque vocal brusco, diminuição de tensão e melhora de estabilidade fonatória (Quadro 1). A F0 do participante aumentou de 119,32 Hz para 181,06 Hz após a intervenção (Figura 1), em concordância com aplicação em caso semelhante(1818 El Sharkawi A, Ramig L, Logemann JA, Pauloski BR, Rademaker AW, Smith CH, et al. Swallowing and voice effects of Lee Silverman Voice Treatment (LSVT®): a pilot study. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;72(1):31-6. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.72.1.31. PMid:11784821.
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), ultrapassando os valores normativos para homens de até 150 Hz(1212 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 85-245.) e, consequentemente, apresentando a voz mais aguda. Contudo, flutuações na frequência são esperadas em pacientes com alterações cerebelares, devido à deficiência de monitoramento cerebral proprioceptivo(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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). A alteração de ressonância pós-intervenção (Quadro 1) e melhora da projeção da voz e intensidade da voz do participante também podem ter contribuído para o aumento da frequência fundamental.

Figura 1
Valores de média de F0, jitter, shimmer e proporção sinal glótico/ruído excitado pré e pós-intervenção

Na análise, após intervenção com o LSVT (Figura 1), o jitter e o shimmer se adequaram aos padrões de normalidade. Os resultados acústicos demonstraram aumento de controle de vibração das pregas vocais, aumento de resistência glótica e diminuição de soprosidade, em concordância com as interpretações perceptivas. Apesar de as manifestações comunicativas na doença de Machado-Joseph serem diferentes das encontradas na doença de Parkinson, os resultados estão de acordo com estudos de pacientes com doença de Parkinson tratados com LSVT(77 Ramig LO, Sapir S, Countryman S, Pawlas A, O’Brien C, Hoehn M, et al. Intensive voice treatment (LSVT) for individuals with Parkinson disease: a two year follow-up. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001;71(4):493-8. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.71.4.493. PMid:11561033.
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), que demonstraram melhora no fechamento glótico e nos movimentos vibratórios das pregas vocais, após intervenção.

O valor da proporção GNE do participante (Figura 1) aumentou de 0,21 dB para 0,45 dB, chegando próximo ao padrão de normalidade. O aumento do valor da proporção justifica a diminuição de soprosidade na voz do participante(1313 Michaelis D, Gramss T, Strube HW. Glottal-to-noise excitation ratio: a new measure for describing pathological voices. Acta Acustica. 1997;83(4):700-6.), porém, o GNE se apresentou alterado porque o participante manteve qualidade vocal com rouquidão, apesar da melhora dos valores acústicos e perceptivos. Antes da intervenção, o DDF(1313 Michaelis D, Gramss T, Strube HW. Glottal-to-noise excitation ratio: a new measure for describing pathological voices. Acta Acustica. 1997;83(4):700-6.) se concentrava no quadrante superior direito, sugerindo desvio moderado e, pós-intervenção, foi possível observar que houve variação do quadrante de representação, se aproximando da normalidade e com a distribuição dos pontos mais concentrada (Figura 2).

Figura 2
Representação gráfica do diagrama de desvio fonatório pré e pós-intervenção

Com amostra de 31 indivíduos com diagnóstico de DMJ, um estudo(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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) obteve os achados de articulação caracterizada por imprecisão consonantal, prolongamento de sons, distorções de vogais, repetição de sons e interrupções articulatórias. Apesar de manifestações semelhantes ao mencionado estudo(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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), como a imprecisão articulatória e distorções fonêmicas, o participante deste estudo também apresentou, inicialmente, tremores labiais e movimentos faciais associados. Após intervenção, verificou-se diminuição de inconsistência e tremor nos movimentos articulatórios. Além disso, foi observada diminuição de velocidade articulatória, fator que impactou consideravelmente a melhora de sua inteligibilidade de fala, consequência positiva do LSVT, já evidenciada na literatura(66 Sapir S, Spielman J, Ramig LO, Hinds SL, Countryman S, Fox C, et al. Effects of intensive voice treatment (the Lee Silverman Voice Treatment [LSVT]) on ataxic dysarthria. Am J Speech Lang Pathol. 2003;12(4):387-99. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2003/085). PMid:14658991.
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).

A avaliação da diadococinesia reflete a maturidade e integração neuromotora de um indivíduo. No mesmo estudo(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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), a diadococinesia articulatória da amostra foi considerada lenta e irregular, dados semelhantes com os encontrados neste relato de caso. Após intervenção com o LSVT, constatou-se que a diadococinesia do participante apresentou melhora discreta. Contudo, Wolf et al.(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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) afirmaram que parâmetros como menor idade de início da doença e maior número de repetições CAG nos genes têm correlação moderada com a lentidão na prova de diadococinesia. Ainda que diagnosticado aos 27 anos, o participante relatou perceber manifestações da doença aos 20 anos de idade, explicando, de certa forma, a melhora discreta na prova em questão. Deve-se salientar que o método LSVT tem resultados comprovados cientificamente para a doença de Parkinson, que possui fisiopatologia diferente da DMJ.

Apesar disso, a emissão mostrou-se melhor ritmada, com diminuição de inconsistência quanto à frequência e à intensidade, não houve tremor e distorções silábicas e o intervalo entre as sílabas foi adequado, bem como a amplitude e movimentação de lábios. A melhora do controle da métrica, ritmo e fluência verbal também foi observada no discurso oral do participante, fatores que influenciaram positivamente a sua comunicação global.

Wolf et al.(1717 Wolf AE, Mourão L, França MC Jr, Machado AJ Jr, Crespo AN. Phonoarticulation in spinocerebellar ataxia type 3. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2017;274(2):1139-45. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-016-4240-x. PMid:27491321.
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) constataram que a prosódia era um dos sistemas mais afetados em sua amostra de indivíduos com DMJ, devido à ocorrência de alteração em ritmo, redução de ênfase, variação de velocidade, pausas inapropriadas e intervalos prolongados. De maneira semelhante, o participante deste relato de caso apresentava inadequação na marcação de sílabas tônicas e pouca entonação no discurso. Após administração do LSVT, passou a adequar melhor a tonicidade das palavras e melhorou a entonação, principalmente para sentenças interrogativas. Todavia, os examinadores concordaram que a prosódia poderia ser mais explorada, necessitando de intervenção específica, com metodologia tradicional de treino.

Após intervenção, foi observado, em avaliação clínica da deglutição, que o participante apresentou ejeção oral e coordenação orofaríngea efetivas, ausência de tosses, engasgos, alterações vocais e quedas de saturação de oxigênio. Estudo-piloto(1818 El Sharkawi A, Ramig L, Logemann JA, Pauloski BR, Rademaker AW, Smith CH, et al. Swallowing and voice effects of Lee Silverman Voice Treatment (LSVT®): a pilot study. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;72(1):31-6. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.72.1.31. PMid:11784821.
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) afirmou que a aplicação do método Lee Silverman em casos de doença de Parkinson, além de beneficiar a fonação, proporciona melhora do controle neuromuscular de todo o trato aerodigestivo superior. Sendo assim, acredita-se que os benefícios observados no relato de caso se devem a este fato.

A visão do paciente quanto à intervenção foi similar as avaliações clínicas e objetivas, delineadas através dos protocolos de auto avaliação. O SWAL-QOL(1515 Russo AD. Validação do questionário Swal-Qol na doença de Machado-Joseph [monografia]. Porto Alegre: Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012.) obteve resultados menores na pós-intervenção apenas em domínios de caráter emocional, como saúde mental e medo de se alimentar, diferentemente de outro estudo, também realizado pós-intervenção fonoaudiológica(55 Silva BF, Finard AS, Olchik MR. Qualidade de vida em pacientes com doença de Machado-Joseph sob acompanhamento fonoaudiológico para disfagia. Rev CEFAC. 2016;18(4):992-1000. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201618418515.
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),que elencou o último domínio como um dos três com melhores evoluções após intervenção fonoaudiológica. Sugere-se que tais resultados se devem ao fato de o participante ser jovem, instruído quanto à progressão de sua doença e ter sido orientado pelos examinadores sobre o que é disfagia, suas causas e consequências. Apresentou aumento de escores em todos os domínios do QVV(1616 Gasparini GGO. Validação do questionário de Avaliação de Qualidade de Vida em Voz (QVV) [dissertação]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de São Paulo; 2005.), expressando como sua percepção relacionada à sua fala se modificou. Isso demonstra que o participante se identifica mais comunicativo, interativo socialmente e com menos dificuldade de falar forte. A satisfação em relação à intervenção e aos resultados indica a alta proporção de benefícios e consequentes melhorias na sua qualidade de vida.

COMENTÁRIOS FINAIS

Estudos como este objetivam explorar o comportamento da DMJ, no que tange à atuação fonoaudiológica e podem contribuir para o desenvolvimento de meios de avaliação na visão do examinador e do paciente, após a intervenção. Foi possível evidenciar, também, que a aplicação do LSVT é uma possível opção de intervenção intensiva para casos de alterações de fala e deglutição, na DMJ. Entretanto, quanto aos presentes achados, foi limitante que o delineamento tenha consistido em um único sujeito, impedindo, assim, a generalização e comparação dos benefícios das intervenções em outros indivíduos com DMJ. Desta forma, é necessário que se desenvolvam mais estudos que atestem a eficácia do método Lee Silverman nos casos de disartria e disfagia neurogênica ocasionadas pela doença de Machado-Joseph, principalmente focados nos efeitos em longo prazo, de forma a maximizar a qualidade de vida desses indivíduos e direcionar a conduta fonoaudiológica.

  • Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Faculdade de Ceilândia – FCE, Universidade de Brasília – UnB – Ceilândia (DF), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2019
  • Aceito
    27 Fev 2020
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