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Fadiga vocal e fatores associados em professores universitários em ensino remoto

RESUMO

Objetivo

Verificar a autopercepção da fadiga vocal e fatores associados em professores universitários em ensino remoto durante a pandemia de COVID-19.

Métodos

Estudo transversal, observacional, descritivo e analítico, com abordagem quantitativa com professores universitários em ensino remoto no período da pandemia de COVID-19. Os participantes, após o aceite, responderam a um questionário sociodemográfico, Questionário de Sinais e Sintomas Vocais, Protocolo Índice de Fadiga Vocal (IFV) e Protocolo Índice de Desvantagem Vocal 10 (IDF-10). A análise dos dados ocorreu por meio da estatística descritiva e inferencial. As associações entre as variáveis qualitativas foram verificadas por meio dos testes Qui-quadrado e Exato de Fisher. Já as médias do IFV e IDV-10, foram comparadas com o número de sinais e sintomas por meio do teste de Mann-Whitney.

Resultados

Amostra de 91 professores, maioria do gênero feminino (83,5%) e média de idade de 44,0 anos. Os professores apresentaram média de 3,8 sinais e sintomas e o escore total do IFV indicou a presença de risco para fadiga vocal, com valores compatíveis para indivíduos disfônicos. Não apresentaram desvantagem vocal.

Conclusão

Os professores universitários em ensino remoto se autoavaliaram apresentando risco para fadiga vocal. Entre os fatores associados ao IFV, os docentes que apresentaram mais de dois sinais e sintomas vocais tiveram maior sensação de fadiga vocal. Não foi observada autopercepção de desvantagem vocal, porém, aqueles que apresentaram mais de dois sinais e sintomas vocais tiveram pior autopercepção para desvantagem vocal.

Palavras-chave:
Voz; Fadiga; Docentes; Educação a distância; Autoavaliação

ABSTRACT

Purpose

To verify the self-perception of vocal fatigue and associated factors in university professors in remote teaching during the COVID-19 pandemic.

Methods

Cross-sectional, observational, descriptive and analytical study, with a remote approach with university professors in teaching during the COVID-19 pandemic. After acceptance, the participants answered a sociodemographic questionnaire, the Vocal Signs and Symptoms Questionnaire, Vocal Fatigue Index Protocol and Vocal Handicap Index 10. The analysis of the data identified through descriptive and initial statistics, using the given Chi-square and Mann-Whitney tests. Associations between qualitative variables were verified using chi-square and Fisher's exact tests. The IFV and IDV-10 means were verified with the number of signs and symptoms using the Mann-Whiney test.

Results

Sample of 91 teachers, mostly female (83.5%), and mean age of 44.0 years. Teachers had an average of 3.8 signs and symptoms and the total core of the IFV indicated the presence of vocal risk, with values considered for dysphonic subjects. Teachers don't want vocals.

Conclusion

University professors in remote teaching self-assessed being at risk for vocal fatigue. Among the factors associated with IFV, professors who presented more than two vocal signs and symptoms had a greater sensation of vocal fatigue. No self-perception of voice handicap was observed, however, those who had more than two vocal signs and symptoms had worse self-perception of voice handicap.

Keywords:
Voice; Fatigue; Professors; Distance education; Self-evaluation

INTRODUÇÃO

O ano de 2020 foi marcado pelo decreto de estado de pandemia no país, causada pelo Coronavírus Disease (COVID-19), o que implicou a implantação de diversas medidas de enfrentamento para minimizar o alto índice de contaminação. Dentre essas medidas, ocorreu a suspensão das atividades pedagógicas presenciais e a implementação das aulas em ambiente remoto (home office)(11 Pôrto FGR Jr, Santos LV, Pereira Silva MG. A pandemia da COVID-19: os impactos e tendências nos processos de ensino, aprendizagem e formação continuada de professores. Rev Obs. 2020;6(2):1. http://dx.doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2020v6n2a8pt.
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).

O ensino remoto emergencial gerado pela pandemia provocou algumas mudanças no ambiente da sala de aula do professor, bem como o aumento das horas trabalhadas, adaptação das estratégias didáticas, utilização de softwares antes pouco utilizados, além do agravamento das questões emocionais dos docentes, causadas pelo estresse e isolamento social(22 Bridi MA, Bohler FR, Zanoni AP. Relatório técnico-científico da pesquisa: o trabalho remoto/home-office no contexto da pandemia Covid-19. Curitiba: UFPR, GETS, REMIR; 2020. http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.14052.19842
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).

A partir das mudanças nas condições de trabalho desses professores, sucedeu-se uma queda gradativa na qualidade de vida desses profissionais, de forma particular no que se refere aos aspectos psicológicos, sociais e no processo de trabalho. Esse declínio na qualidade de vida trouxe, também, como consequência a essa classe trabalhadora, o esgotamento profissional, a fadiga e o estresse para lidar com situações que fogem ao seu controle(33 Alvarenga R, Martins GC, Dipe EL, Campos MVA, Passos RP, Lima BN, et al. Percepção da qualidade de vida de professores das redes públicas e privadas frente à pandemia do COVID-19. Cent Pesqui Avançadas Qual Vida. 2020;12(3):1-8. http://dx.doi.org/10.36692/cpaqv-v12n3-1.
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).

O estresse psicológico, também ocasionado pela mudança relacionada ao local de trabalho não determinado e a transição das aulas para o modelo síncrono online, resultou em impactantes níveis elevados de sintomas vocais(44 Besser A, Lotem S, Zeigler-Hill V. Psychological stress and vocal symptoms among university professors in Israel: implications of the shift to online synchronous teaching during the COVID-19 pandemic. J Voice. 2022;36(2):291.e9-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.05.028. PMid:32600872.
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). Diante dessa situação, pode ocorrer o aumento da intensidade da voz para compensar os sintomas vocais presentes, acarretando sobrecarga em nível glótico e tensão muscular(55 Siqueira LTD, Santos AP, Silva RLF, Moreira PAM, Vitor JS, Ribeiro VV. Vocal self-perception of home office workers during the COVID-19 pandemic. J Voice. 2020. No prelo. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.10.016.
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).

Muitos estudos afirmam que os docentes apresentam maior risco para desenvolverem problemas vocais(66 Servilha EAM, Ruela IS. Riscos ocupacionais à saúde e voz de professores: especificidades das unidades de rede municipal de ensino. Rev CEFAC. 2009;12(1):109-14. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009005000061.
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7 Servilha EAM, Leal ROF, Hidaka MTU. Riscos ocupacionais na legislação trabalhista brasileira: destaque para aqueles relativos à saúde e à voz do professor. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010 Dez;15(4):505-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342010000400006.
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-88 Kooijman PGC, de Jong FICRS, Thomas G, Huinck W, Donders R, Graamans K, et al. Risk factors for voice problems in teachers. Folia Phoniatr Logop. 2006;58(3):159-74. http://dx.doi.org/10.1159/000091730. PMid:16636564.
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). Diante das mudanças ocorridas em seu ambiente de trabalho, adicionadas ao despreparo para ministrar as aulas online, obteve-se, como consequência, a incidência da disfonia, ao se comparar com o ambiente tradicional das aulas presenciais(99 Kenny C. Dysphonia and vocal tract discomfort while working from home during COVID-19. J Voice. 2020;1:1. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.10.010. PMid:33223124.
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,1010 Santana C, Santos CO, Mota AFB, Pellicani AD. Manifestação da fadiga vocal em docentes de metodologia ativa versus tradicional durante as aulas remotas devido a Covid-19. Res Soc Dev. 2021 Dez 6;10(16):e54101623001. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i16.23001.
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).

Estudo de revisão realizado com trabalhadores em home office, que buscou compreender aspectos psicológicos e organizacionais, constatou que esse ambiente virtual é desafiador e estressante, muito afetado pela falta do “olho no olho” durante a comunicação, que é substituído pelo “olho na tela”(1111 Stich J-F. A review of workplace stress in the virtual office. Intell Build Int. 2020 Jul 2;12(3):208-20. http://dx.doi.org/10.1080/17508975.2020.1759023.
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). Além disso, nesse contexto remoto, a comunicação não verbal mostra-se um importante fator para a efetividade da transmissão da mensagem e para atrair a atenção do aluno(1212 Sousa LFL, Leal AL. Sena EFC. A importância da comunicação não-verbal do professor universitário no exercício de sua atividade profissional. Rev CEFAC. 2010 Abr 23;12(5):784-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000088.
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).

Outro estudo mostrou os prejuízos gerados na comunicação nesse cenário remoto e concluiu que, por ser um modo de trabalho que ainda deve permanecer pós-pandemia, se faz necessário um treinamento para reduzir os riscos vocais, uma vez que estão relacionados ao ambiente e à forma de comunicação(99 Kenny C. Dysphonia and vocal tract discomfort while working from home during COVID-19. J Voice. 2020;1:1. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.10.010. PMid:33223124.
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).

Até então, a maioria das orientações e preparações vocais realizadas era direcionada aos professores que atuam no ensino presencial, mesmo para os professores universitários, ainda são menos estudados quando comparados aos de ensino infantil, fundamental e médio. Na atualidade, os professores tiveram que se adaptar, mudando seu ambiente de trabalho para home office, sem treinamento e com espaço não preparado ergonomicamente para suas longas horas de aulas.

Compreender melhor os aspectos relacionados à fadiga vocal, desconforto e desvantagem vocal no ensino remoto, em professores universitários, torna-se relevante, uma vez que tais fatores podem preceder uma disfonia. Dessa forma, levantar os sintomas, conhecer a autopercepção desses profissionais quanto à presença de fadiga vocal e demais fatores que podem levar ao adoecimento vocal, advindos de um ambiente de ensino remoto, torna-se útil para que se beneficiem com orientações capazes de permitir o melhor desempenho no cenário de aulas online.

Apesar de estarem em um ambiente de home office, a exposição ao ruído interno ou externo, a ergonomia inadequada, a elevada carga horária de aulas remotas, entre outros fatores, podem contribuir para o surgimento de uma alteração vocal, sendo a etiologia da disfonia multifatorial.

Conhecer e analisar essa realidade no ensino remoto dos professores torna-se, ainda, importante para a elaboração de propostas voltadas para promoção à saúde e bem-estar vocal(1313 Rantala LM, Hakala S, Holmqvist S, Sala E. Classroom noise and teachers’ voice production. J Speech Lang Hear Res. 2015 Out;58(5):1397-406. http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-S-14-0248. PMid:26089145.
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). Acredita-se que esse cenário online ainda irá acompanhar o docente universitário por um longo período, mesmo com o retorno às aulas presenciais.

Diante do exposto, objetivou-se com este estudo verificar a autopercepção da fadiga vocal e fatores associados em professores universitários em ensino remoto, durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, analítico, transversal e com abordagem quantitativa. Considerando uma proporção estimada de fadiga vocal de 50%, um erro amostral de 5%, com nível de confiança de 95%, o tamanho da amostra foi estimado em 385 participantes. No entanto, apenas 91 professores universitários, de ambos os gêneros, de instituições públicas e privadas, em atividade remota, responderam ao questionário, durante o período de setembro a dezembro de 2021. O protocolo da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL, sob o número de CAAE 50059521.6.0000.5011.

Foram elegíveis docentes universitários, independentemente do gênero, com mais de 20 anos de idade e que estavam em atividade remota no período mínimo de seis meses, até o início da coleta de dados. Foram excluídos os docentes com diagnóstico médico de alterações laríngeas e disfonia, que estivessem em tratamento fonoaudiológico no momento da pesquisa, com transtorno psíquico e/ou com alterações auditivas. Foram também excluídos os professores que lecionassem em cursos de educação a distância (EaD) e/ou que atuassem exclusivamente como supervisores de estágio.

O recrutamento dos participantes ocorreu por meio do envio de um convite para participação da pesquisa via e-mail, para as instituições de ensino superior (IES) selecionadas, como também por meio de divulgação nas redes sociais das pesquisadoras (WhatsApp). Assim, foi seguido o método de amostragem “bola de neve virtual”, com convites com o link de acesso ao questionário eletrônico. Na ocasião, foram disponibilizadas as orientações com relação aos objetivos e etapas do estudo, além do formulário eletrônico de coleta de dados acompanhado do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Portanto, a coleta de dados ocorreu de forma online, por meio de um formulário elaborado no Google Forms, no qual constavam as instruções quanto ao preenchimento dos instrumentos utilizados para coleta. Inicialmente, o professor deveria ler os critérios de elegibilidade para verificar se era elegível para o estudo e, caso atendesse aos critérios, era direcionado para a página de aceite.

Aqueles que aceitaram participar da pesquisa leram e assinaram o TCLE digitalmente, sendo uma cópia enviada ao seu e-mail. Após o aceite voluntário, o(a) participante respondeu aos instrumentos de coleta, que continham um questionário sociodemográfico, elaborado pelas pesquisadoras, que permitiu caracterizar a amostra quanto à idade, gênero, situação funcional, condições e ambiente de realização da aulas remota.

Posteriormente, preencheram os seguintes instrumentos: Questionário de Sinais e Sintomas Vocais (QSSV)(1414 Roy N, Merrill RM, Thibeault S, Parsa RA, Gray SD, Smith EM. Prevalence of Voice Disorders in Teachers and the General Population. J Speech Lang Hear Res. 2004 Abr;47(2):281-93. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2004/023). PMid:15157130.
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); Protocolo Índice de Fadiga Vocal (IFV)(1515 Zambon F, Moreti F, Ribeiro VV, Nanjundeswaran C, Behlau M. Vocal fatigue index: validation and cut-off values of the Brazilian version. J Voice. 2022 Maio;36(3):434.e17-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.06.018. PMid:32693976.
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) e o Protocolo Índice de Desvantagem Vocal 10 (IDV-10)(1616 Costa T, Oliveira G, Behlau M. Validation of the Voice Handicap Index: 10 (VHI-10) to the Brazilian Portuguese. CoDAS. 2013 Out;25(5):482-5. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000500013. PMid:24408554.
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).

O QSSV compreende uma lista de 14 sinais e sintomas vocais e tem o objetivo de levantar a sua ocorrência e relacionar com o uso da voz no ambiente de trabalho. Para cada resposta “sim” deve ser atribuído 1 ponto, sendo o total o somatório simples da quantidade de sinais e sintomas apresentados pelo participante. Com base em estudo anterior, os professores apresentam, pelo menos, 3,7 sintomas vocais(1717 Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012 Set;26(5):665.e9-18. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2011.09.010. PMid:22516316.
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). Essa informação levou à elaboração de duas categorias - QSSV até três sintomas e QSSV acima de três sintomas - a fim de comparar o número de sinais e sintomas vocais com as médias dos escores do IFV e IDV-10.

A autopercepção para o índice de fadiga vocal seguiu o protocolo IFV, sendo utilizada a versão traduzida e validada para o português brasileiro(1515 Zambon F, Moreti F, Ribeiro VV, Nanjundeswaran C, Behlau M. Vocal fatigue index: validation and cut-off values of the Brazilian version. J Voice. 2022 Maio;36(3):434.e17-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.06.018. PMid:32693976.
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). O IFV é composto por 17 perguntas divididas em quatro domínios: fadiga e limitação vocal (fator 1), restrição vocal (fator 2), desconforto físico associado à voz (fator 3) e recuperação com repouso vocal (fator 4). Maiores valores significam aumento de sintomas, com exceção do item recuperação vocal, no qual, quanto maior a pontuação, maior a recuperação vocal. Os pontos de corte adotados são: 4,50 para o Fator 1; 3,50 para o Fator 2; 1,50 para o fator 3; 8,50 para o Fator 4 e 11,50 para o escore total, “que separa os indivíduos disfônicos dos vocalmente saudáveis”(1515 Zambon F, Moreti F, Ribeiro VV, Nanjundeswaran C, Behlau M. Vocal fatigue index: validation and cut-off values of the Brazilian version. J Voice. 2022 Maio;36(3):434.e17-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.06.018. PMid:32693976.
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).

As respostas são assinaladas em uma escala de 0 a 4 pontos, na qual 0 corresponde a “ausência” e 4 corresponde a “sempre ocorre” (0 = nunca, 1 = quase nunca, 2 = às vezes, 3 = quase sempre, 4 = sempre)(1515 Zambon F, Moreti F, Ribeiro VV, Nanjundeswaran C, Behlau M. Vocal fatigue index: validation and cut-off values of the Brazilian version. J Voice. 2022 Maio;36(3):434.e17-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.06.018. PMid:32693976.
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).

A autoavaliação da desvantagem vocal ocorreu por meio do IDV. Esse instrumento contém dez questões e as respostas são obtidas por meio de uma escala de respostas de 0 a 4, sendo 0 correspondente à opção “nunca”; 1, representando “quase nunca”; 2, “às vezes”; 3, “quase sempre” e 4, correspondendo a “sempre”(1616 Costa T, Oliveira G, Behlau M. Validation of the Voice Handicap Index: 10 (VHI-10) to the Brazilian Portuguese. CoDAS. 2013 Out;25(5):482-5. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000500013. PMid:24408554.
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). O escore total é calculado por somatória simples e varia de 0 a 40 pontos, considerando que, quanto maior o resultado, maior a desvantagem vocal percebida pelo indivíduo. O ponto de corte adotado para a presença de desvantagem vocal é de 7,5(1818 Behlau M, Madazio G, Moreti F, Oliveira G, Santos LMA, Paulinelli BR, et al. Efficiency and cutoff values of self-assessment instruments on the impact of a voice problem. J Voice. 2016 Jul;30(4):506.e9-18. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2015.05.022. PMid:26168902.
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).

Considerando os pontos de corte para escores total do IFV e do IDV-10, respectivamente 11,50 e 7,5, foram criadas duas categorias identificadas como “ausente” e “presente” para autopercepção do índice de fadiga vocal e da desvantagem vocal. Tal agrupamento serviu para comparar esses índices com fatores sociodemográficos.

A análise dos dados ocorreu pela estatística descritiva e inferencial, sendo os cálculos realizados por meio do software estatístico SPSS 25 (IBM Corporation, Armonk, NY). As variáveis qualitativas nominais foram descritas por meio das frequências relativas e absolutas. Para as variáveis quantitativas, foram utilizadas as medidas de tendência central (média e mediana), medidas de variabilidade (desvio padrão) e de posição (mínimo, máximo, primeiro quartil e terceiro quartil).

A fim de verificar a normalidade de distribuição das variáveis quantitativas, foi realizado o teste de Kolmogorov Smirnov, que mostrou ausência de normalidade. Para associação entre as variáveis qualitativas nominais, foram utilizados os testes Qui-quadrado ou Exato de Fisher, conforme as características exigidas pelo teste. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar os grupos independentes, quanto à quantidade de sinais e sintomas vocais, com a média da pontuação do IFV e do IDV-10 . O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 91 professores em ensino remoto, sendo 76 (83,5%) do gênero feminino e 15 (16,5%) do gênero masculino, com média de idade de 44,0 (± 9,48) anos, sendo a idade mínima de 27 anos e a máxima de 72 anos. Nenhum dos participantes desempenhava outra atividade como profissional da voz no momento da coleta.

Quanto ao tempo de atividade docente, a maioria (53; 58,3%) estava na docência há mais de 10 anos. Apenas 3 (3,3%) participantes ministravam aulas em mais de duas IES, a maioria (66; 72,5%) exercendo essa atividade em apenas uma IES. A carga horária de aulas remotas estava concentrada, em maior parte, em até 20 horas/aulas (75; 82,4%), sendo que apenas 1 (1,1%) docente, no momento da coleta, com mais de 40 horas/aulas. Durante o período da pesquisa, 74 (81,3%) dos docentes estavam ministrando aulas remotas há mais de um ano.

Entre os ambientes da casa mais referidos para ministrar as aulas remotas, foram referidos: sala de estar/jantar (47; 51,6%), escritório (30, 33,0%), quarto (9; 9,9%) e 5 (5,5%) mencionaram outro ambiente da sua residência. A presença de ruído no ambiente utilizado para ministrar as aulas só esteve presente para 30 (33,0%) dos professores.

Quanto à ingesta de água durante as aulas, entre aqueles que referiram beber água durante as aulas, 36 (54,5%) referiram ingerir de 2 a 4 copos de água e 22 (33,3%), menos de 2 copos, com um total de 66 (72,5%) dos participantes informando esse tipo de hidratação durante as aulas. Apenas 3 (4,5%), dos 66 que se hidratavam durante as aulas, relataram ingerir mais de 8 copos de água. Quanto à presença dos sinais e sintomas, os mais associados à atividade laboral foram: rouquidão, cansaço vocal ou mudança na voz depois do uso por um curto tempo, dor de garganta, garganta seca, pigarro e esforço para falar (Tabela 1).

Tabela 1
Ocorrência de sinais e sintomas referidos por meio do Questionário de Sinais e Sintomas Vocais

Em relação à distribuição das médias dos protocolos IFV, IDV-10 e o QSSV, obteve-se o escore total do IFV acima do ponto de corte (maior que 11,50), demonstrando que os professores se autoavaliaram com risco para fadiga vocal, com escore médio de 21,9 (± 10,6) pontos. Ainda quanto ao IFV, a análise dos domínios (fatores 1, 2, 3 e 4) mostrou que os participantes apresentaram fadiga e limitação vocal, restrição vocal, desconforto físico associado à voz e não percebiam melhora da qualidade vocal após repouso (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição da pontuação média obtida para o Indice de Fadiga Vocal, Indice de Desvantagem Vocal e sinais e sintomas vocais

Quanto ao IDV-10, não houve autopercepção para desvantagem vocal entre os professores (Tabela 2), com uma proporção de 75,8% abaixo do ponto de corte (menos de 7,5) (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação entre fatores sociodemográficos, ambiente de trabalho, cansaço, uso de fones de ouvido e microfone, preparação vocal e hidratação com a ausência ou presença de autopercepção de fadiga vocal e desvantagem vocal

O número médio de sinais e sintomas vocais, identificados por meio do QSSV, resultou em 3,8, sendo o número máximo de sintomas apresentado igual a 13, o que pode sugerir uma possibilidade de comprometimento à saúde vocal.

A comparação das variáveis sociodemográficas com os grupos “ausência” e “presença” de autopercepção para fadiga vocal e desvantagem vocal, mostrou diferença apenas entre a variável carga horária (CH) de aulas remotas (em horas) e desvantagem vocal (p=0,00) (Tabela 3). Pode-se inferir, no caso, que os docentes com carga horária abaixo de 20h/semanais, no momento da coleta, apresentaram ausência de autopercepção para desvantagem vocal.

Os professores com mais de três sintomas vocais (QSSV maior que 3 sintomas), apresentaram diferença de mediana (p=0,00), com valores elevados para o IFV total. Também houve diferença para os domínios fator 1 (p=0,00) e fator 3 (p<0,00). Já para o fator 4, recuperação vocal após repouso, foi possível perceber que aqueles com mais de 3 sintomas vocais apresentavam boa recuperação após repouso vocal, no entanto, sem valor estatístico que comprove a diferença do grupo com menos de 3 sintomas vocais. Para o IDV-10, aqueles com mais de 3 sintomas vocais, apresentaram diferença de mediana (p=0,00), comparados aos que possuíam menos de 3 sintomas (Tabela 4).

Tabela 4
Comparação das médias de pontuação para o Índice de Fadiga Vocal e seus fatores com o número de sinais e sintomas vocais

DISCUSSÃO

Diante do contexto pandêmico de COVID-19, surgiu a necessidade de distanciamento social entre as pessoas, visando controlar a contaminação pelo vírus SARS-CoV2, o que levou as instituições de ensino superior à adaptação do ensino presencial para o ensino remoto(11 Pôrto FGR Jr, Santos LV, Pereira Silva MG. A pandemia da COVID-19: os impactos e tendências nos processos de ensino, aprendizagem e formação continuada de professores. Rev Obs. 2020;6(2):1. http://dx.doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2020v6n2a8pt.
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). Com isso, os professores tiveram que se adequar à nova realidade e se reinventar nesse cenário, o que resultou em exaustão e adoecimento vocal entre esses profissionais.

Estudo desenvolvido recentemente, com o objetivo de verificar a exaustão dos docentes em razão do ensino remoto, mostrou aumento da carga de trabalho, que veio com as necessidades desses profissionais desenvolverem planejamento prévio da atividade online, assim como disponibilidade para responder às dúvidas dos alunos em tempo integral e envio de atividades e novas atribuições(1919 Saraiva K, Traversini C, Lockmann K. A educação em tempos de COVID-19: ensino remoto e exaustão docente. Prax Educ. 2020;15:1-24. http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.15.16289.094.
http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.15....
). Associado a essas exigências, o fato de ministrar horas de aulas em um local com condições ambientais e instrumentos, às vezes não adequados do ponto de vista ergonômico e tecnológico, levou ao aumento do estresse e possível desgaste vocal.

Exaustivas horas de aulas e a dificuldade para realizar um descanso vocal satisfatório são realidades encontradas entre os docentes, as quais os tornam susceptíveis a apresentar mais problemas vocais do que aqueles que não são professores, podendo a fadiga vocal ser um dos sinais e sintomas iniciais(1717 Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012 Set;26(5):665.e9-18. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2011.09.010. PMid:22516316.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2011....
,2020 Abou-Rafée M, Zambon F, Badaró F, Behlau M. Fadiga vocal em professores disfônicos que procuram atendimento fonoaudiológico. CoDAS. 2019;31(3):e20180120. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018120. PMid:31188907.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
,2121 Cercal GCS, Paula AL, Novis JMM, Ribeiro VV, Leite APD. Fadiga vocal em professores universitários no início e ao final do ano letivo. CoDAS. 2019;32(1):e20180233. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018233. PMid:31851210.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2019...
). No entanto, ainda há uma baixa procura por tratamento precoce entre os docentes que apresentam queixas e sinais de alterações vocais, sendo essa busca, geralmente, quando o problema já está instalado e comprometendo o desempenho vocal desse profissional em sala de aula(2020 Abou-Rafée M, Zambon F, Badaró F, Behlau M. Fadiga vocal em professores disfônicos que procuram atendimento fonoaudiológico. CoDAS. 2019;31(3):e20180120. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018120. PMid:31188907.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
).

Em estudo anterior, realizado com professores universitários no modelo presencial de ensino, os sintomas mais prevalentes foram o cansaço ao falar, ardência na garganta e rouquidão(2222 Depolli GT, Fernandes DNS, Costa MRB, Coelho SC, Azevedo EHM, Guimarães MF. Fadiga e sintomas vocais em professores universitários. Distúrb Comun. 2019 Jul 24;31(2):225-33. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2019v31i2p225-233.
http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.201...
). A presente pesquisa mostrou que os professores da amostra apresentavam os sintomas rouquidão, cansaço vocal ou mudança na voz depois do uso por um curto tempo, dor na garganta, garganta seca, pigarro e esforço para falar, como sintomas mais prevalentes. A maioria apresentou até três sintomas vocais identificados pelo QSSV, com média de 3,8 sintomas (Tabela 1).

A literatura mostra que o número médio de sintomas vocais em professores com queixa vocal que procuram atendimento é de 8,6, enquanto aqueles com queixa e que não procuram atendimento apresentam 6,6 sinais e sintomas vocais; já os professores sem queixa apresentam, em média, dois sinais e sintomas vocais(2323 Zambon F, Moreti F, Behlau M. Coping strategies in teachers with vocal complaint. J Voice. 2014 Maio;28(3):341-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013.11.008. PMid:24495425.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013....
). Ainda quanto à presença de sintomas vocais, estudo anterior, comparando a média de sintomas vocais entre professores e não professores, concluiu que a os professores apresentam média de 3,7 sintomas vocais(1717 Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012 Set;26(5):665.e9-18. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2011.09.010. PMid:22516316.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2011....
). Assim, a média encontrada no presente estudo, confirma a média do estudo anterior para professores no geral. A média chega, ainda, próxima daqueles que apresentam queixa e não procuram atendimento. Para a amostra estudada, o sintoma “dor na garganta” foi o de maior ocorrência, mostrando a presença de desconforto físico durante as aulas (Tabela 1).

Percebeu-se que a maioria dos sintomas referidos foram mais proprioceptivos/sensoriais. O cansaço ao falar foi relatado pela maioria dos participantes do presente estudo e mais presente entre aqueles que apresentaram maior risco para fadiga vocal, apesar de não haver associação entre essas variáveis (p=1,00). De forma semelhante, mesmo não havendo significância estatística, aqueles que estavam em atividade remota há mais de um ano apresentaram índice de fadiga vocal superior a 11,50 (ponto de corte) para o IFV total (Tabela 2). O mesmo foi observado para o tempo de exercício da docência acima de dez anos e com valores superiores ao ponto de corte, para os índices de fadiga vocal e de desvantagem vocal (Tabela 3), informações essas que demonstram significância clínica, pois o tempo de atividade docente é considerado um fator de risco para disfonia entre professores.

A carga horária (CH) semanal docente também é um fator de risco para problemas vocais, uma vez que CH elevada predispõe o professor à fadiga vocal. A maioria dos participantes apresentou carga horária semanal de até 20 horas (75; 62,4%), valor que mostrou associação com o IDV-10 (p=0,00) (Tabela 3). Tal achado evidencia que a CH de horas/aulas remotas e autopercepção de desvantagem vocal é diferente entre aqueles que pontuaram abaixo do ponto de corte para o IDV-10, em comparação com os que pontuaram acima.

Questionários de autopercepção são cada dia mais utilizados nas pesquisas com professores, pois buscam verificar a sua autopercepção com os acometimentos vocais. O IFV, protocolo utilizado na presente pesquisa para verificar a percepção para o risco de fadiga vocal da amostra, evidenciou, por meio da pontuação total, que os docentes encontravam-se dentro de um risco para fadiga vocal, com escores bem acima da média do ponto de corte estabelecido para separar indivíduos disfônicos de não disfônicos.

A fadiga vocal é entendida como “uma condição frequente, muitas vezes debilitante, que afeta muitos indivíduos com problemas de voz”(2424 Nanjundeswaran C, VanSwearingen J, Abbott KV. Metabolic mechanisms of vocal fatigue. J Voice. 2017 Maio;31(3):378.e1-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2016.09.014. PMid:27777059.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2016....
). É definida como “uma adaptação vocal negativa, autorrelatada pelo sujeito” e possui uma relação com o uso prolongado da voz(2525 Welham NV, Maclagan MA. Vocal fatigue: current knowledge and future directions. J Voice. 2003 Mar;17(1):21-30. http://dx.doi.org/10.1016/S0892-1997(03)00033-X. PMid:12705816.
http://dx.doi.org/10.1016/S0892-1997(03)...
). Fatores físicos, bem como organizacionais e psicológicos são conhecidos como risco para fadiga vocal.

A modalidade de ensino remoto traz inúmeros fatores que podem contribuir para a fadiga vocal, como já mencionado. A comunicação frente às câmeras requer do falante ajustes e desempenhos específicos, a fim de apresentar uma comunicação eficiente. Nessa modalidade, o professor fica por muitas horas em uma única posição, às vezes com ergonomia inadequada, sob tensão, por ter que dominar a tecnologia, plataformas digitais, o uso do microfone, o monitoramento auditivo e a exposição à tela. Esses fatores podem contribuir para a fadiga vocal e para um elevado número de sinais e sintomas vocais que podem colocar esses profissionais no grupo de risco para disfonia.

O uso inadequado do fone de ouvido pode comprometer o monitoramento auditivo (feedback), levando o professor a elevar sua intensidade de voz e, a depender da sua demanda vocal, manifestar sinais de fadiga. Assim, o professor em ensino remoto é exposto à sobrecarga visual (exposição à tela), vocal, auditiva e mental (concentração e domínio de diversos recursos)(2626 Arruda JS, Siqueira LMRC. Metodologias ativas, ensino híbrido e os artefatos digitais: sala de aula em tempos de pandemia. Prat Educ Mem Oral Rev Pemo [Internet]. 2020 [cited 2022 Mar 10];3(1):e314292. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/revpemo/article/view/4292
https://revistas.uece.br/index.php/revpe...
).

Os ambientes dentro de casa escolhidos para ministrar as aulas foram diversos. No entanto, a maioria informou que exercia suas atividades ministrando as aulas na sala de estar/jantar e escritório, em sua residência. Conforme indicado na literatura, os desajustes posturais causados pelo ambiente escolhido para ministrar as aulas podem levar a alterações posturais, além de consequências diretas nos parâmetros vocais(2727 Silva BKP. Corpo e voz: relação entre postura corporal inadequada e suas implicações na voz [trabalho de conclusão de curso]. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás; 2021.).

Pesquisa que analisou a autopercepção de sintomas de fadiga vocal e dor musculoesquelética em trabalhadores em home office antes e durante a pandemia de COVID-19, verificou que a ergonomia inadequada e a falta de preparação da voz são fatores que levam a sintomas de fadiga vocal(55 Siqueira LTD, Santos AP, Silva RLF, Moreira PAM, Vitor JS, Ribeiro VV. Vocal self-perception of home office workers during the COVID-19 pandemic. J Voice. 2020. No prelo. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.10.016.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020....
). Outro estudo apontou que o trabalho em home office leva a um aumento da disfonia e desconforto no trato vocal, sintomas esses que estão associados à modalidade de comunicação e mudança no ambiente de trabalho(99 Kenny C. Dysphonia and vocal tract discomfort while working from home during COVID-19. J Voice. 2020;1:1. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020.10.010. PMid:33223124.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2020....
).

Assim, pela descrição do ambiente de trabalho utilizado para o ensino remoto, pelos docentes do presente estudo, observou-se que essas adaptações podem estar presentes como fatores de risco para a fadiga vocal.

Alguns hábitos, como tomar água durante as aulas, podem minimizar alguns sintomas vocais e reduzir a fadiga vocal. A hidratação reduz o nível de fadiga vocal, distúrbios fonatórios e os impactos negativos aerodinâmicos, sendo indicado cerca de oito copos de água por dia(2828 Fontana RT, Pinheiro DA. Condições de saúde auto-referidas de professores de uma universidade regional. Rev Gaúcha Enferm. 2010 Jun;31(2):270-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472010000200010. PMid:21500506.
http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472010...
). No presente estudo, entre aqueles que informaram ingerir água durante as aulas remotas, 54,5% mencionaram a ingesta de dois a quatro copos de água durante as aulas (Tabela 3). Assim, pode-se inferir que os professores estavam ingerindo uma quantidade de água compatível com a quantidade de horas/aulas diárias, visto que a maioria apresentou carga horária semanal de aulas de até 20 horas.

Ainda quanto à fadiga vocal, recomenda-se que, após o uso excessivo da voz, haja um repouso vocal para o seu restabelecimento. No entanto, a recuperação da voz após repouso vocal, mensurada pelo IFV - fator 4, mostrou que os professores da amostra apresentaram déficit na capacidade em melhorar sua qualidade vocal após o repouso (média 6,8), fato importante a ser considerado, uma vez que se espera recuperação vocal após um período de descanso vocal. A presença de fadiga e não restabelecimento vocal após repouso é apontado pela literatura como risco para o aparecimento de distúrbios vocais, principalmente rouquidão e perda da voz(2828 Fontana RT, Pinheiro DA. Condições de saúde auto-referidas de professores de uma universidade regional. Rev Gaúcha Enferm. 2010 Jun;31(2):270-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472010000200010. PMid:21500506.
http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472010...
).

Por meio do presente estudo, foi possível verificar que aqueles com mais sintomas também apresentaram diferenças entre as medianas para a autopercepção de fadiga vocal e os fatores relacionados à fadiga e limitação vocal, bem como desconforto físico associado à voz, com valores significativamente mais elevados para o grupo com mais de três sintomas vocais. Isso mostra que o elevado número de sintomas pode ser considerado sinal para um possível risco de instalação de alteração vocal na amostra estudada, ou ainda ser responsável pela persistência de certo problema.

Quanto à autopercepção para desvantagem vocal e número de sintomas vocais, houve diferença entre os grupos com mais de três sintomas quando comparados aos que informaram menos de três sintomas (p=0,00) (Tabela 4). Os valores de média e mediana foram mais elevados para aqueles com mais de três sintomas vocais, o que pode ser sugestivo de que o número elevado de sintomas vocais pode ser um risco para o surgimento de alterações vocais na amostra estudada.

Os achados aqui descritos permitiram compreender as condições de produção vocal ocasionadas pelas aulas remotas e suas implicações na saúde vocal do professor. Com isso, será possível contribuir com a literatura na área da Fonoaudiologia, em especial na área da voz, para um olhar voltado aos professores que necessitem manter atividades de ensino remoto, ou atividades online, como aos que estão em EaD.

O estudo apresentou algumas limitações, entre elas, a baixa adesão dos professores a responder a pesquisa, reduzindo, assim, a amostra; a impossibilidade de fazer uma avaliação vocal com os professores, uma vez que a pesquisa foi realizada online, bem como a escassez de estudos com professores em ensino remoto para se ampliar a discussão, comparando com resultados de estudos semelhantes.

CONCLUSÃO

Os professores universitários em ensino remoto se autoavaliaram apresentando risco para fadiga vocal. Entre os fatores associados ao IFV, os docentes que apresentaram mais de dois sinais e sintomas vocais tiveram maior sensação de fadiga vocal, como também pior autopercepção para limitação vocal e desconforto físico. Não foi observada autopercepção de desvantagem vocal, porém, aqueles que apresentaram mais de dois sinais e sintomas vocais tiveram pior autopercepção para desvantagem vocal. Observou-se que o número de sintomas pode impactar a desvantagem vocal, além de levar à maior sensação de fadiga vocal, sendo esses sintomas indicadores de possível predisposição para um distúrbio de voz.

AGRADECIMENTOS

A todos os professores que participaram deste estudo.

  • Trabalho realizado no Núcleo de Ciências Humanas, Sociais e de Políticas Públicas - NUCISP, Centro de Ciências Integradoras, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL - Maceió (AL), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2022
  • Aceito
    26 Out 2022
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