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Avaliação comportamental do processamento auditivo central em mulheres no climatério

RESUMO

Objetivo

Comparar as habilidades auditivas centrais de mulheres no climatério, com e sem terapia de reposição hormonal.

Métodos

Estudo observacional, realizado com mulheres no climatério, divididas em dois grupos, segundo o uso ou não de terapia hormonal. Foram realizados os testes de Localização Sonora em cinco direções; Memória Sequencial para Sons Verbais e Não Verbais; Padrão de Duração; Random Gap Detection Test (RGDT); Masking Level Difference (MLD); Dicótico de Dígitos; Fala Com Ruído Branco, e aplicado o Questionário Avaliação Informal de Fadiga.

Resultados

Houve diferença tendenciosa de melhor desempenho médio no grupo com terapia hormonal, em comparação ao grupo sem terapia para o teste de Memória para Sons Não Verbais. Nos testes de Localização Sonora, Memória para Sons Verbais, RGDT e MLD, o grupo com terapia hormonal apresentou resultados quantitativamente melhores. O grupo com terapia hormonal demonstrou maior porcentagem de mulheres com alto nível de fadiga.

Conclusão

Mulheres no climatério, com e sem terapia hormonal, apresentam transtorno de processamento auditivo central envolvendo as habilidades auditivas de localização sonora, ordenação temporal simples e complexa, figura-fundo, resolução temporal e interação binaural. No entanto, as mulheres do grupo com terapia hormonal apresentam melhor desempenho em ordenação temporal simples.

Palavras-chave:
Audição; Percepção auditiva; Testes auditivos; Climatério; Memória; Atenção

ABSTRACT

Purpose

To compare the central auditory abilities of climacteric women, with and without hormone replacement therapy.

Methods

Observational study, performed with climacteric women with and without hormone replacement therapy. Sound localization tests were performed in five directions; Sequential Verbal Memory Test; Sequential Memory Test for Nonverbal Sounds; Duration Pattern Test; Random Gap Detection Test); Masking Level Difference; Dichotic Digit Test and Speech With White Noise Test and the questionnaire “Informal Fatigue Assessment” was applied.

Results

The differences pointed out revealed the biased difference that occurs due to higher average performance in the group with TH compared to the group without TH for TMSnV. In the TLS, TMSN, RGDT and MLD tests, the group with HT presented quantitatively better results.

Conclusion

Climacteric women, with and without hormone therapy, have central auditory processing disorder involving the auditory skills of sound localization, simple and complex temporal ordering, background figure, temporal resolution and binaural interaction. However, women in the hormone therapy group performed better in simple temporal ordering.

Keywords:
Hearing; Auditory perception; Auditory tests; Climacteric; Memory; Attention

INTRODUÇÃO

O climatério é o período de vida da mulher compreendido entre o final da fase reprodutiva até a senescência. É considerado uma síndrome com sintomas variáveis e que afeta o organismo como um todo(11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de atenção à mulher no climatério/menopausa. Brasília: Editora MS; 2008.,22 FEBRASGO: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Manual de orientação em climatério. Rio de Janeiro: FEBRASGO; 2010.). Uma das modificações observadas é a queda na produção de estrogênio, que, além de ser o principal hormônio reprodutor feminino, também possui ação em outros sistemas, dentre eles, o sistema nervoso.

As mulheres frequentemente relatam queixas cognitivas no climatério. Os estudos sugerem que as queixas cognitivas surgem com mais frequência na transição para a menopausa e na pós-menopausa. Os estrogênios modulam a neurogênese e a plasticidade sináptica, interagindo com sistemas de neurotransmissores e mantendo a função cognitiva e a saúde do cérebro. Com base nesses pressupostos, estudos também encontraram relações entre as queixas cognitivas e os sintomas da menopausa, elencando esses sintomas e as flutuações hormonais como fatores contribuintes para o declínio da memória, visto que podem interromper o sono e comprometer as atividades de vida diária, o que, por sua vez, pode afetar a memória(33 Reuben R, Karkaby L, McNamee C, Phillips NA, Einstein G. Menopause and cognitive complaints: are ovarian hormones linked with subjective cognitive decline? Climacteric. 2021 Ago;24(4):321-32. http://dx.doi.org/10.1080/13697137.2021.1892627. PMid:33719785.
http://dx.doi.org/10.1080/13697137.2021....
,44 Weber MT, Rubin LH, Schroeder R, Steffenella T, Maki PM. Cognitive profiles in perimenopause: hormonal and menopausal symptom correlates. Climacteric. 2021 Ago;24(4):401-7. http://dx.doi.org/10.1080/13697137.2021.1892626. PMid:33759672.
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).

Além disso, as mudanças no quadro hormonal geralmente estão relacionadas com sintomas de mudança de humor, como ansiedade, depressão e irritabilidade, provavelmente resultantes da diminuição dos níveis de estrogênio. Ademais, essas mudanças podem estar associadas a déficits de memória, atenção e velocidade de processamento de informações, funções importantes para o processamento auditivo central, que diz respeito à série de processos envolvidos na detecção, análise e interpretação dos sons(55 Fernandes CE, Pompei LM. Endocrinologia feminina. 1ª ed. Barueri: Manole; 2015.

6 Lasmar RB. Tratado de ginecologia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.
-77 Schlikmann A, Brimberg E. Processamento auditivo central e caracterização de aspectos cognitivos em mulheres pós-menopáusicas [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2012.).

O processamento auditivo central (PAC) corresponde às habilidades auditivas subjacentes às atividades do sistema nervoso auditivo central para a compreensão dos sons de maneira eficiente. Os transtornos de processamento auditivo central (TPAC) foram definidos como uma alteração no processamento específico da modalidade auditiva, podendo estar associados a dificuldades em ouvir ou entender a fala, ao desenvolvimento da linguagem e à aprendizagem(66 Lasmar RB. Tratado de ginecologia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.,77 Schlikmann A, Brimberg E. Processamento auditivo central e caracterização de aspectos cognitivos em mulheres pós-menopáusicas [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2012.). Para a compreensão do sinal de fala em ambientes ruidosos, tanto os indivíduos com limiares auditivos normais, quanto aqueles que apresentam algum grau de perda auditiva, necessitarão da ativação de recursos cognitivos responsáveis pelo processamento e interpretação da informação auditiva, além de atenção e memória. O termo “esforço auditivo” é definido como a quantidade de recursos cognitivos necessários para o reconhecimento dos sinais acústicos, principalmente os da fala(77 Schlikmann A, Brimberg E. Processamento auditivo central e caracterização de aspectos cognitivos em mulheres pós-menopáusicas [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2012.).

A atenção à saúde prestada à mulher no climatério é um desafio contínuo para profissionais de saúde. A terapia de reposição hormonal é uma das opções que proporcionam alívio imediato dos sintomas causados pela síndrome. Em geral, o tratamento tem como principal objetivo restaurar os níveis de estrogênio(88 Melo GP, Costa AM. Influence of climacteric symptoms in women’s quality of life: integrative review. Hum Reprod Arch. 2018;32(3):e001117.).

Os hormônios femininos afetam o sistema auditivo e a função auditiva em mulheres flutua ao longo do ciclo menstrual. Estudo relatou que a sensibilidade auditiva melhorou durante a fase folicular tardia e diminuiu durante a fase lútea, demonstrando o efeito dos hormônios sexuais femininos, embora os efeitos específicos das flutuações do estradiol e da progesterona no sistema auditivo central permaneçam obscuros. Porém, nenhuma dessas flutuações em homens durante o mesmo período foi relatada. Já após o início da menopausa, a sensibilidade auditiva diminuiu rapidamente(99 Aloufi N, Heinrich A, Marshall K, Kluk K. Sex differences and the effect of female sex hormones on auditory function: a systematic review. Front Hum Neurosci. 2023 Abr 21;17:1077409. http://dx.doi.org/10.3389/fnhum.2023.1077409. PMid:37151900.
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).

Dados os efeitos do estrogênio na memória, atenção e velocidade de processamento de informações, as mulheres no período do climatério poderiam estar mais suscetíveis a queixas relacionadas aos transtornos do PAC com a diminuição da produção do hormônio estrogênio, já que este tem profunda relação com o processamento de informações verbais. O transtorno do PAC pode aumentar o esforço auditivo, visto que as mulheres nessa etapa da vida poderiam não apresentar condições satisfatórias para a interpretação dos sons, demandando mais de outros recursos cognitivos, como memória e atenção(88 Melo GP, Costa AM. Influence of climacteric symptoms in women’s quality of life: integrative review. Hum Reprod Arch. 2018;32(3):e001117.).

Estudos examinaram os efeitos do estrogênio na terapia de reposição hormonal em mulheres pós-menopáusicas e encontraram melhora dos limiares audiométricos de tons puros, redução das latências e aumento das amplitudes no exame de potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) em mulheres pós-menopáusicas(1010 Caras ML. Estrogenic modulation of auditory processing: a vertebrate comparison. Front Neuroendocrinol. 2013;34(4):285-99. http://dx.doi.org/10.1016/j.yfrne.2013.07.006. PMid:23911849.
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).

Com isso, a terapia hormonal, além de reduzir os sintomas climatéricos, pode beneficiar as mulheres quanto aos efeitos no processamento auditivo central. Para comprovar os efeitos auditivos pré e pós-terapia hormonal, é necessário realizar a avaliação do processamento auditivo central, bem como avaliar o esforço auditivo.

Cabe ressaltar que não foram encontrados estudos com avaliação comportamental do PAC em mulheres no climatério, demonstrando a originalidade da pesquisa ora apresentada, que, apesar de ter sido prejudicada na etapa da coleta de dados devido às medidas restritivas durante a pandemia da COVID-19, traz resultados relevantes e abre frente para novas pesquisas.

Sendo assim, a presente pesquisa teve como objetivo comparar as habilidades auditivas centrais de mulheres no climatério, com e sem terapia de reposição hormonal.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, realizado com dois grupos de mulheres no climatério, sendo um grupo sem uso de terapia de reposição hormonal e outro grupo que fazia uso da reposição. A amostra foi selecionada no Ambulatório do Climatério do Hospital Universitário 2 – Hospital São Paulo/Universidade Federal de São Paulo - HU2 - HSP/UNIFESP; a avaliação comportamental do processamento auditivo central foi realizada no Ambulatório de Audiologia Clínica da UNIFESP. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da instituição, sob o número 31453120.9.0000.5505.

Para serem selecionadas para a amostra, as mulheres deveriam ter entre 45 e 59 anos, com diagnóstico de pré-menopausa ou menopausa, (cirúrgica ou não), não apresentarem alterações nos exames audiológicos, de colpocitologia e mamografia, preferência manual direita, ausência de contraindicação para terapia hormonal (TH) ou estarem em TH por, pelo menos, três meses. Além disso, as mulheres não poderiam ser usuárias de tabaco. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Cabe ressaltar que a coleta de dados foi impactada de forma negativa pela pandemia da Covid-19. Devido ao período de isolamento, os ambulatórios não funcionaram normalmente e, mesmo após a retomada, o fluxo de pacientes foi reduzido. O tempo para a coleta de dados foi exíguo e muitas potenciais pacientes não compareceram para a avaliação, mesmo após diversas convocações. Dessa forma, foram convidadas para participarem da pesquisa 15 mulheres. Dentre elas, três foram excluídas da amostra por questões tais como perda auditiva e não comparecimento para a realização dos exames.

Por fim, a amostra foi constituída por 12 mulheres, seis no grupo sem TH (grupo-controle) e seis no grupo com TH (grupo de estudo) com idades entre 45 e 58 anos. Os grupos foram constituídos por mulheres sem queixas quanto à sensibilidade auditiva.

No grupo com TH, os medicamentos utilizados para a reposição hormonal foram: Suprelle (1 mg de Valerato de Estradiol e 0,5 mg de Acetato de Noretisterona) ou Sandrena Gel (1,0 mg ou 0,5 mg de Estradiol).

As avaliações foram realizadas em uma sessão, com duração de, aproximadamente, duas horas, durante as quais foram realizadas pausas para descanso.

Com relação aos procedimentos realizados, após a seleção das pacientes, todas foram submetidas à anamnese, meatoscopia e preenchimento do Questionário Avaliação Informal da Fadiga(1111 Cruz AD. Esforço auditivo e fadiga em adolescentes com deficiência auditiva: uso do sistema FM [tese]. Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo; 2018. http://dx.doi.org/10.11606/T.25.2018.tde-01102018-201135.
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), composto por 11 questões que abordam a fadiga geral. Cada questão deve ser respondida em uma escala de 4 pontos. Dessa forma, a pontuação mínima do questionário é 0, indicando menor nível de fadiga e a pontuação máxima é 33 pontos, indicando maior nível de fadiga, sendo a pontuação máxima de fadiga típica = 14,83 pontos. Portanto, sujeitos que pontuam acima desse valor, indicam estarem mais fatigados do que os demais.

Em seguida, as mulheres passaram pela avaliação comportamental do processamento auditivo central, constituída pelos seguintes testes: Teste de Localização Sonora em cinco direções (TLS), Teste de Memória Sequencial para Sons Verbais (TMSV), Teste de Memória Sequencial para Sons Não Verbais (TMSnV), Teste de Padrão de Duração (TPD), Random Gap Detection Test (RGDT), Masking Level Difference, (MLD), Teste Dicótico de Dígitos (TDD) e Teste de Fala com Ruído Branco (FRB).

Após a coleta, os resultados da avaliação comportamental do processamento auditivo foram classificados como normais ou alterados, segundo as referências de normalidade(1212 Corazza MCA. Avaliação do processamento auditivo em adultos: testes de padrões tonais auditivos de frequência e teste de padrões tonais auditivos de duração [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1998.

13 Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.
-1414 Keith RW. Random gap detection test. Missouri: Auditec of Saint Louis; 2000.) (Quadro 1).

Quadro 1
Critérios de análise para os testes comportamentais do processamento auditivo central utilizados na pesquisa

As habilidades auditivas foram classificadas em normais ou alteradas, a depender de qual ou quais testes apresentaram desempenho inferior ao padrão de normalidade recomendado, assim como o desempenho em toda a avaliação. Caso uma habilidade auditiva fosse classificada como alterada, houve a indicação de presença de TPAC, seguindo a recomendação da Academia Brasileira de Audiologia(1212 Corazza MCA. Avaliação do processamento auditivo em adultos: testes de padrões tonais auditivos de frequência e teste de padrões tonais auditivos de duração [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1998.

13 Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.
-1414 Keith RW. Random gap detection test. Missouri: Auditec of Saint Louis; 2000.) (Quadro 1).

Em seguida, os dados foram organizados em planilha e enviados para um profissional da área da estatística para análise. As análises foram realizadas utilizando os softwares SPSS (IBM), versão 19, e Excel 2013.

Para a análise dos dados numéricos e variáveis quantitativas, foi utilizada a estatística descritiva com medidas resumo (posição e variabilidade). Para a comparação dos dados numéricos, foi utilizada a técnica da estatística inferencial Teste t-Student para amostras independentes. A estatística descritiva das variáveis qualitativas (categóricas) foi apresentada com tabulações simples e de dupla entrada, referentes às frequências e percentuais pertinentes inerentes ao objeto de estudo. Para a comparação dos dados categóricos, foram utilizadas as técnicas da estatística não paramétrica.

Para verificar a discrepância de uma hipótese estatística em relação aos dados observados, foi utilizada a análise da significância estatística, considerando uma medida de evidência, a probabilidade do erro do tipo I (α) de 0,05, significando que a região de rejeição compreendeu 5%.

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 12 mulheres, 6 no grupo sem TH (grupo-controle) e 6 no grupo com TH (grupo de estudo), com idades entre 45 e 58 anos, sem queixa auditiva. Quanto à idade cronológica, em anos, o grupo com TH apresentou maior média de idade (52 anos e 2 meses) do que o grupo sem TH (50 anos e 8 meses).

Quanto à escolaridade, houve pareamento parcial (maior que 83%) entre os grupos- estudo e controle, sendo o grau de escolaridade mais frequente o ensino médio completo.

Nenhuma das mulheres do grupo-estudo (com TH) teve exposição ao ruído ao longo da vida. Quanto às comorbidades citadas, observaram-se ansiedade, acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, problemas de tireoide, lúpus, doenças ósseas, doenças renais e pressão alta.

Ambos os grupos que compuseram a amostra não apresentaram queixas quanto à sensibilidade auditiva (Figura 1).

Figura 1
Frequência de distribuição quanto a presença de queixa auditiva por grupos

Os resultados expressos na Tabela 1 revelaram a diferença tendenciosa que ocorreu por melhor desempenho médio no grupo com TH em comparação ao grupo sem TH para o teste TMSnV. Além disso, nos testes TLS, TMSnV, TMSV RGDT e MLD, o grupo com TH apresentou resultados quantitativamente superiores, mas sem diferença estatística.

Tabela 1
Estatística descritiva do desempenho quantitativo nos testes comportamentais do processamento auditivo central e estatística comparativa entre os grupos

A Tabela 2 demonstra que no FRB orelha direita (OD), foi verificada maior média de acertos para o grupo sem TH, em comparação ao grupo com TH. Além disso, de acordo com a análise, o grupo sem TH demonstrou melhores resultados nos testes TPD e TDD (OD) e orelha esquerda (OE).

Tabela 2
Estatística descritiva quanto ao desempenho qualitativo da avaliação do processamento auditivo central e estatística comparativa entre os grupos

Quanto à análise qualitativa dos testes aplicados, observou-se melhor desempenho do grupo com TH nos testes TMSV, RGDT e MLD, com maior índice de resultados normais (Tabela 3).

Tabela 3
Estatística descritiva do desempenho qualitativo no questionário e estatística comparativa entre os grupos

Já nos testes TDD OD e TDD OE, o desempenho do grupo sem TH mostrou-se qualitativamente melhor, com maior porcentagem de resultados normais.

Nos demais testes, os grupos não demonstraram resultados qualitativamente discrepantes.

Quanto aos resultados do questionário de fadiga, em termos quantitativos, os valores médios foram semelhantes para ambos os grupos, sendo o grupo sem TH com média de 12,33 pontos e o grupo com TH com 12,67 pontos.

O grupo com TH demonstrou maior porcentagem de mulheres com alto nível de fadiga, de acordo com a análise qualitativa, apesar de não ser estatisticamente significativa.

DISCUSSÃO

De acordo com a caracterização da amostra, o grau de escolaridade mais frequente foi o ensino médio completo, havendo pareamento parcial do grau de escolaridade entre os grupos. As mulheres selecionadas não apresentaram queixas quanto à sensibilidade auditiva, independentemente do grupo ao qual pertenciam (Figura 1). No entanto, em sua maioria, referiram queixas quanto à percepção auditiva, como, por exemplo, dificuldade para compreender em ambiente ruidoso. À avaliação, apresentaram limiares auditivos para tons puros dentro dos parâmetros de normalidade. Dessa forma, as queixas relatadas podem estar associadas a dificuldades auditivas relacionadas ao processamento auditivo central, visto que as avaliações quantitativas apresentaram resultados normais (limiares auditivos)(1515 Stenberg AE, Wang H, Fish J 3rd, Schrott-Fischer A, Sahlin L, Hultcrantz M. Estrogen receptors in the normal adult and developing human inner ear and in Turner’s syndrome. Hear Res. 2001 Jul;157(1-2):87-92. http://dx.doi.org/10.1016/S0378-5955(01)00280-5. PMid:11470188.
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). Outra ocorrência que chamou a atenção já no recrutamento da amostra, foi o fato de duas mulheres terem apresentado perda auditiva, demonstrando a necessidade de que a avaliação audiológica faça parte do rol de exames de mulheres no climatério. Ambas foram excluídas da amostra.

Os hormônios femininos estrogênio e progesterona têm grande influência no sistema nervoso central. Com a chegada da menopausa, a produção hormonal de estrogênio tende a diminuir gradativamente. Nas mulheres brasileiras, a média de idade para o início da menopausa é de 51 anos e 9 meses. Durante o climatério, diversas mudanças no organismo feminino podem ser percebidas, tais como calores, alterações de sono, humor, fadiga, ansiedade, dificuldade de memória e redução da velocidade de processamento de informações(77 Schlikmann A, Brimberg E. Processamento auditivo central e caracterização de aspectos cognitivos em mulheres pós-menopáusicas [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2012.).

As alterações de memória e a lentidão no processamento das informações na menopausa ocorrem porque há receptores celulares dos hormônios sexuais localizados em áreas específicas do cérebro, como a hipófise, hipotálamo, sistema límbico e córtex cerebral(77 Schlikmann A, Brimberg E. Processamento auditivo central e caracterização de aspectos cognitivos em mulheres pós-menopáusicas [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2012.).

O desempenho cognitivo das mulheres nas diferentes fases da menopausa foi estudado a partir de testes de processamento da fala, memória verbal imediata e tardia e memória de trabalho, com Teste Span de Dígitos. Os resultados apontaram que, em mulheres na pós-menopausa, ocorreu redução na velocidade do processamento das informações auditivas nos testes de memória verbal tardia. Uma discreta melhora pôde ser percebida nos resultados dos testes de memória de trabalho e processamento de fala, memória verbal imediata e tardia, nas mulheres que estavam fazendo reposição hormonal(55 Fernandes CE, Pompei LM. Endocrinologia feminina. 1ª ed. Barueri: Manole; 2015.).

Em outro estudo, não foi demonstrada relação entre as queixas de memória apresentadas por mulheres na menopausa com o desempenho em testes de memória e atenção(44 Weber MT, Rubin LH, Schroeder R, Steffenella T, Maki PM. Cognitive profiles in perimenopause: hormonal and menopausal symptom correlates. Climacteric. 2021 Ago;24(4):401-7. http://dx.doi.org/10.1080/13697137.2021.1892626. PMid:33759672.
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). Na realidade, o aumento do nível de estresse e alterações de saúde e sono podem também estar relacionados com as alterações de atenção(1616 Vilar L. Endocrinologia clínica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016.).

A transição de fases da menopausa é acompanhada por alterações nos níveis de cortisol, os quais podem estar associados ao declínio das funções de memória e atenção. As alterações cognitivas em mulheres pós-menopausa e com mais de 60 anos foram verificadas em outro estudo com provas de processamento auditivo e Testes de Memória de Lista de Palavras (TMLP). Os resultados dessas provas apresentaram relação com resultados obtidos no Mini Exame de Estado Mental (MEEM), indicando uma possível relação entre alterações no processamento auditivo central (memória imediata e de curto prazo) e desenvolvimento posterior de demência. Entretanto, esse estudo não abordou os aspectos auditivos periféricos que poderiam estar alterados em função das alterações auditivas que ocorrem a partir dos 50 anos, ou seja a perda auditiva relacionada à idade ou presbiacusia(55 Fernandes CE, Pompei LM. Endocrinologia feminina. 1ª ed. Barueri: Manole; 2015.,1717 Greendale GA, Huang MH, Wight RG, Seeman T, Luetters C, Avis NE, et al. Effects of the menopause transition and hormone use on cognitive performance in midlife women. Neurology. 2009 Maio 26;72(21):1850-7. http://dx.doi.org/10.1212/WNL.0b013e3181a71193. PMid:19470968.
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).

A amostra do presente estudo contou com mulheres entre 45 e 58 anos, sendo o grupo com TH com maior média de idade do que o grupo sem TH.

O grupo com TH, segundo a análise estatística, mostrou diferença tendenciosa para melhor desempenho médio, em comparação ao grupo sem TH para o teste TMSnV. Além disso, nos testes TLS, TMSV RGDT e MLD, o grupo com TH apresentou resultados quantitativamente melhores, apesar de não serem estatisticamente significativos (Tabela 1). No teste FRB OE, o resultado de ambos os grupos foi igual.

Na análise qualitativa, o grupo com TH apresentou melhor desempenho nos testes TMSV, RGDT e MLD, com maior índice de resultados normais (Tabela 2), demonstrando melhor desempenho em processamento temporal.

Dessa forma, o grupo com TH apresentou, de forma geral, resultados melhores nos testes de avaliação do PAC, demonstrando possível relação entre a TH e o PAC (Tabela 2). Os resultados dos testes não foram estatisticamente significativos, provavelmente em decorrência do tamanho da amostra, sendo que em um estudo com número maior, talvez fosse possível demonstrar, estatisticamente, vantagem do grupo com TH.

Outro achado do presente estudo foi a vantagem da orelha direita no teste TDD, em ambos os grupos, confirmando a dominância hemisférica esquerda, mesmo nos anos de climatério. Um estudo apontou que os resultados dos testes dicóticos mostraram que o processamento binaural decresce com o aumento da idade. O envelhecimento afeta o sistema auditivo e a integridade inter-hemisférica, esse declínio usualmente acontece entre os 40 e 55 anos, independentemente do gênero. Nos testes dicóticos, o declínio da integridade inter-hemisférica é demonstrado pela medida da vantagem da orelha direita nos testes com palavras, ou seja, quando a orelha esquerda apresenta desempenho pior do que a direita. A vantagem da orelha direita nos testes com palavras ocorre durante a maturação das vias auditivas e, após os 9 anos de idade, há equivalência entre as orelhas. Quando o estímulo dicótico ou competitivo é apresentado em ambas as orelhas, a via auditiva central ipsilateral é suprimida pela via mais forte contralateral. Como o hemisfério dominante para a linguagem, usualmente o esquerdo, é recrutado para a percepção verbal de estímulos linguísticos auditivos, a informação apresentada do lado esquerdo precisa ser transferida do hemisfério direito para o lado esquerdo pela parte posterior do corpo caloso, enquanto que estímulos apresentados na orelha direita não necessitam desse trajeto. Dessa forma, a vantagem da orelha direita indicaria uma função inter-hemisférica pobre(1818 Moradi F, Jahanian Sadatmahalleh S, Ziaei S. The effect of hormone replacement therapy on cognitive function in postmenopausal women: an RCT. Int J Reprod Biomed. 2019 Jan 28;16(12):767. http://dx.doi.org/10.18502/ijrm.v16i12.3682. PMid:31417982.
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).

Por fim, foram analisados os resultados do Questionário Avaliação Informal de Fadiga, aplicado com o intuito de investigar o esforço auditivo dos grupos que participaram do presente estudo, porém, o questionário não aborda de forma direta as questões auditivas e de PAC. As mulheres participantes da pesquisa demonstraram dificuldade em discernir entre sintomas de cansaço físico e mental e esforço auditivo. A análise estatística não revelou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos sem TH e com TH, tanto do ponto de vista quantitativo, como qualitativo. Dessa forma, o questionário utilizado não foi eficaz para diferenciar os grupos (Tabela 3).

A principal limitação do estudo foi a dificuldade de recrutamento das participantes, especialmente devido ao isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19. Além disso, o estudo apresentou outras limitações, como não realização da avaliação das funções executivas nas mulheres, apesar de comprovada sua relação com o PAC. Devido ao curto período para coleta, não foi possível realizar a avaliação das mesmas mulheres pré e pós-reposição hormonal. Por fim, o tipo de medicamento utilizado pelas participantes não foi uma variável controlada, bem como sua forma de utilização e tempo de uso. Houve somente a garantia de que a TH estava sendo realizada há, no mínimo, três meses. Sendo assim, a generalização dos resultados aqui apresentados deve ser feita com cautela.

No entanto, os resultados abrem frente para perspectivas futuras, tais como estudar o mesmo grupo de mulheres antes e após a terapia hormonal com diferentes tipos de medicamentos, propor reabilitação das habilidades auditivas por meio do treinamento acusticamente controlado após a terapia hormonal, comparar habilidades neuropsicológicas e auditivas centrais e utilizar questionário de autoavaliação específico para a modalidade auditiva, visando caracterizar, de maneira subjetiva, o TPAC.

Sendo assim, para que as associações entre os domínios cognitivos e o PAC sejam melhor esclarecidas, mais estudos na área são necessários, especialmente com amostras maiores.

CONCLUSÃO

No presente estudo, mulheres no climatério, com e sem terapia hormonal, apresentam transtorno de processamento auditivo central envolvendo as habilidades auditivas de localização sonora, ordenação temporal simples e complexa, figura-fundo, resolução temporal e interação binaural.

No entanto, as mulheres do grupo com terapia hormonal apresentam melhor desempenho em ordenação temporal simples. Além disso, apresentam resultados quantitativamente melhores, apesar de não serem estatisticamente significativos, nos testes de localização sonora, figura-fundo, resolução temporal e interação binaural.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq) - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), pela concessão da bolsa.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo, (SP), Brasil.
  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq) - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), número do processo 138673/2020-9.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de atenção à mulher no climatério/menopausa. Brasília: Editora MS; 2008.
  • 2
    FEBRASGO: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Manual de orientação em climatério. Rio de Janeiro: FEBRASGO; 2010.
  • 3
    Reuben R, Karkaby L, McNamee C, Phillips NA, Einstein G. Menopause and cognitive complaints: are ovarian hormones linked with subjective cognitive decline? Climacteric. 2021 Ago;24(4):321-32. http://dx.doi.org/10.1080/13697137.2021.1892627 PMid:33719785.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2023
  • Aceito
    12 Set 2023
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