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Fator de Pico para Hidrogramas Unitários Sintéticos Triangulares

Peak rate factor for tringular synthetic unit-graphs

RESUMO

Na maioria dos casos em que se opta por utilizar um hidrograma unitário como operador chuva-vazão há necessidade dele ser obtido sinteticamente, ou seja, construído a partir de informações mensuráveis da fisiografia da bacia hidrográfica. Desde o desenvolvimento do primeiro HUS (Hidrograma Unitário Sintético) feito por Snyder (1938) houve várias tentativas de generalização do mesmo, destacando-se várias propostas de HUS adimensionais, entre as quais ganhou expressiva popularidade aquele do antigo serviço de conservação de solos dos EUA (SCS, 1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.), cuja versão simplificada triangular (HUT) praticamente assumiu o papel de HUS generalizado. Entretanto, estudos posteriores calcados no fator de crescimento do pico de vazão (“peak rate factor” em inglês e sigla PRF) vêm demonstrando que o HUT do SCS com fator de pico fixo é incapaz de representar o comportamento de todos os tipos de bacias. O fator de pico PRF normalmente é dado em unidades métricas ou inglesas, mas em essência é um fator adimensional, simbolizado por β no presente artigo, que é equivalente a 1,09Cp, sendo Cp o parâmetro de pico do HUS de Snyder. Explorando a relação de β com Cp, este artigo analisa e discute o fator de pico como elemento de generalização de hidrogramas unitários sintéticos, focando naqueles triangulares adimensionais. Com base na experiência conjunta de obtenção de PRF e Cp, frequentemente relacionados com medidas de declividade, avalia-se a possibilidade de se obter um HUT mais adequado.

Palavras Chave:
Hidrograma unitário; Hidrograma unitário sintético; Vazão; Bacia hidrográfica; Função de transferência; PRF

ABSTRACT

In most cases when unit-graphs are used as rainfall-runoff operators there is a need for synthetic ones, which are constructed synthetically from measurable watershed physical information. Since the development of the first synthetic unit-graph by Snyder (1938) several attempts have been made to generalize them, emphasizing a variety of dimensionless unit-graphs proposals, a very popular one being that of the old United States Soil Conservation Service (SCS,1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.). Its simplified triangular version (triangular unit-graph) virtually assumed the role of a generalized dimensionless unit-graph. However, further studies of peak rate factors (PRF) have shown that the SCS triangular unit-graph has a constant PRF, which is not appropriate to represent the hydrologic behavior of all watersheds. The peak rate factor is done in metric or English units, but it is essentiality a dimensionless factor, in this paper represented by the symbol β, which is equivalent to 1.09Cp, Cp being the well-known peak parameter of Snyder’s unit graph. Using this relationship between β and Cp, this paper analyzes and discusses the peak rate factor as an element of synthetic dimensionless unit-graph generalization. On the basis of the experience of obtaining β and Cp, very often related to basin slopes, the possibility of obtaining more realistic triangular synthetic unit-graphs is assessed.

Keywords:
Unit-graph; Unit hydrograph; Synthetic unit-graph; Runoff; Watershed; Transfer function; PRF

INTRODUÇÃO

A teoria do Hidrograma Unitário (HU) foi proposta por Sherman (1932)Sherman, L. K. Streamflow from rainfall by the unit-graph method, Eng. News Rec., v. 108, n. 14, p. 501-506, 1932., como uma função-resposta linear da bacia hidrográfica a uma chuva efetiva unitária. Assim uma chuva efetiva com mesma duração da chuva unitária produzirá um hidrograma com mesmo tempo de base do HU e vazões proporcionais à razão com a chuva unitária. A linearidade propicia também a superposição de efeitos, ou seja, os hidrogramas produzidos por blocos independentes sucessivos de chuva, com duração igual à da chuva unitária, são somados para gerar o hidrograma total.

Portanto, a teoria do hidrograma unitário foi um grande marco da hidrologia, pois introduziu um método simples e prático para cálculo de hidrogramas a partir de chuvas. Em inúmeros livros texto de hidrologia é possível encontrar descrições detalhadas da utilidade, modo de usar e limitações dos hidrogramas unitários.

Lançada a ideia do HU, logo surgiu a necessidade de obtenção de HUs em bacias sem dados. Reconhece-se no estudo de Snyder (1938)Snyder, F. F. Synthetic unit-graphs. Trans. Am. Geophys. Union. 19, n. 1, p. 447-454, 1938. a primeira proposta nesse sentido, introduzindo o conceito de hidrograma unitário sintético (HUS).

Muitas outras propostas de hidrogramas unitários sintéticos surgiram desde o trabalho pioneiro de Snyder, mas segundo Chow, Maidment e Mays (1988)CHOW, V. T.; MAIDMENT, D. R.; MAYS. L. W. Applied Hydrology. New York: McGraw-Hill, 1988. eles podem ser agrupados em três tipos gerais:

Aqueles, como o de Snyder, que são baseados diretamente em características do hidrograma, como vazão de pico, tempo de pico, retardo de pico e outros; ou seja, o HU é desenhado a partir desses elementos por sua vez estimados através de características físicas da bacia;

Aqueles decorrentes de modelos conceituais de armazenamento na bacia hidrográfica, como o método de Clark (1945)Clark, C. O. Storage and the unit-hydrograph. Trans. Amer. Soc. Civ. Eng., v. 110, n. 2261, p. 1416-1446, 1945.;

Aqueles baseados na validade da adimensionalização de vazões e tempos do hidrograma (hidrogramas unitários adimensionais, como o do SCS, 1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.).

Os hidrogramas unitários sintéticos dos tipos 1 e 2 usam parâmetros empíricos que, normalmente, são válidos para uma bacia ou região particular; os do tipo 3, muitas vezes envolvem a expectativa de que uma conveniente escolha de adimensionalizações pode conduzir a uma universalização de aplicação.

Na abordagem do HU de Snyder o tempo considerado é o de retardo de pico (início na metade da duração da chuva unitária e fim no instante do pico) que é estimado a partir do comprimento de escoamento, da distância do exutório ao centro de massa da bacia e de um coeficiente regional, enquanto que a vazão de pico é estimada com este tempo de retardo de pico, a área da bacia e um fator de pico adimensional (Cp) que é função do efeito de amortecimento da onda de cheia e do armazenamento na bacia. Com base em dados de bacias instrumentadas situadas em sua maioria nas montanhas Apalaches (EUA), com áreas entre 10 e 10.000 milhas quadradas (entre 25 e 25.000 km2, grosso modo), Snyder obteve valores de Cp entre 0,56 e 0,69.

O HU do Soil Conservation Service dos EUA (SCS, 1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.) é um hidrograma unitário adimensional que foi publicado por Victor Mockus em 1957 (MOCKUS, 1957Mockus, V. Use of storm and watershed characteristics in synthetic hydrograph analysis and application. In: AGU PACIFIC SOUTHWEST REGION MEETING, 1957, Sacramento, California. Proceedings... [S.l.: s.n.], 1957.) com base em HUs de bacias instrumentadas “com ampla variação de áreas e localizações geográficas” (SCS, 1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.). Esse HU de Mockus é adimensionalizado no tempo pelo tempo de pico e apresenta um tempo de base de cinco unidades de tempo de pico, uma unidade de tempo (logicamente) até o pico de vazão e quatro unidades (tempo de recessão) após. Até o pico esse HU escoa 37,5% do seu volume, o que equivale a um fator de pico adimensional fixo β = 0,75 ou PRF = 484 em unidades “inglesas”.

Embora SCS (1972)SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4. já alertasse que o fator de pico “inglês” poderia variar de “aproximadamente de 600 em áreas declivosas a 300 em terrenos planos e pantanosos” o fato é que o HUS do SCS popularizou-se com uso PRF = 484 (WATER RESOURCES COUNCIL, 1981WATER RESOURCES COUNCIL. Hidrology Committee. Estimating peak flow frequencies for natural ungaged watersheds: a proposed nationwide test. Washington, D.C.: U.S. Water Resources Council, Hydrology Committee, 1981.). No início dos anos 80 renovou-se o interesse pelo fator de pico, pois nem sempre era possível adotar o valor 484, como indicam McCuen e Bondelid (1983)McCuen, R. H.; Bondelid, T. R. Estimating unit hydrograph peak rate factors. J. Irrig. Drain Eng., v. 109, n. 2, p. 238-250, Jun. 1983 e Woodward, Welle e Moody (1980)Woodward, D. E.; Welle, P. I.; Moody, H. F. Coastal plains unit hydrograph studies. In: KUO, C. Y. (Ed.). Urban stormwater management in coastal areas. New York, N.Y.: American Society of Civil Engineers, 1980. p. 99-107..

Malgrado os alertas como esse de que o fator de pico não poderia ser constante (algo que Snyder já deixava claro em 1938) o fato é que a predominância do uso do HUS do SCS acabou por impor um fator de pico fixo. Por outro lado, todo um conhecimento sobre a variabilidade e previsibilidade do fator de pico Cp, gerado pelos usuários do HUS de Snyder, não tem sido convenientemente explorado na aplicação de HUS adimensionais.

Considerando que outro fator de grande aceitabilidade do HUS adimensional do SCS (1972)SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4. foi sua versão triangular (HUT), pode-se pensar como outros pesquisadores de que é conveniente uma generalização de um HU com esta geometria que é facilmente adaptável a qualquer valor de fator de pico.

Neste sentido, o objetivo deste artigo é buscar na literatura referências consistentes de avaliação do fator de pico, de forma a permitir o uso de um HUS triangular generalizado. Não será tratado neste artigo o outro parâmetro fundamental para o estabelecimento de um HUS triangular, que é o tempo de pico, pois já há farta literatura que permite avaliá-lo com maior precisão.

FATOR DE PICO

A expressão geral do fator de pico adimensional é dada por:

(1)

Sendo qp a vazão de pico específica em unidades de volume (L3) na área (L2) por unidade de chuva efetiva (L) e pelo tempo (T); Tp (com T maiúsculo) é a duração do HUS até a vazão de pico, ou, em outras palavras o tempo de ascensão do HU.

A equação 1 indica que, para hidrogramas unitários triangulares, o fator de pico é objetivamente a razão entre o dobro do volume escoado até o pico pelo volume de escoamento total. Isto é, para um HUT, β/2 é a fração de volume escoado até o pico.

Na versão “inglesa”, qp é dada em pés cúbicos por segundo por milha quadrada por polegada de chuva e o tempo de pico é dado em horas, logo, nesse caso tem-se:

(2)

O fator de unidades 645 está arredondado no inteiro na equação 2. Curiosamente Snyder (1938)Snyder, F. F. Synthetic unit-graphs. Trans. Am. Geophys. Union. 19, n. 1, p. 447-454, 1938. ao afirmar textualmente que “uma polegada de “runoff” por hora em uma milha quadrada é igual a 640 pés cúbicos por segundo” equivoca-se na avaliação desse fator, mas usar 640 no lugar de 645 introduz um erro irrelevante de apenas 0,8% para menos na vazão de pico.

Snyder (1938)Snyder, F. F. Synthetic unit-graphs. Trans. Am. Geophys. Union. 19, n. 1, p. 447-454, 1938. apresentou como equação da vazão de pico do seu HUS, a seguinte expressão:

(3)

sendo qp a vazão de pico em pés cúbicos por segundo por milha quadrada por polegada de chuva; tp (com t minúsculo) é o tempo de retardo de pico em horas.

A relação entre Tp e tp é dada por:

(4)

onde tr é a duração da chuva unitária do HUS.

Como Snyder (1938)Snyder, F. F. Synthetic unit-graphs. Trans. Am. Geophys. Union. 19, n. 1, p. 447-454, 1938. propõe tr = tp/5,5 resulta que:

(5)

dessa forma, tem-se o valor de β em função de Cp:

(6)

Na versão “métrica”, qp é dada em metros cúbicos por segundo por quilômetro quadrado por chuva unitária de um centímetro (ou 10 mm) e o tempo de pico é dado em horas, logo, nesse caso tem-se:

(7)

o fator de unidades 2,78 está arredondado no centésimo na equação 7. Muitas publicações apresentam este fator como 2,75, mas isto acontece por adotarem proporcionalidade ao 640 “inglês” de Snyder.

Em parte da literatura científica, o fator de pico ou “peak rate factor” em inglês, é expresso pela sigla PRF e embute no mesmo um fator de conversão de unidades K (equação 8).

(8)

Na estimativa da vazão de pico específica do HUS a equação é:

(9)

como percebe-se, K = 645 é o fator para o PRF em unidades inglesas e K = 2,78 o é para o PRF em unidades métricas. Por exemplo, o PRF = 484 para o HUT do SCS em unidades inglesas significa então que β = 0,75.

Manejando-se com a geometria triangular para o HUS de vazões específicas, onde a área sob o triângulo tem valor unitário na unidade L3.L-2.L-1.T-1.T (ou seja, adimensional), vale a expressão:

(10)

o fator “x” na equação 10 é conhecido como fator de recessão e representa a razão entre o tempo de recessão e o tempo de pico.

Introduzindo-se a expressão da equação 10 na equação geral do fator de pico (equação 1), com as convenientes simplificações, resulta:

(11)

Para se ter um panorama geral, em um HU triangular, das relações entre os valores de β, Cp, PRF “inglês”, PRF “métrico”, fator de recessão “x” e porcentagem de volume escoado até o pico, foi construída a tabela 1, a seguir.

Tabela 1
- Fatores de pico, recessão e volume até pico

A tabela 1 não é preditiva, assim na sequência serão buscadas referências consistentes de avaliação do fator de pico.

Na figura 1, a seguir, está representado o HU triangular, com a expressão do fator de pico β.

Figura 1
– HU triangular e fator de pico β

PREDIÇÃO DO FATOR DE PICO

Como tabela preditiva encontramos na literatura aquela apresentada por Wanielista, Kersten e Eaglin (1997)Wanielista, M. P.; Kersten, R.; Eaglin, R. Hydrology: water quantity and quality control. 2nd. ed. New York: Wiley, 1997., cujos valores orientativos estão na tabela 2.

Tabela 2
- Fatores de pico e de recessão sugeridos por Wanielista, Kersten e Eaglin (1997)Wanielista, M. P.; Kersten, R.; Eaglin, R. Hydrology: water quantity and quality control. 2nd. ed. New York: Wiley, 1997. e β respective

Observa-se que Wanielista, Kersten e Eaglin (1997)Wanielista, M. P.; Kersten, R.; Eaglin, R. Hydrology: water quantity and quality control. 2nd. ed. New York: Wiley, 1997. dão uma orientação para o fator de pico em função do caráter urbano ou rural da bacia, dando uma especificação maior para as bacias rurais em função da declividade média da bacia (sem apontar valores para estas), sugerindo valores de PRF “inglês”, entre 100 e 300, da baixa declividade para a alta declividade.

Outra fonte de recomendação para o PRF “inglês” é encontrada em Wilkening (1990)Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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, conforme tabela 3. Ele também liga o PRF com a declividade da bacia, com avaliação diferente daquela de Wanielista, Kersten e Eaglin (1997)Wanielista, M. P.; Kersten, R.; Eaglin, R. Hydrology: water quantity and quality control. 2nd. ed. New York: Wiley, 1997., mas dando ênfase a uma descrição qualitativa das condições de armazenamento superficial. Note-se que PRF inglês igual a 484 representa as bacias experimentais do antigo “Soil Conservation Service” dos EUA, portanto a descrição de Wilkening (1990)Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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é uma tentativa de caracterizá-las.

Tabela 3
– PRF “inglês” recomendado para condições locais variadas (WILKENING, 1990Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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)

Há várias outras publicações com referência a valores encontrados de PRF ou Cp como as listadas na tabela 4. Cada uma delas pode dar uma orientação acerca de valores possíveis do fator de pico. Entretanto, raras são aquelas que buscaram estabelecer relações matemáticas entre PRF e características físicas da bacia, como é o caso de Sheridan, Merkel e Bosch (2002)Sheridan, J. M.; Merkel, W. H.; Bosch D. D. Peak rate factors for flatland watersheds. Appl. Eng. Agriculture, v. 18, n. 1, p. 65-69, 2002..

Tabela 4
– Valores de β a partir da literature

Na tabela 4 os valores de PRF e Cp das publicações foram traduzidos em β, conforme relações apresentadas anteriormente, a fim de permitir uma única base de comparação.

As tabelas acima dão uma informação aproximada sobre β. Há tentativas de correlacioná-las com parâmetros fisiográficos das bacias, sendo a declividade média da bacia aquela com efeito esperado mais nítido, não havendo expectativa de nenhuma relação com a área contribuinte. Desta forma a metodologia aplicada procura avaliar a relação de β com a declividade média do curso d´água principal, um dado mais disponível que a declividade média da bacia. Ambas correlacionam-se, por exemplo, Gray (1961)Gray, D. M. Interrelationships of watershed characteristics. J. Geophys. Res., v. 66, n. 4, p. 1215–1223, Apr. 1961. estabeleceu para bacias de primeira ordem (aquelas cujo curso d’água principal é de primeira ordem):

(12)

onde Sb é a declividade média da bacia (m/m) e S a declividade média do talvegue (m/m).

Sem procurar uma relação de β com declividades, existiria uma maneira teórica de estimar β decorrente do conceito do hidrograma unitário geomorfológico (RODRIGUEZ-ITURBE; VALDÉS, 1979Rodriguez-Iturbe, I.; Valdés, J. B. The geomorphologic structure of hydrologic response, Water Resour. Res., v. 15, n. 6, p. 1409-1420. Dec. 1979.), onde o produto qpTp (=β) assume a forma:

(13)

onde RA, RB e RL são as razões de Horton para áreas, bifurcações e comprimentos de rios. Entretanto dentre as publicações consultadas não há nenhuma que apresente razões de Horton e valores de β, assim a expressão acima permite apenas exercícios via simulação.

METODOLOGIA

Para atender ao objetivo estipulado de avaliação do fator de pico, de forma a permitir o uso de um HUS triangular generalizado, a revisão bibliográfica mostrou que se pode almejar algum resultado consistente se relacionarmos β com a declividade da bacia, esta podendo ser substituída pela do curso d´água principal. Portanto, a metodologia empregada foi buscar estabelecer, com base nos dados apresentados de fatores de pico e declividades publicados em estudos disponíveis, uma relação matemática simples entre essas variáveis.

Os dados utilizados foram dos estudos de Fang et al. (2005)Fang, X.; Prakash, K.; Cleveland, T.; Thompson, D.; Pradhan, P. Revisit of NRCS Unit Hydrograph Procedure. In: TEXAS SECTION SPRING, 2005, Austin, Texas, Proceedings… [S.l.: s.n.], 2005. Disponível em: <http://cleveland2.ce.ttu.edu/documents/copyright/F-AUTHORS/2005_0408_asce_tx/2005_0408_asce_tx.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2013.
http://cleveland2.ce.ttu.edu/documents/c...
, McEnroe e Zhao (1999)McEnroe, B. M.; Zhao, H. Lag Times and Peak Coefficients for Rural Watersheds in Kansas. Kansas: University of Kansas, 1999. (Report No. K-TRAN: KU-98-1)., Pio (1999)Pio, E. D. Regionalização do hidrograma unitário sintético e dos coeficientes do hidrograma unitário sintético de Snyder para pequenas bacias rurais do estado de São Paulo. 1999. 162 f. Dissertação (Mestrado em Recursos Hídricos) – Universidade de Campinas, Campinas, 1999. e Sheridan, Merkel e Bosch (2002)Sheridan, J. M.; Merkel, W. H.; Bosch D. D. Peak rate factors for flatland watersheds. Appl. Eng. Agriculture, v. 18, n. 1, p. 65-69, 2002. que trabalharam com bacias rurais. Não foram incluídos estudos com bacias urbanas pelo número reduzido de bacias e aqueles estudos com dados disponíveis (DIAZ, 1987Diaz, O. Precipitação de projeto e regionalização de hidrogramas unitários para bacias urbanas brasileiras. 1987. 347 f. Dissertação (Mestrado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) - Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1987.; SANCHEZ; LOPES, 1984Sanchez, J. M. S.; Lopes, M. S. Regionalização de hidrogramas unitários para bacias urbanas do sul do Brasil. Porto Alegre: Instituto de Pesquisas Hidráulicas IPH-UFRGS, 1984. (Recursos hídricos. Publicação, 8).) ainda usaram bacias coincidentes.

As referências mencionadas estabeleceram hidrogramas unitários, mas nem todas explicitaram valores de β. Para aquelas que apresentam valores de PRF fez-se a conversão para β com:

(14)

Conforme visto anteriormente se PRF é em unidades inglesas K = 645, se PRF tem unidades métricas K = 2,78.

Em outras publicações onde Cp foi apresentado, usou-se a relação já apresentada anteriormente, dada por:

(15)

Com isso pôde-se montar a tabela apresentada na tabela 5, com valores de β e declividades de 127 bacias.

Tabela 5
– Valores de declividades S (%) dos cursos d´água principais e dos fatores de pico β observados em bacias estudadas pelos autores consultados

A figura 2 mostra num gráfico cartesiano como se relacionam os fatores de pico β e declividades dessas 127 bacias. Nota-se uma ampla dispersão dos valores de β para as declividades da amostra. Um dos fatores para essa dispersão pode ter sido modos diferentes de cálculo da declividade do talvegue pelos diversos autores. De qualquer forma, há uma concentração maior de valores de β entre 0,4 e 0,6 para declividades de talvegue menores que 1%, com alguma persistência nessa faixa até 2%. A “nuvem” de pontos indica que β =0,75 (valor preconizado pelo SCS, 1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.) está acima da expectativa média das bacias analisadas. Até declividades de 1% do talvegue da bacia o valor médio de β foi de 0,54 com desvio padrão de 0,14. Para 1% < S < 2% o valor médio de β foi de 0,59 com desvio padrão de 0,12.

Figura 2
– Relação de β e declividades para as 127 bacias analisadas

Tentativas empíricas de uso de equações potenciais para a função β(S) são também mostradas na figura 2, uma representando uma expectativa média e duas delimitando uma faixa de intervalo onde cerca 80% dos valores observados de β estão incluídos.

A equação média da figura 2 é dada por:

(16)

Esta equação empírica é compatível com as recomendações de Wilkening (1990)Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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, sobretudo para bacias com declividades moderadas. Para declividades moderadas de bacia, Wilkening (1990)Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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sugere o uso da faixa de PRF “inglês” de 323 a 384 (Tabela 3), ou seja, 0,50 < β < 0,60. Nota-se que tanto a equação acima como as bacias analisadas apresentam, nesta faixa de β, declividades de talvegue de até cerca de 1% (equivalente a quase 4% de declividade da bacia, pela fórmula de Gray, 1961Gray, D. M. Interrelationships of watershed characteristics. J. Geophys. Res., v. 66, n. 4, p. 1215–1223, Apr. 1961.). SCS (1973)SCS - Soil Conservation Service. A Method for Estimating Volume and Rate of Runoff in Small Watersheds. Washington, D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1973. (SCS-TP 149). usa 4% como valor referencial de declividade moderada para bacias, assim percebe-se uma coerência nas indicações de Wilkening (1990)Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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e na equação β = 0,6.S0,3, ressalvando-se a incerteza da validade da equação 12 para bacias de maior ordem. Por outro lado, as indicações de Wanielista, Kersten e Eaglin (1997)Wanielista, M. P.; Kersten, R.; Eaglin, R. Hydrology: water quantity and quality control. 2nd. ed. New York: Wiley, 1997. para bacias rurais não parecem ser consistentes com os dados aqui analisados.

CONCLUSÃO

Com base em valores de fatores de pico de alguns estudos disponíveis na bibliografia, analisados a luz do fator de pico adimensional, que representamos por β, observou-se que num universo de 127 bacias há uma concentração maior de valores de β entre 0,4 e 0,6 para declividades de talvegue menores que 1%, com alguma persistência nessa faixa até 2%. Esta faixa predominante de valores de fator de pico indica que β =0,75 (valor preconizado pelo SCS, 1972SCS - Soil Conservation Service. National engineering handbook. Washington D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1972. sec. 4.) está acima da expectativa média das bacias analisadas. Dentre as referências de valores de fator de pico, aquela de Wilkening (1990)Wilkening, H. Procedure for selection of SCS peak rate factors for use in MSSW permit applications. Memorandum SJRWMD. St. Johns River Water Management District, 1990. Disponível em: <http://www.devoeng.com/memos/unit_hydrograph_shape_factor_memo_from_SJRWMD.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.
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mostra uma certa coerência com os dados analisados, ao contrário das indicações de Wanielista, Kersten e Eaglin (1997)Wanielista, M. P.; Kersten, R.; Eaglin, R. Hydrology: water quantity and quality control. 2nd. ed. New York: Wiley, 1997.. Equações potenciais empíricas coerentes com os dados analisados fornecem valores de fator de pico na expectativa média e uma faixa média que incluem cerca de 80% dos valores observados.

AGRADECIMENTO

O autor agradece o CNPq pela bolsa em produtividade em pesquisa.

REFERÊNCIAS

  • CHOW, V. T.; MAIDMENT, D. R.; MAYS. L. W. Applied Hydrology. New York: McGraw-Hill, 1988.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2015
  • Revisado
    21 Ago 2015
  • Aceito
    19 Nov 2015
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