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Modelagem Computacional Tridimensional de um Vertedouro de Baixa Queda

Tridimensional Computational Modelling of a Low-drop Spillway

RESUMO

Normalmente os vertedouros constituem controles hidráulicos cujas características são bem conhecidas. Entretanto o número de vertedouros classificados como de baixa queda vem aumentando a cada dia. Nesses vertedouros a soleira perde sensivelmente a sua capacidade de descarga devido ao afogamento, como aconteceu com o projeto original do vertedouro da UHE Belo Monte. Este vertedouro teve que ser alterado e só se chegou à forma final, não convencional, depois de muitas tentativas feitas em modelo reduzido com o intuito de se chegar a uma capacidade de descarga adequada. As dificuldades encontradas conduziram ao questionamento se os modelos matemáticos poderiam ajudar a otimizar o caminho até a solução, uma vez que são poucas as informações existentes sobre a validação dessas ferramentas. O presente trabalho buscou avaliar a capacidade de uma ferramenta de modelagem matemática, o FLOW 3D®, em reproduzir as principais características do escoamento sobre vertedouros afogados por jusante. Foi feito um estudo adotando o vertedouro da UHE Belo Monte como projeto piloto no qual foram enfocados também os escoamentos controlados por comportas. Foram comparados os perfis de linha de água, a capacidade de descarga e a distribuição de pressões resultantes dos modelos matemático e físico. As simulações matemáticas de escoamentos livres apresentaram bons resultados. Já nas simulações matemáticas de escoamentos através de pequenas aberturas de comportas foram encontradas maiores diferenças na capacidade de descarga. As comparações de distribuições de pressões apontaram resultados muito semelhantes entre os dois modelos. O presente estudo indica que o modelo matemático consegue reproduzir satisfatoriamente os escoamentos desde que tomadas devidas precauções em relação à qualidade da malha garantindo a convergência da solução matemática.

Palavras Chave:
Modelagem computacional de vertedouros; Vertedouros de baixa queda; Modelos físicos reduzidos

ABSTRACT

Usually spillways are controls of their discharge, which features are well known. However, the number of low-drop spillways grows each day. In this kind of spillway, the crest loses a great deal of its discharge capability, as it happened on HPP Belo Monte´s spillway. It´s shape had to be altered and the final solution, a non-conventional one, was only found after long studies carried out in a physical model with the goal of achieving the required discharge capability. The difficulties encountered led to the question whether a mathematical model could help optimize the path to the solution, since there are only few information regarding the validation of such tools. Therefore, this article searched to evaluate the capability of a mathematical modeling tool, FLOW 3D®, in properly reproducing the characteristics of the complex flow through such spillways. To fulfill this goal, a case-study was done with HPP Belo Monte´s spillway on which gate controlled operation was also analyzed. Discharge capacity, flow line and pressure distribution from both models were compared. The results of the free-flow simulations indicated a good representation of the flow by the mathematical model. But bigger differences in discharge capability for the gate-controlled simulations were found, mainly regarding small openings. The comparisons of pressure distribution showed a very good similarity between the models. The results indicate that the mathematical model is able to satisfactorily reproduce both types of flows since appropriate measures are taken regarding mesh quality to ensure the convergence of the simulation.

Keywords:
Computational modelling of spillways; Low-drop spillways; Physical reduced models

INTRODUÇÃO

Os vertedouros de baixa queda são caracterizados pela pequena diferença entre os níveis de montante e de jusante, fazendo com que trabalhem em condições afogadas com consequente redução da sua capacidade de descarga. Vertedouros desse tipo são encontrados em usinas que apresentam uma baixa queda e estão normalmente associados a grandes vazões, o que é típico na Bacia Amazônica.

Como os vertedouros são estruturas complexas e de grande responsabilidade é recomendado o uso de um modelo físico reduzido para avaliar/verificar as condições gerais do escoamento, a capacidade de descarga, a distribuição de pressões, além de possíveis condições de operação adversas não previsíveis durante o dimensionamento. O modelo físico possibilita a correção de eventuais discrepâncias entre o pré-dimensionamento feito pelos projetistas e possibilita eventualmente várias otimizações de projeto.

Tais possibilidades de análise fazem com que a modelagem física seja uma importante ferramenta de auxílio aos projetistas de vertedouro. Entretanto, com a redução do tempo disponível para a elaboração de projetos de engenharia, tem se tornado comum que os modelos físicos tenham sua construção feita só na fase do projeto executivo, na qual a dinâmica de projeto é muito acelerada visto que a obra já está em andamento. Dessa maneira, o modelo físico tem seu potencial reduzido, sendo apenas possível estudar problemas pontuais e perdem-se oportunidades de otimização do projeto.

Os modelos computacionais têm ganhado espaço devido à crescente evolução da capacidade de processamento dos hardwares, o que tem permitido a utilização mais frequente dessa ferramenta e vêm se tornando uma alternativa cada vez mais interessante.

Existe uma clara tendência do setor energético brasileiro pela construção de aproveitamentos hidrelétricos na Região Amazônica, vide a construção recente das UHE Jirau e UHE Santo Antônio, no Rio Madeira, e da UHE Belo Monte no Rio Xingu. Essa tendência ainda é ratificada pelo fato de que, segundo a Centrais Elétricas Brasileira Eletrobrás (2012)CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS - ELETROBRAS. Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico Brasileiro - SIPOT 2012. Rio de Janeiro, RJ: ELETROBRÁS, 2012., a capacidade de geração hidrelétrica dessa bacia é estimada em cerca de 95 GW, representando próximo de 40% do potencial nacional, dos quais apenas 4,6 GW estão em operação e 18GW em construção.

No cenário de possível expansão energética na Amazônia, é de se esperar que a engenharia brasileira irá se deparar com diversos empreendimentos com vertedouros de baixa queda. Assim, o presente trabalho buscou verificar a viabilidade em se aplicar um modelo matemático, no caso o FLOW 3D®, para auxílio no processo de projeto desse tipo de vertedouros.

O escoamento sobre a crista de um vertedouro sem afogamento é muito próximo do escoamento potencial (sem dissipação de energia), em que a integração da equação de Laplace para a função corrente resolve o problema da distribuição de pressões, como mostrado por Ota (1986)Ota, J. J. Considerações sobre capacidade de descarga e pressões na região da crista de vertedouros de encosta. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE HIDRÁULICA, 12., 1986, São Paulo, SP. Anais... São Paulo: DEAEE, 1986. v. 1.. Entretanto, o escoamento sobre vertedouro afogado por jusante é muito mais complexo e há a necessidade de se incluir a dissipação de energia e levar em conta as alterações criadas pelo piso da bacia de dissipação. No universo de empresas projetistas atuais ainda é raro o uso de modelos matemáticos para essa finalidade, pois são raros os estudos de validação desses modelos.

O FLOW 3D® é um software desenvolvido pela companhia Flow Science Inc. e é baseado no método dos volumes finitos, que visa a resolução das equações de Reynolds e da equação da continuidade. O FLOW 3D® utiliza o método do Volume of Fluid (HIRT; NICHOLS, 1981Hirt, C. W.; Nichols, B. D. Volume of Fluid (VOF) Method for the Dynamics of Free boundaries. J. Comput. Phys., v. 39, n. 1, p. 201-225, Jan. 1981.) para a discretização da superfície livre do escoamento. Esse método permite que sejam excluídas dos cálculos as células que não fazem parte do escoamento e assim acelerar a resolução do problema.

O FLOW 3D® é capaz de modelar escoamentos tridimensionais com contornos sólidos complexos devido ao método denominado “FAVOR” – Fractional Area/Volume Obstacle Representation Method (HIRT; NICHOLS, 1985Hirt, C. W.; Nichols, B. D. A Porosity Technique for the Definition of Obstacles in Rectangular Cell Meshes. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON NUMERICAL SHIP HYDRODYNAMICS, 4., 1985, Washington, DC. Proceedings… Los Alamos: Flow Science, 1985. Disponível em: <http://www.flow3d.com/wp-content/uploads/2014/08/A-Porosity-Technique-for-the-Definition-of-Obstacles-in-Rectangular-Cell-Meshes.pdf>. Acesso em: 7 jan. 2013.
http://www.flow3d.com/wp-content/uploads...
). Esse método aplica dois tipos de coeficientes aos termos das equações algébricas de cada célula, um coeficiente aos volumes e outra às faces, indicando a fração do volume, ou da face, que participa efetivamente do escoamento. Esses coeficientes representam a porcentagem da face ou volume do elemento a qual está livre para a passagem de escoamento, sendo que seu valor varia de 0 (elemento não participa do escoamento) até 1 (elemento totalmente imerso no escoamento). Os elementos que apresentam coeficientes com valores intermediários representam elementos que ou fazem parte da superfície livre do escoamento, ou contêm, mesmo que parcialmente, as estruturas sólidas do modelo.

Além dessa característica, o FLOW 3D® também é capaz de modelar escoamentos através dos chamados modelos de turbulência. O programa apresenta diversos modelos que podem ser utilizados, cada qual com a sua finalidade. No presente trabalho foi utilizado o modelo de turbulência RNG (Renormalized Group Model). Esse modelo aplica métodos estatísticos na derivação das equações das quantidades turbulentas em termos médios. Ele é capaz de descrever escoamentos com zonas de grande turbulência mais adequadamente do que os outros modelos disponíveis (FLOW 3D, 2012FLOW 3D. Flow 3D – 10.1 User Manual. Santa Fé, EUA: Flow Science, 2012.) sendo ideal para o fluxo de vertedouros de baixa queda.

O objetivo principal deste trabalho é avaliar o nível de precisão com que a modelagem computacional é capaz de reproduzir as características de um escoamento turbulento, com ressalto hidráulico em um vertedouro que apresenta redução de sua capacidade de descarga devido ao elevado nível de água a jusante.

Foram feitas análises, tanto de maneira qualitativa (comportamento e aspecto geral do escoamento) quanto de maneira quantitativa, através de uma comparação com resultados de modelo físico previamente realizado para a UHE Belo Monte. O envolvimento da pesquisa acadêmica com trabalhos de uma empresa projetista e, principalmente, a existência de resultados consistentes de um modelo reduzido permitiram a realização do presente trabalho.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O dimensionamento de vertedouros é realizado através de formulações definidas a partir de resultados experimentais. Uma das principais formulações para determinação da capacidade de descarga de escoamento livre está presente na publicação Design of Small Dams do U. S. Bureau of Reclamation (USBR, 1987USBR - United States Bureau of Reclamation. Design of small dams. Washington, DC: United States Printing Office, 1987.). Através dessa metodologia é possível definir a geometria do vertedouro, em especial a sua crista. Mesmo para vertedouros afogados é comum os projetistas adotarem a forma da crista livre do tipo Creager. A capacidade de descarga é dada pela equação (1) e seus elementos representados na figura 1.

Figura 1
- Elementos de um perfil de vertedouro tipo Creager
(1)

em que:

Q – Vazão pelo vertedouro (m3/s)

Cd – Coeficiente de descarga (m1/2/s)

L – Largura livre do vertedouro (m)

He – Carga (energia) acima da crista (m)

Para a determinação da capacidade de descarga quando o escoamento é controlado por comportas, a formulação típica é do escoamento por orifício (USACE, 1987USACE - United States Army Corps of Engineers. Hydraulic design criteria. Vicksburg, EUA: Coastal and Hydraulics Laboratory, 1987.) e pode ser descrita como segue, com elementos definidos na figura 2.

Figura 2
- Elementos de um escoamento controlado por comportas
(2)

em que:

Q – Vazão por um vão do vertedouro (m3/s)

C – Coeficiente de descarga

B – Largura do vão da comporta (m)

H – Carga sobre o centro do orifício (m)

A determinação de uma solução ótima de engenharia para um vertedouro passa por aspectos tais como as condições de descarga da estrutura (restituição por lançamento, bacia de dissipação, etc.), magnitude e frequência das cheias na região do aproveitamento, necessidade de regularização das vazões naturais e aspectos de amortecimento de cheias. A solução mais comumente adotada para os vertedouros de baixa queda constitui um vertedouro com um perfil vertente controlado por comportas do tipo segmento e bacia de dissipação.

Dentre os diversos aspectos que influenciam a capacidade de descarga de um vertedouro, dois deles tem uma importância no caso de um vertedouro de baixa queda: a elevação do piso da bacia de dissipação e o afogamento provocado pelo elevado nível de água a jusante da estrutura (USBR, 1987USBR - United States Bureau of Reclamation. Design of small dams. Washington, DC: United States Printing Office, 1987.).

A redução da capacidade de descarga é definida como a diminuição do coeficiente de descarga típico (Cd) de um vertedouro com perfil Creager. Essa redução provém da proximidade elevada entre a bacia de dissipação e a crista da estrutura e de um elevado nível de água de jusante (tipicamente acima da elevação da crista). Essas duas situações reduzem a capacidade de descarga pelo mesmo efeito: o aumento de pressão na crista. A figura 3 reproduz o ábaco para cálculo da redução de capacidade de descarga em função do grau de submergência (eixo das ordenadas) e da posição relativa do piso de jusante (eixo das abscissas). O produto do gráfico é uma porcentagem de redução a ser aplicada diretamente no coeficiente de descarga (Cd) e mostra o quanto é complexo o controle afogado por jusante. Os valores em porcentagem são as reduções de coeficiente de descarga. Observa-se que o afogamento provoca grande redução (regiões 7 e 8). Na fase de projeto, o engenheiro enfrenta uma grande incerteza quanto à definição da capacidade de descarga e o uso do modelo matemático pode ser um grande recurso (USBR, 1987USBR - United States Bureau of Reclamation. Design of small dams. Washington, DC: United States Printing Office, 1987.).

Figura 3
- Ábaco para cálculo de redução de capacidade de descarga (USBR, 1987USBR - United States Bureau of Reclamation. Design of small dams. Washington, DC: United States Printing Office, 1987.)

Ao longo dos anos, vários trabalhos buscaram validar a modelagem computacional de escoamentos em vertedouros. Savage e Johnson (2001)Savage, B.; Johnson, M. Flow over Ogee Spillway: Physical and Numerical Model Case Study. J. Hydraul. Eng., v. 127, n. 8, p. 640-649, Aug. 2001. construíram um modelo físico de acrílico de um vertedouro com salto de esqui (portanto de alta queda) no qual simulou 11 condições diferentes de escoamento e as comparou com um modelo computacional e com ábacos de cálculo elaborados pelo United States Army Corps of Engineers (USACE) e pelo United States Bureau of Reclamation(USBR). O modelo matemático utilizado também foi o FLOW 3D® e se utilizou o modelo de turbulência RNG (derivado do modelo k-ε). Seus resultados mostraram que o modelo computacional apresentou diferenças da ordem de 1% na capacidade de descarga do vertedouro, quando comparado com o modelo físico, para vazões da mesma ordem de magnitude da vazão de dimensionamento, ou seja, que possuem relação entre a carga real sobre a soleira (He) e a carga de projeto (Hd) superior a 0,7. Para vazões com relação He/Hd menor que 0,7 as diferenças na capacidade de descarga crescem rapidamente chegando a um valor máximo de cerca de 12% para uma relação He/Hd igual a 0,1. O presente autor avalia que essas diferenças são parcialmente explicadas pelas distintas discretizações relativas do escoamento pela malha de elementos, uma vez que quanto menor a vazão do escoamento menor a lâmina de água sobre a crista do vertedouro e, consequentemente, menos elementos da malha são utilizados na discretização do escoamento. Adicionalmente foram comparadas medições de pressões ao longo da ogiva e os resultados obtidos em ambos os modelos foram semelhantes. Mesmo com essas diferenças, Savage e Johnson (2001)Savage, B.; Johnson, M. Flow over Ogee Spillway: Physical and Numerical Model Case Study. J. Hydraul. Eng., v. 127, n. 8, p. 640-649, Aug. 2001. concluíram que os resultados são adequados. Entretanto fica evidente que, dependendo das características do modelo, há a possibilidade de que uma malha única não atenda a todas as simulações e sejam necessárias malhas distintas para diferentes condições de operação do vertedouro.

Johnson e Savage (2006)Johnson, M.; Savage, B. Physical and numerical comparison of flow over ogee spillway in the presence of tailwater. J. Hydraul. Eng., v. 132, n. 12, p. 1353-1357, Nov. 2006. utilizaram-se da mesma metodologia e modelo que Savage e Johnson (2001Savage, B.; Johnson, M. Flow over Ogee Spillway: Physical and Numerical Model Case Study. J. Hydraul. Eng., v. 127, n. 8, p. 640-649, Aug. 2001.), agora para avaliar dois vertedouros com ressalto hidráulico a jusante para vazões com relação He/Hd entre 0,2 e 1,2 e chegou a conclusões semelhantes na qual a máxima diferença de capacidade de descarga entre o modelo matemático e físico foi de 2,8%, tendo a média em torno de 1,1%. Também foram obtidas conclusões semelhantes às de Savage e Johnson (2001)Savage, B.; Johnson, M. Flow over Ogee Spillway: Physical and Numerical Model Case Study. J. Hydraul. Eng., v. 127, n. 8, p. 640-649, Aug. 2001. das análises de distribuições de pressões (diferença média em torno 1,6%). Também foi realizado um confronto de tal forma que o modelo matemático foi conduzido em dimensões de protótipo e seus resultados então comparados com os resultados transpostos do modelo reduzido.

Dargahi (2006)Dargahi, B. Experimental study and 3D numerical simulations for a free-overflow spillway. J. Hydraul. Eng., v. 132, n. 9, p. 899-907, Sept. 2006. fez avaliações adicionais utilizando o software FLUENT (pacote ANSYS®) e modelo de turbulência RNG nas quais, ao invés de comparar as distribuições de pressões ao longo da estrutura com dados de modelo físico, comparou os perfis de velocidades ao longo de onze seções do modelo e a intensidade turbulenta perto dos contornos sólidos. Seus resultados chegaram a diferenças máximas das medições de velocidades de 4,5% e assim mostraram que os modelos matemáticos também são capazes de representar essas grandezas de maneira satisfatória.

Grube e Fill (2008)Grube, R.; Fill, G. Modelação Matemática Aplicada a Análises de Obras Hidráulicas. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE PEQUENAS E MÉDIAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS, 4., 2008, Belo Horizonte, MG. Anais... Belo Horizonte: CBDB, 2008. CD-ROM. utilizaram o modelo FLOW 3D®, com modelo de turbulência k-ε padrão, para fazer a modelagem de três vertedouros de três usinas distintas: UHE São Salvador (Brasil), Presa Picachos (México) e UHE Chaparral (El Salvador) na qual se buscou avaliar tanto as condições de aproximação aos vertedouros quanto o escoamento pela estrutura em si. Foram identificadas dificuldades em simular as condições de aproximação uma vez que se concluiu pela necessidade de uma discretização elevada demais para a capacidade computacional disponível. Quanto à capacidade de descarga foi observada uma diferença máxima de 4% entre os valores obtidos pelo modelo matemático e o modelo físico. Já em relação à distribuição de pressões ao longo da estrutura, foi feita uma análise qualitativa apenas da Presa Picachos e observou-se que os resultados eram semelhantes aos resultados de modelo físico.

Fill (2011)Fill, G. Modelagem Hidrodinâmica 3D de Escoamentos em Vertedouros. 2011. 143 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) – Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. realizou um estudo comparativo de um vertedouro da UHE São Salvador entre o modelo físico e o modelo matemático (FLOW 3D®) com o modelo de turbulência k-ε padrão, buscando avaliar as diferenças encontradas nas grandezas de pressões, velocidades e níveis de água na ogiva do vertedouro e na bacia de dissipação. Também realizou uma análise de sensibilidade em relação à malha de elementos e às rugosidades das superfícies. Em termos de capacidade de descarga foram avaliadas três vazões distintas, com diferenças variando entre 0,4% para a vazão de dimensionamento e 7% para vazões mais baixas. Já quando foram analisadas as distribuições de pressões a diferença máxima encontrada na crista foi de apenas 0,77 m.c.a (3,5% da carga He sobre o vertedouro).

Já no âmbito dos vertedouros de baixa queda, Dettmer et al. (2013)Dettmer, P. H. C.; Ota, J. J.; Fabiani, A. L. T.; Araujo, A. L.; Franco, H. C. B. Simulação numérica da capacidade de descarga de um vertedouro de baixa queda afogado por jusante. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 20., 2013, Bento Gonçalves. Anais... Porto Alegre: ABRH, 2013. Disponível em: <https://www.abrh.org.br/sgcv3/UserFiles/Sumarios/24edd4da29f4d4ca1c355adb6cfd1755_deedf14af523d0f4af8eeee8efe709d6.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015.
https://www.abrh.org.br/sgcv3/UserFiles/...
realizou uma análise bidimensional utilizando o modelo matemático ANSYS, com modelo de turbulência k-ε padrão, para determinação da capacidade de descarga, perfil de linha de água do escoamento e distribuições de pressões. Em seguida comparou os resultados do modelo matemático com os resultados obtidos em modelo físico. As comparações mostraram uma similaridade muito grande entre as distribuições de pressões e perfil e linha de água do escoamento, bem como uma diferença de apenas 2% na capacidade de descarga do vertedouro.

Adicionalmente, Povh, Araujo Filho e Vanz (2013)Povh, P. H.; Araujo FILHO, M.; Vanz, A. L. Simulação numérica do Vertedouro da UHE Santo Antônio. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS, 29., 2013, Porto de Galinhas. Anais... Porto de Galinhas: CBDB, 2013. CD-ROM. fizeram análises comparativas semelhantes entre os resultados obtidos em modelos matemático e físico, para um escoamento controlado por comportas. Suas comparações mostraram boa concordância nos resultados de distribuição de pressões e perfis de linha de água de ambos os modelos. Em termos de capacidade de descarga, foram simuladas duas vazões distintas e os resultados apresentaram diferenças de apenas 1,3% e 1,5%, respectivamente. Ambos os resultados de Dettmer et al. (2013)Dettmer, P. H. C.; Ota, J. J.; Fabiani, A. L. T.; Araujo, A. L.; Franco, H. C. B. Simulação numérica da capacidade de descarga de um vertedouro de baixa queda afogado por jusante. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 20., 2013, Bento Gonçalves. Anais... Porto Alegre: ABRH, 2013. Disponível em: <https://www.abrh.org.br/sgcv3/UserFiles/Sumarios/24edd4da29f4d4ca1c355adb6cfd1755_deedf14af523d0f4af8eeee8efe709d6.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015.
https://www.abrh.org.br/sgcv3/UserFiles/...
e Povh, Araujo Filho e Vanz (2013)Povh, P. H.; Araujo FILHO, M.; Vanz, A. L. Simulação numérica do Vertedouro da UHE Santo Antônio. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS, 29., 2013, Porto de Galinhas. Anais... Porto de Galinhas: CBDB, 2013. CD-ROM. mostram um potencial na aplicação de modelos matemáticos para simulação de escoamentos de vertedouros de baixa queda.

Em relação à modelagem matemática de comportas de vertedouros, as publicações são mais escassas. Morales, Tokyay e Garcia (2012)Morales, V.; Tokyay, T.; Garcia, M. Numerical modelling of ogee crest spillway and and tainter gate structure of a diversion dam on Cañar River, Ecuador. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON WATER RESOURCES CMWR, 19., 2012, Urbana-Champaign. Proceedings… Urbana-Champaign: University of Illinois, 2012. Disponível em: <http://cmwr2012.cee.illinois.edu/Papers/General/Morales.Viviana.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2015.
http://cmwr2012.cee.illinois.edu/Papers/...
fizeram uma comparação entre modelagem física e numérica para três escoamentos controlados por uma comporta segmento. As análises se basearam nas comparações entre perfis de linha de água dos escoamentos e magnitudes de velocidades no início e no final de uma bacia de dissipação. A comparação de perfis de linha de água foi feita de maneira qualitativa onde os autores concluíram pela boa similaridade entre os dois modelos. Já as comparações de magnitudes de velocidades geraram diferenças absolutas muito variáveis, com valores mínimos de 5% e máximos de 54%.

Gumus et al. (2015)Gumus, V.; Simsek, O.; Soydan, N.; Akoz, M.; Kirkgoz, S. Numerical Modeling of Submerged Hydraulic Jump from a Sluice Gate. J. Irrig. Drain. Eng., v 142, n. 1, p. 04015037, Jan. 2015. avaliou dois experimentos envolvendo escoamentos por comportas planas e ressalto hidráulico afogado, os quais compararam os resultados do modelo físico com os do modelo computacional. Para os dois casos foram comparados perfis de velocidades e perfis da linha de água ao longo do modelo para diversos modelos de turbulência. Dentre todos, o modelo das tensões de Reynolds obteve os resultados mais similares aos experimentais.

Adicionalmente, Cassan e Belaud (2012)Cassan, L.; Belaud, G. Experimental and Numerical Investigation of Flow under Sluice Gates. J. Hydraul. Eng., v. 138, n. 4, p. 367-373, Apr. 2012. fizeram uma avaliação do escoamento por uma comporta plana com pequenas e grandes aberturas, na mesma linha de se comparar o modelo físico com o numérico. Em termos de perfis de velocidades houve resultados semelhantes entre os modelos tanto a montante da comporta quanto na região do ressalto hidráulico, inclusive para o ressalto do tipo submerso.

Ao se analisar os trabalhos apresentados observa-se que as diferenças nas simulações matemáticas, em termos de reprodução de capacidade de descarga, variaram consideravelmente, indo de valores da ordem de 0,5% até 20% em alguns casos extremos. Entretanto, ficou claro que essas discrepâncias são altamente dependentes da qualidade da malha. Isso é evidente uma vez que as diferenças de menor magnitude (0,5% a 3%) ocorreram para grandes vazões, perto da vazão de dimensionamento (para qual normalmente são definidas as malhas de elementos) e as diferenças maiores sempre para vazões baixas, que são situações não tão importantes para a segurança da obra.

Outro ponto interessante para discussão, sobre o qual parece ainda não existir uma unanimidade, é qual seria a magnitude de uma diferença aceitável a partir da qual se assuma a qualidade de uma simulação matemática. Como já mencionado, as diferenças apresentadas variam de 0,5% a mais de 5%. Ambos os autores exemplificados concluem pela aceitação dessas diferenças e consequente ratificação do modelo matemático em reproduzir os resultados do modelo físico. Essa questão não é nada trivial de ser resolvida e uma maneira objetiva de se ver o problema seria analisar qual a finalidade que o modelo matemático tem em determinado projeto. Por exemplo, no caso de o modelo matemático ser uma ferramenta de auxílio em dimensionamentos preliminares, os quais irão ainda ser verificados em modelo reduzido, a aceitação da existência de diferenças da ordem de 5% é razoável. O outro lado seria a situação em que não haverá estudo em modelo físico. Nesse caso, uma diferença de 5% cresce em importância uma vez que não haverá chance de melhorar esse resultado.

Essa questão só torna mais evidente a necessidade de trabalhos adicionais para que seja possível a criação de um senso crítico mais quantitativo sobre a precisão a ser atribuída aos modelos matemáticos e também para se definirem metodologias adequadas para obtenção de tal precisão, uma vez que uma calibração do modelo só é possível caso estejam disponíveis os resultados de modelo físico. Essa questão é corroborada por Gessler (2005)Gessler, D. CFD Modeling of Spillway Performance. In: WORLD WATER AND ENVIRONMENTAL RESOURCES CONGRESS, 2005, Anchorage. Proceedings… Anchorage: ASCE, 2005. Disponível em: <http://ascelibrary.org/doi/abs/10.1061/40792(173)398>. Acesso em: 30 mar. 2013.
http://ascelibrary.org/doi/abs/10.1061/4...
que salienta que a validação dos modelos matemáticos é um processo de caráter contínuo e que a conclusão pela viabilidade da modelagem de um determinado tipo de escoamento não exclui a necessidade de verificações adicionais dos demais tipos de escoamento.

MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo de Caso – UHE Belo Monte e seu modelo físico

O vertedouro escolhido para o estudo de caso é o da UHE Belo Monte, localizada no Rio Xingu no estado do Pará. A escolha da usina foi baseada na representatividade de seu vertedouro como de baixa queda. A UHE Belo Monte está em construção no rio Xingu, nos municípios de Altamira e Vitória do Xingu, no estado do Pará. O arranjo geral da UHE Belo Monte tem por característica peculiar apresentar dois sítios distintos (Pimental e Belo Monte), além de três conjuntos de obras que não se concentram em sítios específicos: o canal de derivação, os canais de transposição e os diques que permitem a formação do reservatório intermediário situado na margem esquerda da Volta Grande do Xingu (INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX, 2012INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX. UHE Belo Monte: Projeto Básico Consolidado. Curitiba, 2012.).

No sítio Belo Monte estão localizadas a tomada de água e a casa de força principal. A casa de força é composta por 18 turbinas de eixo vertical do tipo Francis, compondo uma potência instalada de 11.000 MW gerados a partir de uma vazão máxima turbinada de 13.950 m3/s e uma queda bruta máxima de cerca de 94,0 m. Essa potência instalada faz da UHE Belo Monte a segunda maior usina hidrelétrica brasileira, ficando atrás apenas de Itaipu (INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX, 2012INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX. UHE Belo Monte: Projeto Básico Consolidado. Curitiba, 2012.).

O barramento principal do rio está situado no sítio Pimental, 40 km a jusante da cidade de Altamira. Nele estão localizados o vertedouro e a usina complementar, construída para gerar energia a partir da descarga das vazões ecológicas e capaz de gerar uma potência instalada de 233,1 MW através de seis turbinas do tipo Bulbo (INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX, 2012INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX. UHE Belo Monte: Projeto Básico Consolidado. Curitiba, 2012.).

O vertedouro objeto do estudo, situado no sítio Pimental é composto por dezoito vãos de 20,0 m de largura, todos controlados por comportas segmento. Cabe ressaltar que quantidade de vãos definida no dimensionamento inicial era de vinte, sendo que essa redução de dois vãos foi possível devido aos estudos no modelo físico reduzido (escala 1:110). O modelo reduzido parcial (escala 1:70), objeto deste estudo, ainda foi estudado considerando-se o vertedouro com 20 vãos. O vertedouro possui crista na elevação 76,0 m e perfil vertente não-convencional com contracurva de grande raio, dimensionado para extravasar uma cheia de aproximadamente 62.000 m3/s, correspondente a uma cheia com tempo de recorrência decamilenar, com nível de água do reservatório na elevação 97,5 m. Além do dimensionamento para a cheia decamilenar, a capacidade de descarga do vertedouro foi verificada para a passagem da Vazão Máxima de Projeto (VMP), 72.300 m3/s, cujo nível não poderia causar o galgamento das estruturas do barramento. A figura 4 apresenta o perfil do vertedouro da UHE Belo Monte (INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX, 2012INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX. UHE Belo Monte: Projeto Básico Consolidado. Curitiba, 2012.).

Figura 4
- Perfil de vertedouro da UHE Belo Monte (INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX, 2012INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX. UHE Belo Monte: Projeto Básico Consolidado. Curitiba, 2012.)

O modelo físico seccional do vertedouro da usina foi desenvolvido e operado pelo Centro de Hidráulica e Hidrologia Professor Parigot de Souza - CEHPAR. O modelo foi construído na escala geométrica 1:70 e foi operado segundo o critério de semelhança de Froude (CEHPAR, 2011CEHPAR. Relatório Técnico: Modelo Seccional do Sítio Pimental. Curitiba: Centro de Hidráulica e Hidrologia Professor Parigot de Souza – LACTEC, 2011.).

O modelo parcial do vertedouro foi implantado em um canal retangular de largura constante de modo a representar uma largura total de 49,0 m no protótipo e assim simular um vão inteiro do vertedouro (20,0 m) e mais duas metades, separados por dois pilares de 4,5 m de espessura. Esse canal possuiu 0,70 m de largura e um comprimento aproximado 15,0 m de comprimento no modelo.

Foram feitos 9 ensaios com escoamento livre e 15 com escoamento controlado, nos quais foram avaliados a capacidade de descarga, as distribuições de pressões e os perfis de linha de água do escoamento.

Modelo computacional

Como o objetivo do trabalho é a comparação entre resultados de modelagens física e matemática, foram simulados no modelo matemático os mesmos 24 testes do modelo físico (9 ensaios de escoamento livre e 15 com escoamento controlado). Dessa maneira, foram simuladas as mesmas vazões e condições de contorno.

A modelagem computacional passa por três fases principais: pré-processamento, simulação e pós-processamento. O pré-processamento consiste na determinação da geometria (domínio da simulação), da malha de elementos a ser utilizada para resolver o problema e definições das condições de contorno e condições iniciais do modelo. Já a simulação é a resolução do problema aplicando-se a modelagem matemática de escolha e o pós-processamento constitui a extração e análise dos resultados.

No presente trabalho o domínio do modelo matemático foi definido de maneira a reproduzir a geometria do modelo físico, uma vez que os resultados da modelagem computacional foram comparados diretamente com os ensaios do modelo físico. Assim, a geometria foi confeccionada utilizando-se o software AUTOCAD e suas dimensões são de 59,0 m de largura e 550,0 m de comprimento. A largura corresponde a um vão completo do vertedouro (20,0 m), dois meio vãos, dois pilares de espessura 4,5 m cada. A figura 5 mostra a geometria do vertedouro.

Figura 5
- Geometria do vertedouro em AUTOCAD

Depois da criação da geometria é necessário definir a malha de elementos. Esta é uma das etapas mais importantes da modelagem matemática e devem ser tomadas todas as precauções para garantir a sua qualidade. Cabe aqui esclarecer que a malha de elementos para os modelos de escoamento livre difere da malha para os ensaios de escoamento controlado por comportas. Isso é necessário uma vez que existe uma preocupação maior ainda com a qualidade e discretização da malha para o orifício formado pela operação da comporta.

Adicionalmente, para agilizar o processo de convergência, optou-se por realizar simulações em série. O processo de simulações em série tem por objetivo aproximar-se da solução final através de aproximações sucessivas, ou seja, são usadas malhas sucessivamente mais densas até que se convirja para a solução final do problema.

Uma vez que os dois tipos de testes simulados são consideravelmente diferentes, foram utilizados dois processos distintos, um para as simulações de escoamento livre, nas quais foram utilizadas três malhas distintas, e outra para as simulações de escoamento controlado por comportas, a qual se utilizou apenas duas malhas.

A primeira simulação, dos cenários de escoamento livre, foi realizada com uma malha menos densa por um tempo de simulação maior. Já a segunda foi iniciada a partir dos resultados finais da primeira simulação, através da opção de simulação Restart presente no FLOW 3D®, e possui uma malha um pouco mais densa. A terceira simulação, iniciada a partir dos resultados da segunda, apresentou então a maior densidade de elementos. As malhas da terceira simulação para o escoamento livre e escoamento com controle de comporta podem ser vistas, respectivamente, nas figuras 6 e 7. Em todas as simulações foi considerado o domínio total do modelo, sendo modificada apenas a quantidade de elementos formadores da malha.

Figura 6
- Malha de elementos das simulações de escoamento livre
Figura 7
- Malha de elementos das simulações com escoamento com controle de comporta

A primeira etapa considerou uma malha de elementos cúbicos de 2 m de aresta em todo o domínio do modelo, totalizando cerca de 180.000 células e a simulação ocorreu por um tempo de 4.000 segundos (tempo de escoamento). A malha e o tempo de simulação foram considerados adequados para garantir a convergência do modelo. Já para a segunda simulação se manteve a discretização global de 2 m e se refinou uma área de 200 m de extensão ao redor da estrutura do vertedouro, sendo 70 m a montante da crista e 130 m a jusante, onde os elementos cúbicos passaram a ter 1 m de aresta. Com essa discretização adicional a malha passou a ter 545.500 elementos e se optou por simular o modelo por 1.000 segundos adicionais. Para a terceira e última simulação foi definida uma área adicional de discretização de 90 m de comprimento, sendo 20 m a montante da crista e 70 m a jusante. Os elementos utilizados nessa região possuíram arestas de 0,5 m de tamanho. Os três trechos distintos de densidade de malha somaram então um total de 1.907.000 elementos. A última simulação teve um tempo total de 500 segundos sendo esse tempo suficiente para adequação do escoamento às novas condições geométricas. A figura 6 exemplifica a terceira malha, da simulação final.

Já em um escoamento com a presença de comportas uma das variáveis mais importantes é a abertura da comporta. Assim, num modelo matemático deve-se garantir uma discretização minimamente adequada dessa região ou haverá erros apreciáveis na vazão pelo orifício. A malha da primeira simulação com comportas possui uma discretização global de 2 m e uma área refinada, de 200 m de extensão, ao redor da estrutura do vertedouro onde os elementos cúbicos possuem 1 m de aresta. Com essas características a malha possui 615.000 elementos e foi simulada por um tempo total de 1.000 segundos. A segunda simulação foi composta por uma malha com uma área adicional de discretização de 80 m de comprimento formada por elementos com arestas de 0,5 m e totalizando 1.915.000 elementos, podendo ser visualizada na figura 7. Nela foram utilizados os resultados da primeira como condição inicial e foi simulada por 250 segundos adicionais.

Em termos de condições de contorno/iniciais também se optou pela distinção entre os modelos de escoamento livre e controlado para atingir uma melhor convergência e precisão nos modelos.

Para o modelo de escoamento livre definiu-se a montante um nível de água fixo e uma velocidade constante de modo que seja possível definir a vazão da simulação. Foi imposto um nível de água a jusante determinado pela curva-chave utilizada nos ensaios do modelo físico. Para as simulações com comportas estabeleceu-se o nível de energia a montante do vertedouro. Dessa maneira a vazão pelo vertedouro é um resultado e função da geometria da ogiva e abertura da comporta. A condição de contorno de jusante é semelhante ao modelo de escoamento livre e definida por um nível de água fixo sendo o mesmo igual aos utilizados nos respectivos ensaios de modelo físico. Para ambos os modelos foram definidas condições iniciais a partir dos níveis de água esperados com base nos resultados do modelo físico. Adicionalmente, para o modelo de escoamento livre iniciou-se a simulação com o fluido já acelerado com a mesma velocidade imposta como condição de contorno de montante.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para efeito de organização, são apresentados inicialmente os resultados referentes às simulações de escoamentos livres e na sequência os resultados para os escoamentos controlados.

Escoamentos Livres

A comparação em termos de capacidade de descarga foi feita pela direta avaliação do nível de energia a montante do vertedouro e seu respectivo valor do coeficiente de descarga (Cd).

A tabela 1 traz os resultados da curva de descarga do modelo físico e os resultados do modelo matemático. Para efeitos comparativos avaliou-se a diferença absoluta entre o nível de energia do modelo físico e do modelo matemático (∆NE), além de uma comparação percentual do coeficiente de descarga (%Cd).

Tabela 1
- Resultados comparativos de capacidade de descarga

Pela análise da tabela é possível observar que as diferenças absolutas de nível de energia resultaram em valores pequenos, não passando de 0,06 m para vazões de até 51.052 m3/s (correspondente a uma cheia de período de recorrência de 1.000 anos). Para os dois testes finais, vazão decamilenar e VMP, os resultados do modelo matemático mostraram uma diferença mais expressiva, apresentando valores de níveis de energia (NE) inferiores aos encontrados com o modelo físico e chegando, para a Vazão Máxima de Projeto (VMP), a uma diferença de 0,26 m. A carga sobre a crista do vertedouro, para a VMP é de cerca de 22,5 m, assim essa diferença de 0,26 m representa cerca de 1%, ou seja, uma diferença mínima em relação à carga sobre a crista.

Uma segunda análise foi feita comparando os coeficientes de descarga de cada uma das simulações. Nas vazões mais baixas existe uma tendência inicial de maior capacidade de descarga do modelo físico, porém essa tendência é logo revertida e chega a um máximo de 1,71% de diferença, em prol do modelo matemático, para a VMP, ou seja, a magnitude das diferenças nos coeficientes de descarga não ultrapassou ± 2%.

Essa diferença é da mesma magnitude das diferenças observadas por diversos autores como Gessler (2005)Gessler, D. CFD Modeling of Spillway Performance. In: WORLD WATER AND ENVIRONMENTAL RESOURCES CONGRESS, 2005, Anchorage. Proceedings… Anchorage: ASCE, 2005. Disponível em: <http://ascelibrary.org/doi/abs/10.1061/40792(173)398>. Acesso em: 30 mar. 2013.
http://ascelibrary.org/doi/abs/10.1061/4...
, Grube e Fill (2008)Grube, R.; Fill, G. Modelação Matemática Aplicada a Análises de Obras Hidráulicas. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE PEQUENAS E MÉDIAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS, 4., 2008, Belo Horizonte, MG. Anais... Belo Horizonte: CBDB, 2008. CD-ROM. e Johnson e Savage (2006)Johnson, M.; Savage, B. Physical and numerical comparison of flow over ogee spillway in the presence of tailwater. J. Hydraul. Eng., v. 132, n. 12, p. 1353-1357, Nov. 2006..

Dessa maneira é possível afirmar que quanto à capacidade de descarga o resultado do modelo matemático foi bastante semelhante ao do modelo físico, ratificando assim o modelo matemático como uma excelente ferramenta. Os complexos efeitos de afogamento por jusante foram, portanto bem reproduzidos no modelo matemático. Os resultados apresentados na tabela 1 também são apresentados graficamente na figura 8.

Figura 8
- Capacidade de descarga para o vertedouro com escoamento livre (ARAUJO FILHO, 2014Araujo FILHO, M. F. Modelagem Computacional de Vertedouros de Baixa Queda. 2014. 160 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) – Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.)

A segunda variável comparada entre os modelos foi o perfil de linha de água. A figura 9 é uma comparação de uma fotografia do modelo reduzido com o resultado do modelo matemático para a vazão de 72.278 m3/s. Na figura 10 as linhas segmentadas correspondem aos resultados do modelo matemático (na legenda, MM) enquanto as séries formadas por marcadores correspondem aos resultados do modelo físico (na legenda, MF). Ambas comparações mostram a grande semelhança entre os dois modelos.

Figura 9
- Comparação entre o escoamento em modelo físico reduzido e matemático para a vazão de 72.278 m3/s
Figura 10
- Perfis de linha de água de ambos os modelos

No caso de vazões menores que 30.000 m3/s não se percebeu praticamente a existência de uma soleira, ou seja, não houve formação de um controle propriamente dito. Isso pode ser visto na figura 10 ao se analisar os três perfis de linha de água mais baixos.

O perfil referente a 40.262 m3/s já apresentou ondulações a jusante da crista, o que indicam a tendência de formação de um ressalto hidráulico. No perfil correspondente à vazão de 61.482 m3/s a aceleração do escoamento na região da crista já se assemelha mais a um perfil de linha de água característico de um vertimento, ou seja, há presença de uma aceleração vertical evidente. Porém, devido aos altos níveis de jusante, essa aceleração logo encontra resistência e é criado um ressalto hidráulico afogado caracterizado pela presença de ondulações. Para a vazão de 72.278 m3/s (VMP) fica ainda mais perceptível a aceleração do escoamento na região da crista havendo uma inflexão mais marcante da linha de água e o (quase total) desaparecimento das ondas a jusante.

Verificou-se que as simulações do modelo matemático apresentaram perfis de linha de água muito semelhantes aos do modelo físico (Figura 10), até mesmo na região de mais turbulência do ressalto, mostrando que o modelo matemático é uma ferramenta confiável na reprodução do perfil do escoamento por um vertedouro de baixa queda.

A terceira variável que este trabalho se propôs a analisar foi a distribuição de pressões ao longo da estrutura do vertedouro. Avaliar se o modelo matemático reproduz essa distribuição de pressões adequadamente é importante uma vez que essas pressões podem ser utilizadas em dimensionamentos estruturais do vertedouro e na verificação da ocorrência de pressões negativas. Para as comparações foram utilizados 14 piezômetros localizados ao longo da crista do vertedouro sendo um localizado a montante da crista e os demais ao longo do vertedouro e bacia de dissipação.

Na figura 11 são apresentadas comparações das linhas piezométricas obtidas no modelo físico e no modelo matemático, para as vazões de 5.000 m3/s a 72.278 m3/s. As linhas representam os resultados do modelo matemático (no gráfico, MM) enquanto que as séries discretas por pontos representam os resultados do modelo físico (no gráfico, MF).

Figura 11
- Linhas piezométricas na crista do vertedouro para escoamento livre

É possível perceber que na região da crista do vertedouro existe um rebaixamento da linha piezométrica mostrando uma diminuição nas pressões. Isso é esperado uma vez que essa é uma região de aceleração do escoamento, ou seja, há um aumento das velocidades fazendo com que a energia cinética corresponda a uma parcela maior da energia total do escoamento. Ambos os modelos foram capazes de representar essa situação, contudo, ao se analisar mais cautelosamente os resultados, observa-se que nessa região o modelo matemático apresentou uma linha piezométrica mais elevada do que o modelo físico. Na região de aproximação do vertedouro e na bacia de dissipação os valores de pressão dos dois modelos foram muito similares com diferenças muito pequenas. Mesmo com as diferenças observadas, é possível afirmar que a linha piezométrica no centro do vão foi bem determinada pelo modelo matemático.

Além dos piezômetros localizados ao longo da crista do vertedouro também foram medidas as pressões médias em outros 12 piezômetros localizados na face de um dos pilares do vertedouro, conforme a figura 12.

Figura 12
- Posicionamento Piezômetros

Esses piezômetros foram arranjados em três linhas horizontais nas elevações 77,0 m, 80,5 m e 84,0 m, e cada linha contou com 4 piezômetros localizados nas abscissas 245,95 m, 248,70 m, 252,10 m e 258,31 m. A nomenclatura dos mesmos se deu da esquerda para a direita e de baixo para cima, sendo o primeiro piezômetro denominado PP-01 e o último PP-12.

Para se analisar os resultados, avaliaram-se as diferenças para cada piezômetro (indicados no gráfico como PP-01 a PP-12) para cada teste. Os resultados são resumidos na figura 13. É possível perceber que o modelo matemático apresentou valores de pressão superiores aos medidos pelo modelo físico (diferenças positivas), no qual a diferença chegou a um máximo de 0,55 m.c.a. Esse mesmo comportamento foi observado nas comparações dos piezômetros localizados na crista do vertedouro, porém, não foi possível definir uma tendência de crescimento das diferenças com o acréscimo de vazão. No caso dos piezômetros dos pilares a diferença de valores acabou tendo um caráter mais aleatório quando em comparação com os piezômetros da crista. Em termos percentuais, as diferenças foram da ordem de 3%, sendo encontradas diferenças de 15% para 4 medições referentes ao Teste 1, todas elas nos piezômetros da elevação 84,0 m.

Figura 13
- Diferença nas medições dos piezômetros localizados no pilar

Pela figura 13 também é possível observar que o teste correspondente à vazão de 72.278 m3/s foge da tendência geral dos demais testes realizados. Ao invés de apresentar uma constância de valores de pressão superiores ao modelo físico existe uma variação entre diferenças positivas e negativas. Uma das possíveis razões dessa tendência é que a simulação com a vazão de 72.278 m3/s apresenta um ressalto hidráulico bem desenvolvido. Sendo assim, é uma área de turbulência muito grande e teria uma maior variabilidade nos valores de pressão. Com isso, apesar das ressalvas em relação às diferenças apresentadas, é plausível afirmar que o modelo matemático foi capaz de reproduzir os valores de pressão encontrados pelo modelo físico na face do pilar do vertedouro em questão.

Escoamentos Controlados por Comportas

Na sequência são apresentados os resultados das simulações de escoamentos controlados por comportas. Para as análises comparativas foram apenas utilizados os resultados de capacidade de descarga e distribuição de pressões uma vez que não foram levantados os perfis de linha da água no modelo físico para os ensaios com aberturas parciais das comportas.

A capacidade de descarga de escoamentos controlados por comportas depende principalmente da abertura das comportas e da respectiva carga a montante.

Essa característica faz com que exista uma necessidade de uma clara discretização desse orifício, o que acaba por ser uma variável adicional ao modelo matemático, fazendo com que a simulação e posterior comparação de resultados tenham que ser mais cuidadosas. Enquanto nas simulações de escoamentos livres foram impostas as vazões afluentes e comparados, como resultado, o nível de energia a montante do vertedouro, nas simulações com comportas optou-se por impor os níveis a montante e jusante, definindo assim a carga hidráulica sobre a estrutura, e então obter como resultado a vazão do escoamento. Foram utilizadas duas malhas de elementos para as simulações dos escoamentos através das comportas. A Simulação 1 apresentou uma discretização na região da comporta de elementos cúbicos com 1,0 m de aresta, enquanto que na Simulação 2 a malha foi definida com elementos com a metade dessa dimensão.

A tabela 2 apresenta os resultados dos testes reproduzidos em modelo matemático e a figura 14 o escoamento pela comporta para uma abertura de 1,0 m (esquerda) e 6,0 m (direita) considerando uma malha de elementos com 0,5 m de aresta.

Tabela 2
- Resultados de capacidade de descarga para diversas aberturas de comporta
Figura 14
- Escoamento pelas comportas. À esquerda abertura de 1,0m e à direita abertura de 6,0m - Escala referente à magnitude de velocidade

Na tabela 2 segunda coluna indica a abertura G0 do teste e as colunas três, quatro e cinco, respectivamente, o nível de energia a montante da comporta, o nível de água a jusante da comporta e a vazão que passa pelo orifício medida em modelo físico (MF).

Vale ressaltar que esses níveis (colunas três e quatro) foram utilizados como condições de contorno para a modelagem matemática. As colunas seis e oito indicam as vazões resultantes do modelo matemático e as colunas sete e nove trazem os resultados, em termos de vazão, do modelo matemático bem como as respectivas diferenças em comparação com o modelo físico.

Os testes abrangem uma gama de abertura (G0) de comportas desde 0,5 m até 15,0 m. Com isso foi possível ensaiar vazões de cerca de 240 m3/s até vazões da ordem de 6.600 m3/s, considerando uma largura de escoamento equivalente a duas comportas.

Ao se analisar as colunas seis a nove da tabela 2 é possível tirar algumas conclusões quanto às simulações. A primeira delas é que a diferença relativa entre a vazão esperada (modelo físico) e a vazão resultante do modelo matemático aumenta quanto menor for a abertura da comporta, tanto para a Simulação 1 quanto para a Simulação 2. Para a Simulação 1 as diferenças em termos de capacidade de descarga variaram de 2,5% para aberturas maiores e chegaram até 153,5% para as aberturas menores. Já as diferenças da Simulação 2 variaram entre 0,7% até 85%. Sendo as grandes diferenças para testes com pequena abertura de comporta.

A tendência de crescimento da diferença relativa é esperada e ocorre à medida que a abertura da comporta diminui, pois, existem cada vez menos células discretizando a abertura, fazendo com que a qualidade da representação geométrica se deteriore, isso pode ser observado na figura 14, na qual é possível observar a discretização do fluxo para duas condições de abertura. À esquerda é observada a condição de aberta de 1,0 m e à direita a condição de abertura de 6,0 m, ambas considerando a malha de elementos da Simulação 2, com malha formada por elementos de 0,5 m. Ao se analisar a figura fica evidente que a discretização do orifício é consideravelmente melhor quanto maior for a abertura porque foi utilizada uma malha única para os diferentes casos. Uma vez que a capacidade de descarga é função da abertura, quanto menor for a qualidade de sua representação, maiores serão as diferenças em termos de vazão, o que corrobora os resultados apresentados na tabela 2.

Aliado ao fato da representação geométrica, outro fator importante é a discretização do jato em si. Quanto menor a abertura menor a quantidade de elementos discretizando o escoamento, o que acarreta uma representação não adequada do escoamento. Esse fato também pode ser observado na figura 14. Sendo assim, a soma desses dois fatores é a responsável pelas enormes diferenças de capacidade de descarga.

A segunda conclusão refere-se ao ganho de precisão nas simulações quando do aumento da discretização da malha. Esse efeito, também já intuitivamente esperado, pode ser observado ao se comparar as colunas sete e nove da tabela 2 e se observar a figura 15. O ganho de precisão é mais significativo quanto menor for a abertura da comporta (valor de G0). Isso é perceptível ao se comparar o teste 1 com o teste 15. O teste 1 (abertura de comporta de 0,5 m) passou de um erro na capacidade de descarga de 153,5% para a Simulação 1 para 84,4% na Simulação 2, ou seja, um ganho de precisão de 180%. Já o teste 15 passou de uma diferença de 4,4% para 2,4%.

Figura 15
- Erro nas vazões simuladas para as duas malhas e diversas aberturas de comporta (ARAUJO FILHO, 2014Araujo FILHO, M. F. Modelagem Computacional de Vertedouros de Baixa Queda. 2014. 160 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) – Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.)

A figura 15 também demonstra a tendência, em ambas as simulações, da diminuição da diferença com o aumento da abertura da comporta e também a diminuição das diferenças relativas quando aumentada a discretização da malha de elementos.

Em seguida foram analisadas as distribuições de pressões. Para essas comparações foram descartados os ensaios com grandes diferenças observadas nas vazões e são apresentadas nas figuras 16 e 17.

Figura 16
- Linhas piezométricas para escoamentos controlados por comportas
Figura 17
- Diferença nos valores de pressões dos piezômetros no pilar para escoamentos controlados

A partir das linhas piezométricas apresentadas na figura 16 (linhas correspondem às linhas piezométricas do modelo matemáticos e os pontos às do modelo físico), é possível perceber que o comportamento global da distribuição de pressões ao longo da estrutura do vertedouro é adequadamente reproduzido pelo modelo matemático.

Isso ocorre tanto para simulações com níveis de água de jusante mais elevados, nas quais existe a ocorrência de ressalto hidráulico logo a jusante da comporta, quanto para simulações com nível de água de jusante baixo o suficiente para que o escoamento do vertedouro expulse o ressalto hidráulico para fora da bacia de dissipação.

Na região da crista do vertedouro a linha piezométrica desce acentuadamente devido à aceleração do escoamento ao passar pelo orifício da comporta, atingindo então seu valor mínimo. Em seguida dois comportamentos distintos foram observados, os quais dependem do nível de água de jusante da simulação. Caso o nível de jusante seja alto o suficiente para a formação de um ressalto hidráulico a linha piezométrica tem uma tendência de subida e em seguida segue uma linha quase que horizontal devido à característica de escoamento em canal que se desenvolve a jusante do vertedouro. Caso contrário, a linha piezométrica tende a continuar descendente, ou seja, o escoamento ainda se encontra em aceleração por uma extensão maior além da estrutura. Ao contrário das análises de escoamento livre, foi observada uma leve tendência de subestimativa das pressões, principalmente na região da crista do vertedouro.

Da mesma maneira como para o escoamento livre, foram também avaliadas as pressões dos piezômetros localizados na face de um dos pilares do vertedouro (ver Figura 12).

Por conveniência optou-se por representar os resultados de maneira gráfica, conforme figura 17 onde percebe-se que as diferenças entre os valores de pressão do modelo matemático e do modelo físico ora são positivas ora são negativas, ou seja, em certos locais o modelo matemático apresenta valores de pressão superiores ao modelo físico e em outros acontece o inverso. Em termos da magnitude dessas diferenças percebe-se uma tendência de permanecerem em uma faixa de ± 1 m.c.a., dos quais apenas alguns pontos escapam ligeiramente dessa regra. Em termos percentuais o erro médio foi de cerca de 4% em comparação com o modelo físico. Alguns poucos pontos a jusante da comporta, na região acima do jato principal do escoamento, apresentaram erros superiores a 20% decorrentes de estarem numa região de escoamento muito instável.

Assim, os resultados indicam que é viável utilizar o modelo matemático para estimativa das pressões nos pilares também para escoamentos controlados por comportas.

CONCLUSÕES

O objetivo do presente trabalho foi avaliar o potencial do modelo matemático em simular adequadamente o escoamento de um vertedouro com alto grau de submergência envolvendo a redução da capacidade de descarga, tanto em condições de escoamento livre quanto controlado por comportas. O foco foi, portanto, a avaliação quantitativa para verificar a viabilidade do seu uso em projetos.

A primeira conclusão deste trabalho é que a modelação matemática exige muitos cuidados sob pena de se obter resultados completamente inadequados. É fundamental que o modelador tenha conhecimentos hidráulicos e computacionais em nível avançado.

Para o estudo foram utilizadas malhas de elementos cúbicos e foram criadas malhas distintas com progressiva evolução na discretização. De maneira a otimizar o tempo computacional de cada simulação as malhas foram simuladas em série. A segunda e terceira malhas (no caso dos testes de escoamento livre) utilizaram os resultados das simulações anteriores como condição inicial. Essa progressiva discretização da malha foi fundamental para garantir um ganho em tempo de processamento computacional.

Foram feitas 9 simulações de escoamento livre, das quais as principais conclusões e observações são apresentadas a seguir:

  • O modelo matemático foi capaz de definir automaticamente a superfície livre do escoamento. Houve uma semelhança muito boa entre o modelo matemático e o modelo físico.

  • As distribuições de pressões na ogiva foram frutos do campo de velocidades do escoamento. As maiores diferenças entre modelos físico e matemático ocorreram na região da crista. Portanto, essa região exige maior atenção do modelador e é recomendável o uso de uma malha mais densa na região para que se tenham melhores resultados.

  • Os resultados de capacidade de descarga se mostraram promissores. Com o sucessivo aperfeiçoamento das malhas, foi possível chegar a reduzir a diferença até 2% entre os dois modelos em escoamentos complexos com afogamento por jusante.

Das simulações de escoamentos controlados por comportas as principais observações e conclusões foram as seguintes:

  • O uso da equação (2) é restrito ao caso em que o escoamento é lançado livremente pelo orifício, não sendo adequado quando há afogamento por jusante e o modelo matemático mostrou-se promissor desde que operado adequadamente. A determinação da vazão pela abertura da comporta está diretamente ligada à qualidade da malha. Quanto pior for a discretização da abertura da comporta maior será o erro na determinação da vazão. Dada uma malha, as diferenças na simulação da vazão crescem quanto menor for a abertura da comporta. Recomenda-se a utilização de malhas mais densas para pequenas aberturas.

  • O modelo matemático conseguiu prever adequadamente as distribuições de pressões. Essa afirmação é válida tanto para níveis de água a jusante altos, os quais acabam por criar um ressalto hidráulico, quanto para níveis de jusante baixo, os quais implicam num escoamento supercrítico a jusante da comporta.

Os modelos matemáticos e físicos carregam simplificações, tais como aproximações das equações do movimento de fluidos, dos modelos de turbulência (modelo matemático) e os efeitos de escala (modelo físico). Mesmo que seja clara a recomendação de análises adicionais buscando um refinamento, principalmente para escoamentos controlados, os resultados obtidos ratificam a utilização do modelo matemático como uma ferramenta muito importante para os projetistas. Cabe salientar que o modelo matemático não dispensa o modelo físico, mas os resultados ratificam que o uso conjunto pode levar a melhores resultados.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2015
  • Revisado
    08 Out 2015
  • Aceito
    08 Jan 2016
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