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Análise do comportamento hidráulico de um mecanismo de transposição de peixes do tipo escada com ranhura vertical em duas declividades

Analysis of the hydraulic behavior of a vertical slot fishway in two slopes

RESUMO

Diferentes sistemas hidráulicos instalados em barramentos têm sido utilizados como Mecanismos de Transposição de Peixes (MTP’s) e se constituem em uma alternativa para o movimento migratório de peixes para reprodução (“piracema”). A variação da declividade do MTP influencia a extensão do mesmo e consequentemente o custo final do mecanismo. Para determinar a melhor declividade do sistema, é necessário verificar parâmetros que influenciam a migração dos peixes, como campos de velocidades, níveis de dissipação de energia e tensão cisalhante de Reynolds nos tanques além do conhecimento de variáveis biológicas das espécies aquáticas a serem transpostas. No entanto, esses parâmetros não são avaliados conjuntamente, e alguns deles são avaliados pela média do escoamento em todo o tanque. Este trabalho apresenta uma análise dos principais parâmetros hidráulicos em tanque um tanque de um mecanismo do tipo escada com ranhura vertical em duas declividades, 6% e 12%, que se encontram próximo aos limites adotados nesse tipo de projeto. Os mapas dos parâmetros hidráulicos mostram que a declividade de 6% é a mais indicada para o projeto desse tipo de MTP, pois os seus níveis de velocidades, dissipação de energia e de tensão cisalhante de Reynolds são mais compatíveis com as condições ideais para a passagem de peixes. Para a declividade de 12% ocorre limitação de área possível de passagem do peixe devido a dissipação de energia e tensão cisalhante de Reynolds locais.

Palavras-chave:
Mecanismo de transposição de peixes; Comportamento hidráulico; Escada com ranhura vertical; Declividade de canais

ABSTRACT

Several fish transposition systems (MTP´s) have been employed to allow the fish upstream migration through river dams for spawning. The design of MTP´s of the type of vertical slot fishways requires not only the analysis of the pool hydraulic behavior to evaluate the velocity fields, the energy dissipation levels, and the Reynolds shear stress distributions, but also the study of biological characteristics of aquatic species impacted by the river dams. However, these parameters are not evaluated together, and some of them are valued at the average of the tank. This work deals with an analysis of the main hydraulic characteristics of a slot vertical fishway at two channel slopes, 6% and 12%. The hydraulic characteristic graphs obtained in this work show that a slope of 6% is preferable for the design of this kind of fishway, since the associated velocity magnitudes fits better to the ideal conditions for the safe fish passage. The slope of 12% creates restrictions in terms of the available area for fish passage due to power dissipation and shear stresses conditions.

Keywords:
Fishway; Hydraulic parameter; Vertical slot fishway; Channel slope

INTRODUÇÃO

O objetivo da construção de um Mecanismo de Transposição de Peixes (MTP) é restaurar ao máximo a conectividade entre trechos de rios interrompidos por barramentos, possibilitando a ocorrência do fluxo ascendente dos peixes migratórios na região da barragem. Para que isso ocorra um MTP deve ser eficiente na atração de peixes, permitindo sua passagem de modo seguro, sem danos e com um custo mínimo de energia e de tempo. Portanto, o sucesso de um projeto de MTP depende tanto do estudo da capacidade natatória de peixes quanto da análise dos parâmetros hidráulicos e estruturais mais adequados do mecanismo para a passagem aos peixes migrantes durante a piracema (SILVA et al., 2012Silva, A. T.; Katopodis, C.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N. Cyprinid Swimming behavior in response to turbulent flow. Ecological Engineering, v. 44, p. 314-328, 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2012.04.015.
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).

No Brasil vários tipos de MTP são utilizados, dentre eles tem-se a escada com ranhura vertical em alguns barramentos. Esse sistema se tornou atraente devido ao fato dos peixes conseguirem transpor em diferentes alturas dentro da lâmina de fluido. Como o país possui uma grande diversidade de peixes com características muito diferentes esse tipo de escada consegue atender melhor a essas espécies. Segundo Armstrong et al. (2010)Armstrong, G. S.; Aprahamian, M. W.; Fewins, G. A.; Gough, P. J.; Reader, N. A.; Varallo, P. V. Guidance notes on the legislation, selection and approval of fish passes in England and wales. Bristol: Environment Agency, 2010. a declividade usual nesse tipo de sistema é de 10%, mas pode ser utilizado com declividade entre 5% e 12,5%.

O estudo da eficiência de subida do peixe pelo MTP depende da condição de entrada do sistema, do comprimento do mecanismo a ser percorrido, da existência de áreas de descanso e de parâmetros hidráulicos dentro do tanque. Dentro desses parâmetros estão os monitoramentos da velocidade, da dissipação de energia e da tensão cisalhante de Reynolds dentro do tanque. A avaliação dos campos de velocidades é de fundamental importância para a passagem de peixes, que por natureza possuem capacidade natatória limitada. O tempo e a velocidade com que o peixe sofre fadiga são usados para o cálculo de sua velocidade crítica natatória (PLAUT, 2001Plaut, I. Critical swimming speed: its ecological relevance. Comparative Biochemistry and Physiology: Part A, Molecular & Integrative Physiology, v. 131, n. 1, p. 41-50, 2001. PMid:11733165. http://dx.doi.org/10.1016/S1095-6433(01)00462-7.
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). O valor da velocidade de escoamento não deve ultrapassar o valor limite suportado pelo animal. Assim, de acordo com Santos (2004)Santos, H. A. Metodologia de medição de velocidade prolongada crítica e de explosão das espécies de peixes migradoras do Brasil. 2004. 132 f. Tese (Doutorado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. Disponível em: <ww.smarh.eng.ufmg.br/defesas/237M.PDF>. Acesso em: mar. 2015., a falta de referências para peixes neotropicais direcionou a utilização de uma velocidade de 2,0 m/s. Esse valor está em conformidade com o preconizado por Bell (1973)Bell, M. C. U. S. Fisheries handbook of Engineering requirements and biological criteria. Oregon: Army Corps of Engineers, 1973. que mostra que a velocidade média máxima para que o salmão consiga atravessar um MTP atinge o patamar de 2,0 m/s. Em estudos com peixes neotropicais, Santos et al. (2008)Santos, H. A.; Pompeu, P. S.; Vicentini, G. S.; Martinez, C. B. Capacidade natatória da espécie neotropical de água doce: Pimelodus maculatus Lacepède, 1803. Brazilian Journal of Biology = Revista Brasileira de Biologia, v. 68, n. 2, p. 433-439, 2008. http://dx.doi.org/10.1590/S1519-69842008000200029.
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apresentaram a capacidade natatória do Pimelodus maculatus (mandi amarelo). Em 2012, Santos et al. (2012)Santos, H. A.; Viana, E. M. F.; Pompeu, P. S.; Martinez, C. B. Optimal swim speeds by respirometer: in analysis of three neotropical species. Neotropical Ichthyology, v. 10, n. 4, p. 805-811, 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-62252012000400013.
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publicaram um trabalho de levantamento de velocidade natatória de três espécies neotropicais. Nesse trabalho observou-se que as espécies testadas conseguiram imprimir velocidade superior às de clima temperado apresentadas por outros pesquisadores, para um mesmo comprimento do peixe. No entanto, as espécies de clima temperado testadas possuem comprimento maior e assim podem superar a capacidade natatória dos peixes de clima neotropical.

Um bom projeto de MTP do tipo ranhura vertical deve possuir velocidades máximas próximas às máximas velocidades desenvolvidas pelas espécies alvo. Também deve prever que existam áreas que possibilitem o descanso do peixe, caso necessário, antes de fazer a travessia de um tanque ao outro. Nessas áreas os valores de dissipação de energia do escoamento devem ser baixos para evitar stress nos peixes (COLETTI, 2005Coletti, J. Z. Características do escoamento ao longo de uma escada de peixes do tipo Ranhura Vertical. 2005. 100 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/7085>. Acesso em: 10 abr. 2015.
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). Para permitir a passagem de peixes em um sistema, a dissipação de energia deve ser limitada. Como não existem trabalhos de levantamento desse parâmetro para peixes neotropicais o limite é definido com dados levantados para salmão. Vários autores apresentam valores máximos de dissipação de energia dentro do sistema. Bell (1973)Bell, M. C. U. S. Fisheries handbook of Engineering requirements and biological criteria. Oregon: Army Corps of Engineers, 1973. admite 191 W/m3. No estudo de Rodríguez et al. (2006)Rodríguez, T. T.; Agudo, J. P.; Mosquera, L. P.; González, E. P. Evaluating vertical-slot fishway designs in terms of fish swimming capabilities. Ecological Engineering, v. 27, n. 1, p. 37-48, 2006. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2005.09.015.
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verifica-se a influência da declividade e abertura da ranhura no valor de dissipação de energia. Para isso os autores adotaram valores máximos de 150 W/m3 para truta e 200 W/m3 para salmão, não realizando testes para o mesmo. Bernard et al. (2013)BERNARD, R. J.; JOHNSON, J.; BROOKS, P.; BATES, K. M.; HEINER, B.; KLAVAS, J. P.; PONDER, D. C.; SMITH, P. D.; POWER, D. Water crossings design guidelines. Washington: Washington Department of Fish and Wildlife, 2013. realizaram estudos, em bueiros, para verificar a condição hidráulica do escoamento no sistema com colocação de blocos de pedra para servir de anteparos, nesse trabalho o valor adotado como dissipação de energia máxima por volume foi de 239,4 W/m3 (5ft-lb/ft3/s). Na Inglaterra, Armstrong et al. (2010)Armstrong, G. S.; Aprahamian, M. W.; Fewins, G. A.; Gough, P. J.; Reader, N. A.; Varallo, P. V. Guidance notes on the legislation, selection and approval of fish passes in England and wales. Bristol: Environment Agency, 2010. levantaram dados para a elaboração de um guia para passagem de peixes, e nesse trabalho definiram que esse valor não deve ser superior a 100 W/m3 na área de descanso.

A turbulência pode aumentar o custo energético de locomoção dos peixes a níveis extremamente altos, causando danos corporais ou até mesmo a morte desses organismos (SILVA et al., 2012Silva, A. T.; Katopodis, C.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N. Cyprinid Swimming behavior in response to turbulent flow. Ecological Engineering, v. 44, p. 314-328, 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2012.04.015.
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). A tensão de cisalhamento de Reynolds está relacionada à transferência contínua de quantidades de movimento entre massas de água adjacentes com diferentes velocidades. Essa tensão exerce uma força na superfície do corpo do peixe, o que pode causar uma forte interferência no seu desempenho natatório e na sua estabilidade. O impacto da tensão de cisalhamento depende da sua direção em relação ao corpo do organismo. Silva et al. (2011)Silva, A. T.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N.; Katopodis, C. Effects of water velocity and turbulence on the behavior of Iberian barbal (Luciobarbus bocagei, Teindanchner 1846) in a experimental pool-type fishway. River Research and Applications, v. 27, n. 3, p. 360-373, 2011. http://dx.doi.org/10.1002/rra.1363.
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relatam que a componente longitudinal da tensão de cisalhamento de Reynolds (τxy) é a que afeta principalmente o peixe, na qual a direção “x” corresponde à longitudinal e a direção “y” à transversal ao canal.

Sanagiotto (2007)Sanagiotto, D. G. Análise da macroturbulência do escoamento em escadas para peixes por bacias sucessivas. 2007. 320 f. Tese (Doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13828>. Acesso em: maio 2015.
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faz o levantamento da tensão cisalhante dentro do canal de um modelo reduzido da escada de Igarapava, na escala de 1/5 em laboratório. Nesse trabalho encontraram-se valores de tensão de Reynolds na maior parte do tanque variando entre –5 Pa e +5 Pa, e no escoamento principal 30 Pa, na escala do modelo. Segundo Sanagiotto (2007)Sanagiotto, D. G. Análise da macroturbulência do escoamento em escadas para peixes por bacias sucessivas. 2007. 320 f. Tese (Doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13828>. Acesso em: maio 2015.
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a correlação para escala de protótipo é correspondente à escala geométrica entre os dois. Como a escala entre o modelo e o protótipo, utilizada pelo autor foi de 1:5, os valores no protótipo variariam entre –25 Pa e +25 Pa na região de descanso e 150 Pa na região de escoamento principal.

Duarte e Santos (2014)Duarte, B. A. F.; Santos, H. A. Tensão de Reynolds e velocidade média em uma escada para peixes do tipo Ranhura vertical: comportamento preferencial da espécie Leporinus reinhardti. RBRH: Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 19, n. 2, p. 157-167, 2014. http://dx.doi.org/10.21168/rbrh.v19n2.p157-167.
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levantaram a tensão cisalhante de Reynolds dentro do tanque em laboratório. Os autores ainda compararam com a localização preferencial da espécie Leporinus reinhardti. Porém, nesse estudo a vazão utilizada foi de 20 l/s, em um canal com tanques de 1,08 m de comprimento e 0,87 m de largura e declividade de 4,5%. A vazão utilizada é inferior àquelas que ocorrem dentro de um mecanismo de transposição de peixes e, desta forma, os valores de tensão de Reynolds encontrados também foram baixos.

Em experimentos realizados em tanques com placas defletoras e diferentes arranjos de orifícios, a tensão de cisalhamento de Reynolds tem sido uma das variáveis hidráulicas cuja variação tem mostrado influência no comportamento dos peixes. Nos resultados, tanto a tensão de cisalhamento de Reynolds como a intensidade de turbulência são responsáveis pelo aumento de 39% no tempo gasto na passagem de peixes pequenos em tanques com orificios alternados, sendo que, para peixes maiores, essa tensão é o único fator que tem influência relevante no tempo de passagem, podendo causar variações de até 9% para o mesmo tipo de sistema (SILVA et al., 2012Silva, A. T.; Katopodis, C.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N. Cyprinid Swimming behavior in response to turbulent flow. Ecological Engineering, v. 44, p. 314-328, 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2012.04.015.
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).

Segundo Cada et al. (1999)CADA, G. F.; CARLSON, T.; FERGUSON, J.; RICHMOND, M.; SALE, M. Exploring the role of shear stress and severe turbulence in downstream fish passage. In: HIDRO’S FUTURE: TECHNOLOGY, MARKETS, AND POLICY. WATERPOWER 99., 1999, Las Vegas, USA. Anais… Reston: American Society of Civil Engineers, 1999. cap. 1, p. 1-9., as tensões cisalhantes de Reynolds encontradas na natureza são baixas, mais frequentemente inferirores a 100 Pa. Esse valor de tensão pode ser facilmente suportado pelos peixes, porém valores superiores a 500 Pa podem causar danos. Segundo Silva et al. (2012)Silva, A. T.; Katopodis, C.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N. Cyprinid Swimming behavior in response to turbulent flow. Ecological Engineering, v. 44, p. 314-328, 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2012.04.015.
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tensões superiores a 1.000 Pa podem causar lesões e morte aos peixes. Assim, o valor de 500 Pa será utilizado como limite para a verificação da tensão de cisalhamento de Reynolds no tanque.

Este trabalho apresenta um estudo do comportamento hidráulico de um MTP do tipo escada com ranhura vertical com o objetivo de analisar os campos de velocidades, os níveis de dissipação de energia e os campos de tensão de cisalhamento de Reynolds para duas declividades, 6% e 12%, por se encontrarem próximos ao limite de utilização desse tipo de MTP. Obtêm-se os valores das velocidades experimentalmente em um modelo reduzido de MTP utilizando-se um sistema de medição de velocidades ADV (Acústico Doppler Velocímetro). A conversão das dimensões do modelo para o protótipo é feita a partir da semelhança do número de Froude, o que possibilita a geração de mapas de velocidades do tanque. Os valores de velocidade permitem estimar os níveis de dissipação de energia e de tensão de cisalhamento de Reynolds. A análise comparativa dos parâmetros hidráulicos obtidos para as duas declividades permite avaliar a influência da inclinação dos tanques do MTP para a transposição eficiente de peixes.

METODOLOGIA

Para se encontrar os parâmetros hidráulicos desejados, o experimento consistiu na obtenção de velocidade e de flutuação da velocidade em um modelo reduzido, na escala de 1:7,5, de um tanque de MTP de ranhura vertical por meio do sistema de medição de velocidade de escoamento (ADV). Para tanto, utilizou-se um canal de declividade variável, construído em aço e vidro, como pode ser visto no esquema da Figura 1. O canal possui 6.000 mm de comprimento e 400 mm de largura. Os tanques possuem 500 mm de comprimento e são divididos por anteparos de madeira, perfazendo 11 tanques. O comprimento da ranhura (b0) é de 100 mm. Os anteparos possuem espessura de 22 mm e 337 mm de comprimento, como apresentado na Figura 2. A medição foi feita no quinto tanque do canal visando eliminar interferências de montante e de jusante.

Figura 1
(a) Desenho esquemático do canal utilizado nos testes, (b) esquema de funcionamento do tanque.
Figura 2
Dimensões do tanque da escada de peixes no modelo.

Esta verificação foi feita por Tomé et al. (2013)Tomé, L. F. O. T.; Martinez, C. B.; Faria, M. T. C.; Silva, L. G. M.; Santos, H. A.; Viana, E. M. F. Verificação da variação do comportamento hidráulico em um mecanismo de transposição de peixes do tipo escada em diferentes declividades. RBRH: Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 18, n. 2, p. 107-116, 2013. http://dx.doi.org/10.21168/rbrh.v18n2.p107-116.
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que realizou medições do nível da lâmina de água nos tanques usando uma ponta linimétrica. A partir dessas medidas ficou caracterizado que o regime é permanente e uniforme, pois as alturas centrais dos tanques possuem a mesma magnitude.

As velocidades médias e desvio padrão foram exportados para uma planilha eletrônica, utilizada para a geração dos mapas utilizando o programa Matlab. O mapa de velocidades e dissipação de energia utilizam os valores das velocidades médias, a tensão cisalhante de Reynolds, o desvio padrão médio (flutuação) da velocidade previamente medidos.

As medidas de velocidades foram realizadas utilizando um acústico Doppler velocímetro (ADV). O medidor ADV permite a medição instantânea da velocidade de escoamento nas três dimensões (x, y e z). Os componentes da sonda ADV são apresentados na Figura 3. Ele é composto por um transmissor e três receptores acústicos para sondas 3D. Durante o processo de medição, a sonda ADV foi orientada por meio de trilhos, posicionados a cada 50 mm na direção longitudinal (x) e transversal (y). Os pontos de medição foram distribuídos em uma malha de 7 pontos na seção transversal por 9 pontos na seção longitudinal. As medidas foram feitas em um plano na metade da altura da lâmina de água nos 63 pontos de medição no tanque.

Figura 3
Desenho esquemático do ADV utilizado.

Em cada ponto foram obtidas 1.000 medidas (frequência de 50 Hz) de velocidades instantâneas nas três direções, que possibilitaram a determinação da velocidade média e da flutuação de velocidades nas direções x (longitudinal) e y (transversal ao canal). A escolha dessas duas componentes se justifica por sua importância nesse tipo de escoamento, quando comparada à componente vertical (z).

É comum observar um ruído neste tipo de medição realizada com o ADV. Para todos os pontos de medição de velocidade, foi realizado tratamento do sinal de medida desconsiderando todos os valores acima do terceiro quartil (Q3) somados a 3 vezes o intervalo interquartil (IIQ) e todos os valores abaixo do primeiro quartil (Q1) diminuídos de 3 vezes o intervalo interquartil (IIQ). Este é um procedimento comum para a seleção e exclusão de outliers de uma série de dados experimentais (TUKEY, 1977Tukey, J. W. Exploratory data analysis. London: Pearson, 1977.). Utilizou-se esse procedimento em detrimento do mais comum que usa do multiplicado de 1,5 vezes o intervalo de interquantil (IIQ) devido ao fato de se tratar de escoamento turbulento que por si só apresenta uma variação brusca nas velocidades instantâneas (TUKEY, 1977Tukey, J. W. Exploratory data analysis. London: Pearson, 1977.). O procedimento adotado apresentou um bom resultado (Figura 4).

Figura 4
Exemplo da seleção dos Outliers em um dos pontos levantados.

A determinação da potência dissipada por unidade de volume pode ser estimada por meio da Equação 1:

k = Q γ Δ h B L y 0 (1)

na qual γ é o peso específico da água (N/m3), B a largura do tanque (m), L o comprimento do tanque (m), Δh a diferença de altura entre os tanques (m) e y0 a altura da lâmina d’água no centro do tanque(m).

O cálculo da energia dissipada foi efetuado em 63 regiões (volumes de controle) dentro do tanque do MTP, similares aos apresentados na Figura 2, cuja profundidade corresponde à altura da lâmina d’ água. A seção em planta para o modelo, desse volume de controle, tem dimensão de 50 mm × 50 mm. O desnível do volume de controle (h, em metros) é determinado em função do posicionamento desse volume de controle e da declividade do tanque. Para fins deste trabalho, considerou-se que esses desníveis têm o mesmo valor. Nesse caso, o valor h para a declividade de 6% é de 3 mm (0,003 m) e para a declividade de 12% é de 6 mm (0,006 m). O cálculo da vazão (Q – m3/s) pela seção é feito a partir do produto da área da seção (m2) e da velocidade medida em cada região (m/s). A área utilizada correspondente ao produto entre a altura de lâmina de água medida e a largura do volume definido nos testes.

Devido ao fato das forças inerciais e gravitacionais serem predominantes, utiliza-se a semelhança do número de Froude para converter as grandezas do modelo para o protótipo. O fator de modelo reduzido λ é obtido pela Equação 2:

λ = L p L m (2)

Na qual Lp é a comprimento da escada de peixes do projeto e Lm é a comprimento da escada de peixes do modelo reduzido.

Para correlacionar a vazão e a velocidade utilizou-se o fator λ calculado anteriormente. Essa correlação é obtida utilizando-se a relação de vazão e da velocidade de protótipo (Qp, vp) e de vazão e da velocidade do modelo reduzido (Qm, vm), segundo Equações 3 e 4:

Q p Q m = λ 5 2 (3)
v p v m = λ 1 2 (4)

Para cálculo da dissipação de energia no protótipo utilizaram-se as correlações apresentadas nas Equações 3 e 4. A partir da vazão calculada e da diferença de cotas (de montante para jusante) de cada seção, obtém-se a potência dissipada por unidade de volume (Klocal- W/m3) na seção a partir da Equação 5:

K l o c a l = ( h * Q * γ ) V o l u m e s e ç ã o (5)

Na qual γ é o peso específico da água (N/m3) e Volumeseção é obtido pelo produto da área em planta da região dentro do tanque pela altura da lâmina d’água (y0, m) da região em questão.

A determinação da dissipação de energia dentro do tanque é feita normalmente para o tanque inteiro. Porém, equacionamentos para a determinação local desse tipo de parâmetro, como realizado neste estudo, são também apresentados por Towler, Mulligan e Haro (2015)Towler, B.; Mulligan, K.; Haro, A. Derivation and application of the energy dissipation factor in the design of fishways. Ecological Engineering, v. 83, p. 208-217, 2015. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2015.06.014.
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.

Nos escoamentos turbulentos, o valor da velocidade varia em torno de um valor médio, independente do ponto ou direção a serem considerados (PINTO, 2010Pinto, D. J. J. M. Caracterização experimental do escoamento em canais de secção composta. 2010. 98 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010. Disponível em: <https://run.unl.pt/handle/10362/4119>. Acesso em: 10 ago. 2014.
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). Sendo assim, a flutuação das velocidades permite identificar zonas de maior ou menor turbulência. Duarte e Santos (2014)Duarte, B. A. F.; Santos, H. A. Tensão de Reynolds e velocidade média em uma escada para peixes do tipo Ranhura vertical: comportamento preferencial da espécie Leporinus reinhardti. RBRH: Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 19, n. 2, p. 157-167, 2014. http://dx.doi.org/10.21168/rbrh.v19n2.p157-167.
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, e Duarte, Ramos e Santos (2013)Duarte, B. A. F.; Ramos, I. C. R.; Santos, H. A. Reynolds shear-stress and velocity: positive biological response of neotropical fishes to hydraulic parameter in a vertical slot fishway. Neotropical Ichthyology, v. 10, n. 4, p. 813-819, 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-62252012000400014.
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apresentam estudos sobre a tensão de Reynolds e velocidade média em uma escada para peixes do tipo ranhura vertical. Nesses artigos os autores mostram uma forte correlação entre a área escolhida como descanso pela espécie Leporinus reinhardti e as baixas tensões de cisalhamento de Reynolds no local. A tensão de cisalhamento de Reynolds num tanque de MTP pode ser obtida utilizando a Equação 6. Nesse caso a componente no eixo z é pequena e, portanto é desprezada para fins de análise (SILVA et al., 2012Silva, A. T.; Katopodis, C.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N. Cyprinid Swimming behavior in response to turbulent flow. Ecological Engineering, v. 44, p. 314-328, 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2012.04.015.
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).

τ x , y = ρ u ' v ' (6)

na qual ρ é a massa específica do fluido (kg/m3), u’ é a flutuação da velocidade do escoamento na direção longitudinal ao escoamento (m/s) e v’ é a flutuações da velocidade do escoamento na direção transversal ao tanque (m/s).

A determinação da flutuação de velocidade é realizada através das Equações 7 e 8:

u ' = u u ¯ (7)
v ' = v v ¯ (8)

nas quais u é a velocidade instantânea medida no eixo x (m/s), u¯ é a velocidade média no eixo x (m/s), v é a velocidade instantânea medida no eixo y (m/s) e v¯ é a velocidade média no eixo y (m/s).

A tensão cisalhante de Reynolds média é determinada pela média das tensões instantâneas obtidas para a série temporal de velocidades em cada ponto.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados experimentais de velocidade no tanque do modelo de MTP permitem traçar os mapas dos campos de velocidades, de dissipação de energia e de tensão de cisalhamento de Reynolds (6% e 12%) para o protótipo.

Velocidade

A Figura 5 mostra a magnitude e a orientação dos vetores do campo de velocidade “média” no plano mediano no protótipo, para declividade de 6%. As margens vertical (eixo y) e horizontal (eixo x) encontram-se numeradas para facilitar a referência aos resultados apresentados. Assim, optou-se pela determinação do eixo x seguido pelo eixo y para a localição dos pontos. Deste modo, o ponto (3,2) está na coordenada 3 em x e 2 em y.

Figura 5
Orientação dos vetores do campo de velocidade “média” para a declividade de 6% para o protótipo e vazão de 2,14 m3/s.

Nota-se que as maiores velocidades estão na zona que se origina no espaço entre as ranhuras onde há o fluxo principal. Essa zona é denominada de “escoamento principal”. Nela, atingem-se velocidades acima de 1,5 m/s logo a jusante do anteparo menor. Essas velocidades acompanham o sentido natural de escoamento. Ao se aproximar da ranhura a jusante, nota-se uma diminuição das velocidades na zona de escoamento principal. Isso ocorre devido ao fato de parte do escoamento passar para o tanque a jusante. Outra parte é direcionada para a zona de recirculação do tanque.

Pela Figura 5 observa-se que a configuração do canal influencia o perfil de velocidade. O anteparo menor localizado logo a jusante da ranhura, exerce influência no direcionamento da velocidade na zona do escoamento principal, causando uma perturbação, como pode ser observado entre os pontos 3-2 a 6-2. O fluxo gerado por esse direcionamento circula entre os dois anteparos maiores que formam o tanque, e criam uma zona de recirculação com um vórtice bem definido. Segundo Viana, Martinez e Marques (2007)Viana, E. M. F.; Martinez, C. B.; Marques, M. G. Mapeamento do campo de velocidades em mecanismos de transposição de peixes do tipo Ranhura vertical construído na UHE Igarapava. RBRH: Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 12, n. 1, p. 5-15, 2007. http://dx.doi.org/10.21168/rbrh.v12n1.p5-15.
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, a zona de escoamento principal atua como uma barreira hidráulica no tanque, separando a zona de escoamento principal da zona de recirculação. A existência dessa zona de recirculação é essencial para o funcionamento eficaz do MTP, visto que propicia a dissipação de energia do escoamento nesta área, que permitirá sua utilização para descanso dos peixes.

A área de recirculação se caracteriza por apresentar baixas velocidades de escoamento. O mapa do campo de velocidades mostra que as velocidades predominantes nesta zona variam de 0,2 m/s a 0,6 m/s. Entretanto, esse mesmo mapa mostra que nas posições entre os pontos 3-8 a 7-8 a velocidade pode atingir cerca de 0,8 m/s. À medida que se aproxima do centro do vórtice, na zona de recirculação, a velocidade vai diminuindo até valores próximos de zero, o que é considerado benéfico para o descanso dos peixes em transposição.

A Figura 6 apresenta o mapa do campo de velocidades no plano mediano no protótipo, para declividade de 12%.

Figura 6
Orientação dos vetores do campo de velocidade “média” para a declividade de 12% para o protótipo e vazão de 2,14 m3/s.

Ao se comparar as Figuras 5 e 6 nota-se que existem diferenças significativas quanto ao perfil de velocidades dos MTP’s com declividades de 6% e de 12%. De um modo geral, a magnitude das velocidades de escoamento para declividades de 12% é maior em todos os pontos do tanque. Na zona de escoamento principal observa-se um aumento na magnitude das velocidades, bem como um avanço da região de escoamento para uma área mais interior ao tanque. Nessa condição o escoamento principal deixa de ter um traçado retilíneo (Figura 5) e passa a apresentar uma curva em formato de “S” com uma maior perturbação. Assim, observam-se velocidades acima de 1,4 m/s em várias regiões do tanque, como pode ser visto entre os pontos 4-3 a 8-3. Como consequência, há uma diminuição do tamanho do vórtice formado na zona de recirculação.

Portanto, na declividade de 12% observam-se módulos de velocidades superiores na área do escoamento principal, que se estendem da extremidade mais a montante até a mais a jusante do tanque, entre as regiões das ranhuras que ligam um tanque ao outro. Ainda na Figura 6, pode-se observar uma região com baixa velocidade formada entre os pontos 4-2 e 6-2 e que apresenta uma recirculação local. Isto ocorre devido ao desvio do escoamento provocado pelo anteparo menor, que faz com que a parcela do escoamento que apresenta maiores magnitudes de velocidade seja desviada em direção ao interior do tanque, formando um vórtice. Desta forma, observa-se a redução da zona de recirculação no centro do tanque com um ligeiro aumento de velocidade nesta região ao comparar esses resultados aos da Figura 5.

As velocidades obtidas alcançam valores superiores a 0,6 m/s e criam uma pequena região no centro do tanque, entre os pontos 6-5 e 8-5, com velocidades de escoamento próximas a zero. Há, portanto, variação mais acentuada na magnitude das velocidades, comparando-se a zona central do vórtice com a zona de escoamento principal.

Dissipação de energia

Analisando os valores apresentados pelos estudos realizados para o salmão, definiu-se considerar que o valor limite para a dissipação de energia utilizado em MTP do tipo ranhura vertical seja de 191 W/m3 por ser o valor mais conservador obtido de Bell (1973)Bell, M. C. U. S. Fisheries handbook of Engineering requirements and biological criteria. Oregon: Army Corps of Engineers, 1973.. Este é o limite que permite que os peixes utilizem o sistema sem que sofram estresse e desorientação.

A Figura 7 apresenta a magnitude do campo de dissipação de energia no tanque para a declividade de 6%, sendo que os valores da dissipação de energia apresentados foram calculados pela Equação 5.

Figura 7
Magnitude do campo de dissipação de energia no tanque para a declividade de 6% e vazão de 2,14 m3/s.

Observa-se que existe uma similaridade entre o mapa de dissipação de energia com o mapa da velocidade de escoamento. As maiores magnitudes de dissipação de energia estão situadas na zona de escoamento principal, onde a magnitude das velocidades é maior. Nessa região a dissipação de energia alcança valores de até 1.200W/m3. A partir dos limites da zona de escoamento principal até a zona de recirculação, a dissipação de energia atinge valores mais baixos, aproximando-se de zero no centro do vórtice.

Nota-se ainda um aumento brusco na dissipação próximo à ranhura vertical, mais especificamente nos arredores do anteparo menor. Considerando uma escala temporal, pode-se deduzir que esta dissipação aumenta imediatamente quando ocorre a perturbação da direção da velocidade, após a água colidir com o anteparo menor na zona do escoamento principal, e ter o sentido de seu escoamento modificado bruscamente.

Em várias regiões do tanque obtêm-se valores de dissipação de energia que ultrapassam o valor limite de 191 W/m3. Entretanto, existem zonas com magnitudes de dissipação de energia próxima ou abaixo desse limite que ainda ocorrem numa área considerável do tanque.

A Figura 8 apresenta esses mesmos resultados para a configuração de tanque com declividade de 12%.

Figura 8
Magnitude do campo de dissipação de energia no tanque para a declividade de 12% e vazão de 2,14 m3/s.

Observa-se que ocorre um aumento na magnitude da dissipação de energia na zona de escoamento principal, próximo à ranhura. Nessa região a dissipação de energia alcança valores superiores a 2.500 W/m3. Isso ocorre devido à existência de velocidades mais elevadas próximas à zona entre os pontos de medição 2-2 e 2-4, nos arredores do anteparo menor. Nesse caso o fluido ao passar pela ranhura tem um aumento de velocidade e logo em seguida se choca com o anteparo menor.

Esse fenômeno exerce um papel importante na dissipação de energia no tanque. Logo a jusante do anteparo menor forma-se uma região de recirculação com baixas velocidades e com baixa dissipação de energia.

Na Figura 8 (declividade de 12%) os valores de dissipação de energia ultrapassam os 191 W/m3 em todas as regiões do tanque sendo que os valores mais baixos estão próximos de 500 W/m3. Na região do fluxo principal o valor da dissipação de energia é superior a 1.000 W/m3, podendo atingir até 2.500 W/m3.

Nas regiões próximas à parede lateral, oposta à zona de escoamento principal, têm-se magnitudes de dissipação de energia próximas a 500 W/m3. Pode-se considerar que a zona de escoamento principal atua como uma “parede hidráulica”, e que o fluxo proveniente da zona de recirculação, ao se chocar com esta barreira, produz também um efeito de dissipação de energia.

Nas regiões adjacentes às superfícies que atuam como obstáculo e que delimitam a zona de recirculação, há também perda de energia devido ao efeito cisalhante sobre essas superfícies. Desta forma, a zona de recirculação apresenta maior magnitude de dissipação de energia nas áreas mais periféricas do vórtice formado no centro do tanque, sendo que em quase toda a sua extensão, as magnitudes predominantes variam de 500 W/m3 a 1.000 W/m3.

Portanto, a adoção do limite de dissipação de energia por volume deve ser feita levando-se em consideração o tanque como um elemento de análise. A representação da dissipação local implica em uma limitação devido ao caráter pontual da análise. Isso porque essa dissipação local tende a ser sentida pelos peixes como um evento localizado que não tem necessariamente representação sobre a extensão do corpo do individuo.

Também há que se considerar que a determinação real da variação de alturas entre os pontos apresenta limitações devido a transitoriedade do fenômeno dentro do tanque. Para fins de cálculo considerou-se que o escoamento tem uma superfície que não apresenta variações de nível no domínio do tempo, sendo tratado como escoamento uniforme.

Desta forma, esses valores podem ser utilizados como parâmetro de comparação com o valor de dissipação encontrado no tanque. Trabalhos estão sendo realizados com o intuito de verificar a influência da variação dos valores de dissipação local com o do tanque e correlaciona-los com a preferência do peixe em seu deslocamento pelo tanque (trajetória).

Tensão cisalhante de Reynolds

A tensão de cisalhamento de Reynolds pode interferir de forma intensa na transposição de peixes caso atinja valores elevados. A tensão cisalhante de Reynolds é calculada utilizando-se as Equações 6-8. A Figura 9 apresenta o mapa para a tensão de cisalhamento de Reynolds no tanque com declividade de 6%.

Figura 9
Tensão Cisalhante de Reynolds para a declividade de 6% e vazão de 2,14 m3/s.

Nota-se que a maior parte do tanque está sujeita a valores de tensão de cisalhamento de até 50 Pa. Na região de descanso este valor fica próximo de 0.

Na região de escoamento principal o valor chega a 150 Pa e –200 Pa e na região de descanso entre 0 Pa e 50 Pa. Estes valores são semelhantes ao que foi encontrado quando se correlaciona os valores descritos por Sanagiotto (2007)Sanagiotto, D. G. Análise da macroturbulência do escoamento em escadas para peixes por bacias sucessivas. 2007. 320 f. Tese (Doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13828>. Acesso em: maio 2015.
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na escala de protótipo do MTP da UHE de Igarapava. Desta forma, observa-se que os peixes conseguiriam passar em qualquer região dentro do tanque sem sofrer grandes danos. Principalmente porque a região de descanso tem valores de tensão cisalhante de Reynolds próximo de zero.

Segundo Silva et al. (2012)Silva, A. T.; Katopodis, C.; Santos, J. M.; Ferreira, M. T.; Pinheiro, A. N. Cyprinid Swimming behavior in response to turbulent flow. Ecological Engineering, v. 44, p. 314-328, 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2012.04.015.
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, a tensão de cisalhamento de Reynolds não só depende das variações da velocidade, mas também da condição de escoamento com altas velocidades. A interferência do escoamento com altas velocidades nos valores de tensão de cisalhamento de Reynolds pode ser vista na Figura 10, que corresponde ao mapa de tensões no tanque para a declividade de 12%.

Figura 10
Tensão Cisalhante de Reynolds para a declividade de 12% e vazão de 2,14 m3/s.

Maiores valores de tensão de cisalhamento são observados nessa condição (Figura 10). Nesse caso atingem-se velocidades maiores em toda a zona de escoamento principal, podendo atingir valores superiores a 700 Pa e inferiores a –200 Pa. Na região de descanso o valor gira em torno de 100 Pa.

Desta forma, verifica-se que a região de escoamento principal seria o único local em que se causariam danos aos peixes segundo o critério apresentado por Cada et al. (1999)CADA, G. F.; CARLSON, T.; FERGUSON, J.; RICHMOND, M.; SALE, M. Exploring the role of shear stress and severe turbulence in downstream fish passage. In: HIDRO’S FUTURE: TECHNOLOGY, MARKETS, AND POLICY. WATERPOWER 99., 1999, Las Vegas, USA. Anais… Reston: American Society of Civil Engineers, 1999. cap. 1, p. 1-9.. No entanto, pelo fato de o valor de tensão cisalhante de Reynolds na região da ranhura apresentar-se elevado, chegando a 700 Pa, esse talvez seja o limitador para que os peixes prefiram não passar por esse local.

CONCLUSÕES

O estudo do comportamento hidráulico de MTP´s é extremamente relevante para o desenvolvimento de sistemas eficientes de transposição. A análise de múltiplos parâmetros hidráulicos associada ao comportamento desses sistemas é passo fundamental para o seu desenvolvimento. O estudo apresentado mostra claramente que apenas a análise dos campos de velocidades pode levar à avaliação equivocada da eficiência de escadas com ranhura vertical.

A utilização de declividades maiores no projeto de sistemas de transposição de peixes pode causar forte restrição à passagem de muitas espécies de peixes através de barramentos de rios brasileiros, o que pode afetar sobremaneira sua reprodução. Os resultados apresentados nesse estudo permitem concluir que a declividade de 6%, frente à opção com 12% de declividade, mostra-se mais adequada para a seleção das configurações de projeto de MTP´s do tipo escada com ranhura vertical, pois, as maiores velocidades dentro do tanque com declividade de 6% são próximas ao limite adotado. Além disso, a maior parte desse tanque possui velocidades inferiores a 1,3 m/s.

Para o tanque com declividade de 12% as regiões com velocidades inferiores à definida como limite são menores prejudicando a passagem. Em relação à dissipação de energia observa-se que em todo o tanque há regiões com valores compatíveis à passagem do peixe para a declividade de 6%, sendo que para a declividade de 12% a região em que isso ocorre é muito reduzida (ver Figura 8). A análise fundamentada na dissipação local deve ser objeto de mais estudos de forma a possibilitar a compreensão do seu efeito sobre o comportamento preferencial do deslocamento do peixe dentro do tanque.

A tensão cisalhante de Reynolds é outro parâmetro que confirma a seletividade provocada pelo aumento da declividade, pois os valores encontrados são superiores ao limite na região da ranhura para a declividade de 12%, o que poderia impedir a passagem dos peixes devido ao incômodo e às lesões provocadas pelo escoamento. No entanto, esses parâmetros devem ser replicados com a utilização de peixes para as devidas comprovações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2016
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2015
  • Revisado
    30 Abr 2016
  • Aceito
    05 Ago 2016
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