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Barreiras ou pontos de inspeção? Ideologias linguísticas sobre migração e o modelo de comunicação moderno-colonial

Barriers or Checkpoints? Language ideologies on migration and the modern-colonial communication model

RESUMO

Neste artigo, apresentamos uma perspectiva crítica sobre regimes metadiscursivos da “barreira linguística” em contextos de mobilidade, no qual se discute a persistência dos pressupostos de transparência e homogeneidade herdados da razão moderno-liberal-colonial sobre nossos modelos de língua e comunicação, confrontados com práticas linguísticas heterogêneas em nossa experiência etnográfica com estudantes migrantes numa universidade pública brasileira. O artigo está dividido em três seções: inicialmente, discutimos os usos da expressão “barreira linguística” no debate acadêmico sobre línguas e migração, evidenciando sua posição metadiscursiva, para justificar ou racionalizar “desentendimentos” ou “problemas de comunicação”; em seguida, apresentamos como a noção de barreira é articulada enquanto elemento estruturante da comunicação no debate público sobre imigração no Brasil, em notícias e documentos governamentais; depois, analisamos formas metapragmáticas que emergem em interações entre estudantes migrantes participantes da nossa experiência etnográfica, quando elas avaliam e enquadram situações que poderiam ser identificadas como “barreira linguística” nos termos pressupostos pelos debates. Os resultados indicam que formas metapragmáticas, que poderiam ser identificadas como “barreira linguística”, configuram-se muito mais como “pontos de inspeção linguística”, funcionando como “paradas” interacionais de “checagem”, em que elas e/ou as/os interlocutora/es fazem uso de algum tipo de desencontro do contato linguístico para realizar ações no mundo. Concluímos que as formas interacionais resistem na fronteira da violência do modelo de comunicação moderno, desafiando seus pressupostos, ao mesmo tempo em que são tensionadas pela noção de “barreira linguística” enquanto figuração da governança das línguas e das pessoas em deslocamento ao redor do globo.

Palavras-Chave:
Imigração; Comunicação; Barreira linguística; Ideologias linguísticas

ABSTRACT

In this article, we present a critical perspective on metadiscursive regimes of the “language barrier” in contexts of mobility, discussing the persistence of the assumptions of transparency and homogeneity inherited from modern-colonial reason on our models of language and communication, confronting them with heterogeneous linguistic practices in our ethnographic experience with migrant students at a Brazilian public university. The article is divided into three sections. Initially, we discuss the uses of the expression “language barrier” in the academic debate on languages and migration, highlighting its meta-discursive position to justify or rationalize “disagreements” or “communication problems”. Next, we present how the notion of barrier is articulated as a structuring element of communication in the public debate about immigration in Brazil, both in the news and in government documents. Then, we analyze metapragmatic forms that emerge in interactions between migrant students who participated in our ethnographic experience, when they assess and frame situations that could be identified as a “language barrier” in the terms presupposed by the debates. The results indicate that metapragmatic forms that could be identified as a “language barrier” are configured much more as “linguistic checkpoints”, functioning as interactional “stops” of “checking”, in which they and/or the interlocutors make use of some linguistic misunderstanding to act in the world. We conclude that interactional forms resist on the borders of violence of the modern communication model, challenging its assumptions; at the same time, they are tensioned by the notion of “language barrier” as a figuration of the governance of languages and people in movement around the globe.

Keywords:
Immigration; Communication; Language barrier; Language ideologies

Palavras-Chave:
Imigração; Comunicação; Barreira linguística; Ideologias linguísticas

Keywords:
Immigration; Communication; Language barrier; Language ideologies

inspeção sf. Ação ou resultado de inspecionar, de examinar cuidadosamente uma coisa, atividade, local etc., para conhecer seu estado ou procurar alguma coisa. (Dicionário Aulete On-line) checkpoint noun. a place where people are stopped and asked questions and vehicles are examined, especially at a border between two countries (Cambridge Dictionary Online)

As línguas têm sido um desafio para a razão moderno-colonial, como nos mostram várias genealogias diferentes da constituição das ideologias linguísticas modernas nascidas e alimentadas no seio do imperialismo colonial ( BAUMAN; BRIGGS, 2003BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles Leslie. Voices of Modernity: language ideologies and politics of inequality. Cambridge: University Press, 2003. ; ERRINGTON, 2001DOERR, Nicole . Bridging language barriers, bonding against immigrants: A visual case study of transnational network publics created by far-right activists in Europe. Discourse & Society, v. 28, n. 1, p. 3-23, 2017.; HARRIS, 1981EU - EUROPEAN UNION. Regulation (Ec) no 562/2006 of the European Parliament and of the Council, of 15 March 2006, establishing a Community Code on the rules governing the movement of persons across borders (Schengen Borders Code). Strasbourg: Official Journal of the European Union, 2006. Disponível em: Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:105:0001:0032:EN:PDF . Acesso em: 23 fev. 2022.
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; HUTTON, 1999hooks, bell Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 3, p. 857-864, 2008.; IRVINE, 2001HUTTON, Christopher M. Linguistics and the Thrid Reich: mother-tongue fascism, race and the science of language. New York: Routledge, 1999.; PRATT, 1991PINTO, Joana Plaza. Corpo como contexto-de-ocorrência de metapragmáticas sobre o português em socializações de estudantes migrantes para o Brasil. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão/SC, v. 18, n. 3, p. 751-768, 2018.). A literatura sobre o tema nos mostra que esses desafios não refletem experiências empíricas, mas são desdobramentos de pressupostos que estruturam tipos diferentes de abordagens teóricas sobre as línguas. Entre esses pressupostos, a transparência e a homogeneidade são duas assunções da razão moderno-colonial que atravessam a Filosofia ocidental desde Locke a Habermas, e curiosamente persistem mesmo em teorias linguísticas que professam seu oposto 1 1 Cf. Camacho (2010) sobre a persistência da homogeneidade na Sociolinguística. .

Os trabalhos de Harris (1981EU - EUROPEAN UNION. Regulation (Ec) no 562/2006 of the European Parliament and of the Council, of 15 March 2006, establishing a Community Code on the rules governing the movement of persons across borders (Schengen Borders Code). Strasbourg: Official Journal of the European Union, 2006. Disponível em: Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:105:0001:0032:EN:PDF . Acesso em: 23 fev. 2022.
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) e de Bauman e Briggs (2003BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles Leslie. Voices of Modernity: language ideologies and politics of inequality. Cambridge: University Press, 2003. ) são suficientes para se ter uma ideia da longa história do estabelecimento dessas assunções que sustentam nossas conversas sobre fenômenos linguísticos na atualidade - e a expressão “nossas conversas” remete aqui àquelas entre pesquisadoras e pesquisadores da Filosofia, da Linguística, da Linguística Aplicada e da Antropologia. Nesse sentido, Bauman e Briggs (2003BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles Leslie. Voices of Modernity: language ideologies and politics of inequality. Cambridge: University Press, 2003. ) argumentam que a tradição epistemológica moderna sobre as línguas se apoia numa longa sedimentação de práticas metadiscursivas de purificação e abstração da língua como ferramenta de criação da ordem social, definindo o que é modernidade e regulando o acesso a ela. Para Mignolo (2003LOPEZ, Ana Paula de Araujo. A aprendizagem de português por imigrantes deslocados forçados no Brasil: uma obrigação? Revista X, v. 13, n. 1, p. 9-34, 2018.), isso não significou apenas uma explicação sobre o que é linguagem, mas também uma justificativa para transformá-la em objeto de desejo e instrumento de dominação colonial.

Considerando que a literatura crítica a esses pressupostos data já de algumas décadas, se poderia imaginar o gradativo desmonte desses pressupostos dentro dos quadros teóricos dos estudos da linguagem, especialmente em debates mais envolvidos com práticas linguísticas heterogêneas, como é o caso do debate sobre direitos linguísticos. A propósito, muito do que tem sido escrito nesse campo nasce de condições imanentes de heterogeneidade linguística e lida com fenômenos linguísticos sociopoliticamente enraizados, como políticas de representação e ensino de línguas minoritarizadas.

No entanto, ainda que a literatura que utiliza “direitos linguísticos” na formulação de problemas ou debates seja bastante ampla, especialmente nos estudos de línguas minoritarizadas 2 2 A coletânea organizada por Tove Skutnabb-Kangas e colaboradores (2009) oferece um panorama da produção sobre direitos linguísticos no campo educacional até a primeira década do século XXI. , o próprio conceito de “direitos linguísticos” é pouco debatido e acaba subsumido num tipo de discurso normativo garantista pouco contextualizado. Pupavac (2012PRATT, Mary Louise. Arts of the contact zone. Profession, p. 33-40, 1991.) oferece um contraponto crítico importante às abordagens universalistas e oficialistas dos direitos tais, argumentando que as formas contemporâneas de demandas por direitos têm produzido muito mais governança das línguas e dos povos falantes do que mais liberdade de práticas linguísticas.

Nesse contexto da discussão sobre direitos linguísticos, a razão moderno-colonial continua moldando de maneira pervasiva nossos modelos de línguas e de comunicação. Isso fica mais perceptível quando somos confrontadas por evidências empíricas que contestam (ou não) certos consensos no vocabulário dos debates acadêmicos. Nossa experiência etnográfica com migração estudantil foi um desses momentos, em que consensos advindos do modelo de comunicação fundado na razão moderno-colonial mostraram seus limites diante de práticas linguísticas heterogêneas. Comprometidas com o entendimento das dinâmicas não apenas das pragmáticas (uso linguístico) em contexto de migração, mas também da metapragmática (avaliação e julgamento) dos usos (SILVERSTEIN, 1993), nos defrontamos com a persistência da expressão “barreira linguística” em contexto migratório. O uso dessa expressão não era apenas constante e multissituado, mas principalmente não indagado e persistentemente naturalizado, funcionando como um pressuposto da comunicação entre falantes de idiomas diferentes.

Diante desse cenário, oferecemos neste artigo uma perspectiva crítica sobre formas textuais da expressão “barreira linguística” em metapragmáticas, que racionalizam e justificam essa “barreira” como pressuposto dos desafios enfrentados por populações em migração pelo mundo, pressuposto este implicado nos direitos linguísticos de falantes e articulado com a governança das línguas e das pessoas em deslocamento. Essa perspectiva é informada por nossa experiência etnográfica com pessoas que migraram do Sul Global em direção ao Brasil, para estudar numa universidade brasileira, e buscamos ao longo do artigo conectar essa experiência com a perspectiva que apresentamos.

Inicialmente, apresentamos de maneira breve os usos da expressão “barreira linguística” no debate acadêmico sobre línguas e migração e sua relação com a forma da expressão no debate público sobre imigração no Brasil, em notícias e documentos governamentais. Em seguida, analisamos as formas metapragmáticas emergentes em interações entre estudantes migrantes, participantes da nossa experiência etnográfica; tais formas poderiam ser identificadas como “barreira linguística” nos termos pressupostos pelos debates, mas mostramos que elas funcionam muito mais como “pontos de inspeção linguística”, variando qualitativamente em termos de desigualdade de poder, do que como barreiras constituída pela “falta do idioma”. Ao final, vamos retomar os principais argumentos e estabelecer as conexões críticas entre a abertura reflexiva proporcionada por nossa experiência etnográfica, os debates e os vestígios racistas do modelo de comunicação moderno-colonial.

Quem constrói a “barreira” no caminho da migração?

Vamos começar contando a vocês como nos deparamos com a expressão “barreira linguística”. Ao revisar a literatura sobre linguagem e imigração, ficamos impressionadas com os usos dessa expressão em muitos dos artigos. A maioria dos usos integravam o texto como um detalhe, não muito central para o argumento do artigo e geralmente não apoiado por evidências empíricas. Contudo, o que nos chamou mais a atenção não foram esses usos sem evidência empírica, mas aqueles nos quais o material empírico atribuído ao uso da expressão não parecia corresponder ao evento ou fenômeno analisado.

O trabalho de Chun (2009CARLI, Augusto et al. Asserting ethnic identity and power through language. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 29, n. 5, p. 865-883, 2003.), por exemplo, analisa a relação entre identidades de jovens imigrantes e não-imigrantes asiáticos-americanos e o uso da linguagem para mediar esta relação. O artigo focaliza interações cotidianas, ocorridas em 2004, em uma escola de ensino médio no Texas, Estados Unidos da América. No artigo, a expressão “barreira linguística” é atribuída à participante entrevistada e é usada para explicar uma situação de desconforto interacional:

De acordo com Big Dog, a barreira linguística era “desconfortável” (linha 1), levando-a à mudança inconsciente para um estilo linguístico adaptável linha 17), por exemplo, ao falar com seu amigo imigrante coreano americano Luke 3 3 “According to Big Dog, the language barrier was ‘uncomfortable’ (line 1), prompting her unconscious shift to an accommodating language style (line 17), for example, when speaking to her Korean American immigrant friend Luke”. ( CHUN, 2009CARLI, Augusto et al. Asserting ethnic identity and power through language. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 29, n. 5, p. 865-883, 2003., p. 28-29, grifo nosso, tradução da primeira autora).

No entanto, a transcrição da fala da participante não inclui esta expressão: “Big Dog: É. Eu me senti tão desconfortável comendo com eles./ Mas tipo/ então eu começava a falar inglês quebrado/ h para que eles [pudessem me entender” 4 4 “Big Dog: Yeah. I felt so uncomfortable eating with them./ But like/ then I’d start to speak broken English/ h so they [could understand me”. . Na sequência explicativa de Chun (2009CARLI, Augusto et al. Asserting ethnic identity and power through language. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 29, n. 5, p. 865-883, 2003.), “barreira linguística” (“ the language barrier was ‘uncomfortable’”) substitui “comer juntos” (“ I felt so uncomfortable eating with them”).

“Comer junto” trata-se de uma prática interativa complexa que pode incluir língua, mas certamente não apenas. A participante informa que fala “inglês quebrado”, para interagir com seu amigo imigrante; seu esforço, no entanto, para mudar sua prática linguística para fazer uma ponte de contato com ele, é subestimado no metadiscurso do artigo. Onde está a “barreira linguística” nessa análise? É precisamente o reconhecimento da necessidade de usar aquelas formas consideradas “quebradas”, que é enquadrado como estratégia de destensionamento para o desconforto da ação em curso (“comer juntos”). Nesse sentido, o que o metadiscurso do artigo categoriza como “barreira” poderia ser categorizado, na verdade, como “ponte”.

Carli e colaboradoras (2003CAMACHO, Roberto Gomes. Uma reflexão crítica sobre a teoria sociolinguística. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 26, n. 1, p. 141-162, 2010.) examinam trechos de entrevistas nas quais informantes de seis comunidades fronteiriças europeias formulam reflexões explícitas ou implícitas sobre o “universo linguístico” - incluindo o uso da língua, diversidade linguística e variação linguística. Numa passagem do artigo ( CARLI et al., 2003CAMACHO, Roberto Gomes. Uma reflexão crítica sobre a teoria sociolinguística. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 26, n. 1, p. 141-162, 2010., p. 878), “barreira linguística” aparece como fala do entrevistador (I), na transcrição do material empírico. Na interação transcrita, a participante (BJ) usa critérios estéticos afetivos (“bons programas de entretenimento”; “bonitos festivais”; “é legal”), a fim de justificar seu interesse pela língua que “não fala”, mas “adivinha”.

BJ: Quero dizer, nós temos o canal um dois Polsat e a Alemanha, eu dos de culinária, eles têm essas cozinhas, culinária porque não a gente não entende, mas eles têm bons programas de entretenimento. Bonitos festivais. I: E você assiste? BJ: Quando você muda de canal e é legal, você assiste. I: Então esta televisão alemã. BJ: Nós temos, mas não falamos a língua. A gente mais adivinha. I: Então há uma barreira linguística. BJ: Existe. Podíamos aprender, mas não nos importávamos. I: Mesmo? BJ: Quer dizer, aprender na escola aprende, eles se eles vão eles podem se comunicar bem pelo menos. Nós não podemos 5 5 “BJ: I mean we have channel one two Polsat and Germany I like the cooking they have these kitchen, cooking because one doesn’t understand but they have good entertainment programmes. Beautiful festivals. I: And do you watch? BJ: When you switch and it’s nice, you watch. I: So this German television. BJ: We have, but we don’t speak the language. One guesses more. I: So there is a language barrier. BJ: There is. We could learn but we didn’t care. I: Really? BJ: I mean, learn at school learn, they if they go they can communicate nicely at least. We can’t”. ( CARLI et al., 2003CAMACHO, Roberto Gomes. Uma reflexão crítica sobre a teoria sociolinguística. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 26, n. 1, p. 141-162, 2010., p. 878, grifo nosso).

É o entrevistador (I) quem introduz a expressão “barreira linguística” para sintetizar a relação entre a participação e a língua dos programas de TV. A introdução da expressão se desdobra em uma avaliação da participante sobre “aprender na escola” e “se comunicar bem”, duas práticas linguísticas que podem ser facilmente relacionadas aos preceitos da razão moderno-colonial para o sucesso no uso linguístico: aprendizado padronizado de línguas ( HARRIS, 1981EU - EUROPEAN UNION. Regulation (Ec) no 562/2006 of the European Parliament and of the Council, of 15 March 2006, establishing a Community Code on the rules governing the movement of persons across borders (Schengen Borders Code). Strasbourg: Official Journal of the European Union, 2006. Disponível em: Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:105:0001:0032:EN:PDF . Acesso em: 23 fev. 2022.
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), fala homogênea sem interferências ( PRATT, 2013POVINELLI, Elizabeth A. Economies of abandonment: Social belonging and endurance in late liberalism. Durham: Duke University Press, 2011.) e estruturas comunicacionais consumíveis facilmente ( HOOKS, 2008HARRIS, Roy The language myth. Oxford: Duckworth, 1981. ).

Os artigos de Chun (2009CARLI, Augusto et al. Asserting ethnic identity and power through language. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 29, n. 5, p. 865-883, 2003.) e Carli e colaboradoras (2003CAMACHO, Roberto Gomes. Uma reflexão crítica sobre a teoria sociolinguística. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 26, n. 1, p. 141-162, 2010.) correspondem tipicamente a duas posições textuais muito comuns da expressão “barreira linguística” que nos chamaram a atenção inicialmente no debate acadêmico sobre língua e migração: 1) ou a expressão é inserida no texto em uma posição metadiscursiva para racionalizar o que é apresentado como “desentendimento” ou “problema de comunicação”, nos materiais empíricos analisados; 2) ou a expressão é inserida no texto como parte da interação participante-pesquisador(a), nos próprios materiais empíricos analisados. Em ambas as posições, “barreira” é usada por quem pesquisa, não pelas participantes.

Essa entrada pervasiva de “barreira linguística” nas análises pode parecer apenas um uso distraído de uma expressão do cotidiano num metadiscurso teórico-analítico, mas fica evidente o alcance ideológico da expressão quando ela ganha o primeiro plano na argumentação sobre “boa comunicação”, em situações linguísticas heterogêneas, e começa a ser explicitamente usada para separar “língua nativa” e “outra língua”. Assim, o acesso à “língua nativa” é mobilizado como importante política de “acolhimento” a migrantes, capaz de efetivar a garantia de direitos a essa população:

Ao chegar ao país de acolhimento, o sujeito migrante, muitas vezes em condição de vulnerabilidade, depara-se com a necessidade de interagir em diferentes nichos e atividades sociais, as quais envolvem desde questões mais formais e burocráticas como resolução de problemas trabalhistas, até práticas rotineiras como ir à farmácia, chamar os bombeiros, participar de reuniões da escola dos filhos etc. Assim, à medida que se integra nas práticas de cidadania, o fator linguístico se torna um elemento fundamental em suas interações cotidianas com a sociedade acolhedora. Entretanto, grande parte dos imigrantes que chegam ao país de acolhimento possui pouco ou nenhum domínio da(s) língua(s) oficial(is) ( OLIVEIRA; SILVA, 2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80., p. 134-135, grifo nosso).

Neste artigo, intitulado Quando barreiras linguísticas geram violação de direitos humanos: que políticas linguísticas o Estado brasileiro tem adotado para garantir o acesso dos imigrantes a serviços públicos básicos? (2017), o autor e a autora pressupõem a relação entre o “fator linguístico” e o “acesso à cidadania”, num paralelo com o que Keating, Solovova e Barradas (2013KEATING, Maria Clara; SOLOVOVA, Olga; BARRADAS, Olga Política de língua, multilinguismos e migrações: para uma reflexão policêntrica sobre os valores do português no espaço europeu. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). O Português no Século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, 2013. p. 220-248.) identificam nas políticas linguísticas do português em Portugal, pautadas na associação direta entre o “domínio” da língua e a integração da/o estrangeira/o no país. Além das possíveis dificuldades de realizar atividades cotidianas por parte das/os migrantes, Oliveira e Silva (2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80.) apontam “barreira linguística” no acesso a serviços públicos, enfatizando as seguintes razões para a necessidade da presença de intérpretes em órgãos oficiais como forma de garantia de direitos humanos de migrantes:

Em primeiro lugar, porque para qualquer pessoa, aprender uma nova língua não é um processo rápido ou simples. Em segundo lugar, porque esse processo é ainda mais penoso se pensarmos que muitos desses imigrantes possuem níveis baixos de letramento até mesmo em suas línguas maternas, devido à falta de acesso à educação em seus países de origem. Em terceiro lugar, porque muitos imigrantes, sejam eles econômicos ou refugiados, possuem jornadas de trabalho desgastantes, e trabalham em condições precárias. Muitos têm até mais de um emprego para sustentar suas famílias. Com isso, imaginamos que não sobre muito tempo ou dinheiro para se dedicar ao estudo de uma nova língua ( OLIVEIRA; SILVA, 2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80., p. 149, grifo nosso).

Evidentemente, a garantia dos direitos humanos de cidadãs e cidadãos migrantes faz-se necessária. Estamos chamando atenção aqui para o modo como o debate teórico sobre o multilinguismo está geralmente ancorado em diversas imaginações sobre línguas e corpos, como Pratt (2013POVINELLI, Elizabeth A. Economies of abandonment: Social belonging and endurance in late liberalism. Durham: Duke University Press, 2011.) nos lembra. Os argumentos apontados por Oliveira e Silva (2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80.) são baseados em imaginações acerca de línguas e corpos que contraditoriamente generalizam a experiência linguística dos sujeitos (“para qualquer pessoa, aprender uma nova língua não é um processo rápido ou simples”), ao mesmo tempo em que indiciam quem são as/os migrantes que enfrentam as barreiras linguísticas (não é qualquer pessoa que está sujeita à barreira linguística, mas aquelas que “possuem níveis baixos de letramento” e que “trabalham em condições precárias”). No desenvolvimento dessa ideia, o artigo defende a contratação de intérpretes pelo Estado como parte dos direitos linguísticos de migrantes.

De fato, há estudos que mostram o papel central de intérpretes no contato linguístico desde tempos coloniais, mas certamente não foi para garantir o acesso a direitos linguísticos ou quaisquer outros ( MARIANI, 2004KELL, Catherine Ariadne’s Thread: literacy, scale and meaning-making across space and time. In: STROUD, Christopher; PRINSLOO, Mastin (ed.). Language, literacy and diversity: Moving words. New York: Routlegde, 2015. p. 72-91.). Na direção oposta, Ribeiro (2007PRATT, Mary Louise. “If English was Good Enough for Jesus”: Monolinguismo y mala fe. Critical Multilingualism Studies, v. 1, n. 1, p. 12-30, 2012. ) argumenta que a chamada “barreira linguística” pode ajudar as pessoas a estabelecerem um tipo de contato mais cuidadoso, já que bloquearia uma “compreensão” direta e baseada no código, e levaria a gastos de tempo e espaço para “amortecer” o impacto das diferentes formas de constituição dos textos culturais entre participantes de uma interação.

Mal-entendidos podem ser esperados quando participantes vêm de diferentes mundos sociais, formas de vida ou paradigmas, falando assim diferentes ‘linguagens’. A lacuna entre ‘línguas’ não é resolvida pela supressão da ‘barreira linguística’, mesmo no caso em que o vocabulário é quase o mesmo. As lacunas de linguagem estão intrinsecamente ligadas às diferenças entre as culturas e os objetivos dos participantes, exigindo, assim, tipos distintos de mediação ( RIBEIRO, 2007PRATT, Mary Louise. “If English was Good Enough for Jesus”: Monolinguismo y mala fe. Critical Multilingualism Studies, v. 1, n. 1, p. 12-30, 2012. , p. 577).

Ribeiro defende a presença de intérpretes nesse contexto muito mais para mediar o contato cultural do que para suplantar qualquer “barreira linguística”, o que vai na direção contrária à ideia de que as pessoas precisam de intérpretes, porque não têm tempo ou condições financeiras para “ se dedicar ao estudo da nova língua”.

Esse tipo de argumentação pressupõe o código linguístico como detentor do sucesso do contato linguístico. É o modelo ideal de nação, que foi imaginado historicamente desde fins do século XVII de forma limitada, soberana e enquanto uma comunidade, no seio da qual a língua é um patrimônio compartilhado, homogêneo, monolíngue e monodialetal ( ANDERSON, 1983ANDERSON, Benedict. Immagined communities. In: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. London: Verso, 1983. p. 48-59.). Pratt (2013POVINELLI, Elizabeth A. Economies of abandonment: Social belonging and endurance in late liberalism. Durham: Duke University Press, 2011.) argumenta que tal imaginação sobre a nação constrói nossas imaginações teóricas sobre a língua, lembrando que “nossa linguística moderna da língua, do código e da competência postula um mundo social unificado e homogêneo no qual a língua existe como um patrimônio compartilhado” ( PRATT, 2013POVINELLI, Elizabeth A. Economies of abandonment: Social belonging and endurance in late liberalism. Durham: Duke University Press, 2011., p. 440). Ocorre que, nesse protótipo moderno de língua, assume-se que todas as pessoas estão engajadas no mesmo jogo, que o jogo é o mesmo para todas e que ele é jogado segundo as mesmas regras ( PRATT, 1991PRATT, Mary Louise. Arts of the contact zone. Profession, p. 33-40, 1991.). A desigualdade, nesse cenário, é tratada como um “pano de fundo” em torno do qual gira uma proposta de política linguística de governança das interações em direção ao monolinguismo direto (“dedicação ao estudo da língua”) ou indireto (“disponibilidade de intérprete como direito humano”).

De uma forma ou de outra, a expressão “barreira linguística” parece acompanhar pesquisadoras e pesquisadores quando avaliam ou enquadram como “má comunicação” a interação no contexto da migração, seja quando elas/es geram os dados, seja quando os examinam, seja quando propõem “soluções”. Por outro lado, participantes nos mesmos contextos migratórios pesquisados parecem construir outras expressões para racionalizar seus conflitos ou desconfortos em relação às práticas linguísticas.

Foram os desencontros e pressupostos entre as metapragmáticas de pesquisadoras(es) e de participantes que nos chamaram a atenção desde o início da pesquisa e nos fizeram perguntar: o que está em jogo na persistência dos usos de “barreira linguística” nas racionalizações e justificativas - ou seja, nas metapragmáticas (SILVERSTEIN, 1993) - sobre práticas linguísticas em contexto migratório?

Caminhos barrados com o quê?

O termo “barreira linguística” é usado tanto nos estudos de imigração como também nas notícias e nos documentos oficiais sobre o assunto. Em uma pesquisa realizada entre 2013 e 2016 6 6 Ao longo de sua realização (2013-2016), este projeto documental recebeu financiamento da Chamada Universal 14/2013 e da Chamada Produtividade em Pesquisa - PQ 2012. , centrada nas notícias e documentos oficiais sobre migração produzidos no Brasil, muitas vezes nos deparamos com a expressão “barreira” associada ao fluxo de produtos e capital, como por exemplo “barreiras comerciais”, “barreiras técnicas”, “barreiras tarifárias”. Não é, portanto, surpreendente que a “barreira linguística” apareça nos mesmos documentos estatais, pois a palavra “barreira” é frequente em documentos sobre a mobilidade de pessoas, produtos e capital. As relações entre os estados nacionais modernos têm sido caracterizadas pela regulação da mobilidade através de suas fronteiras de vários tipos - fronteiras geográficas, fronteiras econômicas, fronteiras linguísticas etc. ( ANZALDÚA, 1987ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/ La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 1987.; OROZCO-MENDOZA, 2008OROZCO-MENDOZA, Elva Fabiola. Borderlands theory: Producing Border Epistemologies with Gloria Anzaldua. 2008. 83 f. Thesis (Master of Arts in Political Science) - Faculty of Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, 2008.). No entanto, tais regulações não são regras gerais e transparentes aplicadas às cegas para todos os sujeitos ou comunidades envolvidas em eventos de mobilidade entre estados, mas constituem forças de governabilidade que legitimam dominação e despossessão colonial em retórica civilizatória diferencial, justificando retirada ou retomada de “barreiras” (de moedas, de objetos, de pessoas) a depender dos territórios e agentes em jogo ( POVINELLI, 2011OROZCO-MENDOZA, Elva Fabiola. Borderlands theory: Producing Border Epistemologies with Gloria Anzaldua. 2008. 83 f. Thesis (Master of Arts in Political Science) - Faculty of Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, 2008.). Nesse sentido, os documentos oficiais sobre mobilidade executam a ideia moderna de “fronteira” enredada na construção de “barreiras” de toda ordem, incluindo muros, cercas, “dificuldades de comunicação”, “diferenças culturais” etc., ao mesmo tempo em que “celebram” o fluxo de capitais e de recursos, bem como a “diversidade linguística”.

Não é estranho, portanto, que os estados nacionais pressuponham barreiras de qualquer tipo quando se trata de migração, ao mesmo tempo em que buscam “soluções” para os “problemas” que eles mesmos inventam. Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) - a mesma que fundamenta o artigo de Oliveira e Silva (2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80.) - parte da tese de que “existem no Brasil obstáculos de acesso a atendimento e serviços enfrentados pelos imigrantes” ( BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Migrantes, apátridas e refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direitos e políticas públicas no Brasil . Brasília:IPEA, 2015. Disponível em: Disponível em: http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/PoD_57_Liliana_web3.pdf . Acesso em: 23 fev. 2022.
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/upl...
, p. 19). Na apresentação do documento, lê-se que o objeto da pesquisa é “a sistematização de informações, coletadas em nível nacional, acerca dos obstáculos ao acesso aos serviços públicos e direitos no Brasil por parte dos migrantes estrangeiros” ( BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Migrantes, apátridas e refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direitos e políticas públicas no Brasil . Brasília:IPEA, 2015. Disponível em: Disponível em: http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/PoD_57_Liliana_web3.pdf . Acesso em: 23 fev. 2022.
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/upl...
, p. 19), com o intuito de subsidiar a criação de políticas públicas específicas. A pesquisa parte do pressuposto de que os sujeitos migrantes necessariamente enfrentam “obstáculos” no Brasil. Nesse sentido, o estudo aponta os seguintes obstáculos enfrentados pela população migrante:

• entre os obstáculos normativos, ganham destaque a necessidade de alteração da legislação, a criação de novas formas de regularização migratória por meio de regulamentação legislativa, e a adoção ou adaptação de políticas públicas para os imigrantes;

• entre os obstáculos estruturais são citados com grande frequência a questão da ausência ou inadequação da moradia e questões relativas ao trabalho (seja sua ausência, a discriminação, a exploração ou até mesmo o trabalho escravo);

• entre os obstáculos institucionais destacam-se o idioma ( como uma barreira primária e primordial para o atendimento e a proteção aos imigrantes), a falta de recursos humanos (que prejudica a qualidade do atendimento bem como o levantamento de dados específicos sobre migrações e imigrantes no país) e a falta de capacitação (sobre os temas migratórios, sobre as peculiaridades dos imigrantes e também sobre as diretrizes e regras da migração e dos direitos humanos no país) ( BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Migrantes, apátridas e refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direitos e políticas públicas no Brasil . Brasília:IPEA, 2015. Disponível em: Disponível em: http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/PoD_57_Liliana_web3.pdf . Acesso em: 23 fev. 2022.
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/upl...
, p. 151, grifo nosso)

Vemos que, no relatório, o idioma é apresentado como uma barreira “primária e primordial” para o atendimento da população migrante, na medida em que a “falta” do idioma impediria a expressão do conteúdo, sendo uma “dificuldade” de serviços públicos oferecidos à população migrante que não fala português, gerando uma “barreira de acesso a direitos”. A percepção do “idioma” como o “principal problema” é representada nos gráficos em segundo lugar, atrás da categoria “Outros”, conforme apontam dois atores sociais pesquisados: “instituições” (16,84%; “Outros” 20,52%) e “sociedade civil” (16,34%; “Outros” 25,5%). Enquanto isso, ela aparece em primeiro lugar nos dados compilados de respondentes “imigrantes” (21,74%) ( BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Migrantes, apátridas e refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direitos e políticas públicas no Brasil . Brasília:IPEA, 2015. Disponível em: Disponível em: http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/PoD_57_Liliana_web3.pdf . Acesso em: 23 fev. 2022.
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/upl...
, p. 137-138).

Para entender o que isso poderia significar, conferimos o instrumento de pesquisa usado para gerar esses números (Apêndice B do documento). No instrumento, a palavra “idioma” é usada apenas no questionário para as instituições, onde há uma pergunta fechada dicotômica “Sim/Não”: “A Instituição possui intérprete ou pessoa que saiba o idioma dos migrantes atendidos?”. Ela é seguida pela pergunta aberta “Em caso afirmativo, para que línguas há intérpretes?”. As perguntas sobre as dificuldades ficam numa seção chamada “Assistência e Dificuldades” nos três questionários, direcionando a resposta provocada, e sempre apresenta uma formulação aberta, com linhas para serem preenchidas livremente. Como o questionário foi compilado em gráficos (mesmo sendo composto por uma pergunta aberta), o que quer que tenha sido respondido ficou compilado sob a categoria única “idioma”. Se o “idioma” é tão “primário e primordial”, por que não chega a ser um problema nem para ¼ das pessoas respondentes? E ainda assim, que respostas abertas foram compiladas como “idioma”? Vocabulário? Mal-entendidos? De que tipo?

Nas notícias da mídia, “barreira linguística” segue a mesma estrutura de uso dos documentos estatais, mas os gêneros textuais multimodais promovem a visibilidade de quem é desejável ou indesejável na regulamentação do fluxo de pessoas. Por exemplo, em uma reportagem de 2012 7 7 CALLEGARI, Lucas; CINTRA, Luiz Antonio. Liberdade de ir e vir. Carta Capital, 25 jan. 2012, p. 24-30. , sobre um fluxo crescente de imigrantes para o Brasil, uma revista semanal importante ilustrou a reportagem com um jovem branco economista dos EUA e um adulto negro pedreiro haitiano. Embora o português não seja a língua presumível nem do economista norte-americano nem do pedreiro haitiano, é somente ao reportar sobre a migração haitiana para o Brasil que a revista menciona a língua como uma “dificuldade” para a “integração”. “Barreira linguística” para quem?

Além das pistas oferecidas pela multimodalidade das notícias, com a associação de certos corpos a certas “dificuldades com a língua”, a análise de documentos governamentais e notícias da mídia ofereceram a possibilidade de rastrear um modelo de comunicação pressuposto nos usos da expressão “barreira linguística”. A ideia principal é que quem migra pode ter dificuldades de acesso aos serviços básicos (educação, saúde, serviços sociais, documentos de identidade) devido a “barreiras linguísticas”. Isto pressupõe que a comunicação entre usuárias/os do serviço público e funcionárias/os locais funcione desta forma: uma pessoa pensa em sua mente sobre o serviço básico que deseja; esta pessoa encontra outra pessoa, e emite sons em uma língua que chegam à pessoa interlocutora; esta, por sua vez, entende em sua mente o que se quer com aqueles sons; e, por fim, supostamente, provê o serviço requisitado. No debate público sobre migração, o único componente deste esquema que poderia dar errado é a não coincidência entre línguas conhecidas pelas duas pessoas, como representada na Figura 1.

Figura 1.
Modelo comunicacional da “barreira linguística”

Isso nos lembra um famoso modelo de comunicação? Sim, o Curso de Linguística Geral (1991SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 16. ed. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1991.), de Ferdinand de Saussure, tem a mesma base desse modelo relativamente transparente sustentado por pressupostos liberais sobre marcas corporais. (Figura 2).

Figura 2.
Modelo de comunicação do Curso de Linguística Geral (1991)

Como Mary Louise Pratt (2012PINTO, Joana Plaza. Língua-em-movimento, mobilidade e globalização. In: Fernando Zolin-Vesz (org.). Linguagens e Descolonialidades: Arena de embates de sentidos. 1. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. p. 15-32.) sintetizou perfeitamente,

As duas figuras são uma combinação interessante de marcações e ausência de marcações. São idênticas na aparência, caucasianas, genericamente masculinas e jovens. Suas expressões são sérias, mas calmas. Seus olhos estão abertos e estão olhando diretamente um para o outro, sugerindo igualdade de posições. Estão despidos, até mesmo sem cabelos, sem marcas de classe, religião, lugar, ou modos de vida. Nenhum ambiente define onde eles estão. Seus corpos estão fora do quadro. A língua opera de forma idêntica e simétrica entre eles. Apenas uma língua está em jogo na situação, e é compartilhada de forma idêntica por ambos ( PRATT, 2012PINTO, Joana Plaza. Língua-em-movimento, mobilidade e globalização. In: Fernando Zolin-Vesz (org.). Linguagens e Descolonialidades: Arena de embates de sentidos. 1. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. p. 15-32., p. 17).

As pistas de recursos visuais em textos multimodais nos mostram que a “barreira linguística” é pressuposta (ou não) como estruturante da comunicação num dado contexto migratório, dependendo dos corpos envolvidos no evento de fala. E o que difere esses corpos? As variáveis que chamam mais a atenção são raça e classe: o jovem economista americano é um homem branco, enquanto o pedreiro haitiano é um homem negro.

Barreiras ou pontos de inspeção linguística?

Nesta seção, apresentamos formas metapragmáticas emergentes em interações entre estudantes migrantes, quando elas avaliam e enquadram situações que poderiam ser identificadas como “barreira linguística” nos termos pressupostos pelos debates sintetizados nas seções anteriores. No entanto, percebemos como suas avaliações e enquadres perturbam as bases de pressupostos da “barreira linguística”.

Defendemos a pertinência da perspectiva etnográfica para a análise de contextos de mobilidade ( DIAS; PINTO; GONÇALVES, 2021DIAS, Ana Luiza Krüger; PINTO, Joana Plaza. Is there language policy for migrants in Brazil? Linguistic ideologies and three language tests. Tilburg Papers in Culture Studies, v. 192, p. 1-23, 2017b.), haja vista que ela desloca e desafia o paradigma moderno das línguas fixadas no tempo e no espaço ( PINTO, 2016PINTO, Joana Plaza. Língua-em-movimento, mobilidade e globalização. In: Fernando Zolin-Vesz (org.). Linguagens e Descolonialidades: Arena de embates de sentidos. 1. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. p. 15-32.), permitindo a costura de aspectos micro e macrocontextuais de práticas linguísticas a partir de um olhar indexical para o funcionamento das estruturas sociais em situações de interação específica ( KELL, 2015KALY, Alain Pascal. O Ser Preto africano no “paraíso terrestre” brasileiro: um sociólogo senegalês no Brasil. Lusotopie, n. 8, p. 105-121, 2001.).

Desde 2015, nosso projeto de pesquisa 8 8 Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFG (CAAE 50768715.7.0000.5083, Parecer n. 1.369.610, de 15/12/2015, emendado pelo Parecer n. 2.721.020, de 19 de junho de 2018). Todas as participantes assinaram Termo de Consentimento e escolheram nomes fictícios para a análise e apresentação dos dados, mantendo seu anonimato e integridade na pesquisa. Ao longo de sua realização (2014-2020), o projeto recebeu financiamento da Chamada MCTIC/CNPq Nº 28/2018, da Chamada Produtividade em Pesquisa - PQ 2015, e da Chamada CNPq Nº 09/2018 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa - PQ. vem desenvolvendo diversas práticas etnográficas em equipe, incluindo observações de campo, convivência, entrevistas individuais, contatos virtuais e atividades de grupo, com o objetivo de discutir os recursos metapragmáticos acionados por discentes em contexto de migração estudantil transnacional, de forma a identificar as ideologias linguísticas que circulam no cenário brasileiro a respeito da migração e discutir o impacto dessas ideologias nos acessos a direitos linguísticos e educacionais nas interações cotidianas desses estudantes ( DIAS; PINTO, 2017aDIAS, Ana Luiza Krüger; PINTO, Joana Plaza. Ideologias linguísticas e regimes de testes de língua para migrantes no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 17, n. 1, p. 61-81, 2017a., 2017bDIAS, Ana Luiza Krüger; PINTO, Joana Plaza. Is there language policy for migrants in Brazil? Linguistic ideologies and three language tests. Tilburg Papers in Culture Studies, v. 192, p. 1-23, 2017b.; PINTO, 2018PINTO, Joana Plaza. Corpo como contexto-de-ocorrência de metapragmáticas sobre o português em socializações de estudantes migrantes para o Brasil. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão/SC, v. 18, n. 3, p. 751-768, 2018.; CRUZ; PINTO, 2018COLIC-PEISKER, Val. ‘At Least You’re the Right Colour’: Identity and Social Inclusion of Bosnian Refugees in Australia. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 1, n. 4, p. 615-638, 2005.).

As estudantes migrantes participantes da pesquisa são alunas vinculadas ao Programa Estudantes Convênio - Graduação (PEC-G). Trata-se de um programa interministerial (Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Educação) criado em 1965, configurando-se como o mais antigo mecanismo de cooperação educacional promovido pelo Brasil, atualmente regulamentado por decreto promulgado em 2013. O Programa conta com parcerias feitas com universidades públicas e privadas brasileiras, visando a oferecer oportunidades de formação superior no Brasil para estudantes de países em desenvolvimento 9 9 Cf. http://portal.mec.gov.br/pec-g. . As exigências e critérios oficiais de seleção de estudantes do PEC-G, associados aos acordos específicos entre o Brasil e cada um dos países conveniados, à disponibilidade de vagas nas universidades parceiras e às possibilidades de apoio financeiro diversificam os perfis e influenciam significativamente as trajetórias de estudantes do programa no país.

A perspectiva etnográfica também deve levar em consideração as trajetórias e movimentos de descentralização de textos entre diferentes contextos, tanto durante a geração de dados quanto em sua análise. Por essa razão, os procedimentos de transcrição 10 10 As convenções de transcrição utilizadas pela equipe, adaptadas das convenções de Mary Bucholtz (2000) e Rodrigo Borba (2014) para uma representação de aspectos entonacionais, temporais e de velocidade da produção vocal,são as seguintes, em que cada linha representa um aspecto da fala em interação: . entonação descendente ? entonação ascendente : alongamento de som , entonação contínua @ risada h Exalação (riso leve, suspiro); cada letra marca um pulso # tosse X fala inaudível *ʈ͡ʂ* fricativa retroflexa surda - interrupção abrupta de fala = turnos contínuos [ ] fala sobreposta <> fala acelerada >< fala desacelerada ° ° volume mais baixo * sons falados não percussivos (n.n) medida de silêncio em segundos e décimo de segundos (.) silêncio de menos de 2 décimos de segundo (( )) dúvida na transcrição ( ) comentário de quem transcreve são concebidos como um processo teórico ( OCHS, 1979MARIANI, Bethânia. Colonização linguística: línguas, política e religião no Brasil (séculos XVI a XVIII) e nos Estados Unidos da América (século XVIII). Campinas: Pontes, 2004.) e de entextualização ( BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles Leslie. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88, 1990. ), em que um texto em áudio é descontextualizado e recontextualizado de forma escrita, se transformando num novo texto, com novos sentidos.

Analisamos três excertos em que as participantes avaliam situações em que seus limites de conhecimento dos recursos linguísticos num dado contexto organizam as ações enquadradas. O que nos fez prestar atenção a essas situações é que todas elas orientam suas avaliações não para o “problema do idioma”, como elemento inerte na interação, mas para o contexto particular num processo dinâmico de ação linguística que envolve atores sociais interessados e desigualmente posicionados ( VOLOŠINOV, 1973SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 16. ed. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1991.).

O primeiro excerto é a narrativa de um caso de assédio sofrido por Arry, estudante de um curso da área de saúde, migrante do Leste Asiático. Ela está contando o caso para outras participantes da pesquisa, todas estudantes migrantes.

Excerto 1

Existem duas linhas de ação narradas por Arry ao mesmo tempo: a ação desigual entre ela e o professor e a ação entre os amigos e a coordenação. No sentido oferecido por Ribeiro (2007PRATT, Mary Louise. “If English was Good Enough for Jesus”: Monolinguismo y mala fe. Critical Multilingualism Studies, v. 1, n. 1, p. 12-30, 2012. ), Arry informa que não entende o que o professor fala para ela, mas procura “amortecer” sua compreensão buscando enquadrar a interação como “brincadeira”. Mas conforme ela enfatiza, “os meus amigos não aceitam, porque eles entendem melhor o jeito que o professor fala”, mudando o enquadre feito pela própria Arry para a primeira ação como “preconceito”. Mas, o problema principal que Arry enfrenta não é “não saber a língua”, já que a interação com os amigos é avaliada positivamente e narrada “sem dúvidas”, mas a interação desigual sexista e xenofóbica com o professor, essa sim avaliada como “sem entendimento” e “preconceituosa”. Todas as instâncias comunicativas envolvendo o episódio - desde a percepção dos sentidos do comportamento verbal do professor, ao e-mail escrito para a coordenação, à conversa da coordenação com o professor - não foram ocupadas por Arry. Essa rede que fala por Arry encontra ecos na reflexão de Blommaert (2010BLOMMAERT, Jan. The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press, 2010.), para quem as redes são construídas graças à distribuição desigual de recursos, fazendo com que as tarefas linguísticas envolvam trabalhos colaborativos. Assim, encontros entre repertórios desiguais podem eventualmente configurar-se como “barreiras”, fazendo emergir redes de exclusão, mas também geram redes de colaboração, numa relação dialeticamente tensionada.

As interações nem sempre podem prescindir de estruturas das línguas para ocorrer, mas isso não significa que é o conhecimento de uma língua nacional que vai resolver os desafios dos contatos em contexto migratório. Fica evidente como a “barreira linguística” é menos importante no estabelecimento da “comunicação” do que as ações que sujeitos sociais falantes de língua diferentes querem realizar juntos. A análise de Doerr (2017DIAS, Ana Luiza Krüger; PINTO, Joana Plaza; GONÇALVES, Eliane. Linha da vida feminista e performatividade da esperança numa pesquisa etnográfica. Revista Feminismos, v. 9, p. 104-123, 2021.) sobre estratégias visuais e mídias sociais, usadas para estabelecer alianças políticas da extrema direita em diferentes países da Europa, mostra a mesma coisa que ocorre com Arry: ela age na cena desigual com o professor, atenuando ao máximo possível sua “comunicação” com ele; enquanto os amigos agem para protegê-la incluindo outro ator social, a coordenação.

No próximo excerto, outra participante. Érika utiliza uma metapragmática denotativa para nomear “português quebrado” sua prática linguística reflexivamente acionada como estratégia para evitar interações indesejadas.

Excerto 2

Neste excerto, Milu e Érika compartilham o incômodo com grupos religiosos durante um passeio em um parque da cidade. Érika nomeia suas estratégias linguísticas para afastá-los: o emprego do “português quebrado”. Aqui, ela usa a ideologia da “barreira linguística” como estratégia de emancipação, apropriando-se das avaliações metapragmáticas sobre o uso fragmentado do português por estrangeiros/as para negociar sua não participação em interações indesejadas. Quando Érika faz uso de recursos que ela nomeia “português quebrado”, ela está, ao mesmo tempo, evidenciando o papel estruturador que a ideologia do monolinguismo nacional opera nas relações sociais, e produzindo um novo sentido para esta mesma língua.

O último excerto é a narrativa de uma experiência de avaliação linguística de uma estudante migrante, Vaska, que tem o espanhol como primeira língua. É a história de sua experiência numa disciplina ministrada por vários professores diferentes, em que uma professora incluiu a avaliação da escrita em português na nota dela.

Excerto 3

A narrativa de Vaska busca contrastar sua visão processual da socialização em português (“porque eu tenho só um semestre que cheguei e tal”) e a visão normativa da professora (“Tinha uma professora que ela corrigia meu português (.) e minha nota caía”). A reação de Vaska à crescente tensão estabelecida nas interações com a professora e sua consequente aprovação na disciplina, mostram o que Rosa (2016PRATT, Mary Louise. Utopias linguísticas. Tradução de André M. do Nascimento e Joana Plaza Pinto. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 52, n. 2, p. 437-459, 2013. ) destaca enquanto formas interacionais contestadoras da centralidade do monolinguismo ao inverterem a hierarquia da razão moderno-colonial. Falar uma língua homogênea é colocar uma “barreira” na participação linguística cotidiana de Vaska; assim, ela inverte a homogeneidade padronizada esperada pela professora e cria uma ruptura na hierarquia linguística estabelecida pelo sistema de avaliação da prova escrita.

As situações aqui apresentadas funcionam muito mais como “pontos de inspeção linguística”, variando qualitativamente em termos de desigualdade de poder, do que como “barreiras” constituídas pela “falta do idioma”. Recorremos à noção de pontos de inspeção ( checkpoints) aqui, porque se trata de um importante instrumento de regulação dos fluxos migratórios que evidencia formas muito complexas e multifacetadas de controle e negociação da mobilidade de corpos dentro de e entre fronteiras. O que isso significa? Longe de enquadrar a situação como “problema”, elas destacam a situação como uma “parada” interacional, uma “checagem” em que elas e/ou interlocutoras/es fazem uso de algum tipo de desencontro do contato linguístico, para agir em termos de poder: assediar, interromper interações indesejáveis, avaliar, inverter hierarquias linguísticas. O ponto de inspeção não é regulado pelo código linguístico ou pela razão comunicacional, mas por desigualdades e conflitos próprios do contato ( PRATT, 2013POVINELLI, Elizabeth A. Economies of abandonment: Social belonging and endurance in late liberalism. Durham: Duke University Press, 2011.).

Essa dimensão torna-se ainda mais relevante em relação aos pressupostos moderno-coloniais que sustentam nossas ideologias linguísticas, quando nos deparamos com a seguinte passagem da Regulação n. 562/2006 do Parlamento Europeu, sobre o movimento de pessoas através das fronteiras:

O controle fronteiriço compreende não apenas a inspeção de pessoas nos pontos de passagem de fronteira e vigilância entre esses pontos, mas também uma análise dos riscos para segurança interna e análise das ameaças que podem afetar a segurança das fronteiras externas ( EU, 2006EU - EUROPEAN UNION. Regulation (Ec) no 562/2006 of the European Parliament and of the Council, of 15 March 2006, establishing a Community Code on the rules governing the movement of persons across borders (Schengen Borders Code). Strasbourg: Official Journal of the European Union, 2006. Disponível em: Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:105:0001:0032:EN:PDF . Acesso em: 23 fev. 2022.
https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/Lex...
, p. 1, grifo nosso).

Os dados gerados em nossa experiência etnográfica, com a migração estudantil, evidenciam justamente como práticas linguísticas heterogêneas “ameaçam” internamente os pressupostos de homogeneidade e transparência construídos pela modernidade colonial, provocando deslocamentos epistemológicos que desestabilizam o modelo comunicacional, por excelência da Linguística. Daí derivam os pontos de inspeção linguística, criados em encontros desiguais e hierarquicamente informados por metapragmáticas na interação, a fim de garantir a segurança das fronteiras das ideologias linguísticas nacionais monolíngues e homogêneas.

Conclusões

Os usos da expressão “barreira linguística” nos debates acadêmicos estão conectados ao regime metadiscursivo que estabelece um modelo de comunicação moderno liberal, transparente e mentalista. É precisamente esse modelo que também assombra os debates públicos em notícias e documentos governamentais, em que práticas linguísticas heterogêneas são vistas como ameaças à segurança das ideologias linguísticas, que sustentam a imaginação nacional.

Agora podemos retomar o nosso primeiro contato com esta expressão na revisão bibliográfica. A conexão entre os textos acadêmicos e os textos em mídias e documentos oficiais sobre língua e migração pode ser estabelecida nas suas versões contemporâneas do modelo moderno-colonial de comunicação: uma racionalidade autodescrita como benevolente que promete acesso aos direitos linguísticos enquanto oculta o processo violento de apagar múltiplas formas interacionais, nas migrações contemporâneas, oferecendo a coincidência de línguas como a única maneira legítima de lidar com situações linguísticas em contexto de mobilidade.

Concordamos com Silva (2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80.), que afirma que “o debate sobre os direitos linguísticos merece uma revisão radical” ( SILVA, 2017ROSA, Jonathan. From Mock Spanish to Inverted Spanglish: Language Ideologies and the Racialization of Mexican and Puerto Rican Youth in the UnitedStates. In: ALIM, H. Samy; RICKFORD, John R.; BALL, Arnetha F. (ed.). Raciolinguistics: how language shapes our ideas about race. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 65-80., p. 687). Essa revisão poderia começar colocando-se pressão na noção de “linguístico” e fazendo perseverar o dilema ético inerente ao diálogo, ao invés da sedimentação da narrativa heroica do voluntarismo prêt-à-porter liberal, que torna o contato em língua nacional obrigatório ( LOPEZ, 2018KEATING, Maria Clara; SOLOVOVA, Olga; BARRADAS, Olga Política de língua, multilinguismos e migrações: para uma reflexão policêntrica sobre os valores do português no espaço europeu. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). O Português no Século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, 2013. p. 220-248.) e fixa o sujeito migrante numa posição de não-saber com práticas assimilacionistas e silenciadoras ( ANUNCIAÇÃO, 2018ANUNCIAÇÃO, Renata Franck Mendonça de. A língua que acolhe pode silenciar? Reflexões sobre o conceito de “português como língua de acolhimento”. Revista X, v. 13, n. 1, p. 35-56, 2018. ), além de ocultar suas bases coloniais ( MIGNOLO, 2003LOPEZ, Ana Paula de Araujo. A aprendizagem de português por imigrantes deslocados forçados no Brasil: uma obrigação? Revista X, v. 13, n. 1, p. 9-34, 2018.).

Língua pode servir para barrar uma ação de falante, mas não é uma barreira em si, e sim um ponto de inspeção, um espaço interacional estabelecido ideologicamente para “procurar algo” na prática linguística. A racialização dos eventos em que “barreira linguística” é identificada na nossa análise converge com a literatura sobre migração, língua e racismo no Brasil e fora ( BARBOSA, 2019BARBOSA, Lúcia Maria Assunção. Português Língua de Acolhimento: O que a prática nos ensina? In: SILVA, Walkyria Magno; SILVA, Wagner Rodrigues; CAMPOS, Diego Muñoz. (org.). Desafios da Formação de Professores na Linguística Aplicada. Campinas: Pontes Editores, 2019. p. 209-226.; BIZON; DANGIÓ, 2018BIZON, Ana Cecília Cossi; DANGIÓ, Gabriel Vinícius. Vozes do programa emergencial pró-Haiti: Narrativas de racialização do “ser haitiano”. Revista X, v. 13, n. 1, p. 168-191, 2018.; COLIC-PEISKER, 2005CHUN, Elaine. Speaking like Asian immigrants: Intersections of accommodation and mocking at a U.S. High School. Pragmatics, v. 19, n. 1, p. 17-38, 2009.; KALY, 2001IRVINE, Judith T. The family romance of colonial linguistics: gender and family in nineteenth-century representations of African languages. In: GAL, Susan; WOOLARD, Kathryn A. (ed.). Languages and Publics: the making of authority. New York: Routledge, 2001.; PUPAVAC, 2012PRATT, Mary Louise. Arts of the contact zone. Profession, p. 33-40, 1991.; SANTA ANA, 1999PUPAVAC, Vanessa. Language Rights: From Free Speech to Linguistic Governance. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2012.), acrescentando ao debate o viés racista do modelo de comunicação moderno-colonial.

As participantes da pesquisa atribuem funções metapragmáticas a esses “pontos de inspeção”, agindo estrategicamente em colaboração com outros falantes, invertendo o valor em “falta” na inspeção. Portanto, não existem “barreiras linguísticas”. O que existe são práticas linguísticas orientadas para contextos particulares e ideologias linguísticas que organizam a razão comunicacional moderno-colonial nesses contextos. As estratégias para lidar com os pontos de inspeção precisam ser multiplicadas, não unificadas em termos de uma homogeneidade linguística idealizada (imaginada); afinal, não apenas fazemos coisas através da linguagem, com a linguagem, mas ela é também aquilo que fazemos ( BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997.).

Concluímos que as formas interacionais resistem na fronteira da violência do modelo de comunicação moderno, como vimos em nosso trabalho de campo etnográfico, enquanto a expressão “barreira linguística” permanece como uma figuração da governança das línguas no encontro colonial desigual.

Referências

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  • BARBOSA, Lúcia Maria Assunção. Português Língua de Acolhimento: O que a prática nos ensina? In: SILVA, Walkyria Magno; SILVA, Wagner Rodrigues; CAMPOS, Diego Muñoz. (org.). Desafios da Formação de Professores na Linguística Aplicada Campinas: Pontes Editores, 2019. p. 209-226.
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  • SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral 16. ed. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1991.
  • SILVA, Julia Izabelle da. O debate sobre direitos linguísticos e o lugar do linguista na luta dos sujeitos falantes de línguas minorizadas: quem são os protagonistas? Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 17, n. 4, p. 663-690, 2017.
  • SKUTNABB-KANGAS, Tove et al (ed.). Social Justice Through Multilingual Education Bristol: Multilingual Matters, 2009.
  • VOLOŠINOV, Valentin Nikoláievitch. Marxism and the Philosophy of Language New York: Seminar Press, 1973.
  • 1
    Cf. Camacho (2010CAMACHO, Roberto Gomes. Uma reflexão crítica sobre a teoria sociolinguística. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 26, n. 1, p. 141-162, 2010.) sobre a persistência da homogeneidade na Sociolinguística.
  • 2
    A coletânea organizada por Tove Skutnabb-Kangas e colaboradores (2009SKUTNABB-KANGAS, Tove et al. (ed.). Social Justice Through Multilingual Education. Bristol: Multilingual Matters, 2009.) oferece um panorama da produção sobre direitos linguísticos no campo educacional até a primeira década do século XXI.
  • 3
    “According to Big Dog, the language barrier was ‘uncomfortable’ (line 1), prompting her unconscious shift to an accommodating language style (line 17), for example, when speaking to her Korean American immigrant friend Luke”.
  • 4
    “Big Dog: Yeah. I felt so uncomfortable eating with them./ But like/ then I’d start to speak broken English/ h so they [could understand me”.
  • 5
    “BJ: I mean we have channel one two Polsat and Germany I like the cooking they have these kitchen, cooking because one doesn’t understand but they have good entertainment programmes. Beautiful festivals. I: And do you watch? BJ: When you switch and it’s nice, you watch. I: So this German television. BJ: We have, but we don’t speak the language. One guesses more. I: So there is a language barrier. BJ: There is. We could learn but we didn’t care. I: Really? BJ: I mean, learn at school learn, they if they go they can communicate nicely at least. We can’t”.
  • 6
    Ao longo de sua realização (2013-2016), este projeto documental recebeu financiamento da Chamada Universal 14/2013 e da Chamada Produtividade em Pesquisa - PQ 2012.
  • 7
    CALLEGARI, Lucas; CINTRA, Luiz AntonioCALLEGARI, Lucas; CINTRA, Luiz Antonio. Liberdade de ir e vir. Carta Capital, 25 jan. 2012, p. 24-30.. Liberdade de ir e vir. Carta Capital, 25 jan. 2012, p. 24-30.
  • 8
    Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFG (CAAE 50768715.7.0000.5083, Parecer n. 1.369.610, de 15/12/2015, emendado pelo Parecer n. 2.721.020, de 19 de junho de 2018). Todas as participantes assinaram Termo de Consentimento e escolheram nomes fictícios para a análise e apresentação dos dados, mantendo seu anonimato e integridade na pesquisa. Ao longo de sua realização (2014-2020), o projeto recebeu financiamento da Chamada MCTIC/CNPq Nº 28/2018, da Chamada Produtividade em Pesquisa - PQ 2015, e da Chamada CNPq Nº 09/2018 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa - PQ.
  • 9
    Cf. http://portal.mec.gov.br/pec-g.
  • 10
    As convenções de transcrição utilizadas pela equipe, adaptadas das convenções de Mary Bucholtz (2000BUCHOLTZ, Mary. The Politics of Transcription. Journal of Pragmatics, v. 32, p. 1439-1465, 2000. ) e Rodrigo Borba (2014BORBA, Rodrigo. (Des)aprendendo a “ser”: trajetórias de socialização e performances narrativas no Processo Transexualizador. 2014. 206 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.) para uma representação de aspectos entonacionais, temporais e de velocidade da produção vocal,são as seguintes, em que cada linha representa um aspecto da fala em interação: . entonação descendente ? entonação ascendente : alongamento de som , entonação contínua @ risada h Exalação (riso leve, suspiro); cada letra marca um pulso # tosse X fala inaudível *ʈ͡ʂ* fricativa retroflexa surda - interrupção abrupta de fala = turnos contínuos [ ] fala sobreposta <> fala acelerada >< fala desacelerada ° ° volume mais baixo * sons falados não percussivos (n.n) medida de silêncio em segundos e décimo de segundos (.) silêncio de menos de 2 décimos de segundo (( )) dúvida na transcrição ( ) comentário de quem transcreve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2022
  • Aceito
    02 Jun 2022
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