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Literatura, natureza e compromisso ético: olhares ecocríticos

Antonio Candido, ao chamar a atenção para o papel da literatura na formação do homem, destaca três aspectos funcionais: a literatura é a construção de objetos autônomos com estrutura e significado; é a configuração de expressão, manifestando emoções e perspectivas de mundos coletivos e/ou individuais; é uma forma de conhecimento, também assinalado como agregação difusa e inconsciente. Quando enfatiza a sua interconectividade com o ser humano, Candido esclarece que, de modo geral, a literatura é apreendida como uma forma de conhecimento, um tipo de instrução que resulta em aprendizagens. Consequentemente, negligenciam-se os seus outros aspectos funcionais mencionados pelo ensaísta brasileiro, os quais se constituem como peças fundamentais na interação promotora da ligação da literatura com a complexidade da natureza humana. Ao formular essa assunção, o estudioso postula que o “efeito das produções literárias é devido à atuação simultânea dos três aspectos” (CANDIDO, 2011CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-193., p. 178-179) anteriormente referidos. Nesse sentido, o vínculo entre a função da literatura e a complexidade humana, proposto por Candido, conduz-nos a um dos desígnios da literatura ao estimular a valência de duplos sentidos na formação de subjetividades, na expressão de tempos, comportamentos e atitudes humanas. Nesse processo, em paralelo com os duplos sentidos na formação de subjetividades, a escrita literária promove a reflexão acerca dos valores “que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais [...]. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 2011,CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-193. p. 177).

Em suas origens, o homem era dominado pela natureza, considerada invencível. À medida que ocorrem as revoluções científicas, industriais e sociais, o homem julga ser superior à natureza, considerando-a sob o seu total controle e domínio, o que o impulsiona a realizar transformações complexas no meio ambiente e nos seres humanos, gerando um grande impacto sobre os sistemas naturais e as condições cotidianas de vida. Juntamente com a origem e a consolidação do sistema capitalista, a modernidade também marca a separação entre tempo e espaço. Se a temporalidade se associa à experiência da aceleração, o espaço sofre uma compressão, alterando, extraordinariamente, a vivência do mundo e as experiências humanas. Nesse contexto, a ciência moderna surge com uma dimensão ontológica, responsável pela separação crítica entre homem e natureza, entre seres humanos e outros seres no mundo, ignorando a relação homem-natureza, a qual tem assinalado presença na literatura desde a Antiguidade.

À proporção que o ser humano tem avançado em direção ao seu objetivo de conquistar e manipular a natureza em prol dos seus interesses, a literatura, como um veículo de compromisso humanista e de interseção de saberes, tem vindo a desvelar a problemática que interliga natureza e compromisso ético e tem possibilitado a análise de perspectivas que promovem reflexões esclarecedoras sobre questões ambientais em tempos hipermodernos e hipertecnológicos, de modo a promover o equilíbrio de atitudes do homem perante a natureza. Em diferentes espaços geográficos, com diversos olhares e saberes, a difusão de reflexões ecocríticas, ecopoéticas, ecofeministas, geopoéticas e da geografia humanista tem contribuído para a reflexão acerca de estruturas e movimentos que clamam por direitos humanos e sociais fundamentados no compromisso ético que o homem pode instituir para viver plenamente sua relação com a natureza. Com esse declarado compromisso que rejeita relações de exploração em prol da descoberta harmoniosa dos fenômenos do universo para benefício da humanidade, a literatura tem exercido também uma função muito urgente: alertar sobre a existência de relações imperfeitas entre o humano e a natureza, ao mesmo tempo em que propõe poética ou narrativamente transformações e/ou alterações de rumo.

Ante novas configurações da relação homem-literatura, esta permite refletir sobre nossa existência, a constituição integral da humanidade e a luta da reconexão com a ancestralidade social, cultural e ambiental numa abordagem interdisciplinar, posicionando a tríade homem-natureza-literatura na perspetiva de encontro com a ética ecocêntrica ou a ética da terra proposta por Aldo Leopold (1949LEOPOLD, Aldo. A Sand County Almanac: And Sketches Here and There. New York: Oxford University Press, 1949.).

A problematização dos modos como lidamos com a natureza é tema bastante importante na literatura contemporânea. No entanto, não podemos esquecer que os escritores românticos de todo o mundo foram precursores na apresentação do que consideramos hoje uma consciência ecológica e uma ética ecofeminista. Como afirma James C. McKusick (2000), “esses escritores iniciaram diferentes caminhos para habitarmos o planeta Terra”3 3 "these writers provide hints, clues, and intimations of different ways of dwelling on Earth" (MCKUSICK, 2000MCKUSICK, James C. Green Writing: Romanticism and Ecology. New York: St. Martin’s Press, 2000., p. 228, tradução nossa). Se percorrermos, por exemplo, a trajetória de alguns escritores românticos norte-americanos, compreendemos que Jonathan Bate (2001BATE, Jonathan. The Song of the Earth. London: Picador, 2001.) apresente aquela literatura como um modelo inovador da “ecopoética” referida como uma história essencial da consciência ambiental e um apaixonado argumento a ser retomado em tempos de crise do ecossistema.

Em Silent Spring (1962) de Rachel Carson (1907-1964), obra considerada um marco do movimento ambientalista no mundo, “a natureza, parte integrante da alma errante humana, deve ser entendida como um livro aberto que se expõe aos nossos olhos, para que possamos observar e preservar a sua integridade”4 4 “[…] For here the natural landscape is eloquent of the interplay of forces that have created it. It is spread before us like the pages of an open book in which we can read why the land is what it is, and why we should preserve its integrity. [...]” , (CARSON, 1962CARSON, Rachel. oal. Boston: Houghton Mifflin Company, 1962., p. 42, tradução nossa). Com base na observação e na experiência, a apreensão da realidade torna-se factual, e, naturalmente, passamos a ser parte integrante desse mundo que está tão próximo e, simultaneamente, tão distante do ser humano. Segundo Timothy Morton, essa distância verifica-se porque os fatos ecológicos se referem a nós, a quem somos, ao que fazemos e a como atuamos. Por isso, torna-se muito difícil observar essas ocorrências de um ponto de vista deslocado do nosso epicentro, “uma vez que refletir sobre nós, interrogarmo-nos sobre o nosso modo de fazer e de ver determinados acontecimentos, revela-se uma das tarefas mais difíceis de concretizar para o ser humano”5 5 "they are hard to see from a distance - getting perspective about yourself, interrogating your way of doing and seeing, is one of the hardest things to do -" (MORTON, 2018MORTON, Timothy. Being Ecological. Cambridge: MIT Press, 2018., XXXVI, tradução nossa).

No contexto do ecofeminismo, uma teoria que emergiu nos Estados Unidos da América por volta dos anos 1970, reexamina-se a relação entre gênero e meio ambiente, um postulado que se apresenta como um referencial teórico que objetiva promover um melhor entendimento acerca das definições hierárquicas e dualistas de gênero cruzadas com a natureza. Com base naquele axioma, poder-se-á explicar e entender melhor o papel dominante da humanidade na sua relação com a natureza, encorajando o pensamento não dualista e não hierárquico. Ecofeministas ativistas como Françoise d’Eaubonne (1920-2005, França)6 6 Autora do livro Le féminisme ou la mort (Paris: P. Horay, 1974). Eaubonne cunhou o termo ecofeminismo pela primeira vez. e Vandana Shiva (Índia) são, entre outros, nomes de referência nos estudos ecofeministas pela ação conjugada entre atividade acadêmica e comprometimento ativo com os problemas ambientais.

É ainda no compromisso ético que se impõe entre escritor, literatura e natureza que as palavras de Jonathan Bate encontram propósito e fundamento, adensando o papel atribuído à literatura e, no caso de Bate, ao próprio poeta: “O poeta: uma criatura aparentemente inútil. Mas, potencialmente, o salvador dos ecossistemas” (BATE, 2000BATE, Jonathan. The Song of the Earth. London: Picador, 2001., p. 231, tradução nossa)”.7 7 “The poet: an apparently useless creature. But potentially the savior of ecosystems”

Dessa forma, o presente número da Revista Gragoatá reúne um conjunto de textos que pensa a literatura sob diferentes abordagens teóricas no âmbito da temática “Literatura, natureza e compromisso ético: olhares ecocríticos”. O leitor encontrará certamente interessantes interlocuções e olhares que se cruzam em abordagens transnacionais e pós-humanas - indo ao encontro das considerações da filósofa Rosi Braidotti, que entende a crítica pós-humana como uma ferramenta ética e criativa que nos permite repensar acerca da nossa interação com agentes humanos e não humanos: “Defino o sujeito crítico pós-humano dentro de uma ecofilosofia de pertencimentos múltiplos, como um sujeito relacional constituído na e pela multiplicidade, ou seja, um sujeito que trabalha por meio das diferenças e também é internamente diferenciado, mas ainda fundamentado e responsável.”. (BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, Rosi. The Posthuman. Cambridge; Malden: Polity, 2013., p. 49, tradução nossa).8 8 “I define the critical posthuman subject within an eco-philosophy of multiple belongings, as a relational subject constituted in and by multiplicity, that is to say a subject that works across differences and is also internally differentiated, but still grounded and accountable”

De início, a coorganizadora deste número, Susana L. M. Antunes, em parceria com Régis Poulet, pôde entrevistar um nome incontornável da geopoética, escritor com vasta obra (poética, narrativa e ensaísta) publicada: Kenneth White, fundador, em 1989, do Instituto Internacional de Geopoética. A importância de seu percurso como criador e seu pensamento sobre literatura e natureza tornaram-se fundamentais para o fortalecimento de uma “teoria-prática” da geopoética9 9 Para melhor compreensão dessa proposta, consultar o site https://www.institut-geopoetique.org/pt/textos-fundadores/56-o-grande-campo-da-geopoetica, do Instituto Internacional de Geopoética. . Na entrevista, originalmente realizada em inglês, mas também traduzida para o português, vemos os compromissos éticos que movem esse escritor e impulsionam ainda hoje seu trabalho iniciado em 1963, quando publica o livro de poesia Wild Coal. É ainda uma forte referência seu livro de ensaios Le Plateau de l’albatros: Introduction à la géopoétique (1994WHITE, Kenneth. Le Plateau de l’albatros: Introduction à la géopoétique. Paris: Grasset, 1994.).

No dossiê, reunimos um conjunto de estudos que discute a ecocrítica, a consciência ecológica e as relações entre natureza e literatura, tomando como objeto de análise obras literárias de diferentes espaços. Para sua abertura, escolhemos o artigo “Pájaros: conciencia ecológica y literatura”, cuja autora, a poeta e professora Margara Russotto, analisa algumas produções literárias latino-americanas contemporâneas como demonstração de uma consciência ecológica problematizadora. Ao destacar um importante estudo já referencial da ecologia atual, Primavera silenciosa (CARSON, 1962CARSON, Rachel. oal. Boston: Houghton Mifflin Company, 1962.), o artigo privilegia um ser da natureza, o pássaro, e suas diferentes representações imagéticas presentes em textos ficcionais e poéticos de alguns autores muito referenciais como Clarice Lispector, Pablo Neruda, Ida Vitale, para citar apenas três nomes.

Do espaço norte-americano, contamos com a contribuição reflexiva de Robert Simon, em cujo artigo, também apresentado em tradução para o português, intitulado “21st Century North American Ecocriticism: The Contestation of The Post-Human Condition in Political Cactus Poems by Jonathan Skinner”10 10 “A ecocrítica norte-americana do século XXI: a contestação à condição pós-humana em Political Cactus Poems de Jonathan Skinner” (tradução nossa) , discute, nesse contexto cultural, como “o intercâmbio da reconhecida ontologia com base no conceito da natureza como universo extra-humano e a sua concomitante epistemologia na poética realça-se como contraste aos devastadores resultados do capitalismo atual.” Seu trabalho examina a ressonância da ecocrítica entre poetas norte-americanos com uma nova concepção do transnacionalismo. Para isso, dá destaque ao poeta Jonathan Skinner, com a obra Political Cactus Poems (2005SKINNER, Jonathan. Political Cactus Poems. Sumas: Palm Press, 2005.), na qual o leitor encontrará o pensamento sobre uma ética natural.

Em “Encontrarse con la naturaleza: identidades ecológicas en Un viejo que leía novelas de amor, de Luis Sepúlveda, y La loca de gandoca, de Anacristina Rossi”, a articulista Claudia Marcela Páez Lotero analisa as narrativas ecologistas indicadas no título do artigo, desenvolvendo a ideia de “identidade ecológica”, segundo o filósofo ambientalista David Utsler, o qual trabalha, como explica Lotero, a “identidade ambiental como uma componente da identidade e como um projeto hermenêutico no qual o sujeito pode encontrar-se com a natureza.” Ao valorar o caráter ativista desses romances, a autora indica a importância de uma mudança de relação com o meio ambiente, no nível político, econômico, social e pessoal.

Já Sandra Sousa, em “O olhar ecocrítico de Boaventura Cardoso em Margens e travessias”, visa a demonstrar o diálogo entre homem e natureza por meio de uma narrativa angolana em que, paralelamente ao percurso dos rios e das descrições da natureza, percorre também a história colonial para compreensão de um passado e abertura de um outro futuro para o país. Com um ponto de vista geográfico ativo, o romance sustenta um olhar ecocrítico sobre a relação da literatura com a natureza.

Em contexto brasileiro, Lívia Penedo Jacob colabora com um estudo intitulado “A literatura indígena brasileira diante de Gaia: ensaiando o fim”. Diante dos graves problemas ambientais que o mundo vem enfrentando cada vez mais destrutivos, a autora discute “como o pensamento ocidental começa a absorver o chamado ‘pensamento ameríndio’”, com base na relação homem/natureza presente nas cosmovisões desses povos, influência perceptível na obra de Bruno Latour e suas propostas antropológicas. Com essa referência, o artigo observa escritores brasileiros da literatura indígena como Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Eliane Potiguara e Marcia Kambeba.

Também na literatura alemã, a questão da natureza se impõe como tema fundamental. Em “Percepções da natureza no poema ‘Näheres über einen baum’, de Hans Magnus Enzensberger”, estudo de Dionei Mathias, é analisado como esse texto, inserto ns coletânea Kiosk (1995), pertence a uma longa tradição lírica sobre a natureza. O título do poema em português, “Mais sobre uma árvore”, refere-se à interpelação da voz lírica ao seu interlocutor a respeito da complexidade da existência da árvore, inserindo essa obra no campo da ecocrítica. A seguir, “Concerto de feras: a vocalização do devir-animal em A Confissão da Leoa (2012), de Mia Couto, e O som do rugido da onça (2021), de Micheliny Verunschk”, artigo assinado por Júlio César de Araújo Cadó e Juliane Vargas Welter, explora o conceito de devir-animal, por Gilles Deleuze e Félix Guattari, comparando esses dois romances contemporâneos, um moçambicano e outro, brasileiro, em convergência com o conto “Meu tio o Iauaretê”, de João Guimarães Rosa. Como é explicado, “Para Mariamar e Iñe-e, protagonistas dos romances, o encontro com as figuras da onça e da leoa, grandes predadores dos dois continentes que ambientam as narrativas, possibilita o acesso a uma animalidade silenciada pelos dispositivos de opressão." Trata-se assim da relação entre o humano e o não humano e o questionamento de fronteiras impostas pelo pensamento ocidental e seus mecanismos ideológicos.

Da mesma forma, em “Árvores sagradas: uma cosmovisão no Chthuluceno”, Angela Guida e Gleidson André Pereira de Melo trabalham com o pensamento ecocrítico tomando como base de análise dois contos de Mia Couto, nos quais a árvore é um símbolo sagrado numa cosmovisão que “integra, de forma indissociável, o humano com a natureza.” No desenvolvimento dessa proposta, os autores abordam temas relacionados com os tempos geológicos propostos por Paul Crutzen (Antropoceno), Jason Moore (Capitaloceno) e Donna Haraway (Chthuluceno), como também questões de alteridade em relação ao devir-vegetal. Há a ênfase na transdisciplinaridade que entrecruza literatura e ambiente.

O título do artigo seguinte, de Marcelo Schincariol, é claramente indicativo de seu conteúdo: “Entre os estudos culturais e os estudos literários: uma breve discussão sobre a crítica literária ecofeminista”. Sua discussão volta-se para a contemporaneidade e para a importância de afirmar essa forma de crítica, assunto ainda pouco enfrentado em contexto brasileiro, mas que se consolida nas discussões dos estudos culturais americanos, sobretudo. Na continuidade dessa reflexão, Débora Scheidt fecha o dossiê com o artigo intitulado “Writing back to the Bible: feminist and Post-Colonial Ecocriticisms in Ursula Le Guin’s She Unnames Them11 11 “Retrucando a Bíblia: Ecocrítica Feminista e Pós-Colonial em “She Unnames Them”, de Ursula Le Guin”. (tradução nossa). . Seu estudo analisa como a escritora norte-americana Ursula Le Guin (1929-2018) reescreve e desloca o texto bíblico, explorando as articulações entre feminismo, pós-colonialismo e ecocrítica, no conto “She Unnames Them”, publicado em 1985, em The New Yorker e com muitas republicações e reverberações até hoje.

Integram ainda o sumário deste número três artigos da seção Varia. No primeiro, “Reminiscências da paisagem angolana na pós-memória de ‘Retornados’: Um estudo em Vila Real (Portugal)”, Thais Gaia Schüler, Filipe Ribeiro, Orquídea Moreira Ribeiro e Magna Lima Magalhães demonstram como a paisagem angolana, como identidade, é matéria de memória em depoimentos orais e narrativas de “retornados” de África, “estabelecidos na região transmontana do Concelho de Vila Real (Portugal)”. Nesse estudo aplicado, foram considerados “três conjuntos de fontes principais: fontes literárias, empíricas locais escritas e a história oral, estas analisadas à luz dos conceitos de história ambiental, pós-memória e memória ambiental.” No segundo texto, intitulado “Capitalismo patriarcal em tempos de antropoceno: reflexões sobre a distopia feminista Deuses de Pedra”, as autoras Mariana Link Martins, Jenifer da Silva Dias e Cláudia Lorena Vouto da Fonseca analisam o romance referido no título, da autora britânica Jeanette Winterson, “como uma distopia feminista que retrata o antropoceno e suas urgências com um fio condutor de histórias trágicas que se entrelaçam em diferentes espaços-tempos”. A base teórica é a crítica feminista, sobretudo com as reflexões de Silvia Federici sobre as relações de raça, gênero e sexualidade constituidoras do modelo de exploração capitalista. O artigo final, “Louis-Xavier de Ricard e o parnasianismo no Brasil”, de Alckmar Luis dos Santos, examina como esse poeta francês, “um dos organizadores do primeiro número do Parnasse Contemporain” ressoou na produção poética dos parnasianos brasileiros.

Este número 61 da Gragoatá publica ainda duas resenhas: uma sobre a coletânea Ilhas de vozes em reencontros compartilhados, sob organização de Susana L. M. Antunes e publicada nos Estados Unidos, em língua portuguesa, na qual um grande conjunto de textos trata do espaço da ilha e do arquipélago em diferentes obras literárias ou na escrita de diversos poetas e narradores nessa língua. A segunda resenha examina criticamente a mais recente biografia de Clarice Lispector, realizada por Teresa Montero, À procura da própria coisa, cuidadosa e detalhada pesquisa sobre essa escritora brasileira fascinante. A obra demonstra que, mesmo após três décadas de investigação, retratar Clarice é sempre ter que lidar com o provisório.

Esperamos, portanto, que o leitor encontre, neste novo número dedicado aos estudos literários, abordagens instigantes sobre literatura e natureza, ecocrítica e ecofeminismo, áreas ainda em expansão no pensamento crítico brasileiro, mas já com ampla discussão em outros espaços internacionais. Assim sendo, a contribuição desta reunião de estudos, com a colaboração de autores brasileiros e norte-americanos ou radicados nos Estados Unidos, será motivar o alargamento de um horizonte de trabalho teórico e analítico e determinar espaços reflexivos de grande interesse para quem se aproxima cada vez mais da relação entre literatura e natureza, literatura e ecologia, em busca de uma nova ética para a contemporaneidade.

References

  • BATE, Jonathan. The Song of the Earth London: Picador, 2001.
  • BRAIDOTTI, Rosi. The Posthuman Cambridge; Malden: Polity, 2013.
  • CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-193.
  • CARSON, Rachel. oal Boston: Houghton Mifflin Company, 1962.
  • LEOPOLD, Aldo. A Sand County Almanac: And Sketches Here and There. New York: Oxford University Press, 1949.
  • MCKUSICK, James C. Green Writing: Romanticism and Ecology. New York: St. Martin’s Press, 2000.
  • MORTON, Timothy. Being Ecological Cambridge: MIT Press, 2018.
  • SKINNER, Jonathan. Political Cactus Poems Sumas: Palm Press, 2005.
  • WHITE, Kenneth. Le Plateau de l’albatros: Introduction à la géopoétique. Paris: Grasset, 1994.
  • 10
    Susana L. M. Antunes é professora associada de português e coordenadora do programa de português no Departamento de Espanhol e Português, na Universidade de Wisconsin-Milwaukee. Faz parte do grupo de pesquisa em Estudos e Paisagens na Literatura Portuguesa (Universidade Federal Fluminense, Brasil), Escritoras de língua portuguesa do tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo (IELT, CICS.NOVA/Faces de Eva, CRILUS/UR Études Romanes, da Universidade Paris Nanterre) e da Enciclopédia Digital em Estudos Insulares (Centro de Estudos Comparativos da Universidade de Lisboa). Coordena os Cadernos de Estudos Açorianos e é tradutora do Institut International de Géopoétique. Autora e coordenadora de diversos livros, capítulos e artigos publicados em revistas acadêmicas nacionais e internacionais sobre poesia portuguesa moderna e contemporânea, assim como estudos em perspectiva comparativa que integram a ecocrítica e a geopoética na literatura de ilhas em língua portuguesa, francesa e inglesa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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