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Árvores Sagradas: uma cosmovisão no Chthuluceno

The Sacred Trees: A Worldview in The Chthulucene

RESUMO

O presente artigo propõe reflexões na perspectiva do pensamento ecocrítico por meio de uma leitura dos contos “A palmeira de Nguézi” e “O embondeiro que sonhava pássaros” de Mia Couto. Ao revelar a importância da árvore como símbolo sagrado nos contos, o escritor moçambicano apresenta conexões da ancestralidade fundando-se em uma cosmovisão que integra, de forma indissociável, o humano com a natureza. O legado intergeracional de diversas culturas pertencentes aos povos tradicionais ao redor do mundo vem sendo afetado por interferências nocivas na natureza ditadas por processos colonizadores. Diante desse cenário, em que são incluídos os saberes ancestrais, destacamos o Chthuluceno proposto por Donna Haraway no qual “estamos em cena uns para os outros”. Ressaltamos a importância de temas relacionados aos tempos geológicos propostos por Paul Crutzen (Antropoceno), Jason Moore (Capitaloceno) e Donna Haraway (Chthuluceno), como também questões de alteridade ao referenciarmos o devir-vegetal representado nos contos de Mia Couto como uma indissociável relação humano e natureza. Diante dessa perspectiva, buscou-se trazer à luz do discurso ecocrítico o resgate da ancestralidade moçambicana conectada com “A palmeira de Nguézi” e “O embondeiro que sonhava pássaros”. Considerando-se a transdisciplinaridade no contexto literário e ambiental, os contos analisados direcionam para a intrínseca relação humano e natureza e despertam para uma melhor compreensão sobre as relações humanas no tocante à alteridade e reflexões decoloniais.

Palavras-chave:
Literatura e Meio ambiente; Mia Couto; Ecocrítica; Alteridade; Decolonialidade da natureza

ABSTRACT

The present paper proposes reflections upon the perspective of ecocritical thought based on the reading of the short stories “A palmeira de Nguézi” and “O embondeiro que sonhava pássaros” by Mia Couto. By revealing the importance of the tree as a sacred symbol in the tales, the Mozambican writer presents connections of ancestry through a worldview that inseparably integrates the human and nature. The intergenerational legacy of diverse cultures belonging to traditional peoples around the world has been affected by negative interference in the environment dictated by colonizing processes. In this scenario, in which ancestral knowledge is included, we highlight the Chthulucene proposed by Donna Haraway in which “we are at stake to each other". We highlight the importance of the themes related to the geological times proposed by Paul Crutzen (Anthropocene), Jason Moore (Capitalocene), and Donna Haraway (Chthulucene), as well as issues of otherness when referencing the becoming-vegetable represented in the tales of Mia Couto as an inseparable human and nature relationship. In front of the perspective, we sought to bring to light the ecocritical discourse, anchored in the Chthulucene, the rescue of the Mozambican ancestry connected with “A palmeira de Nguézi” and “O embondeiro que sonhava pássaros”. Considering the transdisciplinarity in the literary and environmental context, the tales analyzed point to the intrinsic relationship between human and nature and awaken to a better understanding of human actions concerning otherness and decolonial reflections.

Keywords:
Literature and environment; Mia Couto; Ecocriticism; Otherness; Decoloniality of nature

Quando os meus olhos estão sujos da civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvore e aves. Manoel de Barros, Livro de pré-coisas A vida é esse atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial. Ailton Krenak, A vida não é útil Os outros têm caligrafia. Eu tenho sotaque. O sotaque da terra. Mia Couto, O outro pé da sereia

Árvores sagradas e o saber ancestral

Presente nos contos “A palmeira de Nguézi” e “O embondeiro que sonhava pássaros”, a árvore sagrada é representada por elementos que conectam o ser humano ao mundo natural por meio de saberes ancestrais. Nesse universo, em defesa de uma linguagem da ordem do invisível e do onírico, Mia Couto destaca que “[...] ao lado de uma língua que nos faça ser humanidade, deve existir uma outra que nos eleve à condição de divindade” (COUTO, 2011COUTO, Mia. Línguas que não sabemos que sabíamos. In: COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?: e outras interinvenções. São Paulo: Companhia das Letras , 2011. p. 11-24., p. 24).1 1 Os textos citados neste artigo, incluídos nas obras de Mia Couto, mantiveram a ortografia original. O conhecimento traduzido por meio da ancestralidade de qualquer povo e suas culturas conectadas à “Mãe Terra” carrega consigo um legado que pode ser compreendido em uma linguagem que se reveste de significados e resguarda o sentido de proteção da natureza, pois a teia que tece a vida e mantém as condições estruturais da Terra favoráveis também depende do conhecimento dos povos ancestrais de qualquer parte do mundo.

O pensamento poético-ecológico presente nas obras de Mia Couto nos convida a experienciar uma linguagem que remete à compreensão da vida com base na indissociável percepção do ser humano com a natureza, por meio de reflexões da própria condição de ser-no-mundo, de pertencimento e de conexão com todos os elementos bióticos, abióticos e do legado cultural africano, sobretudo de Moçambique.

Nesse sentido de conexão com a vida, a forma poética traduzida por Mia Couto consolida-se em uma linguagem de encontros e de percepções em que a condição de vida é elevada a estágios de reflexões diante dos desafios e complexidades que se convertem em notações poéticas. Nessa perspectiva, em um momento em que a escrita triunfa como meio de comunicação, Antonio Candido revela que a poesia pura do nosso tempo esqueceu o auditor e visa principalmente a um leitor atento e reflexivo, capaz de viver no silêncio e na meditação o sentido do seu canto mudo (CANDIDO, 2019CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 13. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2019. 204 p.). Fundando-se nessa dinâmica, tecemos uma intrínseca relação que se reveste de sentimentos e de pertencimento ao lugar, pois somos natureza e estamos inseridos na poética da vida.

Ana Cláudia da Silva (2010SILVA, Ana Cláudia da. O rio e a casa: imagens do tempo na ficção de Mia Couto. São Paulo: Cultura Acadêmica ; Editora UNESP, 2010. 285 p. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/110765 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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) acentua que, desde a década de 1990, a obra de Mia Couto vem sendo estudada no Brasil. Há uma considerável fortuna crítica que privilegia diferentes aspectos da obra do escritor moçambicano, tais como memória, infância, discurso identitário, guerra civil, tradição oral, ancestralidade, tempo mítico, colonialismo, pós-colonialismo e realismo fantástico. Não obstante, diante de toda essa diversidade temática e do acentuado número de produções acadêmicas que têm a obra de Mia Couto como referente, uma questão nos chamou atenção: um tímido número de leituras que dialogam com questões ligadas à ecologia e ao meio ambiente. Isso nos causa estranheza porque são questões que sempre estiveram presentes na poética coutiana, quer nas de cunho ficcional, quer naquelas de cunho ensaístico. “Mia Couto, assume literária e ensaisticamente o propósito de suscitar uma reflexão sobre a relação entre humanos e não humanos” (MENDES, 2022MENDES, Maria do Carmo Cardoso. “Foram os animais que começaram a fazer-me humana”: a ética animal em Mia Couto. Revista Interdisciplinar de Literatura e Ecocrítica, Brasil, v. 1, n. 10, p. 33-40, jun./jul. 2022. Disponível em: https://asle-brasil.com/journal/index.php/aslebr/article/view/237 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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, p. 39). Mia Couto busca a unidade entre os seres, o encantamento com todas as formas de vida, logo, sua formação como biólogo e seu ativismo ambiental não se dissociam de sua produção literária.

Mia Couto, ao assumir sua posição fronteiriça entre a literatura e a biologia, coloca perspectivas socioambientais que trazem a realidade de Moçambique frente a seus desafios para a permanência dos ecossistemas locais e para o enfrentamento dos efeitos da crise socioambiental no contexto moçambicano. Todavia, esse discurso atravessa os limites do território de seu país e se espraia em uma posição ética muito mais ampla que convoca os seres humanos a refletir sobre sua relação simbólica e concreta com a natureza. [...] Diante disso, a produção de Mia Couto se insere em um projeto literário cuja dimensão socioambiental comprova um modo particular de intervenção política. Essa intervenção parece se coadunar, ainda, com uma perspectiva que aponta, utopicamente, para manutenção de um ecossistema que, ao diluir hierarquias herdadas do pensamento moderno-colonial-capitalista, põe em seu lugar alternativas que apontam para uma sensibilidade poética e modelos de ação política nos quais as diferentes formas de vida projetam um mundo para além da hegemonia do capitalismo predatório. (SANTOS JÚNIOR; SILVA, 2021SANTOS JÚNIOR, José Welton Ferreira dos; SILVA, Regina Vecchia da Rocha. Para ler o mundo nas páginas da terra: uma leitura socioambiental de Terra Sonâmbula, de Mia Couto. Revista Terceira Margem, v. 25, n. 46, p. 221-238, maio/ago. 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/38533 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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, p. 226-228).

Leituras da poética de Mia Couto que acenam para a ecocrítica são mais recentes e ainda tímidas. Quando se trata de fortuna crítica produzida no Brasil, Márcio Matiasi Cantarin, um estudioso de ecocrítica e da obra de Mia Couto, parece ter sido um dos primeiros a ler a poética coutiana pelo viés dessa teoria. Cantarin (2012CANTARIN, Márcio Matiassi. Por uma nova arrumação do mundo: a obra de Mia Couto em seus pressupostos ecosóficos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. 222 p. (Coleção PROPG Digital - UNESP). Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/109206 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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), por meio de busca na base de dados da Capes, observa que não havia registro anterior a sua pesquisa de qualquer produção acadêmica que contemplasse o diálogo de Couto com questões ambientais ligadas aos pressupostos da ecocrítica. Tal observação parece, de certa forma, dissonante, afinal, grande parte da obra do escritor moçambicano está com os pés fincados na terra, tem o “sotaque da terra”. Sua obra é aberta à leitura do “livro da natureza” (MENDES, 2022MENDES, Maria do Carmo Cardoso. “Foram os animais que começaram a fazer-me humana”: a ética animal em Mia Couto. Revista Interdisciplinar de Literatura e Ecocrítica, Brasil, v. 1, n. 10, p. 33-40, jun./jul. 2022. Disponível em: https://asle-brasil.com/journal/index.php/aslebr/article/view/237 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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, p. 36), por que se dá como escuta de vozes outras.

Os aspectos relacionados com a literatura e o meio ambiente, presentes na poética de Mia Couto, vão além dos cenários de representação do ambiente ficcional e revelam um sentido ecopoético, por fazer despertar o encontro com o significado da natureza, indissociável da linguagem e das palavras refletidas na tradição moçambicana e africana. Como observa Santos Júnior e Silva (2021SANTOS JÚNIOR, José Welton Ferreira dos; SILVA, Regina Vecchia da Rocha. Para ler o mundo nas páginas da terra: uma leitura socioambiental de Terra Sonâmbula, de Mia Couto. Revista Terceira Margem, v. 25, n. 46, p. 221-238, maio/ago. 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/38533 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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), a obra ensaística alimenta a obra ficcional e vice-versa.

[...] é possível identificar [nos textos não ficcionais] a presença de temas que atravessam, com maior ou menor ênfase, sua produção. Moçambique, suas gentes, seu território e sua natureza se organizam em torno de um complexo sistema a partir do qual o autor questiona a realidade social, destacando as relações de contiguidade entre sujeitos, culturas e meio ambiente. Além disso, seus saberes incorporados ao texto literário representam um universo de sensibilidades para além do reducionismo operado pelo colonialismo e suas estratégias simbólicas e concretas de opressão. Estaríamos, portanto, diante de um contexto histórico compreendido também como ecossistema, no qual as mais diferentes formas de vida manteriam uma relação de interdependência e de reciprocidade, traduzidas como linguagem e diversidade no interior da ficção. (SANTOS JÚNIOR; SILVA, 2021SANTOS JÚNIOR, José Welton Ferreira dos; SILVA, Regina Vecchia da Rocha. Para ler o mundo nas páginas da terra: uma leitura socioambiental de Terra Sonâmbula, de Mia Couto. Revista Terceira Margem, v. 25, n. 46, p. 221-238, maio/ago. 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/38533 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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, p. 222).

Os saberes tradicionais da diversificada cultura moçambicana estão presentes nas obras de Mia Couto, as quais figuram o pensamento poético-ecológico e podem ser discutidas à luz das reflexões ecocríticas. Dessa comunhão entre saber literário e ambiental, Lawrence Buell, Ursula Heise e Karen Thornber destacam a importância a respeito do lugar no que concerne ao tempo histórico em que “o conceito de lugar sempre foi de interesse central para os estudos de literatura e meio ambiente. A razão para isto é intradisciplinar (para corrigir a negligência histórica em relação à configuração do enredo, personagem, imagem e símbolo em obras literárias)” (BUELL; HEISE; THORNBER, 2011BUELL, Lawrence; HEISE, Ursula; THORNBER, Karen. Literature and environment. Annual Review of Environment and Resources, California, v. 36, p. 417-440, 2011. Disponível em: http://environment.harvard.edu/sites/default/files/Buell_Heise_Thornber_ARER_2011_Lit_and_Envt.pdf . Acesso em: 10 jun. 2022.
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, p. 420, tradução nossa).2 2 Texto original: The concept of place has always been of central interest to literature-environment studies. Part of the reason for this is intradisciplinary (to redress the historic neglect of setting relative to plot, character, image, and symbol in literary works) (BUELL; HEISE; THRNBER, 2011, p. 420).

Assim, nesse cenário que congrega natureza, cultura e sociedade, relacionados com as discussões sobre temas ambientais importantes presentes na literatura, surgiu a ecocrítica cuja “[...] ênfase na interdisciplinaridade assume que as humanidades e as ciências devem dialogar e que seus debates devem ser informados igualmente pela atividade crítica e criativa” (GIFFORD, 2009GIFFORD, Terry. A ecocrítica na mira da crítica atual. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 20, p. 244-261, jan./jul. 2009. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/download/11049/8065 . Acesso em: 15 jul. 2022.
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, p. 244). Por esse viés, os estudos ecocríticos passaram a ganhar força a partir da década de 1990, com a criação da ASLE - Association for the Study of Literature and Environment (2022ASLE. Ecocriticism and environmental humanities. Asle.org, Keene, 2022. Disponível em: https://www.asle.org/explore-our-field/ecocriticism-and-environmental-humanities . Acesso em: 16 set. 2022.
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).3 3 Quando a ASLE foi criada em 1992, a ecocrítica era um campo interdisciplinar emergente nos estudos literários e culturais. Nas últimas duas décadas, a ecocrítica se desenvolveu em uma variedade de períodos históricos, gêneros literários e artísticos, histórias culturais, estruturas teóricas e métodos de pesquisa e Ensino (ASLE, 2022). Disponível em: https://www.asle.org/explore-our-field/ecocriticism-and-environmental-humanities. Acesso em: 25 jun. 2022. Essa década é sintomática, pois se trata de um período cujos sinais de degradação ambiental começaram a se intensificar, período em que as ações humanas contra os ecossistemas se tornaram mais visíveis aos olhos do mundo - a saber: contaminação de mares e rios, extinção de algumas espécies, aumento de gases poluentes, desmatamentos e crise climática, segundo Mendes (2020MENDES, Maria do Carmo. No princípio era a natureza: percursos da ecocrítica. Revista Anthropocenica: Revista de Estudos do Antropoceno e Ecocrítica, Braga, v. 1, p. 91-104, 2020. Disponível em: https://revistas.uminho.pt/index.php/anthropocenica/issue/archive . Acesso em: 14 out. 2022.
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). Cheryll Glotfelty, a cofundadora da ASLE (2022ASLE. Ecocriticism and environmental humanities. Asle.org, Keene, 2022. Disponível em: https://www.asle.org/explore-our-field/ecocriticism-and-environmental-humanities . Acesso em: 16 set. 2022.
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) e a primeira professora de Literatura e Meio Ambiente dos Estados Unidos, apresenta a definição de ecocrítica como um movimento importante que trouxe à luz dos debates questões ambientais urgentes:

Ecocrítica é o estudo da relação entre a literatura e o ambiente físico. Assim como a crítica feminista examina a linguagem e a literatura em uma perspectiva consciente de gênero, e a crítica marxista traz uma consciência dos modos de produção e classe econômica para sua leitura de textos, a ecocrítica tem uma abordagem centrada na terra para os estudos literários. (GLOTFELTY, 1996GLOTFELTY, Cheryll. Introduction. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (ed.). The ecocriticism reader: landmarks in literary ecology. London: University of Georgia Press, 1996. p. 15-37., p. 18, tradução nossa).4 4 Texto original: Ecocriticism is the study of the relationship between literature and the physical environment. Just as feminist criticism examines language and literature from a gender-conscious perspective, and Marxist criticism brings an awareness of modes of production and economic class to its reading of texts, ecocriticism takes an earth-centered approach to literary studies (GLOTFELTY, 1996, p. 18).

Alinhados ao pensamento ecológico, os estudos ecocríticos podem ser conduzidos como uma forma de despertar o interesse na leitura que atravessa a realidade além do objeto ficcional, por tratar de questões sociais e ambientais necessárias relacionadas à vida na Terra, o meio físico e o estabelecimento das relações com os saberes em uma “dimensão imaterial”, como citado por Krenak (2020KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras , 2020. 128 p.) em epígrafe. Nesse sentido, é primordial perceber que o contexto ambiental presente na literatura pode revelar aspectos vitais das culturas dos povos e as suas relações com a Terra, além de questões de alteridade e de pertencimento ao lugar.

Em um determinado contexto cultural, no tocante à referência da árvore como um dos símbolos da humanidade, Maria do Rosário Pontes aponta que o significado remete ao arquétipo, termo postulado por Carl Jung para designar o inconsciente coletivo que surge nos mitos:

Um dos símbolos universais mais presentes em todas as mitologias, em todas as tradições e religiões, em todas as civilizações proto-históricas (desde o Antigo Egito à China arcaica) e que necessariamente sobrevive no imaginário coletivo da Humanidade, manifestando ainda hoje, com toda a sua força de estrutura dinâmica das profundidades anímicas, nas lendas, nos contos, nos mitos e, obviamente no universo onírico. (PONTES, 1998PONTES, Maria do Rosário. A árvore: um arquétipo da verticalidade: contributo para um estudo simbólico da vegetação. Revista da Faculdade de Letras: Línguas e Literaturas, Porto, n. 15, p. 197-220, 1998. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/8847 . Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 197-198).

Intrínseco a cada cultura de povos locais, regionais, ou até mesmo de pertencimento ao legado cultural de um país ou continente, como é o caso do Brasil e dos países africanos, o arquétipo relacionado com a árvore remete à vida espiritual e aos saberes ligados à ancestralidade.

Nesse universo de culturas, o qual inclui os saberes conectados aos elementos da natureza, nós, “os seres pensantes” e “racionais”, partilhamos da mesma teia que tece a vida e vai além daquilo que entendemos como natureza constituída por seres vivos e o meio ambiente físico. Nesse ponto, Terry Eagleton relaciona cultura com natureza, ao despertar atenção para uma reflexão acerca do posicionamento diante desses dois conceitos importantes:

Se somos seres culturais, também somos parte da natureza que trabalhamos. Com efeito, faz parte do que caracteriza a palavra “natureza” o lembrar-nos da continuidade entre nós mesmos e nosso ambiente, assim como a palavra “cultura” serve para realçar a diferença. (EAGLETON, 2011EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011. 208 p., p. 15).

Com base nessa citação, é importante pontuar a compreensão de que tudo está conectado: culturas, sociedades, os seres humanos, todos os seres vivos, a natureza com toda sua composição e os saberes dos povos como legado imaterial. Assim, toda essa tecitura que rege a vida é inseparável e não deve ser compreendida como elementos isolados em um mundo das coisas e conceitos formatados. Partindo desse pressuposto, torna-se relevante a proposta de Dona Haraway de transformar natureza e cultura em um único sintagma - naturezacultura5 5 Algumas edições trazem as duas palavras ligadas por hífen, como é o caso da edição O manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade significativa, realizada pela Bazar do tempo, 2021, com tradução de Pê Moreira. Nós estamos nos guiando pela tradução feita pela bióloga e analista ambiental, Sandra Michelli da Costa Gomes, a partir da edição em inglês de 2003. - a fim de potencializar a ideia de não cisão entre essas duas forças e evidenciar a importância do pensamento que tem em conta a noção de interespécie. “Carne e significante, corpos e palavras, histórias e mundos: estes estão unidos em naturezaculturas” (HARAWAY, 2003HARAWAY, Donna. O manifesto das espécies de companhia: cães, pessoas e a outridade significante. Tradução de Sandra Michelli da Costa Gomes. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003. Disponível em: https://realismostentacularesart.files.wordpress.com/2020/02/manifesto_das_especies_de_companhia.pdf . Acesso em: 16 out 2022.
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, p. 9).

Na relação cultura e natureza, o arquétipo árvore como símbolo universal reconhece a árvore da vida como marca inerente à formação do universo e da Terra, e a “[...] sua simbologia está também ligada ao sacrifício e à cruz em grande parte das mitologias religiosas de vários povos do mundo, para além dos cristãos, como os maias, os vikings ou os hindus” (PORTO EDITORA, 2022PORTO EDITORA. Árvore da vida. Infopedia.net, Dicionários Porto Editora. Porto, 2022. Disponível em: https://www.infopedia.pt/$arvore-da-vida . Acesso em: 26 jul. 2022.
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). Como símbolo da tradição cristã (Gn 2,9), a árvore da vida, do conhecimento, e a árvore do bem e do mal são representadas no Jardim do Éden: “O Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal”.

No sentido em que enleva o imaginário coletivo, a árvore é representada como marca indelével da cultura africana e brasileira, como descrita em uma videoconferência apresentada na Festa Literária Internacional de Paraty - Flip 2021. Em um diálogo intitulado Árvores e escrita (2021), Paulina Chiziane, autora de Balada de amor ao vento (1990), considerado o primeiro romance escrito por uma mulher moçambicana; e Itamar Vieira Junior, autor de Torto arado (2019), apresentaram as relações literárias da árvore entre as culturas de África e do Brasil.

Como fonte de conexão com a ancestralidade, Paulina Chiziane destaca a importância da árvore para os moçambicanos e africanos como símbolo de respeito e de ligação com os transcendentes:

Normalmente, fazemos uma oração na base de uma árvore. A oração para o transcendente é feita por uma razão muito especial que é a seguinte: A árvore para nós é o ser mais perfeito, com três dimensões em simultâneo, isto é, a árvore tem a raiz que está no fundo da terra, esse lugar sagrado chamado terra, onde dormem os nossos antepassados; o tronco e a sombra da árvore que representam o cotidiano, o dia a dia, que é a sociedade; e temos a copa da árvore, os ramos da árvore. Então, quando eu faço uma oração na base da árvore, estou me comunicando com três dimensões em simultâneo: o passado, que é representado pela raiz; o presente, que é representado pelo tronco; e pela sombra e o transcendente, que são representados pelos ramos. Por muito que eu junte as mãos e faça prece para o Divino, as minhas mãos são demasiadamente curtas. Então, eu tenho que pedir ajuda da árvore, ajuda do espírito da árvore para elevar a minha oração até o transcendente. Essa é uma das razões que faz com que, de maneira geral, o africano vá à igreja formal para fazer a oração aos domingos, mas, no momento mais sagrado da vida do africano, ele volta para fazer a oração embaixo da árvore. (CHIZIANE, 2021ÁRVORES e escrita, com Paulina Chiziane e Itamar Vieira Junior. [S. l.: S. n.], 29 nov. 2021. 1 vídeo (1h 17 min 34 seg). Publicado no canal Flip - Festa Literária Internacional de Paraty. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UnU1KrOXNJQ . Acesso em: 2 set. 2022.
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, informação verbal).

A partir da fala de Paulina Chiziane, e diante de uma cosmovisão conectada ao Chthuluceno, termo usado por Donna Haraway, em referência à atual permanência da humanidade no planeta, em que “os seres humanos são com e da Terra e os poderes bióticos e abióticos da Terra são a história principal” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom, Campinas, v. 5, n. 3, p. 139-148, 2016c. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/ . Acesso em: 31 mar. 2022.
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a, p. 55, tradução nossa),6 6 Texto original: Human beings are with and of the Earth, and the biotic and abiotic powers of this Earth are the main story (HARAWAY, 2016a, p. 55). vale destacar, dentro de uma dinâmica desestabilizadora com grau de interferência na estrutura do planeta, ao ponto de extinguir espécies, comprometendo, assim, o ambiente físico e interferindo nas culturas dos povos, que é importante ressignificar o discurso e buscar uma compreensão a qual a espécie humana não represente a única a ter o status de privilégios na natureza, pois fazemos parte de um complexo sistema no qual cada elemento constituinte depende um do outro para o equilíbrio e manutenção da vida.

A respeito da crítica literária, temas que podem ser discutidos no campo da literatura e meio ambiente sempre se fizeram presentes. A fim de ilustrar uma problemática que afeta a natureza e todos os elementos que a compõe, destacamos um fragmento do poema escrito no período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), “A guerra, que aflige com os seus esquadrões o mundo” de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, que faz referência aos limites das relações do ser humano com o mundo exterior e capta a essência da capacidade humana em alterar o ciclo natural da vida:

A guerra, como todo humano, quer alterar. Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito E alterar depressa. [...] Deixemos o universo e os outros homens onde a Natureza os pôs. Tudo é orgulho e inconsciência. Tudo é querer mexer-se, fazer cousas, deixar rasto. (PESSOA, 2007PESSOA, Fernando. Alberto Caeiro: poemas completos. São Paulo: Saraiva, 2007. 368 p., p. 113).

Assim como no poema escrito no início do século XX, tantas outras obras literárias podem ser lidas à luz do pensamento ecocrítico. Vale ressaltar que a ecocrítica, conforme Terry Gifford, é considerada um movimento relativamente novo, sendo possível identificar questões ambientais que estão presentes não somente na literatura mas também em diversos contextos sociais e culturais e “[...] apontam para novas direções para a pesquisa em campos variados: ecofeminismo, textos tóxicos, natureza urbana, darwinismo, literaturas étnicas, justiça ambiental e ambientes virtuais, por exemplo” (GIFFORD, 2009GIFFORD, Terry. A ecocrítica na mira da crítica atual. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 20, p. 244-261, jan./jul. 2009. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/download/11049/8065 . Acesso em: 15 jul. 2022.
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, p. 244). A ecocrítica assim se notabiliza por abordar temas importantes como estudos animais, estudos vegetais, justiça ambiental, ecofeminismo e o direito à vida na terra, dentre outros contextos relacionados à exploração de territórios e que podem contribuir para o apagamento da memória de um povo, devido ao efeito colonizador que se dá pela imposição de novas formas de culturas.

Ecocrítica e o pensamento ecológico

A respeito da conotação de ecologia, Félix Guattari argumenta que deveria deixar de ser um vínculo apenas de uma pequena minoria dos amantes da natureza ou de especialistas, porque “[...] ela põe em causa o conjunto da subjetividade e das formações de poder capitalísticos - os quais não estão, de modo algum, seguros de que continuarão a vencê-la” (GUATTARI, 2012GUATTARI, Félix. As três ecologias. 21. ed. Campinas: Papirus, 2012. 56 p., p. 36). Uma das questões mais intrigantes e controversas, pautada na ruptura homem-natureza, é o poder de movimentação do capital financeiro em favor do “ecologicamente correto” e do “desenvolvimento” em busca do “sustentável”. O discurso ambientalista, em proveito da estabilidade e do equilíbrio das relações benéficas de conservação do planeta, se torna uma ameaça ao poder do capital que promove a destruição das florestas, poluem rios e solos e aniquilam os povos e suas culturas.

Em Políticas da natureza, Bruno Latour argumenta que a ecologia política não deve ser vista como uma preocupação nova que surgiu na consciência dos ocidentais em meados do século XX, graças a forças políticas que tinham o intuito de incluir questões relacionadas com os recursos naturais. Latour, em resposta às condições de separação que afastam o ser humano da natureza, enfatiza que a ecologia política “[...] faz, afinal, eclodir o debate público de sua associação milenar com a natureza! É ela e somente ela, que põe sobre o palco a qualidade intrinsecamente política da ordem natural!” (LATOUR, 2019LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora Unesp , 2019. 351 p., p. 53). É importante compreendermos que prevalece a força do capitalismo como fator preponderante nas políticas ambientais, com o poder de promover a conservação e a proteção da natureza, embora favoreça, de forma velada, a destruição do ambiente natural.

Em uma referência ao pensamento ecológico, evidenciado na importância dessa forma de compreensão das relações de conexão com a natureza, Timothy Morton enfatiza que “[...] a crise ecológica que enfrentamos é tão óbvia que se torna fácil para alguns e estranhamente ou assustadoramente fácil de juntar os pontos e ver que tudo está interconectado” (MORTON, 2010MORTON, Timothy. The ecological thought. Harvard University Press, 2010. 163 p., p. 1, tradução nossa).7 7 Texto original: The ecological crisis we face is so obvious that it becomes easy-for some, strangely or frighteningly easy-to join the dots and see that everything is interconnected (MORTON, 2010, p. 1). É importante perceber que qualquer forma de vida depende das condições favoráveis para sobrevivência na Terra; e o fato de que tudo está conectado reflete diretamente nos suportes da vida. Assim, devemos levar em consideração que uma floresta depende do solo com seus nutrientes, das condições climáticas favoráveis e de muitos outros seres vivos, que, de forma harmônica, contribuem para a manutenção da vida. A supressão de um desses elementos essenciais põe em xeque não somente a integridade do extrato vegetal, mas também compromete o equilíbrio de todo um ecossistema.

Tendo em vista o processo colonizador, grandes empresas nacionais e multinacionais promovem a retirada das riquezas da terra para alimentar as indústrias e movimentar a maquinaria do capital financeiro global, o que, além de gerar impactos negativos e significativos para o meio ambiente, interfere no ritmo de vida das populações locais, principalmente as que vivem das provisões da terra, como os povos indígenas, quilombolas, caiçaras e ribeirinhos, desestruturando e interferindo nas culturas dessas comunidades e contribuindo com as mudanças climáticas que afetam o planeta e toda a biodiversidade.

As representatividades políticas e econômicas voltadas para o progresso da humanidade devem assumir que as velhas e as novas impressões deixadas na Terra podem despertar para uma sensibilização quanto aos problemas ambientais globais, no sentido de promover ações individuais e coletivas para mitigar os impactos negativos causados por longas datas e revelar o quão deve ser urgente a percepção e o poder das relações humanas de pertencimento à natureza, pois fazemos parte de uma intrincada rede de conexões intitulada, por Frijot Capra, de “a teia da vida” (CAPRA, 1996CAPRA, Frijot. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. 249 p.).

Como parte dessa dinâmica que integra a ecologia, é clara a percepção voltada às atividades humanas em proveito dos recursos naturais, pois, conforme argumenta Timothy Morton, “[...] ao que costumamos chamar de meio ambiente está sendo alterado, degradado e erodido (destruído) pelas forças globais da indústria e do capitalismo, e justamente quando precisamos saber o que é, está desaparecendo” (MORTON, 2010MORTON, Timothy. The ecological thought. Harvard University Press, 2010. 163 p., p. 10, tradução nossa).8 8 Texto original: Since what we often call the environment is being changed, degraded, and eroded (and destroyed) by global forces of industry and capitalism. Just when we need to know what it is, it's disappearing (MORTON, 2010, p. 10).

Vivemos em um momento de desconfiança global e estamos diante das conturbadas relações político-econômicas que afetam principalmente os países mais pobres economicamente, devido a fortes pressões no contexto de explorações de toda sorte, inclusive do ambiente natural que, em nome do “desenvolvimento sustentável,” está prestes a colapsar juntamente com as sociedades humanas.

Notas sobre o Antropoceno, o Capitaloceno e o Chthuluceno

Dentre as espécies do gênero Homo e sua evolução, há cerca de 13 mil anos, o Homo sapiens é a única espécie humana que sobreviveu (HARARI, 2017HARARI, Yuval Noha. Sapiens: uma breve história da humanidade. 21. ed. Porto Alegre: L&PM, 2017. 464 p.). Para se manter até os dias atuais, o ser humano se estabeleceu na Terra, plantou, caçou, extinguiu espécies e elaborou ferramentas cada vez mais sofisticadas que evoluíram ao longo de milhares de anos até a criação de tecnologias capazes de interferir no equilíbrio sistêmico do planeta, mais acentuadamente com o advento da Revolução Industrial no século XVIII.

Assim como o surgimento de indústrias que necessitam de combustíveis, em grande parte fósseis, para o funcionamento e a produção em larga escala de bens de consumo e de alimentos, a fim de atender demandas da população global, diversos modos de interferências antrópicas contribuem de forma crescente com as alterações das condições da superfície da Terra, tais como: o desmatamento de florestas para dar lugar à agricultura e à pecuária, sobretudo a produção de grãos e a criação de gado; e a exploração mineral ditada pela destruição de ecossistemas. Paul Crutzen sugeriu uma nova época geológica intitulada de Antropoceno:

Por causa das atividades humanas que também cresceram e se tornaram forças geológicas significativas, por exemplo, por meio de mudanças no uso da terra, desmatamento e queima de combustíveis fósseis, justifica-se atribuir o termo “antropoceno” à época geológica atual. Esta época pode ser definida como começou há cerca de dois séculos, coincidindo com o projeto de James Watt da máquina a vapor em 1784. (CRUTZEN, 2006CRUTZEN, Paul Josef. The Anthropocene. In: EHLERS, Eckart; KRAFFT, Thomas (ed.). Earth system science in the Anthropocene: emerging issues and problems. Berlin: Springer, 2006. p. 13-18., p. 13, tradução nossa).9 9 Texto original: Because human activities have also grown to become significant geological forces, for instance through land use changes, deforestation and fossil fuel burning, it is justified to assign the term “anthropocene” to the current geological epoch. This epoch may be defined to have started about two centuries ago, coinciding with James Watt’s design of the steam engine in 1784 (CRUTZEN, 2006, p. 13).

A esse processo de interferência, que pode ser equiparado a significativas forças geológicas, Jason Moore acrescenta dois níveis de abstração, sendo o primeiro, a humanidade-na-natureza; e o segundo, o capitalismo-na-natureza, dentro da perspectiva “geralmente chamada de Antropoceno (“Era do Homem”), mais precisamente intitulada Capitaloceno (“Era do Capital”). É certo que o século XXI é um momento de extraordinária mudança global” (MOORE, 2015MOORE, Jason. Capitalism in the Web of life: ecology and the accumulation of capital. London: Verso Books, 2015. 336 p., p. 57, tradução nossa).10 10 Texto original: This is usually called the Anthropocene (“Age of Man”), but is more accurately called the Capitalocene (“Age of Capital”). It is certain that the twenty-first century is a moment of extraordinary global change (MOORE, 2015, p. 57).

Em favor da movimentação global do capital financeiro atribuída ao Capitaloceno, é possível inferir que ações em proveito do crescimento econômico, como a construção de indústrias, o desmatamento e a exploração mineral podem interferir nas condições de vida e estruturais da Terra ao ponto de aniquilar e extinguir povos, seus costumes e até mesmo culminar com o ecocídio (grego oikos = casa, lar; latim caedere = destruir, matar) que significa “matar a própria casa”. Contudo, mensurar um novo período geológico, além do Holoceno (época geológica oficial), tem sido o centro de acirradas discussões no meio acadêmico e científico, em que o Antropoceno põe em cena a capacidade e o poder destrutivo provocado pela humanidade no processo de modificação da crosta terrestre.

Por conta de uma visão mais ampliada em relação ao Antropoceno, surge uma nova denominação, o Chthuluceno defendida por Donna Haraway, pois “o Antropoceno obteve ganho no discurso popular e científico no contexto de esforços onipresentes urgentes para encontrar formas de falar, teorizar, modelar e gerenciar uma grande coisa chamada globalização” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom, Campinas, v. 5, n. 3, p. 139-148, 2016c. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/ . Acesso em: 31 mar. 2022.
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a, p. 45, tradução nossa).11 11 Texto original: The Anthropocene obtained purchase in popular and scientific discourse in the context of ubiquitous urgent effort to find ways of talking about, theorizing, modeling, and managing a Big Thing called Globalization (HARAWAY, 2016a, p. 45). O Chthuluceno foi inspirado na história natural da espécie Pimoa cthulhu, um aracnídeo encontrado no centro norte da Califórnia. Embora possa sugerir correlação com o deus Cthulhu, um ser cósmico que vive nas profundezas da terra e exerce poder sobre tudo, conferido a um personagem criado por H. P. Lovecraft, no conto “The Call of Cthulhu” (LOVECRAFT, 2009LOVECRAFT, Howard Phillips. The Call of Cthulhu and other dark tales. New York: Barnes and Noble, 2009. 480 p.), Dona Haraway enfatiza que:

Minha aranha Pimoa cthulhu tem a ortografia lovecraftiana em seu nome lineano, mas insisto que o aracnídeo experiente está realmente alinhado com os poderes não lovecraftiniano! O submundo de Lovecraft das terríveis serpentes ctônicas era terrível apenas na forma patriarcal. (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom, Campinas, v. 5, n. 3, p. 139-148, 2016c. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/ . Acesso em: 31 mar. 2022.
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b, p. 62, tradução nossa).12 12 Texto original: My spider Pimoa cthulhu has the Lovecraftian spelling in its Linnaean name, but I insist that the savvy arachnid is really aligned with non-Lovecraftian chthonic powers! Lovecraft’s underworld of dreadful chthonic serpents were terrible only in the patriarchal mode (HARAWAY, 2016b, p. 62).

A questão patriarcal da personagem criada por Lovecraft aponta não só as relações de poder estabelecidas no contexto colonial em proveito da natureza, mas também aponta para o pensamento falocêntrico de época que perdura até os dias atuais, principalmente quando se trata de supremacia que inclui a apropriação de territórios por meio da força, tanto para usufruir dos “benefícios naturais,” em proveito do enriquecimento do capital financeiro dos exploradores, como para interferir no legado cultural dos povos. Excluindo o ambiente ficcional do horror cósmico lovecraftiano, focado na forma patriarcal do todo poderoso Cthulhu, as questões relativas ao Chthuluceno ampliam o discurso ecocrítico e apresentam pautas importantes, não somente a respeito das mudanças climáticas e da movimentação capitalística, mas também em outros contextos ambientais e sociais, como:

[...] a enorme carga de produtos químicos tóxicos, de mineração, de esgotamento de lagos e rios, sob e acima do solo, de simplificação de ecossistemas, de grandes genocídios de pessoas e outros seres etc, em padrões sistemicamente ligados que podem gerar repetidos e devastadores colapsos do sistema. (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom, Campinas, v. 5, n. 3, p. 139-148, 2016c. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/ . Acesso em: 31 mar. 2022.
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c, p. 139).

Adicione-se a isso a importância dada ao contexto de que toda pressão sobre a Terra também impacta a dinâmica dos povos tradicionais os quais integram uma rede de saberes que contribuem de forma significativa na proteção das florestas e de todos os componentes que regem a vida. Nessa dimensão, Donna Haraway propõe o Chthuluceno como sendo “[...] compostos narrativos de multiespécies e de práticas contínuas de se-tornar-com em tempos que permanecem em jogo, em tempos precários, em que o mundo não está acabado e o céu ainda não caiu. Estamos em cena uns para os outros” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom, Campinas, v. 5, n. 3, p. 139-148, 2016c. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/ . Acesso em: 31 mar. 2022.
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a, p. 55, tradução nossa).13 13 Texto original: a compound of stories and multispecies practices of becoming-with in times that remain at stake, in precarious times, in which the world is not finished and the sky has not fallen—yet. We are at stake to each other (HARAWAY, 2016a, p. 55).

Com efeito, em todos os contextos em que figura o ser humano como ator principal na natureza, vale ressaltar que a espécie Homo sapiens representa apenas um elo entre múltiplas conexões importantes para a manutenção e estabilidade da vida. Torna-se evidente a quebra dessa intrínseca relação ser humano e natureza, pois a insustentabilidade da Terra é percebida ao passo que ações humanas rumam em direção da destruição. Como consequências irreversíveis, presenciamos catástrofes ambientais produzidas pelos efeitos das mudanças climáticas causadas, principalmente, pelo desmatamento e uso desenfreado de combustíveis fósseis.

Embora existam acirradas críticas em torno de uma nova época geológica sugerida com base na capacidade humana de interferência na superfície do planeta, o Chthuluceno apresentado por Donna Haraway amplia o discurso e acrescenta que todos os elementos abióticos e bióticos que constituem a Terra são essenciais para a manutenção da vida, e nesse sentido, é importante perceber que, diante de atitudes e compreensões antropocêntricas, estamos à beira de um colapso ambiental.

Presente nas obras de Mia Couto, a percepção ecocrítica evidencia o contexto histórico, cultural e ambiental de Moçambique e de África. Aliás, é importante ressaltar que não só a literatura produzida por Mia Couto, mas em produções literárias africanas, de um modo geral, tem sido possível perceber certa inclinação para temas ambientais, o que, na leitura de Maria do Carmo Mendes, pode apontar para a formação de um futuro cânone de literatura ecocrítica em África.

O corpus textual dedicado a questões ambientais permite já iniciar um futuro cânone de literatura ecocrítica em África, entendendo esta expressão não como textos literários escritos por autores não africanos - visões exógenas, portanto - mas como ficções construídas por escritores moçambicanos, angolanos, sul-africanos ou nigerianos, para considerar tão só alguns exemplos. (MENDES, 2021MENDES, Maria do Carmo. Introdução. In: MENDES, João Ribeiro; MENDES, Maria do Carmo. Dossiê: verbo verde ou para além da escrita da Natureza. Anthropocenica: Revista de Estudos do Antropoceno e Ecocrítica, Braga, v. 2, p. 121-123, 2021. Disponível em: https://revistas.uminho.pt/index.php/anthropocenica/issue/view/193/167 . Acesso em: 16 set. 2022.
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, p. 121).

Analisamos os contos “A palmeira de Nguézi” e “O embondeiro que sonhava pássaros” por uma perspectiva decolonial da natureza à luz do pensamento ecocrítico alinhado ao Chthuluceno, que, no fundo, dizem o mesmo: na teia da vida ninguém fica de fora.

A palmeira sagrada e o devir-vegetal

“A palmeira de Nguézi” faz parte da obra Contos do nascer da Terra. Publicado no ano de 2014, o conto vivencia o processo de transmutação de Tonico Canhoto, um ancião camponês, em uma palmeira sagrada.

No lugar de Nguézi há uma palmeira sagrada, dizem que nascida antes do mundo. Do colmo pende um único fruto, de aparência estranha e que nunca pode ser olhado. Porque, segundo a lenda, os olhos que ali apontem se enchem de estrelas mais que as que poeiram a própria noite. (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 243).

Diferente de uma visão antropocêntrica, conforme apresentado por Mia Couto em uma palestra intitulada Quando o ambiente não tem nomeQUANDO o Ambiente não tem nome | Palestra do Mia Couto. Publicado pelo canal Nepam Unicamp. [S. l.: S. n.], 10 mar. 2021. 1 vídeo (1 h 22 min 44 seg). Disponível em: https://youtu.be/90OF1Og95Gc . Acesso em: 20 jun. 2022.
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,14 14 Evento organizado em 2021 pelo NEPAM - Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da UNICAMP, em Campinas, São Paulo. os mitos relacionados à criação na diversificada cultura moçambicana são distintos e resguardam uma ideia em comum, de acordo com a qual, o universo e o mundo sempre existiram, “[...] pois há uma concessão circular do tempo e tem a ver com o porquê de os mortos nunca morrerem no sentido total, isto é, eles não só estão presentes, como governam o mundo junto conosco” (COUTO, 2021).

Percebe-se que a tradição moçambicana carrega consigo um significado incondicional de associação com a natureza marcado por traços milenares de alteridade com todas as formas de vida. Nesse compasso, em um ritmo de vida diferenciado, a água, a terra, o ar, os seres vivos, os seres não vivos e o legado cultural das comunidades tradicionais compõem, de forma harmônica, a vida, as relações com os saberes ancestrais e a percepção da natureza que se entrelaçam numa dinâmica circular do tempo.

“A palmeira de Nguézi” desperta atenção para o arquétipo da árvore como símbolo de referência ao saber ancestral. Diante da narrativa, o conto revela que “[...] a razão da palmeira, vertida sobre as águas do rio, se transcreve aqui. Para ver a gente, necessita transparência, mas se tudo fosse transparente todos seríamos cegos” (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 243). A metáfora em referência à transparência das águas do rio apresenta um sentido sagrado e de respeito à tradição local, assim como desperta para um olhar de proteção da natureza, um ambiente conservado e protegido da ação predatória humana. Quando voltamos o olhar para a percepção decolonial da natureza, é importante ressaltar que o conhecimento dos povos tradicionais e originários revela um sentido de proteção e de conservação, essenciais à manutenção do equilíbrio das forças naturais que regem a vida no planeta.

É importante destacar a resistência da tradição moçambicana apresentada por Mia Couto diante dos fatores externos sinalizados por forças colonizadoras que recaíram sobre as populações locais, principalmente por meio da exploração humana, evidenciada na extração dos recursos minerais disponíveis em “abundância” dentro dos territórios culturais que, até os dias atuais, são explorados. No que diz respeito a esses eventos exploratórios, em qualquer parte do mundo, onde houver riquezas naturais e florestas, de alguma forma, existirá o interesse econômico marcado por ações antrópicas com consequências irreparáveis para todas as formas de vida, que influenciam diretamente no apagamento da memória dos povos tradicionais.

Em um contexto representado pelo imaginário popular, diante do sagrado manifestado no conto, “[...] Ficará a saber-se: em tempo de apocalipse o histórico se converte em religioso. E vice-versa. A crença da palmeira sagrada nasceu de um facto tropeçando num acontecimento (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 243). Em a “Palmeira de Nguézi”, uma das filhas de Tonico Canhoto consola o pai pela morte da mãe Razia, questiona sobre as árvores no campo e interpreta a natureza por meio do conhecimento pertencente à tradicional cultura do lugar. Vale ressaltar que as interpretações dos fenômenos naturais também estão relacionadas aos saberes dos povos tradicionais e originários, tanto em África quanto nas mais diversas culturas ao redor do planeta, seja por meio de um canto de pássaro, uma revoada de insetos, seja simplesmente pelo amarelar das folhas em períodos de menor incidência dos raios solares sobre a vegetação e o solo.

Enquanto o diálogo é conduzido, percebe-se o conhecimento da comunidade local a respeito da interpretação dos fenômenos da natureza. Ainda nesse diálogo, destacamos a importância com o outro como a si próprio, ao denotar um exercício de alteridade diante do sentimento de perda de um ente familiar próximo:

A outra filha se aproximou e tentou um consolo. E lhe perguntou: Já ele olhara quanta árvore, quanta extensão pelos aís aforas? - Se não vejo? Vejo o mato todo em volta. Está tudo morto, tudo seco. - Engano seu: o mato não está seco. Apenas vazou o verde, apenas engordou o amarelo. - Conversa afiada. (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 244).

A essa perda de laço familiar, Mia Couto atribui a palavra chisiwana, que, em algumas línguas moçambicanas, quer dizer órfão para se referir a pobre, pois “[...] nessas culturas, o pobre não é apenas o que não tem bens, mas é sobretudo o que perdeu a rede das relações familiares, na sociedade rural serve de apoio à sobrevivência” (COUTO, 2011COUTO, Mia. Línguas que não sabemos que sabíamos. In: COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?: e outras interinvenções. São Paulo: Companhia das Letras , 2011. p. 11-24., p. 20). Ainda a respeito da tradução por meio da leitura dos sinais revelados pela natureza, as expressões “vazou o verde” e “engordou o amarelo” podem estar relacionadas com o período de maior ou menor incidência dos raios solares sobre o extrato vegetal e a terra em uma determinada estação climática do ano. Dessa forma, tantas outras interações que se dão pelo saber tradicional em relação ao meio natural podem ser percebidas.

Prestes a acontecer o grande evento apocalíptico, Tonico Canhoto seguiu para o rio em uma tentativa de livrar-se da tristeza que o consumia, momento em que o ancião ficou despido diante da família. A atitude de Canhoto deixa transparecer um sentimento de vergonha diante da nudez mas, ao mesmo tempo, tal nudez desperta possíveis reflexões sobre a representação do referencial humano diante do outro em estado de natureza. Os sentimentos evidenciados perpassam pelo legado da cultura moçambicana de respeito e de um elo entre os viventes e os transcendentes, por revelar as relações com o mundo espiritual:

O homem já havia se decidido que a sua vida era sem depois. Nada enfeitava a sua esperança. Todos calaram quando ele anunciou: - Vou direto ao rio. Todos lhe adivinharam o intento: ele se iria deixar tombar, encher-se de líquido até se ensopar como se o dele corpo fosse roupa, ido na corrente, nem corpo nem alma. [...] Chegando à margem, levantou os braços e assim, imóvel como pau de vela, as roupas lhe começaram a cair, desabadas por forças nenhumas, só por via de seu magro peso. A sua gente o viu nu, completamente. (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 245).

Em O animal que logo sou, Jacques Derrida apresenta reflexões a respeito da nudez diante de um gato e ressalta a importância do “outro absoluto” por meio de uma “alteridade absoluta”: “[...] o animal, portanto, não está nu porque ele é nu. Ele não tem o sentimento de sua nudez. Não há nudez na natureza. [...] Por ser nu, sem existir na nudez, o animal não se sente nem se vê nu. Assim, ele não está nu” (DERRIDA, 1999DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou. São Paulo: Unesp, 1999. 93 p., p. 17). A nudez de Tonico Canhoto remete ao estado de pertencimento ao meio natural, porque somos natureza e não apenas um ponto no mundo rodeado pelo verde das florestas e idílicas paisagens naturais.

Há um consenso geral acerca da conotação de “meio ambiente”, como sendo um termo comum para designar tudo aquilo que possa representar o verde das florestas, os animais silvestres e todos os elementos que compõem uma paisagem de campo, por exemplo. Nesse sentido, meio ambiente passa a ser algo que está ao nosso redor e que podemos usufruir dos serviços ambientais, como a água e os excelentes níveis de concentrações de oxigênio; e de muitas outras benesses representadas por locais de contemplação da natureza, como se a vida humana, principalmente para quem vive em ambientes urbanizados, fosse dissociada de toda uma rede de conexões essenciais à manutenção da vida.

As florestas e toda a sua amplitude conservada, além dos seres vivos e da composição abiótica, também abrigam grupos humanos autóctones e detentores dos saberes ancestrais por revelarem sentidos de proteção e de cuidados com o lugar, pois, diferente de quem sobrevive do sistema ritmado pelo capital financeiro e do consumo, esses povos originários ou tradicionais constituem a natureza a qual também pertencemos.

A respeito da tradição moçambicana revelada na “Palmeira de Nguézi”, o lugar onde morava Tonico Canhoto e sua família foi tomado por um evento apocalíptico que fez a terra se abrir e todos os familiares foram sepultados, restando apenas o ancião. Em um sentido paralelo ao pensamento rizomático de Gilles Deleuze e Félix Guattari, percebe-se que a condição do devir-vegetal se entrelaça com o ser orgânico e se conecta com a ancestralidade sustentada através da raiz que alimenta a vida.

Sobrou quem? O velho Canhoto, próprio. Ele vira a terra se rachar por baixo dos pés, as duas metadas se abrirem como lábios. Nessa greta ele se afundou, pronto a ser engolido, trevoso e súbito. Mas no momento em que seu corpo perdia o pé, a terra se volveu a fechar, ajustada ao corpo. Ficou-lhe só a cabeça de fora. Tudo o resto estava encravado em pedra, rocha, raiz sobra do mundo. [...] Todo ele aprendera a ciência de ser raiz, o orgânico sem organismo. De noite um cacimbito. De dia, as grainhas de uma ventania. Assim ele se mantinha, feito único recetáculo onda a vida ainda se entesourava. (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 246-247).

O pensamento rizomático aponta para a sabedoria das plantas, “[...] inclusive quando elas são de raízes, há sempre um fora onde elas fazem rizoma com algo - com o vento, com um animal, com o homem (e também um aspecto pelo qual os próprios animais fazem rizoma, e os homens etc.)” (DELEUZE; GUATTARI, 2000DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Introdução: rizoma. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 2000. p. 10-36. 1 v., p. 19). O ponto de partida para que ocorresse a transmutação homem-árvore sagrada perpassa por um processo de desterritorialização e territorialização de uma forma orgânica para uma forma “orgânica sem organismo”.

Vemo-nos tomados em segmentos de devir, entre os quais podemos estabelecer uma espécie de ordem ou de progressão aparente: devir-mulher, devir-criança; devir-animal, vegetal ou mineral; devires moleculares de toda espécie, devires-partículas. Fibras levam de uns aos outros, transformam uns nos outros, atravessam suas portas e limiares. (DELEUZE; GUATTARI, 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rounik. São Paulo: Editora 34 , 1997. p. 8-99. 4 v., p. 55).

Nesse enfoque delleuziano-guattariano, com base no devir-vegetal que atravessa “A palmeira de Nguézi”, em uma referência ao imaginário popular moçambicano, o sentido de devir ganha um significado inter-relacional pela aproximação de partículas moleculares com maior afinidade de aproximação, pois

[...] esse princípio de proximidade ou de aproximação é inteiramente particular, e não reintroduz analogia alguma. Ele indica o mais rigorosamente possível uma zona de vizinhança ou de co-presença de uma partícula, o movimento que toma toda partícula quando entra nessa zona. (DELEUZE; GUATTARI, 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rounik. São Paulo: Editora 34 , 1997. p. 8-99. 4 v., p. 55).

Para que a lenda da palmeira sagrada pudesse acontecer, uma andorinha riscou o céu e pousou na cabeça de Tonico Canhoto, dando início ao processo de transmutação, em que o instante foi tomado por um processo simbiótico no qual a figura humana, a terra e o ar engendraram-se numa conexão com o mundo espiritual, e o devir-vegetal aconteceu na forma de (des)territorialização a um devir-vegetal, pois a natureza, a vida humana e os saberes ancestrais se constituíram em unidades inseparáveis:

O passarito piou, rodopiou e, por fim, meteu o bico nos lábios secos do velho. Lhe dava, se imagine, um naco de água, qualquerzita migalha. O bico beijou o lábio, o lábio bicou o pássaro: dúzia de vezes, repetidas. O velho perguntou, lábios rasos de silêncio: - É você, Razia? A ave toda noite debicou o pescoço de Canhoto. Dizem que, desse mesmo pescoço, ascendeu a matéria do colmo, dos cabelos brotou a folhagem, dos olhos nasceu a florescência. Tudo em jeito de árvore, palmeira e sagrada. (COUTO, 2014COUTO, Mia. A palmeira de Nguézi. In: COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 241-247., p. 247).

Em uma das muitas entrevistas concedidas por Mia Couto, sobretudo no período da pandemia, foi questionado sobre o porquê de termos perdido a conexão com a natureza e se haveria uma forma de resgatar essa conexão com o mundo natural. O questionamento surgiu a partir de uma referência ao povo krenak, que, à epoca do rompimento da barragem de Mariana, em 2015, ficou de luto pelos dejetos que foram despejados no Rio Doce. Diante da questão posta, o escritor moçambicano reiterou a visão estreita e limitada que temos da natureza.

Esse laço existe em todos nós, nem que seja na forma de uma nostalgia. Por outro lado, é preciso romper com a ideia de que a Natureza está fora de nós. A própria expressão “meio ambiente” sugere essa exterioridade. E sugere a existência de um centro. E esse centro seria a espécie humana. E isso é um erro. Nós estamos dentro da Natureza e ela está dentro de nós. A Natureza é um outro nome da Vida. (COUTO, 2019COUTO, Mia. A natureza está dentro de nós: Mia Couto fala sobre novo livro. Lunetas, 4 dez. 2019. Disponível em: https://lunetas.com.br/mia-couto . Acesso em: 19 out. 2022.
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).

As narrativas apresentadas em “A palmeira de Nguézi” evidenciam a árvore como arquétipo sagrado relacionado aos antepassados, enquanto as personagens mutuamente se inter-relacionam por laços de alteridade e sentido de pertencimento à natureza.

O embondeiro sagrado: uma cosmovisão decolonial da natureza

Esse homem sempre vai ficar de sombra: nenhuma memória será bastante para lhe salvar do escuro. Em verdade, seu astro não era o Sol. Nem seu país não era a vida. Talvez, por razão disso, ele habitasse com cautela de um estranho. O vendedor de pássaros não tinha sequer o abrigo de um nome. Chamavam-lhe o passarinheiro. (COUTO, 2013COUTO, Mia. O embondeiro que sonhava pássaros. In: COUTO, Mia. Cada homem é uma raça. São Paulo: Companhia das Letras , 2013. p. 59-71., p. 63).

“O embondeiro que sonhava pássaros” integra a obra Cada Homem é uma raça publicada no ano de 1990, em um momento conturbado o qual Moçambique atravessava uma guerra civil que durou dezesseis anos (1976-1992).

Com registros de idade milenar, o embondeiro, ou baobá, é considerado uma das árvores de maior longevidade da Terra. Por suas características singulares que inclui o imaginário popular, segundo Rupert Watson, “[...] na maioria dos mitos de criação do baobá, a árvore é vista de cabeça para baixo com as raízes voltadas para cima. Uma lenda popular conta que uma das primeiras árvores que Deus criou foi o baobá” (WATSON, 2014WATSON, Rupert. The African baobab. Cape Town: Penguin Random House South Africa, 2014. 200 p., n.p, tradução nossa).15 15 Texto original: In most myths of baobab creation the tree is seen to be standing on its head, roots in the air - ultimate 'upside-down tree'. A popular legend has it that one of the first trees God created was the baobab (WATSON, 2014, n.p). Aspectos relacionados à ancestralidade marcam a trajetória de vida dessa longeva árvore, representada para os povos tradicionais moçambicanos como eixo de conectividade com a espiritualidade, que, para os feiticeiros locais, é reconhecida como árvore sagrada por seus diversos poderes de cura. Por esse viés espiritual, Frijot Capra, em As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável, destaca a importância da vida conectada não somente pelo mundo físico, mas também em uma dimensão espiritual. Sendo assim,

[...] a experiência espiritual é uma experiência de que a mente e o corpo estão vivos numa unidade. Além disso, essa experiência da unidade transcende não só a separação entre mente e corpo, mas também a separação entre o eu e o mundo. A consciência dominante nesses momentos espirituais é um reconhecimento profundo da nossa unidade com todas as coisas, uma percepção de que pertencemos ao universo como um todo. (CAPRA, 2002CAPRA, Frijot. As Conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix , 2002. 296 p., p. 81).

É importante destacar que os saberes, de acordo com o pensamento decolonial da natureza que perpassa pela ancestralidade conectada à espiritualidade, constitui elemento inseparável do processo de conservação e de proteção da natureza, que inclui todas as formas de vida, das mais elementares formadas por fios moleculares e unicelulares às formas de vida mais complexas constituídas pelas plantas superiores,16 16 Na escala evolutiva, os vegetais superiores são aqueles que apresentam um sistema completo de vasos condutores de seiva, raízes, caule, folhas, flores, frutos e sementes. os animais mais evoluídos e os elementos abióticos que formam o planeta Terra.

Para Catherine Walsh, a colonialidade está centrada em quatro eixos que se entrelaçam: a colonialidade do poder; a colonialidade do saber; a colonialidade do ser; e a colonialidade da “Mãe Natureza” e da própria vida “[...] que encontra sua base na divisão binária natureza/sociedade, descartando o mágico-espiritual-social, a antiga relação entre os mundos biofísico, humano e espiritual, incluindo o dos ancestrais, aquele que sustenta os sistemas de vida integral e a humanidade em si” (WALSH, 2008WALSH, Catherine. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado. Tabula rasa, Bogotá, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=39600909 . Acesso em: 3 ago. 2022.
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, p. 138, tradução nossa).17 17 Texto original: Encuentra su base en la división binaria naturaleza/sociedad, descartando lo mágico-espiritual-social, la relación milenaria entre mundos biofísicos, humanos y espirituales, incluyendo el de los ancestros, la que da sustento a los sistemas integrales de vida y a la humanidad misma (WALSH, 2008, p. 138). Em um sentido colonizador, é própria a vocação exploradora em busca de riquezas provenientes do meio natural, principalmente em territórios pertencentes aos povos tradicionais que resguardam o saber ancestral.

Diante do cenário marcado pela força do poder colonial português em Moçambique, o conto suscita reflexões evidenciadas por meio da lenda do passarinheiro, o embondeiro sagrado e os pássaros. À medida que as narrativas são desenvolvidas, Mia Couto revela não apenas o modo de vida marcado pelo colonialismo, mas também traços de racismo e as relações de poder que recaem sobre os povos tradicionais locais.

Além da condição sagrada da árvore, o racismo como forma de sobreposição e de apagamento da cultura é evidenciado nas relações conflitantes dos moradores do bairro colonizado pelos portugueses com o vendedor de pássaros, e ganha força após o retorno do menino Tiago a sua casa:

- Foste a casa dele? Mas esse vagabundo tem casa? A residência dele era um embondeiro, o vago buraco no tronco. Tiago contava: aquela era árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo. - Vejam só o que o preto anda a meter na cabeça desta criança. O pai se dirigia à esposa, encomendando-lhe as culpas. O menino prosseguia: é verdade, mãe. Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem que o embondeiro, em desespero, se suicida por via das chamas. Sem ninguém por fogo. É verdade, mãe. - Disparate - suavizava a senhora. E retirava o filho do alcance paterno. O homem então se decidia a sair, juntar as suas raivas com os demais colonos. No clube, eles todos se aclamavam: era preciso acabar com as visitas do passarinheiro. (COUTO, 2013COUTO, Mia. O embondeiro que sonhava pássaros. In: COUTO, Mia. Cada homem é uma raça. São Paulo: Companhia das Letras , 2013. p. 59-71., p. 64-65).

Baseando-se no excerto citado, é possível perceber que a árvore sagrada plantada de cabeça para baixo, além de moradia do passarinheiro, constitui local de conexão com a espiritualidade. Ao mesmo tempo que aflora o racismo diante do passarinheiro, o falocentrismo é ditado nas relações familiares em que o patriarcado determina as responsabilidades da mãe em relação aos cuidados e educação do menino, momento em que o pai segue para o clube dos colonos.

A imagem do homem negro para os colonos portugueses é percebida na forma do domínio e do poder que, de acordo Achille Mbembe, em A crítica da razão negra, “[...] visto em profundidade, a raça é ademais um complexo perverso, gerador de temores e tormentos, de perturbações do pensamento e de terror [...]. Em sua dimensão fantasmagórica, é uma figura da neurose fóbica, obsessiva e, por vezes, histérica” (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 Edições, 2018. 248 p., p. 27).

Por outro ângulo, a questão mágico-espiritual é representada como a essência da cultura tradicional marcada por elementos da natureza, sobretudo do embondeiro como símbolo sagrado e dos pássaros que encantavam a quem pudesse ver ou ouvir os seus cantos. Assim, a tristeza do embondeiro que se suicida por autocombustão revela a percepção da oralidade por meio de histórias que envolvem o arquétipo do embondeiro, mas também de resiliência dessa árvore que resiste há séculos às mudanças climáticas e testemunham a história de várias gerações.

Em proveito de uma “humanidade esclarecida”, imposta pela incorporação da cultura europeia, na tentativa de se ver livre dos conhecimentos dos povos originários, Ailton Krenak, escritor indígena e ativista ambiental, destaca que “[...] a ideia de que os brancos europeus poderiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível” (KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras , 2019. 104 p., p. 11). Em pleno século XXI, é possível encontrar comunidades que ainda sofrem com o poder colonizador imposto pela exploração do ambiente natural e consequente imposição de novos costumes que afetam e impactam de forma negativa o conhecimento desses povos, em grande parte originários.

O embondeiro é considerado como local de morada dos espíritos e símbolo sagrado, conforme evidenciado no diálogo do passarinheiro com o menino. Nessa perspectiva, figura como árvore do bem e do mal, pois, devido aos seus poderes espirituais, carrega consigo a proteção dos espíritos e uma maldição para quem o fizesse mal:

Agora, você vai, volta na sua casa. Tiago levantou-se, difícil de partir. Olhou a enorme árvore, conforme lhe pedisse proteção. - Está a ver aquela flor? - perguntou o velho. E lembrou a lenda. Aquela flor era moradia dos espíritos. Quem que fizesse mal ao embondeiro seria perseguido até o fim da vida. (COUTO, 2013COUTO, Mia. O embondeiro que sonhava pássaros. In: COUTO, Mia. Cada homem é uma raça. São Paulo: Companhia das Letras , 2013. p. 59-71., p. 68).

Em uma das línguas faladas em Moçambique, esclarece Agnelo Navaia e colaboradores, o ci-Nyungwé é uma das línguas da província de Tete, ao sul do rio Zambeze, onde o embondeiro é conhecido entre os naturais por mulambe, cujos frutos são chamados de malambe, no plural; e dambe, no singular:

O mulambe é apreciado não só pela sombra que produz, como também está ligada intimamente à cultura dos “nyungwés” e “tawaras”, que a consideram de árvore da vida. Para estes, o mulambe constitui um marcador indissociável da comunidade, serve no campo alimentar e na arte tradicional da cura. (NAVAIA et al., 2017NAVAIA, Agnelo et al. Dimensão Sócio-cultural do Embondeiro na Província de Tete. Embondeiro - publicação Sócio-Cultural do Arpac, Mozambique, n. 1, p. 57-62, 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/328686109_Revista_Imbondeiro . Acesso em: 10 jun. 2022.
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, p. 59, grifos dos autores).

Assim como a árvore mulambe é elevada à condição sagrada e fonte de conexão entre os humanos e os espíritos dos antepassados, na cultura dos povos originários yanomami, no Brasil, as florestas e todos os elementos ligados à terra carregam consigo valores espirituais. Como ensinamento, Davi Kopenawa esclarece que, “[...] para os brancos, é diferente. Eles não sabem sonhar com os espíritos como nós. Preferem não saber que o trabalho dos xamãs é proteger a terra, tanto para nós e nossos filhos como para eles e os seus” (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras , 2015. 729 p. , p. 217). Por certo, a movimentação global do capital financeiro destaca-se como centro do progresso da humanidade e responsável por movimentos criados para nominar aquilo que aprendemos a conhecer como “desenvolvimento sustentável”, “sustentabilidade” e “ambientalmente correto”, rótulos os quais, na maioria das vezes, grandes empresas da indústria e da mídia reproduzem na forma de greenwashing18 18 Greenwashing é um termo criado por ambientalistas para designar “lavagem verde”, dentro de um contexto capitalista, cuja finalidade é a de promover empresas, produtos comerciais, ou ações revestidas de senso de “sustentabilidade ambiental” e da prática rotulada como “ambientalmente correto”, quando na verdade não correspondem com a realidade, porque por traz de tudo isso persistem práticas predadoras de exploração de toda sorte. com o propósito de “salvar o planeta” da onda de destruição causada pelo próprio ser humano.

A lenda inscrita no “Embondeiro que sonhava pássaros” se concretiza quando o passarinheiro é espancado pelos colonos portugueses e a maldição vem à tona em forma de fogo:

As tochas se chegaram ao tronco, o fogo namorou as velhas cascas. Dentro, o menino desatara um sonho: seus cabelos figuravam pequenitas folhas, pernas e braços se madeiravam. Os dedos, lenhosos, minhocavam a terra. O menino transitava de reino: arvorejado, em estado de consentida impossibilidade. E do sonâmbulo embondeiro subiam as mãos do passarinheiro. Tocavam as flores, as corolas se envolucravam: nasciam espantosos pássaros e soltavam-se, petalados, sobre a crista das chamas. As chamas? De onde chegavam elas, excedendo a lonjura do sonho? Foi quando Tiago sentiu a ferida das labaredas, a sedução da cinza. Então, o menino, aprendiz da seiva, se emigrou inteiro para suas recentes raízes. (COUTO, 2013COUTO, Mia. O embondeiro que sonhava pássaros. In: COUTO, Mia. Cada homem é uma raça. São Paulo: Companhia das Letras , 2013. p. 59-71., p. 71).

Tendo por base o processo de transmutação vivenciado em “O embondeiro que sonhava pássaros.” podem ser percebidas relações simbióticas que envolvem o mundo espiritual no qual formas humanas e não humanas estão umas para as outras em uma complexa teia de conhecimentos e de saberes responsáveis pela proteção e a vida na Terra. É importante compreender que o saber ancestral é indissociável da conservação e proteção da natureza, compartilhada por todos os seres habitantes da Terra.

Considerações finais

As árvores sagradas como arquétipos representados no ambiente ficcional dos contos “A palmeira de Nguézi” e “O embondeiro que sonhava pássaros” remetem à decolonialidade da natureza e aproximam o leitor de compreensões em torno das cosmogonias da tradicional cultura moçambicana, como também despertam para questões relacionadas à alteridade absoluta em que a posição do homem diante do devir-vegetal se torna unidade indissociável da natureza.

Quando nos referimos aos termos “humanidade” e “ser humano”, aos quais se atribui a responsabilidade pela deterioração do planeta, sociedades e culturas, não direcionamos o discurso aos povos que mantêm suas tradições, saberes e que vivem da própria natureza, mas, sim, referimo-nos aos humanos que representam políticas econômicas do desenvolvimento, normalmente ambiciosos por lucros e movidos por forças do capital financeiro, pois são perceptíveis os efeitos da capacidade para interferir na ordem natural da teia que tece a vida, que, por imposições, muitas das vezes colonialistas e capitalistas, destroem sociedades e natureza numa escalada desenfreada de impactos danosos e impossíveis de serem recuperados.

Para justificar tais impactos negativos, adicionam-se ao vocabulário ambiental novos termos com referência direta a “meio ambiente”, “globalização” e “desenvolvimento sustentável”, que definem conceitos não correspondentes com a realidade de muitos povos tradicionais, pois vale esclarecer que a maioria dessas palavras podem não encontrar correspondência com muitas línguas faladas em territórios tradicionais, tanto em Moçambique onde existem 49 línguas vivas, conforme catálogo Ethnologue (EBERHARD; SIMONS; FENNIG, 2022EBERHARD, David; SIMONS, Gary; FENNIG, Charles. Languages of Mozambique. In: EBERHARD, David; SIMONS, Gary; FENNIG, Charles (ed.). Ethnologue: languages of the world. 25. ed. Dallas: SIL International, 2022. Disponível em: https://www.ethnologue.com . Acesso em: 17 jul. 2022.
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), quanto em diversas outras partes do mundo onde vivem vários outros povos tradicionais.

Ao resgatarmos a proposta que deu origem a este artigo, recorremos mais uma vez a Donna Haraway e destacamos que o estudo buscou revelar a importância de estarmos em “cena uns para os outros” e que os conhecimentos dos povos originários e tradicionais estão conectados à “Mãe Natureza”, “Mãe Terra”, “Gaia”, ou planeta Terra, e integram complexos e indissociáveis saberes que mantêm a vida conectada. Portanto, é possível (re)pensar a decolonialidade e buscar uma compreensão para o “se-tornar-com”, pois somos constituídos por corpos, afetos e parte de um ínfimo componente da vida na Terra.

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    » https://www.researchgate.net/publication/328686109_Revista_Imbondeiro
  • PESSOA, Fernando. Alberto Caeiro: poemas completos. São Paulo: Saraiva, 2007. 368 p.
  • PONTES, Maria do Rosário. A árvore: um arquétipo da verticalidade: contributo para um estudo simbólico da vegetação. Revista da Faculdade de Letras: Línguas e Literaturas, Porto, n. 15, p. 197-220, 1998. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/8847 Acesso em: 17 jun. 2022.
    » https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/8847
  • PORTO EDITORA. Árvore da vida. Infopedia.net, Dicionários Porto Editora Porto, 2022. Disponível em: https://www.infopedia.pt/$arvore-da-vida Acesso em: 26 jul. 2022.
    » https://www.infopedia.pt/$arvore-da-vida
  • QUANDO o Ambiente não tem nome | Palestra do Mia Couto. Publicado pelo canal Nepam Unicamp. [S. l.: S. n.], 10 mar. 2021. 1 vídeo (1 h 22 min 44 seg). Disponível em: https://youtu.be/90OF1Og95Gc Acesso em: 20 jun. 2022.
    » https://youtu.be/90OF1Og95Gc
  • SANTOS JÚNIOR, José Welton Ferreira dos; SILVA, Regina Vecchia da Rocha. Para ler o mundo nas páginas da terra: uma leitura socioambiental de Terra Sonâmbula, de Mia Couto. Revista Terceira Margem, v. 25, n. 46, p. 221-238, maio/ago. 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/38533 Acesso em: 16 jan. 2022.
    » https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/38533
  • SILVA, Ana Cláudia da. O rio e a casa: imagens do tempo na ficção de Mia Couto. São Paulo: Cultura Acadêmica ; Editora UNESP, 2010. 285 p. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/110765 Acesso em: 16 jan. 2022.
    » https://repositorio.unesp.br/handle/11449/110765
  • WALSH, Catherine. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado. Tabula rasa, Bogotá, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=39600909 Acesso em: 3 ago. 2022.
    » https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=39600909
  • WATSON, Rupert. The African baobab Cape Town: Penguin Random House South Africa, 2014. 200 p.
  • 1
    Os textos citados neste artigo, incluídos nas obras de Mia Couto, mantiveram a ortografia original.
  • 2
    Texto original: The concept of place has always been of central interest to literature-environment studies. Part of the reason for this is intradisciplinary (to redress the historic neglect of setting relative to plot, character, image, and symbol in literary works) (BUELL; HEISE; THRNBER, 2011BUELL, Lawrence; HEISE, Ursula; THORNBER, Karen. Literature and environment. Annual Review of Environment and Resources, California, v. 36, p. 417-440, 2011. Disponível em: http://environment.harvard.edu/sites/default/files/Buell_Heise_Thornber_ARER_2011_Lit_and_Envt.pdf . Acesso em: 10 jun. 2022.
    http://environment.harvard.edu/sites/def...
    , p. 420).
  • 3
    Quando a ASLE foi criada em 1992, a ecocrítica era um campo interdisciplinar emergente nos estudos literários e culturais. Nas últimas duas décadas, a ecocrítica se desenvolveu em uma variedade de períodos históricos, gêneros literários e artísticos, histórias culturais, estruturas teóricas e métodos de pesquisa e Ensino (ASLE, 2022ASLE. Ecocriticism and environmental humanities. Asle.org, Keene, 2022. Disponível em: https://www.asle.org/explore-our-field/ecocriticism-and-environmental-humanities . Acesso em: 16 set. 2022.
    https://www.asle.org/explore-our-field/e...
    ). Disponível em: https://www.asle.org/explore-our-field/ecocriticism-and-environmental-humanities. Acesso em: 25 jun. 2022.
  • 4
    Texto original: Ecocriticism is the study of the relationship between literature and the physical environment. Just as feminist criticism examines language and literature from a gender-conscious perspective, and Marxist criticism brings an awareness of modes of production and economic class to its reading of texts, ecocriticism takes an earth-centered approach to literary studies (GLOTFELTY, 1996GLOTFELTY, Cheryll. Introduction. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (ed.). The ecocriticism reader: landmarks in literary ecology. London: University of Georgia Press, 1996. p. 15-37., p. 18).
  • 5
    Algumas edições trazem as duas palavras ligadas por hífen, como é o caso da edição O manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade significativa, realizada pela Bazar do tempo, 2021, com tradução de Pê Moreira. Nós estamos nos guiando pela tradução feita pela bióloga e analista ambiental, Sandra Michelli da Costa Gomes, a partir da edição em inglês de 2003.
  • 6
    Texto original: Human beings are with and of the Earth, and the biotic and abiotic powers of this Earth are the main story (HARAWAY, 2016aEAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011. 208 p., p. 55).
  • 7
    Texto original: The ecological crisis we face is so obvious that it becomes easy-for some, strangely or frighteningly easy-to join the dots and see that everything is interconnected (MORTON, 2010MORTON, Timothy. The ecological thought. Harvard University Press, 2010. 163 p., p. 1).
  • 8
    Texto original: Since what we often call the environment is being changed, degraded, and eroded (and destroyed) by global forces of industry and capitalism. Just when we need to know what it is, it's disappearing (MORTON, 2010MORTON, Timothy. The ecological thought. Harvard University Press, 2010. 163 p., p. 10).
  • 9
    Texto original: Because human activities have also grown to become significant geological forces, for instance through land use changes, deforestation and fossil fuel burning, it is justified to assign the term “anthropocene” to the current geological epoch. This epoch may be defined to have started about two centuries ago, coinciding with James Watt’s design of the steam engine in 1784 (CRUTZEN, 2006CRUTZEN, Paul Josef. The Anthropocene. In: EHLERS, Eckart; KRAFFT, Thomas (ed.). Earth system science in the Anthropocene: emerging issues and problems. Berlin: Springer, 2006. p. 13-18., p. 13).
  • 10
    Texto original: This is usually called the Anthropocene (“Age of Man”), but is more accurately called the Capitalocene (“Age of Capital”). It is certain that the twenty-first century is a moment of extraordinary global change (MOORE, 2015MOORE, Jason. Capitalism in the Web of life: ecology and the accumulation of capital. London: Verso Books, 2015. 336 p., p. 57).
  • 11
    Texto original: The Anthropocene obtained purchase in popular and scientific discourse in the context of ubiquitous urgent effort to find ways of talking about, theorizing, modeling, and managing a Big Thing called Globalization (HARAWAY, 2016aHARAWAY, Donna. Tentacular thinking: anthropocene, capitalocene, chthulucene. In: HARAWAY, Donna. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Duke: Duke University Press, 2016a. p. 30-57., p. 45).
  • 12
    Texto original: My spider Pimoa cthulhu has the Lovecraftian spelling in its Linnaean name, but I insist that the savvy arachnid is really aligned with non-Lovecraftian chthonic powers! Lovecraft’s underworld of dreadful chthonic serpents were terrible only in the patriarchal mode (HARAWAY, 2016bHARAWAY, Donna. Staying with the trouble: Anthropocene, Capitalocene, Chthulucene. In: MOORE, Jason (ed.). Anthropocene or Capitalocene?: nature, history, and the crisis of capitalism. Oakland: Pm Press, 2016b. p. 34-76., p. 62).
  • 13
    Texto original: a compound of stories and multispecies practices of becoming-with in times that remain at stake, in precarious times, in which the world is not finished and the sky has not fallen—yet. We are at stake to each other (HARAWAY, 2016aHARAWAY, Donna. Tentacular thinking: anthropocene, capitalocene, chthulucene. In: HARAWAY, Donna. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Duke: Duke University Press, 2016a. p. 30-57., p. 55).
  • 14
    Evento organizado em 2021 pelo NEPAM - Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da UNICAMP, em Campinas, São Paulo.
  • 15
    Texto original: In most myths of baobab creation the tree is seen to be standing on its head, roots in the air - ultimate 'upside-down tree'. A popular legend has it that one of the first trees God created was the baobab (WATSON, 2014WATSON, Rupert. The African baobab. Cape Town: Penguin Random House South Africa, 2014. 200 p., n.p).
  • 16
    Na escala evolutiva, os vegetais superiores são aqueles que apresentam um sistema completo de vasos condutores de seiva, raízes, caule, folhas, flores, frutos e sementes.
  • 17
    Texto original: Encuentra su base en la división binaria naturaleza/sociedad, descartando lo mágico-espiritual-social, la relación milenaria entre mundos biofísicos, humanos y espirituales, incluyendo el de los ancestros, la que da sustento a los sistemas integrales de vida y a la humanidad misma (WALSH, 2008WALSH, Catherine. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado. Tabula rasa, Bogotá, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=39600909 . Acesso em: 3 ago. 2022.
    https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=3...
    , p. 138).
  • 18
    Greenwashing é um termo criado por ambientalistas para designar “lavagem verde”, dentro de um contexto capitalista, cuja finalidade é a de promover empresas, produtos comerciais, ou ações revestidas de senso de “sustentabilidade ambiental” e da prática rotulada como “ambientalmente correto”, quando na verdade não correspondem com a realidade, porque por traz de tudo isso persistem práticas predadoras de exploração de toda sorte.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2022
  • Aceito
    02 Nov 2022
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