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PRESCRIÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA IMPRENSA PERIÓDICA DE ENSINO E DE TÉCNICAS (1932-1960)

DIDACTIC-PEDAGOGICAL PRESCRIPTIONS FOR PHYSICAL EDUCATION IN THE PERIODICAL PRESS OF TEACHING AND TECHNIQUES (1932-1960)

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar os artigos veiculados pela imprensa periódica de ensino e de técnicas (1932-1960), cuja finalidade era prescrever o ensino da Educação Física. Possui, como fonte, a Revista de Educação Física e a Revista Educação Physica e utiliza, como pressupostos teórico-metodológicos, os estudos sobre a análise dos impressos. Os resultados sinalizam que, no interior das fontes, havia formas semelhantes de prescrever o ensino da Educação Física. Na medida em que ela se insere e se consolida nos currículos escolares, também foram elaborados meios de significá-la, tendo a atuação docente como lugar central para o fortalecimento de seu projeto de escolarização. A publicação de prescrições didático-pedagógicas evidenciou as contribuições de diferentes grupos de articulistas e instituições para sistematizar uma nova disciplina centralizada na natureza e especificidade do seu saber, oferecendo os subsídios necessários para sua permanência na escola. Esses impressos consituíram-se como dispositivos de uso didático-pedagógico, colaborando com a formação do professorado que atuaria com o ensino da Educação Física na escola.

Palavras-chave:
Imprensa periódica; Prescrições didático-pedagógicas; Escolarização

ABSTRACT

The objective of the study was to analyze the articles published by the periodical press of education and techniques (1932-1960), whose purpose was to prescribe the teaching of Physical Education. It has, as a source, the Revista de Educação Física and Revista Educação Physica, and uses, as theoretical and methodological assumptions, studies on the analysis of printed matter. The results indicate that, within the sources, there were similar ways of prescribing the teaching of Physical Education. In that, as it is inserted and consolidated in school curricula, it has also been elaborated ways of signifying it, with the teaching role as the central place to strengthen its schooling project. The publication of didactic-pedagogical prescriptions evidenced the contributions of different groups of writers and institutions to systematize a new discipline centered on the nature and specificity of their knowledge, offering the necessary subsidies for their stay in school. These printed consisted of devices of didactic-pedagogical use, collaborating with the formation of the teachers that would act with the teaching of Physical Education in the school.

Keywords:
Periodical press; Didactic-pedagogical prescriptions; Schooling

Introdução

Esta pesquisa compõe os estudos realizados no Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física/Universidade Federal do Espírito Santo (Proteoria/Ufes), que analisa as questões referentes ao processo de escolarização da Educação Física (EF) em uma perspectiva histórica. Desde 1999, desenvolvemos trabalhos para compreender, por meio da imprensa educacional (ensino, técnica e científica) e das práticas pedagógicas cotidianas, a forma como no Brasil foram produzidas as teorias/práticas para esse componente curricular.

Dentre os impressos que temos pesquisado, referimo-nos à imprensa periódica de ensino e de técnicas, que se constitui em um conjunto de suportes materiais editados no formato de revistas, livros e A4, posto em circulação a partir de 1930. Conforme Ferreira Neto11 Ferreira Neto A. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: Dacosta LP, editor. Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape; 2005, p. 776-777. e Ferreira Neto et al.22 Ferreira Neto A, Schneider O, Santos W, Mello AS, Soares AJG. Por uma teoria da educação física brasileira na imprensa periódica de ensino, técnica e científica. Movimento 2014;20(4):1473-1497. Doi: 10.22456/1982-8918.46387.
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, esses periódicos contribuíram para a inserir e fortalecer a EF nos currículos escolares, lutar por formação profissional, propagar legislações específicas e veicular métodos ginásticos e práticas que conferissem uniformidade à EF. Para vulgarizá-la, seja para o trabalho na escola, seja em outros espaços, os editores também divulgavam artigos sobre instalações, materiais, noticiários e detalhamentos técnicos dos diferentes tipos de exercícios e esportes.

Com o objetivo de analisar as orientações para as práticas pedagógicas dos professores veiculadas nesses impressos, elaboramos o projeto guarda-chuva “Da imprensa periódica de ensino e de técnicas da EF: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960)”, que investiga como os objetivos, as metodologias, os detalhamentos técnicos, os conteúdos de ensino e a avaliação eram sistematizados em periódicos da área. Especificamente, o presente artigo encontra-se vinculado a esse projeto e possui como objetivo analisar os artigos publicados nesses impressos cuja especificidade era prescrever o ensino da EF (1932-1960).

Para fins desta pesquisa, serão analisadas a Revista de EF (REF) e a Revista Educação Physica (REPhy), ambas criadas em 1932. A REF, chancelada pela Escola de EF do Exército (EsEFEx), pretendia a divulgação e o ensino da EF fundamentados nos princípios pedagógicos da Instituição. A REPhy foi organizada por intelectuais civis e editada pela Companhia Brasil Editora S. A., entidade de caráter comercial que colaborou, a partir da década de 1930, com a divulgação dos esportes no Brasil33 Dantas EHM. Gastaldoni D. Editoras de livros de esporte, educação física e lazer. In: Dacosta LP, editor. Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape; 2005, p. 782-783.. Em seu projeto editorial a Companhia Brasil Editora S. A. publica livros, bem como a REPhy, que visavam a divulgar as práticas e o ensino dos esportes no Brasil44 Cassani JM. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: Trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [Tese de Doutorado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2018.. Esse movimento revela a preocupação da editora em construir uma trajetória de publicações sobre a temática.

Nesse caso, o objetivo da REPhy era se tornar uma base orientadora para a EF, por meio da vulgarização dos fundamentos científicos, da formação profissional, dos esportes e de programas de exercícios destinados às escolas55 Editorial. Rev Educação Physica 1932;1(2): s.p.. Vinculado ao mercado editorial privado, o periódico promovia iniciativas que colaboravam com a sua manutenção, como a busca de recursos financeiros via a publicação de anúncios de bancos, de indústrias, de vestuário e de instituições de ensino. Além disso, amplia a sua circulação no Brasil e no exterior, chegando, conforme destaca Gois Junior66 Gois Junior E. Revista educação physica e a higiene dos corpos (1932-1945). Rev de História do Esporte 2013;6(1): 1-13., em vários estados brasileiros, na maioria dos países da América do Sul e tendo representantes na Europa.

No referencial teórico-metodológico, assumimos as orientações para pesquisas que tratam o periódico como fonte. Indicamos também os critérios utilizados para a seleção dos artigos e, posteriormente, analisamos o mapeamento realizado em diálogo com a literatura.

Teoria e metodologia

Referenciamo-nos nos estudos de Chartier7 sobre a análise dos impressos, considerados produtos de relações entre diferentes autores e editores, bem como objetos culturais, por meio dos quais saberes, modelos e formas de pensar são colocados à leitura. Sob essa perspectiva, assumimos o periódico como uma fonte de prescrições e de imagens, mas, sobretudo, como um mensageiro de relações, que possui como “[...] característica mais marcante [...] [o] papel de formador de opinião” 8:159. Mais do que veicular informações sobre fatos ocorridos, a imprensa ajuda a dar forma ao que por ela é registrado99 Darnton R. Introdução. In: Darnton R, Roche D, editores. Revolução impressa: a imprensa na França (1775-1800). São Paulo: Edusp; 1996, p. 15-17..

Tomamos como fontes a imprensa periódica de ensino e de técnicas da EF (1932-1960), caracterizada por colocar em circulação modelos a serem imitados por aqueles que ensinariam a EF, servindo como um receituário, em que os leitores encontrariam prescrições de atividades a serem realizadas na condução de uma aula na escola11 Ferreira Neto A. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: Dacosta LP, editor. Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape; 2005, p. 776-777.,22 Ferreira Neto A, Schneider O, Santos W, Mello AS, Soares AJG. Por uma teoria da educação física brasileira na imprensa periódica de ensino, técnica e científica. Movimento 2014;20(4):1473-1497. Doi: 10.22456/1982-8918.46387.
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A periodização das fontes (1932-1960) se justifica por motivos internos e externos ao objeto. Internamente, o ano de 1932 refere-se à publicação dos primeiros números das revistas que possuem o perfil editorial discutido por Ferreira Neto11 Ferreira Neto A. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: Dacosta LP, editor. Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape; 2005, p. 776-777. e Ferreira Neto et al.22 Ferreira Neto A, Schneider O, Santos W, Mello AS, Soares AJG. Por uma teoria da educação física brasileira na imprensa periódica de ensino, técnica e científica. Movimento 2014;20(4):1473-1497. Doi: 10.22456/1982-8918.46387.
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, quais sejam, a REF e a REPhy. Os motivos externos estão associados ao ano de término da imprensa periódica de ensino e de técnicas, 1960, pois, cumprindo os seus propósitos, acabou por fenecer, “[...] faltando encontrar o seu lugar no século XXI”1:776.

Com a inserção da EF na escola e a regulamentação da formação de professores em nível superior, os articulistas entenderam que caberia aos cursos de formação ensinar os futuros docentes sobre o planejamento de suas práticas pedagógicas. Como o espaço legal da EF fora garantido pelas contribuições desses impressos, paulatinamente, após 1960, o periodismo passou a figurar como publicações científicas, fruto da necessidade de a comunidade acadêmica orientar a área por meio de pesquisas vinculadas à graduação, à pós-graduação, às sociedades científicas e às associações de categoria profissional1, 10.

Fundamentados nessas especificidades, referenciamo-nos no mapeamento produzido por Cassani44 Cassani JM. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: Trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [Tese de Doutorado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2018., a qual encontrou um total de 1.783 artigos: na REF (1932-1960), REPhy (1932-1945), Boletim de EF (BEF) (1941-1958), Revista Brasileira de EF (RBEF) (1944-1952) e Arquivos da Escola Nacional de EF e Desportos (AENEFD) (1945-1966).

Com base nesse corpus documental e para contemplar o objetivo específico deste artigo, selecionamos como fontes a REF e a REPhy, pois são as que possuem um número maior de prescrições, em um total de 198 e 343, respectivamente. As fontes foram mapeadas na biblioteca do Proteoria/Ufes, que possui em seu acervo: os 92 números da REF, em seus originais; e os 85 da REPhy, em fotocópia.

Selecionamos os artigos pela leitura prévia dos títulos que remetiam a orientações para o ensino da EF, presentes na versão escrita do Catálogo de Periódicos de Educação Física e Esporte1111 Ferreira Neto A, Schneider O, Aroeira KP, Bosi F, Santos W. Catálogo de periódicos de Educação Física e esportes (1930- 2000). Vitória: Proteoria; 2002.. Nesse momento, não buscamos terminologias específicas nos títulos, selecionando aqueles com um conteúdo que se aproximasse da prescrição e orientação didático-pedagógica.

No processo de registro fotográfico das fontes, foi necessário ler o seu conteúdo, artigo por artigo, a fim de delimitarmos o corpus documental. O manuseio dos impressos foi importante para selecionarmos os artigos sem identificação de títulos e/ou sem descrições textuais, nesse caso, a escolha das fontes ocorreu pela análise de seu conteúdo e forma.

Especificamente, selecionamos os artigos compreendidos como prescrições didático-pedagógicas (541), pois eles abordavam o que e como os exercícios seriam ensinados nas sessões de EF, bem como forneciam possibilidades de práticas pedagógicas por meio de lições (sugestões de como desenvolver uma aula) e de exemplos de práticas aulas já vividas por docentes. Para Cassani44 Cassani JM. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: Trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [Tese de Doutorado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2018., esses artigos também ensinavam o professor a realizar determinado exercício, projetando o corpo humano em movimento e, com o auxílio de textos imagéticos e escritos, prescreviam a maneira correta de realizar a técnica corporal.

Elaboramos um banco de dados no Microsoft Office Excel para cada revista, contendo: ano de publicação; revista; número; página da matéria; sessão do sumário; autores; título; presença de imagens; e descrição do conteúdo. Posteriormente, transferimos esse banco de dados para o software IBM® SPSS® Statistics - Version 22 e, nele, inserimos, manualmente, todas as informações catalogadas no Microsoft Excel, atribuindo-lhes variáveis. Esse procedimento foi necessário para obtermos resultados que quantificassem a frequência dessas variáveis e possibilitassem o seu cruzamento.

Para este artigo, os dados quantitativos foram produzidos por meio das técnicas da estatística descritiva, utilizando o cruzamento de frequências de variáveis diferentes que, de acordo com Bruni12:29, “[...] representam a análise conjunta de duas ou mais variáveis”. Realizamos esse procedimento no software da seguinte maneira: Analisar > Estatística descritivas > tabela de referência cruzada.

O uso desse programa, como instrumento para organização das fontes, possibilitou uma visão ampliada do objeto da pesquisa, pois, diante de um número expressivo de artigos e de uma periodização que abrange 29 anos, foi preciso estabelecer os cruzamentos entre os dados. Tal procedimento ajudou a localização e manuseio do corpus documental, assim como favoreceu a compreensão da forma e do conteúdo das fontes.

Referenciamo-nos na análise crítico-documental proposta por Bloch1313 Bloch M. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 2001., pois ela nos permite ler o que está presente ou ausente nos periódicos, afinal, “[...] os textos ou os documentos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los”13:79. Nesse processo, consideramos os impressos como artefatos dotados de intencionalidades, produzidos por indivíduos ou grupos que contribuíram para a inserção e consolidação da EF nos currículos escolares.

Resultados e Discussão

Para analisarmos as fontes, organizamos a pesquisa em dois eixos: a distribuição anual dos artigos e a relação com o perfil editorial das revistas; e as prescrições didático-pedagógicas.

Distribuição anual das prescrições: indícios dos perfis editoriais dos impressos

Dos 541 artigos, 281 encontram-se entre 1932 e 1939, em uma representatividade de 52% das publicações. Nesse período, a REF veiculou 130 artigos (24%) e a REPhy 151 (28%). Os anos de 1935 (38), 1937 (38) e 1938 (81) são aqueles em que ocorreram os picos de produção, conforme o Gráfico 1. Para sua elaboração, cruzamos as variáveis “ano_revista” e “prescrições”, a fim de identificarmos o ritmo de publicação das prescrições ao longo do periodismo:

Gráfico 1
Distribuição anual das prescrições

A REF publicou em toda a década de 1930, com oscilações em seu ritmo de produção. Os anos de maior relevância numérica foram 1933 (28), 1935 (38), 1938 (34), em uma representatividade de 77% dos seus artigos no período. Uma análise do seu perfil editorial sinaliza que o elevado número de prescrições, entre 1932 e 1939, está relacionado com a aprovação do Decreto n.º 23.252, de 19 de outubro de 1933, que “[...] [realizou] um sonho antigo, [o de transformar] o Centro em Escola de Educação Física do Exército [EsEFEx], dando-lhe nova orientação e ampliando [...] seus objetivos” 14:6.

O editor referia-se ao papel assumido pela EsEFEx, que passou a desenvolver “pesquisas científicas”, que contribuiriam para um melhor “rendimento das atividades escolares”, bem como criariam “[...] uma consciência esportiva no País e [difundiriam], a educação física em todos os recantos do nosso território” 14:6. A transformação do Centro Militar de Educação Física (CMEF) em EsEFEx, no ano de 1933, viabilizou a formação de instrutores e monitores para atuação nas escolas civis, o que contribuiu para a consolidação e difusão do método de Educação Física adotado pelo Exército, no Brasil. Anterior a essa mudança institucional, a iniciativa de Fernando de Azevedo, como diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, já se configurava como fator que incentivaria a formação de professores para atuarem com a Educação Física em escolas civis, sob os princípios orientadores do Exército - o que ocorreu em 1929, quando o diretor encaminhou professores civis do Distrito Federal para a formação no CMEF1515 Ferreira Neto A. A pedagogia no Exército e na escola: A educação física (1920-1945). Motri 1999;11(13):35-62..

Do mesmo modo, como cenário do elevado número de prescrições didático-pedagógicas no período, estava a obrigatoriedade do ensino dos exercícios da Educação Física nas instituições secundárias, a partir da aprovação da “Reforma Francisco Campos”1616 Brasil. Governo provisório da república dos estados unidos do Brasil. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Rio de Janeiro, 18 de abril de 1931.. Os dados quantitativos sugerem as iniciativas da EsEFEx em oferecer prescrições didático-pedagógicas aos diplomados das turmas do curso regular ofertado pela instituição, a fim de colaborar com a inserção e a consolidação do ensino da Educação Física em instituições civis.

Assim, por se constituir como órgão técnico de publicidade da EsEFEx, a REF vulgarizava os princípios pedagógicos da Educação Física em circulação no Exército para aqueles que atuariam na escola. De modo específico, a iniciativa em publicar prescrições didático-pedagógicas era necessária, pois, de acordo com o capitão Ilídio Romulo Colonia, os “camaradas” que trabalhariam nos estabelecimentos de ensino ainda demonstravam dúvidas em relação a “pontos julgados menos claros” do Regulamento1717 Colonia IR. Unidade de doutrina. Rev de Educação Física 1933;2(4):s.p.. Desse modo, a publicação de prescrições didático-pedagógicas fundamentadas nas orientações do Exército contribuiria para a sistematização da prática pedagógica de instrutores e monitores que, até o ano de 1933, não tiveram a oportunidade de estagiar no C.M.E.F.

Nesse caso, o editor João Ribeiro Pinheiro também afirmou que o periódico era um suporte para o Exército “[...] realizar mais uma grande obra, [a fim de esculpir] a raça como [esculpiu] a nacionalidade”18:s.p.. A grande obra mencionada por Pinheiro1818 Pinheiro JR. Militarismo e educação física. Rev de Educação Física 1932;1(1):s.p. referia-se à difusão do método de EF adotado pela EsEFEx como aquele a ser utilizado pelas escolas secundárias. Fazia-se necessário um suporte material que produzisse uma cultura sobre o papel da EF na formação dos sujeitos e que os aproximasse das práticas da EsEFEx.

Assim, uma revista com características didático-pedagógicas ensinaria os princípios do Regulamento Geral de Educação Física (Método Francês), oferecendo possibilidades de sua aplicação no espaço escolar.

Para facilitar a difusão do método, os articulistas publicariam “[...] lições de educação física, sessões de jogos, de esportes individuais, e de esportes coletivos, acompanhados das explicações a sua execução” 19:s.p.. O Método Francês, ou Réglement Géneral de Éducation Physique” (Méthode Française), Regulamento Geral de Educação Física (Método Francês), foi uma obra criada pela Escola Normal de Ginástica e de Esgrima de Joinville-Le-Pont (França), na década de 1920. Ela foi a orientadora da Educação Física em todas as unidades do Exército, inclusive na EsEFEX. Em 1937, o Regulamento nº 7 foi oficializado como o método que fundamentaria o ensino da Educação Física nas instituições secundárias no Brasil44 Cassani JM. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: Trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [Tese de Doutorado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2018.,1515 Ferreira Neto A. A pedagogia no Exército e na escola: A educação física (1920-1945). Motri 1999;11(13):35-62..

Já a REPhy veiculou um reduzido número de artigos em seus três primeiros anos, quando comparada com a REF e, em 1935, não foi publicada. A baixa circulação de prescrições, nesses anos, estava relacionada com as dificuldades do impresso em se consolidar no mercado editorial, como afirmam os editores: “As dificuldades naturaes que sobreveem, no início de qualquer emprehendimento, não permittiram realizarmos exactamente o que esperávamos. Mas vamos perseverar [...] para levar avante a nossa idéa” 20:1.

Entre 1936 e 1939, a REPhy estabilizou seu ritmo de produção. Nos anos de 1937 (35) e 1938 (42), houve aumento gradativo de artigos. Esse fortalecimento quantitativo referia-se às ações dos articulistas em firmar a EF, “[...] criando, melhorando e ampliando suas actividades, tratando com o mesmo carinho e no mesmo pé de igualdade os programmas de ensino e de gymnastica, [em um] trabalho racional da cultura intellectual e physica” 20:1.

A necessidade de se consolidar como periódico, especialmente porque iniciou as suas atividades no mesmo ano da REF, contribuiu para que a REPhy também anunciasse as suas práticas editoriais para os próximos anos: “[...] [perseverando] neste começo tão auspicioso, [a revista] [...] continua nos seus propósitos de mais e mais difundir os ensinamentos technicos que devem existir nos sports e athletismo brasileiros” 20:1.

Já entre 1940 e 1949, foram mapeados 227 artigos, representando 42% do total de publicações. Os picos de produção ocorreram em 1940 (72), 1941 (70) e 1942 (44). A REPhy veiculou 192 matérias (35,5%) e a REF 35 (6,5%). Enquanto a REPhy demonstrou acréscimo em publicações, a REF diminuiu o seu ritmo de produção.

Na primeira década, a REF publicou em todos os anos. Na segunda, as oscilações referem-se aos anos em que ela não foi veiculada (1940 e 1943-1946), sobretudo em decorrência da Segunda Guerra Mundial, motivo pelo qual o editor afirmou que foi necessário “[...] [trocar] o aço das penas pelo das armas [...]. [Começarmos] tudo outra vez, limpando as maquinas, espanando a poeira dos arquivos, para trazer [...] o conselho e a orientação técnica [para a EF]” 21:1.

A realização de duas Guerras Mundiais também implicou escassez de recursos nos países, acarretando em diminuição no volume de importações e exportações. Nesse caso, a pesquisa de Warde2222 Warde MJ. Periodismo educacional: Estados Unidos, do século 19 às primeiras décadas do século 20. História da Educação 2016; 20:95-120. Doi: http://doi.org/10.1590/2236-3459/204895.16.
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sinaliza como ambos os tensionamentos, políticos e econômicos, impactaram o periodismo educacional, pois, devido ao aumento no valor do papel, houve certa estagnação nos investimentos feitos no ramo dos impressos.

A REPhy possui seus picos de produção em 1940 (72) e 1941 (67). A revista reduziu paulatinamente as suas publicações em 1942 (34), 1943 (11) e 1944 (3) até que, em 1945 (5), encerrou as suas atividades. Esses dados acompanham o ciclo de vida do impresso que, para Schneider2323 Schneider O. Educação physica: a arqueologia de um impresso. Vitória: Editora da Ufes; 2010., foi marcado por três períodos distintos: em 1932-1937, há vulnerabilidade em sua editoração e a busca por se manter em circulação; em 1938-1941, há a consolidação do seu corpo editorial, contribuindo com o aumento de publicações; e, em 1942-1945, há uma redução gradativa dos artigos e o término de suas atividades. Assim, na medida em que a REPhy fortalece o seu perfil editorial, veiculando um número maior de artigos, também faz circular, proporcionalmente, as prescrições.

A representatividade numérica da REPhy também está relacionada com a atuação de Hollanda Loyola, como seu diretor-técnico, a partir de 1939. Ele se constituiu como o articulista com o maior número de matérias assinadas (entre 1939 e 1944, ele produziu 80 artigos, de um universo de 661). Em 1940 (72), ano com maior volume de prescrições, 24 matérias tiveram autoria de 21 articulistas distintos (33,3%), 37 não apresentaram autoria (51,4%) e 11 artigos foram assinados por Loyola (15,3%).

Conforme Freitas2424 Freitas LLL. Hollanda Loyola, educação e educação física: Reflexões pedagógicas e prescrições educacionais (1934-1944). [Dissertação de Mestrado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2011., as publicações de Loyola na REPhy são decorrentes de sua trajetória em escrever sobre a EF desde a sua atuação no jornal A Offensiva, entre 1934 e 1938. Para a autora, “[...] muito do que [Loyola publicava] na revista [seguia] os mesmos preceitos que vinha desenvolvendo no jornal” 24:71.

Em 1944, os editores anunciaram as dificuldades em manter o impresso em circulação, “[...] mesmo na situação que atravessam quase todos os periódicos - jornais e revistas - ‘Educação Física’ não modificou a sua norma de conduta. E, para isso, preferiu sacrificar o seu patrimônio material a perder o seu patrimônio moral” 25:5. A análise do impresso sinaliza que os articulistas optaram por publicar, ao final do seu ciclo de vida, os artigos veiculados em seus primeiros números. Nesse caso, o reconhecimento dos leitores como aqueles que indicavam os assuntos a serem abordados no periódico sugere a necessidade de se produzir uma memória material do impresso, após o seu fenecimento: “Passaremos a reproduzir, a partir do número de março [...], os artigos publicados nos exemplares [1, 2, 3 e 4] [...]. Assim sendo, os nossos assinantes [...] poderão considerar suas coleções como completas” 26:11.

Entre 1950 e 1960, as prescrições reduzem significativamente. A REF veiculou 33 artigos, o que equivale a 6% de todo o período analisado. Os picos ocorreram em 1953 (9) e 1958 (8), correspondendo a 51,5% das publicações no período. A diminuição gradativa de prescrições na REF, entre 1940 e 1960, deve-se ao cumprimento de sua missão, qual seja, difundir uma Unidade de Doutrina que orientasse a EF, contribuindo para a sua inserção e fortalecimento na escola.

O propósito da REF parece-nos ter sido alcançado, quando compreendemos que essa redução está relacionada com a criação de instituições civis responsáveis pela formação de professores de EF, como a Enefd. Naquele contexto, tínhamos o debate sobre o significado da EF na escola, ou seja, se ela era disciplina, atividade ou recreação. Também estava em evidência a formação dos profissionais que deveriam ensiná-la. Anteriormente, era ministrada por instrutores, monitores ou normalistas 15, 27-29 .

Diante desse momento de transição, em que o início do processo de formação de professores de EF, em nível superior, acompanhava a sua inserção e fortalecimento nos currículos escolares, pretendia-se, como afirma Cassani44 Cassani JM. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: Trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [Tese de Doutorado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2018., a publicação de revistas destinadas para prescrever a prática daqueles que ministrariam as sessões de/na EF na escola. Assim, a criação da Enefd e da revista chancelada por ela, os AENEFD, também sugere que os editores da REF tenham transferido a periódicos editados por outras instituições a responsabilidade de contribuir com a formação de professores. As prescrições seriam produzidas para atender às demandas de um profissional, agora com formação específica em EF e, paulatinamente, a REF focalizaria as áreas do treinamento esportivo e da fisiologia, conforme Ferreira Neto11 Ferreira Neto A. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: Dacosta LP, editor. Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape; 2005, p. 776-777..

Prescrições didático-pedagógicas e as implicações para o processo de escolarização da EF

Para compreender como os impressos contribuíram para o processo de escolarização da EF, por meio da publicação de prescrições, organizamos a Tabela 1. Para a sua elaboração, cruzamos as variáveis “tema” e “prescrições”, a fim de identificarmos como as matérias de natureza prescritiva estavam distribuídas sobre as diferentes práticas da Educação Física.

Tabela 1
Distribuição das prescrições por periódicos

As colunas denominadas Prescrições se referem aos exercícios que constituem os objetos de ensino da EF, conforme denominados pelos impressos. Especificamente, a expressão ginástica abrange uma diversidade de métodos e modalidades ginásticas em circulação nos periódicos.

A Tabela 1 evidencia 21 tipos de exercícios distintos. Desses, 14 foram publicados em ambos os periódicos. Dos que possuem maior recorrência quantitativa, há a ginástica (174), o atletismo (94), o basquete (70), a natação (41), o tênis (31) e o futebol (30), em um total de 440 artigos (81,3%). Na REF, ginástica (66), atletismo (41) e futebol (15) tiveram maior circulação, correspondendo a 61,6% no impresso. Na REPhy, ginástica (108), basquete (58) e atletismo (53) possuem representatividade de 63,8%.

O perfil editorial da REF conduziu à publicação de prescrições fundamentadas no Método Francês, buscando aproximar os leitores do Regulamento n.º 7. O impresso objetivava orientar os instrutores a executar e a ensinar os exercícios propostos pelo método, difundindo-o no espaço escolar1919 Cavalcanti N. Unidade de doutrina. Rev de Educação Física 1932; 1(2): s.p.. Já a REPhy visava à divulgação, ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento dos esportes, entendidos como fator de “aperfeiçoamento” da raça55 Editorial. Rev Educação Physica 1932;1(2): s.p.. Nesse caso, as estratégias editoriais em publicar as prescrições vulgarizavam os saberes necessários para o processo de escolarização da EF, quais sejam, aqueles de natureza técnica e educacional55 Editorial. Rev Educação Physica 1932;1(2): s.p..

A ginástica (66) representou 33,3% dos artigos presentes na REF, com picos de produção em 1933 (12) e 1938 (13). Esses números foram impulsionados pela circulação de 25 Lições de EF, entre 1932 e 1939, correspondendo a 52,2% das prescrições para a ginástica. A Figura 1 apresenta um modelo de lição:

Figura 1
Lição de EF veiculada na REF

Previstas no Método Francês, as lições se assemelham a modelos de planos de aula, organizando os objetivos, os exercícios a serem ensinados (por explicações textuais e por desenhos), o tempo de duração das sessões, os materiais e o regime de lição, de acordo com a turma. Elas se dividiam em três partes com durações distintas: sessão preparatória, lição propriamente dita e volta à calma.

A necessidade de publicar lições que facilitassem o uso do método foi anunciada por Cavalcanti1919 Cavalcanti N. Unidade de doutrina. Rev de Educação Física 1932; 1(2): s.p., constituindo-se como “[...] reunião de exercícios variados e combinados que interessam simultânea ou sucessivamente a todos os organs e as grandes funções, tendo em vista o seu aperfeiçoamento e sua melhora” 19:s.p..

Na REPhy, a ginástica (108) representou 31,5% dos artigos, com pico de produção em 1940 (28) e 1941 (30). No impresso, esses exercícios são marcados pela diversidade, com 9 formas distintas de ensiná-los e aprendê-los: ginástica feminina (35), Método Francês (29), Método Alemão (14), Método Sueco (5), calistenia (4), Método ginástico de Dèmeny (4), exercícios de equilíbrio (3), ginástica natural (método de Hébert) (1), ginástica dinamarquesa (1).

A diversificação da ginástica presente na REPhy pode estar relacionada com a afirmativa de Berry31:17 sobre a necessidade de os países “[...] estudarem outros methodos e adaptar, modificar e melhorar o seu próprio desenvolvimento, de sorte que é quase impossível, agora, deparar-se um ‘systema’ de educação physica”. Diferentemente da REF, o periódico não estava fundamentado em uma doutrina que conferisse homogeneidade à EF, mas buscava a propagação e uso de diferentes métodos. Essa diversificação visava a uma nova “educação physica”, marcada pelo “[...] harmonioso equilíbrio: como fim hygienico, a saúde; como fim psychico, o caracter; como fim esthetico, a beleza e como fim social, a recreação”32:22 .

As 35 prescrições destinadas às mulheres representam 32,4% das prescrições ginásticas, com picos em 1940 (6), 1941 (11) e 1942 (9). O seu principal objetivo era desenvolver a saúde e a estética da mulher, “[...] [assegurando] o prestigio de sua beleza e [contribuindo] para o aperfeiçoamento de nossa raça” 33:14. Esses discursos estavam associados à necessidade de preparação dos seus corpos, a fim de gerar filhos fortes e saudáveis, que contribuiriam para o aperfeiçoamento da raça, “[...] dando-lhes um desenvolvimento corporal [...] que, acima de todas as condições pessoais, [as preparasse] para a maternidade” 34:20.

As Lições de EF baseadas no Método Francês também circularam na REPhy (28), correspondendo a 26% das prescrições ginásticas. O Gráfico 2 apresenta a distribuição anual dessas publicações, com base nos totais dos dois periódicos. Ele foi elaborado pelo cruzamento das variáveis “anos_revista” e “desdobramento_da_ginástica” para identificarmos como as lições de EF estavam distribuídas no periodismo:

Gráfico 2
Distribuição anual das Lições de EF

Para elaborar o gráfico, consideramos os anos em que as lições circularam. A REF publicou todas as 18 lições entre 1932 e 1935. Já entre 1937 e 1942, as 35 lições estão assim distribuídas: 7 na REF (20%) e 28 na REPhy (80%). Esses dados sugerem que a REPhy, ao veicular prescrições fundamentadas no Método Francês, também se colocava como referência em relação à divulgação do método oficialmente adotado no Brasil. Especificamente, Hollanda Loyola contribuiu para aproximar a REPhy dos discursos oficiais da REF, constituindo-se como o primeiro e o principal autor das lições presentes na REPhy (13). Esses dados permitem-nos inferir que, ao mesmo tempo em que o articulista buscava o reconhecimento da REPhy, no cenário editorial, também havia o interesse em publicar prescrições baseadas nos mesmos princípios pedagógicos da EsEFEx, fortalecendo a escolarização da EF.

Dentre as publicações, mapeamos os esportes individuais e coletivos. O atletismo (94) representou 17,4% dos artigos, concentrando-se em 1938 (16), 1940 (21) e 1942 (14). Na REF, as 41 matérias (20,7%) tiveram maior recorrência em 1935 (9) e 1938 (8) e estavam fundamentadas na parte 2 do Regulamento n.º 7, destinada ao ensino dos esportes.

Embora o método fosse o orientador da EF aplicada na caserna, a análise do impresso indica tensionamentos em relação ao seu uso para prescrever o ensino do atletismo, conforme visto abaixo:

Nós, que lhes ensinamos a técnica, todo dia [...] colhemos novas observações e ensinamentos, não temos, nem podemos ter uma unidade de doutrina para seguir intransigentemente. Cada hora que passa, na prática, modificamos uma instrução anterior35:31.

Diferente da uniformidade pretendida em relação ao uso do Método Francês como aquele que orientaria as sessões de EF na escola, Morais e Nogueira3535 Morais A, Nogueira MC. Salto em distância com impulso. Rev de Educação Física;4(24):31-40. tornam explícito que essa homogeneidade não seria suficiente para o ensino do atletismo. As fontes também sinalizam que a inserção e o fortalecimento da EF nos currículos escolares foram impulsionados por prescrições, mas também pela experiência dos instrutores, que ampliavam os conhecimentos anteriormente adquiridos a fim de produzir outras possibilidades de intervenção.

A publicação desse tipo de material não significava a sua aplicação irrestrita, mas se constituía como uma base, um auxílio para que os instrutores desenvolvessem outras técnicas e outros modos de ensinar. O processo de escolarização da EF foi marcado, dessa maneira, pela experiência de uma prática pedagógica materializada em outras prescrições para os professores, publicadas nos impressos.

Na REPhy, há 53 artigos sobre atletismo (15,5%), com pico de produção em 1938 (8), 1940 (21) e 1942 (11). Em 13 artigos, identificamos a autoria de norte-americanos, além de 5 traduzidos de periódicos estrangeiros, como o Athletic Journal (3), também norte-americano. O impresso justifica a origem desses artigos, dado o reconhecimento daquele País em estudos sobre o tema3636 Fernandez E. Trabalho dos pés na defesa, em basquetebol. Rev Educação Physica 1941;10(53):34-35..

O futebol (15) foi o esporte coletivo de maior recorrência na REF (7,5%), com concentração em 1938 (7). Apesar de o seu ensino, na puberdade, não ser consensual, os articulistas ofereceram aos leitores procedimentos metodológicos que atingissem e fossem aceitos por todos os públicos. É o caso da série de publicações de Borges3737 Borges, AB. Estudo sobre o foot-ball. Rev de Educação Física 1938;6(38): 3-5., que buscou fornecer elementos sobre “[...] técnica, tática [...], para a prática e ensino do esporte que maior aceitação teve por parte de nossa gente” 37:3. A Figura 2 apresenta a referida prescrição:

Figura 2
Estudo sobre o foot-ball veiculado na REF

Borges3737 Borges, AB. Estudo sobre o foot-ball. Rev de Educação Física 1938;6(38): 3-5. evidencia o modo como deveriam ser ensinados os elementos técnicos do futebol, apresentando os diferentes tipos de domínios, no caso, o “travar” com: os pés, as canelas, as nádegas, o abdome, o peito e a cabeça. A técnica era ensinada pela articulação entre textos explicativos e imagens, que buscavam reforçar essas orientações pela ilustração das posições corporais.

Na REPhy, o basquete (58) foi a modalidade coletiva com a maior concentração de matérias, correspondendo a 17% das publicações. O seu pico de produção foi em 1938 (9), 1939 (10) e 1941 (10). Das 58 matérias, em 34 identificamos 58 autores norte-americanos. O primeiro número do impresso, direcionado exclusivamente ao basquete, buscava torná-lo reconhecido no Brasil, conforme indica Pacheco3838 Pacheco R. Bola ao cesto. Rev Educação Physica 1932; 1(1): 95.. A Figura 3 evidencia uma prescrição para a modalidade:

Figura 3
O “ABC” do Basket-ball veiculado na REPhy

O “ABC” proposto pelo artigo referia-se aos princípios do basquetebol: manejo da bola, passe, lance livre, corrida, salto, habilidade individual e defesa. Na matéria, o articulista apresenta a mesma preocupação presente no artigo sobre o ensino do futebol (Figura 2), pois, na medida em que ele prescreveu o ensino da técnica do basquetebol, apresentou também os movimentos corporais para o ensino da modalidade.

Como analisado por Retz4040 Retz RPC. Ver para fazer e aprender para ensinar: Prescrições pedagógicas em imagens para a Educação Física (1932-1960). [Dissertação de Mestrado em Educação Física]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2018., as imagens presentes nas prescrições se constituem em dispositivos de modelização da leitura77 Chartier R. À beira da falésia: A história cultural entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade da UFRGS; 2002., cujo propósito era colaborar com a formação daqueles que ensinavam a EF, fundamentados na ideia do fazer para aprender e o aprender fazendo22 Ferreira Neto A, Schneider O, Santos W, Mello AS, Soares AJG. Por uma teoria da educação física brasileira na imprensa periódica de ensino, técnica e científica. Movimento 2014;20(4):1473-1497. Doi: 10.22456/1982-8918.46387.
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. Ou seja, os professores também deveriam ser bons executantes, para que tivessem condições de ensinar os exercícios.

A observação das imagens em articulação com os textos escritos oferecia modelos para que os leitores se apropriassem corporalmente dos exercícios. Nesse caso, as imagens faziam parte do projeto editorial desses periódicos, com o intuito de escolarizar a EF.

A diversidade e a relevância quantitativa que os esportes apresentaram permitem-nos inferir que, se, em um primeiro momento, eles eram prescritos pelos métodos ginásticos, como é o caso do Método Francês, é com a incorporação da EF nos currículos escolares que observamos, paulatinamente, a iniciativa dos articulistas em anunciá-los como práticas a serem ensinadas sem que, necessariamente, estivessem incorporados aos referidos métodos. De igual modo, a expressividade numérica dos esportes sugere o seu impacto nos programas de EF, influenciado pelo movimento denominado de americanismo.

Esse é um processo que não se restringe à escolarização, pois, como demonstram Assunção et al4141 Assunção WR, Schneider O, Santos W, Ferreira Neto A. A Educação Física, o esporte e o (Pan)americanismo em revista (1932-1950). Rev. de Educação Física 2014;25: 245-256. Doi: 10.4025/reveducfis.v25i2.21814.
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, a presença americana, tendo como catalisador o movimento pan-americanista, moldou, na Educação Física e na sociedade, uma cultura esportiva, sendo tanto um anseio de modernização por parte dos articulistas brasileiros quanto uma tentativa de colonização cultural por parte do governo dos Estados Unidos da América - o volume de artigos publicados originalmente nesse país também reforça esse argumento.

Conclusões

O objetivo deste artigo foi analisar as prescrições para o ensino da EF publicadas na imprensa periódica de ensino e de técnicas (1932-1960). A análise dos projetos editoriais da REF e da REPhy evidenciou que há, no interior dos impressos, formas semelhantes de colaborar com o fortalecimento da EF na escola, pois, na medida em que ela se constitui como disciplina, também são elaborados meios de significá-la, tendo a atuação docente como lugar central para a consolidação de seu projeto de escolarização.

A publicação desses impressos demonstrou a preocupação de diferentes grupos de articulistas e instituições, que se fundamentavam em diferentes perspectivas de EF para orientar os professores a atuar no contexto escolar. O foco estava em fortalecer uma nova disciplina centralizada na natureza e especificidade do seu saber, oferecendo os subsídios necessários para sua permanência nos currículos escolares.

As fontes nos permitem compreender o importante papel da imprensa periódica de ensino e de técnicas da EF para produzir dispositivos didáticos como suportes que colaboravam com a formação do professorado que atuaria com o ensino da EF na escola. Inicialmente, esse processo ocorreu pelos métodos ginásticos, entendidos como atividade e não como uma disciplina, para que, no século XX, ele se ampliasse e se transformasse em EF. Do ponto de vista dos exercícios que eram aplicados, esse processo permitiu a inserção de novas práticas, aumentando as possibilidades de ensino.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2019
  • Revisado
    08 Nov 2019
  • Aceito
    12 Dez 2019
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