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DUPLA CARREIRA: DILEMAS ENTRE ESPORTE E ESCOLA

DUAL CAREER: DILEMMAS BETWEEN SPORT AND SCHOOL

RESUMO

Este artigo analisa os modelos de conciliação das rotinas na dupla carreira, esportiva e escolar, no Programa Bolsa Atleta do Governo Federal, com estudantes-atletas contemplados pelos resultados obtidos no ano de 2011. Caracteriza-se como uma pesquisa quantitativa realizada por meio de uma entrevista estruturada aplicada a 131 atletas das modalidades de atletismo, judô e natação, sendo 64 do sexo feminino e 67 do masculino. Os resultados evidenciam que: 1) as diferentes modalidades esportivas exigem dos seus atletas tempo e dedicação distintos; 2) processo de iniciação nas três modalidades exigem diferentes formas de investimentos; 3) menor escolaridade dos pais e atletas do atletismo, assim como, classe social mais baixa. Diante dos obstáculos da dupla carreira, atletas, clube, escola e famílias passam adotar táticas de conciliação e mesmo burla dos programas de suporte à formação esportiva.

Palavras-chave:
Esporte; Escola; Dupla carreira

ABSTRACT

This article discusses the models for the reconciliation of career, sports and school routines in the Federal Government Athletic Scholarship Program, with students-contemplators and results obtained in 2011. Characterization as a quantitative research carried out by means of a structured interview invested in 131 athletes of the modalities of athletics, judo and swimming, being 64 female and 67 male. They show the following results: 1) as different sports modalities; 2) initiation process in the temporary variables of the forms of investment; 3) lower schooling of parents and athletes in athletics, as well as lower social class. In the face of the obstacles of the dual career, athletes, clubs, schools and families are adopting tactics of conciliation and even mockery of programs to support sports training.

Keywords:
Sport; School; Dual career

Introdução

A profissionalização de jovens no esporte ainda recebe pouca atenção no campo de estudos da educação, da educação física e das ciências sociais. Além disso, esse tema também não tem sido objeto de debate e reflexão nas políticas públicas de esporte, educação e formação para o trabalho11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017.,22 Correia CAJ. Projetos familiares na formação de atletas do futebol: Apostas na profissionalização e na escolarização. [Tese de Doutorado em Educação]. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2018.. Por esse motivo, o presente artigo analisou os modelos de conciliação das rotinas na dupla carreira, esportiva e escolar, no Programa Bolsa Atleta do Governo Federal (PBA-GF), com estudantes-atletas contemplados pelos resultados obtidos no ano de 2011. Utilizamos nossa base de dados, a partir do levantamento realizado sobre dupla carreira no ano de 2013, para destacar como esses jovens, beneficiários do PBA-GF, administravam a dupla carreira.

Apesar do Programa ter sofrido reduções no presente, esses dados são relevantes para entender como se deu esse processo de conciliação com atletas que participam do mercado esportivo com baixos recursos financeiros e de suporte. Além disso, as análises do Programa permitem avaliar sua estrutura e impacto na formação esportiva, colocando no centro do debate as negociações e tensões com a formação escolar. Permite-nos, ainda, sinalizar os ajustes necessários para a qualificação do próprio Programa, sugerindo mudanças que favoreçam a conciliação esportiva e escolar.

Evidenciamos que o PBA-GF foi uma iniciativa implementada no sentido de subsidiar atletas que ainda não foram contemplados com recursos disponíveis do mercado privado do esporte. Esse incentivo estimulou que atletas de várias categorias e modalidades esportivas pudessem se dedicar quase que exclusivamente ao esporte, não desempenhando funções laborais além da rotina de treinamento e competições. Com isso, percebemos a necessidade de observar e responder: como os jovens atletas beneficiados pelo subsídio governamental adequam suas rotinas para atender às demandas do esporte e da escola?

A justificativa dessa pesquisa se ampara nos estudos realizados, até o momento, sobre as questões inerentes aos estudantes-atletas que se dedicam a uma dupla carreira. As pesquisas sobre escolarização de atletas no Brasil não encontraram um padrão de estratégias para a conciliação das rotinas de treinamento, competições e estudos11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017.. No cenário internacional, os estudos realizados, principalmente na Europa, também ficaram limitados à apresentação de estratégias que flexibilizavam o currículo escolar para a compatibilização da dupla carreira no esporte e na escola33 Borggrefe C, Cachay K. “Dual Careers”: The structural coupling of elite sport and school exemplified by the German Verbundsysteme. Eur J Sport Soc 2012;9(1-2):57-80. Doi:10.1080/16138171.2012.11687889
https://doi.org/10.1080/16138171.2012.11...

4 Henry I [Internet]. Elite athletes and higher education: Lifestyle, balance and the managment of sporting and educational performance [acesso em 14 jun 2016]. Disponível em: https://library.olympic.org/Default/digital-viewer/c-161916
https://library.olympic.org/Default/digi...
-55 Merikoski T. Dual career in Finland: Sport education and training in europe - A dual career for a dual life.. Angers: Agence Com1ne; 2015..

Há uma espécie de direcionamento nas pesquisas nacionais e internacionais que desloca a responsabilidade da conciliação das rotinas na dupla carreira para ajustes nas estruturas da escola. Todavia, percebeu-se que o cansaço físico motivado pela rotina de treinamento é justificativa dada pelos atletas para as dificuldades enfrentadas para atender às demandas educacionais. Neste sentido, sabemos que a escola, embora seja um ideal normativo, possui uma formatação pedagógica e uma carga de disciplinas pouco estimulante para os alunos66 Neri MC. Tempo de permanência na escola. Rio de Janeiro: FVG/CPS; 2009.

7 Schwartzman S. O viés acadêmico na educação brasileira. In: Bacha E, Schwartzman S. Brasil: A nova agenda social. Rio de Janeiro: Editora LTC; 2011, p. 254-269.
-88 Schwartzman, S. Educação média profissional no Brasil: Situação e caminhos. São Paulo: Fundação Santillana; 2016..

Os resultados obtidos nas pesquisas de Melo99 Melo LBS. Formação e escolarização de jogadores de futebol do Estado do Rio de Janeiro. [Dissertação de Mestrado em Educação Física]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2010., Rocha1010 Rocha HPA. A escola dos jóqueis: A escolha de carreira do aluno atleta. [Dissertação de Mestrado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2013., Soares et al.1111 Soares AJG, Melo LBS, Bartholo TL, Velarde GC, Ribeiro CHV, Santos TM. Time for football and school: an analysis of young brazilian players from Rio de Janeiro. Estud Sociol 2013:31:1-14. mostraram que os jovens atletas estabelecem estratégias individuais, as quais visam facilitar a sua permanência na escola e favorecer a profissionalização no esporte. Os autores argumentaram que o nível socioeconômico, o status ocupacional da família e o valor atribuído à educação podem explicar melhor a inclinação para uma carreira de rápido acesso ao mercado de trabalho e baixo investimento nos bancos escolares.

O esporte nem sempre é encarado como trabalho, principalmente, nas categorias de formação. A legislação brasileira permite que indivíduos em idade escolar possam ter algum vínculo empregatício, contanto que as atividades laborais não interfiram na sua rotina escolar1212 Brasil [Internet]. Consolidação das leis de trabalho - CLT, Lei nº 5.452 de 1 de maio de 1943 [acesso em 4 ago 2016] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del5452.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Dec...

13 Brasil [Internet]. Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. [Acesso em 11 ago 2016] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
-1414 Brasil [Internet]. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. [Acesso em 14 ago 2016] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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; e o esporte não é contemplado nas leis trabalhistas. Assim, Rocha11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017. e Correia22 Correia CAJ. Projetos familiares na formação de atletas do futebol: Apostas na profissionalização e na escolarização. [Tese de Doutorado em Educação]. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2018. apontaram a ausência da figura jurídica do estudante-atleta na legislação referente ao trabalho, à educação e ao esporte. Esta ausência de regulamentação pode criar um contexto de insegurança no sentido do atendimento e das garantias do cumprimento dos direitos fundamentais desses jovens, como o de acesso e permanência na escola, por exemplo. Tais garantias só podem ser analisadas a partir de analogias entre várias leis e são dependentes do poder discricionário do juiz11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017..

Ainda que a educação básica seja obrigatória até os 17 anos e os clubes serem corresponsáveis pela matrícula e acompanhamento dos estudantes-atletas na escola, o trabalho no esporte possui características diferentes do trabalho no mercado ordinário. No esporte, tem-se a necessidade de viagens para as competições, motivando afastamentos esporádicos das obrigações escolares. Todavia, a escola não possui nenhum amparo legislativo, recomendando ações específicas nessas situações, como há para outros casos, como os de licença maternidade para estudantes ou o afastamento da rotina escolar por enfermidades11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017.. A partir dessa condição, verifica-se que as demandas específicas dos estudantes-atletas podem não ser atendidas, visto que sua condição de trabalho no esporte difere da de outros estudantes não-atletas.

Os critérios de conciliação da dupla carreira são estabelecidos sem nenhuma regulação entre clubes, atletas, famílias e a própria escola. Na Europa, percebemos a preocupação com a dupla carreira, pois, a Comissão Europeia publicou em 2007 o “White paper on sports: The societal role of sports”, que enfatiza a importância da dupla carreira para os estudantes-atletas, com intuito de assegurar a inserção no mercado de trabalho ao final das suas carreiras esportivas1515 European Commission. White Paper on Sport [acesso em 17 nov 2016] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52007DC0391&from=PT
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. Dado o papel crucial que o esporte possui junto aos atletas de alto rendimento, raramente ele fica comprometido. No entanto, outros aspectos como formação escolar e vida pessoal tendem a ser deixados em segundo plano1616 Landa S. Sport Education and Training in Europe: A dual career for a dual life. Angers: Agence Com1ne; 2015.. A European Comission1717 European Commission [Internet]. Guidelines on dual careers of athletes - Recommended policy actions in support of dual careers in high-performance sport [acesso em 17 nov 2016] Disponível em: http://ec.europa.eu/assets/eac/sport/library/documents/dual-career-guidelines-final_en.pdf
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estimula o diálogo entre os órgãos esportivos e educacionais para flexibilização dos currículos escolares para estudantes-atletas.

Percebemos a necessidade de investigar como ocorre essa relação nos mais variados esportes, a fim de subsidiar políticas públicas ou programas de governo que atuem nessa mediação. O PBA-GF (assegurado pela Lei nº 10.891, de 09 de julho de 2004 e pelo Decreto Lei nº 5.342, de 14 de janeiro de 2005) foi concebido com a finalidade de dar apoio aos atletas de diferentes modalidades de alto rendimento que apresentam bons resultados nas competições nacionais. O objetivo do programa foi o de apoiar talentos esportivos ainda não absorvidos pelo mercado do esporte de alto rendimento. O suporte financeiro é diferenciado por categoria e desempenho do atleta. O programa foi concebido como um apoio de fixação do atleta até que o mesmo consiga inserção e sobrevivência através do esporte1818 Bourdieu P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Nogueira MA, Catani A. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes; 1998, p.45-72..

A bolsa do PBA-GF se divide em cinco categorias: Atleta de Base (R$ 370,00 / $ 70,42 em 2020), Atleta Estudantil (R$ 370,00 / $70,42), Atleta Nacional (R$ 925,00 / $ 176,05), Atleta Internacional (R$ 1850,00 / $ 352,10) e Atleta Olímpico e Paraolímpico (R$ 3.100,00 / $ 725,15). A base de dados que trabalhamos se concentra na categoria Atleta Estudantil, por serem estes beneficiados aqueles que obrigatoriamente devem conciliar rotinas escolares com as esportivas. Para que o atleta possa pleitear a Bolsa, ele deve ter conseguido a seguinte classificação: esportes individuais (classificado de primeiro a terceiro lugar nos Jogos Escolares Brasileiros e Jogos Universitários Brasileiros) ou esportes coletivos (seis melhores atletas de cada modalidade coletiva).

Métodos

Desenho do estudo e instrumentos

Através de uma abordagem quantitativa, buscamos atender ao objetivo do estudo, relacionando as rotinas de treinamento, de competições e de estudos do estudante-atleta beneficiado pelo PBA-GF. Para isso, aplicamos uma entrevista estruturada já validada para diferentes modalidades esportivas99 Melo LBS. Formação e escolarização de jogadores de futebol do Estado do Rio de Janeiro. [Dissertação de Mestrado em Educação Física]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2010..

As categorias de análise presentes nos instrumentos foram as seguintes: a) formação profissional: idade de início; rotina de treinamentos nas categorias de base; b) escolarização: local; tipo de escola; turno de aulas; horário dos estudos; compatibilidade entre treinos, competições, lazer, escola; anos de escolarização; cursos paralelos; apoio e bolsas de estudo; c) história familiar: profissão e escolaridade dos pais; d) rotina atual: no trabalho, no esporte, no lazer, na vida social e nas outras atividades de formação ou lazer que realiza; e) representações sobre a escola e sobre a atitude de estudar.

As principais variáveis que consideramos foram: tipo de modalidade esportiva; tempo de dedicação às obrigações da dupla carreira; escolaridade dos atletas e familiares próximos; e classe social. Comparamos as variáveis coletadas nas entrevistas estruturadas com os estudantes-atletas a partir do pareamento por faixa etária e tipo de modalidades que praticavam. Consideramos, para fins da análise, a frequência e as médias das respostas.

Participantes

Em 2012 o universo de estudantes-atletas beneficiados pelo PBA-GF totalizava 245 jovens, entre 14 e 24 anos de idade. Entramos em contato, nos meses de fevereiro a maio de 2013 com os 245 estudantes-atletas, porém, obtivemos 179 respostas, representando 13 modalidades distintas. Para o presente estudo, utilizamos os dados de 131 atletas das modalidades de atletismo, judô e natação. Os estudantes-atletas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado pelo comitê de ética institucional da Universidade Gama Filho, parecer 131.2010.

A escolha dessas três modalidades justifica-se por representarem 73% de toda a amostra; com isso, as análises e comparações se tornam mais representativas do universo de atletas beneficiados pelo PBA-GF Estudantil.

Na Tabela 1, apresentamos os dados separados por faixa etária em dois grupos. Optamos por essa separação para proporcionar melhor visualização e interpretação dos dados apresentados.

Tabela 1
Distribuição das características dos atletas

Procedimentos de análise

Realizamos uma análise estatística descritiva, visando à obtenção da frequência e da média de ocorrências das respostas. Dividimos os grupos de atletas com base em duas faixas de idade e no tipo de modalidade que praticavam. Verificamos como ocorria a variação dos indicadores de conciliação da dupla carreira, como o tempo das rotinas de obrigação e a escolaridade dos atletas. Usamos, também, a classe social e o nível de instrução dos familiares para identificar as possibilidades de investimento no processo de escolarização, através do diálogo com a literatura sobre o tema.

Análise estatística

A análise estatística foi feita no programa Statistical Package for the Social Sciences para Windows (versão 19.0).

Resultados

Tempo do esporte e da escola

Buscando entender se o esporte influencia nas estratégias de escolarização, tomamos como variável de análise a administração dos tempos gastos com os treinamentos e com a escola. Supúnhamos que a administração do tempo no cotidiano desses jovens poderia ser um indicador das prioridades que atletas e suas famílias realizam no processo de conciliação na dupla carreira.

Tabela 2
Tempo médio de jornada escolar semanal por faixa etária, modalidade, turno e nível de ensino

Na Tabela 2, observa-se que os atletas do atletismo de 14 a 17 anos apresentam jornada escolar inferior aos de natação e judô. Conforme apresentado na Tabela 1, a maioria dos atletas dessa faixa etária estuda pela manhã. A diferença semanal de jornada média escolar chega a quatro horas e um minuto entre atletas do atletismo e judô. Também é constatada na faixa etária dos 18 aos 24 anos uma menor média de atletas do atletismo; no entanto, as médias são menos discrepantes que na faixa etária dos atletas mais jovens. Tomamos como referência para jornada escolar a declaração dos atletas sobre seu horário de entrada e saída na escola como sendo o tempo diário que o respondente da nossa pesquisa frequentava a escola. Para isso, perguntamos sobre seu horário de entrada e saída da escola. Na Tabela 1, usamos ainda a jornada escolar semanal, distribuída por turno, faixa etária e modalidades esportivas. Para fins de cálculo, usamos como referência a jornada escolar diária e a multiplicamos por 5, que é a quantidade de dias na semana que os entrevistados frequentavam a escola.

Tabela 3
Tempo médio semanal de treinamento por modalidade, faixa etária e turno de frequência à escola

Na Tabela 3, observamos grande variação do tempo destinado aos treinamentos em relação ao turno em que frequentam a escola. Contudo, as maiores médias (entre os que estudam) foram encontradas para os atletas do turno matutino. Observamos que os atletas que não estudam apresentam maiores tempos de treinamento.

Os dados da Tabela 4 indicam que a escolaridade dos pais dos atletas, geralmente, é alta. Tomando por referência o percentual de conclusão do ensino médio, verificou-se a seguinte configuração: a) para os responsáveis dos atletas de até 17 anos, pais e mães apresentaram 68,1% e 72%, respectivamente; b) entre os responsáveis dos atletas de 18 aos 24 anos o mesmo indicador apresentou 64,6% para os pais e 74,4% para as mães.

Detalhando os dados da Tabela 4, percebemos uma variação da escolaridade dos pais quando diferenciamos e comparamo-nos entre as modalidades. Com isso, apresentou-se, na faixa etária entre 14 e 17 anos, que os responsáveis dos atletas do atletismo obtiveram menor frequência na conclusão do Ensino Médio (38,9% para os pais e 50% para as mães), seguido pelos responsáveis dos atletas do judô (72,2% para os pais e 86,4% para as mães) e da natação (93,3% para os pais; e 80% para as mães).

Quando comparamos os mesmos dados na faixa etária com atletas de 18 a 24 anos, os índices são bastante próximos. Os pais dos atletas do atletismo apresentaram a escolaridade mais baixa, com 41,9% de concluintes de, no mínimo, o ensino médio. Pais dos atletas da natação e do judô apresentaram índices iguais, 83,3%, sendo, 73,3% e 93,3 para pais e mães dos atletas do judô, respectivamente, e 83,3% para os pais de atletas da natação e 83,4% para as mães.

Na comparação da escolaridade dos atletas, os índices são parecidos, ressaltando que os atletas da natação apresentaram maior escolaridade e do atletismo o indicador mais baixo. Na faixa dos 18 aos 24 anos, 15 atletas do atletismo não estudavam: desses, seis terminaram o ensino médio; três possuíam ensino médio incompleto; três concluíram o ensino superior; dois possuíam o ensino superior incompleto e um possuia o ensino fundamental incompleto. Do judô, dois atletas não estudavam; no entanto, esses dois concluíram o ensino médio. Na natação, três não estudavam: um possuia ensino médio incompleto; um possuia ensino médio completo e um possuia superior incompleto.

Tabela 4
Frequência e percentual de escolaridade dos pais e dos atletas separados por modalidade esportiva e faixa etária

Na Figura 1 são apresentadas as estimativas de renda por corte de classe. Utilizamos o método da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), a partir do Critério Brasil, para estimar as classes de renda familiar. A partir desse critério, solicitam-se informações sobre bens de consumo do respondente e aplica-se um cálculo da ABEP, estimando, assim, o pertencimento de faixa de rendimento das famílias estudadas. A seguir, são apresentadas classes de renda familiar e seus respectivos valores médios mensais: 1) Classe A (R$ 11.037,00); 2) Classe B1 (R$ 6.006,00); 3) Classe B2 (R$ 3.118,00); 4) Classe C1 (R$ 1.865,00); 5) Classe C2 (R$ 1.277,00); e 6) Classes D e E (R$ 895,00).

Figura 1
Classe social dos atletas por modalidade e faixa etária

Nossos dados indicam que existem grandes diferenças de classe social entre as três modalidades estudadas. Atletas da natação com até 17 anos são, em sua grande maioria, pertencentes das classes A e B1. Atletas do judô pertencem majoritariamente às classes B1 e B2. Enquanto que os atletas do atletismo apresentaram rendas compatíveis com as classes C1 e C2. Para os atletas entre 18 e 24 anos, o padrão é parecido entre as modalidades. Natação apresenta maior nível socioeconômico, enquanto atletas do judô se mantém entre as classes B e C1 e os atletas do atletismo apresentam maior frequência na classe C.

Sobre a ausência às aulas e a ação da escola, 90% dos respondentes disseram ter suas faltas abonadas. Além disso, os atletas mencionaram haver remarcação das avaliações (94% dos casos) escolares que não puderam fazer durante os períodos de competição. No entanto, a maior parte dos estudantes-atletas (92%) afirma não haver qualquer tipo de reposição dos conteúdos perdidos durante seu período de ausência às aulas por causa do esporte. Isso mostra que, apesar da flexibilização de algumas normas, os estudantes-atletas podem ter algum tipo de prejuízo escolar por causa da rotina esportiva.

As expectativas escolares dos estudantes-atletas são altas. No entanto, podemos observar na Tabela 5 que existe uma grande diferença entre as modalidades. Estudantes-atletas do judô e da natação apresentam expectativas maiores que as do atletismo. Enquanto que estudantes-atletas majoritariamente desejam concluir o ensino superior, estudantes-atletas de natação e judô desejam alcançar cursos de pós-graduação.

Tabela 5
Frequência e percentual do nível de ensino que os atletas desejam alcançar por faixa etária e modalidade

Discussão

Observamos que os modelos de conciliação das obrigações da dupla carreira devem ser ajustados conforme as necessidades de cada modalidade esportiva. Ressaltamos que as estratégias adotadas para a compatibilização da jornada escolar com o tempo de treinamento são feitas a partir de acordos entre clube, atleta, família e escola11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017.,22 Correia CAJ. Projetos familiares na formação de atletas do futebol: Apostas na profissionalização e na escolarização. [Tese de Doutorado em Educação]. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2018.. Portanto, as negociações em níveis individuais são representadas pelos tempos investidos em cada espaço de formação do estudante-atleta, considerando seus projetos individuais e familiares, assim como os valores atribuídos ao esporte e à escola.

O atletismo é um esporte que atrai as camadas populares19,20 em função, talvez, por exigir baixo investimento financeiro inicial, para aquisição de materiais e acessórios (sapatilha, camiseta e short). Seu desenvolvimento vem ocorrendo basicamente nas escolas públicas, em projetos sociais e em programas governamentais.

Percebemos um movimento distinto na natação e no judô, para os quais há um custo para a sua iniciação, por exemplo: os valores estabelecidos na mensalidade dos clubes, escolas ou academia de natação e judô. As modalidades esportivas aqui servem como marcadores sociais na medida em que o processo de iniciação exige diferentes formas de investimentos. Assim, o tipo de modalidade esportiva pode impactar na dedicação ou nas expectativas de escolarização e esportivização2121 Fuchs PXW, Hannola H, Niemisalo N, Pehme A, Puhke R, Marinsek M et al. European student-athletes’ perceptions on dual career outcomes and services. KinSi 2016;22(2):31-48..

A variável tempo acende a discussão sobre a dupla carreira e os efeitos do esporte na educação dos estudantes-atletas As diferenças acentuadas no tempo de treinamento em cada modalidade esportiva pode indicar que o esporte de alto rendimento pode ser um tipo de trabalho que compete pelo tempo do estudante-atleta. Façamos um digressão para explicar o esporte de alto rendimento como um tipo de trabalho. A Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (COORDINFÂNCIA), grupo instituído pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), discutiu casos omissos e classificações para redução do trabalho e da exploração infanto-juvenil. Nesse sentido, a COORDINFÂNCIA descreveu que a Lei Pelé2222 Brasil [Internet]. Congresso Nacional. Lei nº 9.615 [acesso em 04 mar 2019] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm
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deu início a um processo de elaboração de um sistema de direitos e garantias às crianças e adolescentes envolvidas em formação profissional como atletas. Com isso, o MPT, buscou meios de proteção a essas crianças e adolescentes em fase de profissionalização, podendo classificá-las como trabalhadores do esporte em casos em que haja contrato de tarbalho ou de aprendizagem; ou quando as competições esportivas tenham venda de entradas e visem lucro para as instituições2323 Coordenadoria nacional de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes [Internet]. Relatório de atividades: Exercício de 2010 [acesso em 07 out 2016]. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/portaltransparencia/download.php?tabela=PDF&IDDOCUMENTO=982
http://www.pgt.mpt.gov.br/portaltranspar...
. Apesar de sabermos que o MPT não possui poder de legislar, as suas recomendações seguem no sentido de orientar as ações na justiça do trabalho.

Comparando com estudantes-atletas do futebol do Rio de Janeiro, por exemplo, vê-se que estes tendem a migrar para o ensino noturno conforme se aproximam da transição para a categoria adulta, reduzindo a jornada escolar99 Melo LBS. Formação e escolarização de jogadores de futebol do Estado do Rio de Janeiro. [Dissertação de Mestrado em Educação Física]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. Programa de Pós-Graduação em Educação Física; 2010.. No entanto, o mesmo não é observado com tanta ênfase se considerarmos apenas os bolsistas do PBA-GF (Tabela 2). Nesse caso, sugerimos que as demandas são específicas para cada modalidade esportiva e devemos considerar outras variáveis para verificarmos a concorrência entre o tempo da escola e o tempo para o esporte de alto rendimento2121 Fuchs PXW, Hannola H, Niemisalo N, Pehme A, Puhke R, Marinsek M et al. European student-athletes’ perceptions on dual career outcomes and services. KinSi 2016;22(2):31-48..

Os dados mostraram que o tempo médio de jornada escolar é distinto entre as três modalidades selecionadas. Se pensarmos que essa jornada, associada à frequência e à matrícula dos alunos é um indicador de dedicação à escola66 Neri MC. Tempo de permanência na escola. Rio de Janeiro: FVG/CPS; 2009., observou-se uma diferença de dedicação à educação entre os estudantes-atletas de cada modalidade, podendo ser a renda e o background educacional familiar um fator explicativo para esse efeito.

Talvez o caso dos atletas do atletismo ilustre melhor a condição das variáveis de origem socioeconômica e educacional com a adesão deles ao projeto de escolarização. Observando o índice de responsáveis concluintes do Ensino Médio entre os respondentes dessa modalidade (36,7%) e comparando com a escolaridade dos próprios estudantes-atletas, verificou-se que há uma similaridade entre os dados nas diferentes gerações familiares. Se considerarmos a baixa escolaridade dos pais dos atletas de atletismo, associada a uma possível ocupação com baixo status social, corrobora-se a hipótese de Ribeiro2424 Ribeiro CAC. Desigualdade de oportunidades no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm; 2009.,2525 Ribeiro CAC. Desigualdade de oportunidades e resultados educacionais no Brasil. Rev Ciênc Soc 2011;54(1):41-87. Doi: 10.1590/S0011-52582011000100002
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, de que o sistema educacional brasileiro vem perpetuando as desigualdades de transição nos mais diversos níveis de escolarização.

Ainda que a escolaridade dos atletas de atletismo esteja aquém da média encontrada para a população atendida pelo PBA-GF, isso não significa que as expectativas escolares desses jovens sejam baixas também. De modo geral, as expectativas de prosseguir nos estudos são muito altas, apresentando índices acima de 90% para ingresso no ensino superior e em cursos de pós-graduação. Isso poderia ser pensado como contrassenso se buscarmos uma correlação direta com os dados educacionais.

Nessa linha, as desigualdades de oportunidades nos níveis de transição no sistema educacional estariam diretamente associadas aos níveis de escolarização das famílias e a posição familiar na estratificação social. Barbosa e Sant’Anna2626 Barbosa MLO, Sant’anna MJG. As classes populares e a valorização da educação no Brasil. In: Ribeiro LCQ. Desigualdades urbanas, desigualdades escolares. Rio de Janeiro: Letra Capital - Observatório das Metrópoles - IPPUR/UFRJ; 2010. comentaram que as famílias com menor poder aquisitivo atribuem um valor instrumental à educação, como uma busca pela credencial para rápida ocupação no mercado de trabalho. Por outro lado, famílias com maiores rendas logram na educação uma meta para realização pessoal, um valor simbólico dado a esse bem. Todavia, a socialização secundaria com a escola e com o esporte pode gerar outras expectativas em relação à escolarização.

Os dados levantados sobre a escolaridade dos pais não permitem relacionar a alta expectativa com a escolarização dos atletas do atletismo, todavia, o estudo de Lahire2727 Lahire B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo: Editora Ática; 2004. sugeriu que existem diferentes caminhos para formar expectativas e sucesso escolar nos meios populares. Pois, entre as camadas populares há trajetórias de sucesso que são improváveis. Portanto, destaque-se que essas expectativas educacionais devam ser exploradas a fundo em outros estudos qualitativos, dado o limite de nossa investigação.

Ainda sobre as expectativas educacionais, quando separamos os demais dados por estimativa de classe social, voltamos a perceber que este ainda é fator predominante para explicar as metas na educação dos jovens1818 Bourdieu P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Nogueira MA, Catani A. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes; 1998, p.45-72.. As expectativas educacionais variaram de acordo com a classe social apresentada nos dados da Figura 1. As duas modalidades com maiores rendas apresentaram expectativas escolares mais altas. Nesse sentido, Bourdieu1818 Bourdieu P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Nogueira MA, Catani A. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes; 1998, p.45-72. emenda que as diferenças na origem social podem afetar as disparidades nas trajetórias e na desigualdade de oportunidades escolares do indivíduo, mas por uma questão de acumulação de capital cultural, e não simplesmente pelos fatores socioeconômicos.

Os atletas pesquisados apresentam escolaridade compatível com a faixa etária. No que tange a frequência à escola, 109 atletas (85%) entrevistados declararam estar matriculados e frequentando as salas de aula, enquanto que 22 (15%) atletas não estavam estudando no momento (Tabela 1). O que é importante ressaltar nesse dado é que os atletas deveriam obrigatoriamente estar estudando para receber o benefício do PBA-GF.

A ausência de uma legislação específica que ajude a pensar esses tipos de programa não permite estabelecer critérios de acompanhamento e fiscalização das entidades formadoras. Com isso, é possível sugerir que as negociações ao nível individual podem estar sujeitas às burlas dos atores e instituições sociais que estabelecem as próprias regras de forma discricionária11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017..

Comparando o tempo de treinamento com casos internacionais, destaca-se que estudantes-atletas da National Collegiate Athletic Association (NCAA), por exemplo, possuem uma restrição que limita em 20 horas semanais o tempo de treinamento. Esta regra foi estabelecida na Convenção da NCAA em 1991. A mudança foi uma demanda dos estudantes-atletas preocupados com as excessivas horas dedicadas ao treinamento. Antes de 1991, não havia nenhuma limitação2828 NCAA [Internet]. Division I Manual: 2017-18 NCAA [acesso em 5 mar 2018]. Disponível em: http://www.ncaapublications.com/productdownloads/D118.pdf
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.

Na Tabela 3 observamos que apenas os atletas do judô e da natação que atualmente não estudam apresentam médias iguais ou superiores a 20 horas de treinamento semanal. No Brasil, nenhuma legislação limita ou recomenda o tempo máximo de treinamento. O tempo dedicado aos treinamentos é determinado pelos clubes e/ou treinadores e varia conforme a modalidade. As exigências esportivas somadas às escolares consomem tempo significativo dos estudantes-atletas para desenvolvimento de outros aspectos de suas vidas fora do seu esporte2929 Aquilina D. A study of the relationship between elite athletes' educational development and sporting performance. Int J Hist Sport 2013;30(4):374-392. Doi: 10.1080/09523367.2013.765723
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Podemos considerar, também, que a condição especial de trabalhador do esporte não é vista dessa forma pelas instituições educacionais e esportivas. A rotina de treinamento e competições exige tempo, deslocamento e, muitas vezes, viagens. Essa situação específica e inerente à formação esportiva não está prevista na legislação brasileira, deixando de lado uma parcela da juventude que busca o esporte como caminho de profissionalização. Dessa forma, as estratégias de conciliação dessa dupla carreira dependem exclusivamente da habilidade nas negociações e boa vontade dos atores que representam escola, clube e família, além do poder de decisão e negociação do atleta11 Rocha HPA. O futebol como carreira, a escola como opção: O dilema do jovem atleta em formação. [Tese de Doutorado em Educação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2017.,22 Correia CAJ. Projetos familiares na formação de atletas do futebol: Apostas na profissionalização e na escolarização. [Tese de Doutorado em Educação]. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação; 2018..

Conclusões

O artigo buscou analisar, através das evidências sobre a gestão da rotina e de dados objetivos, a dupla carreira de estudantes-atletas beneficiados pelo PBA-GF. Apesar dessa iniciativa ter sido um espaço importante para pensar a harmonização do tempo de dedicação dos estudantes-atletas nas suas carreiras esportivas e escolares, percebemos que houve uma insuficiência das ações para mitigar os problemas enfrentados nesse tipo de rotina.

A ausência de legislação específica para a dupla carreira esportiva coloca a responsabilidade pela garantia dos direitos e deveres em cada ente envolvido nessa condição. A orientação do MPT não tem poder de lei e deixa ao encargo da justiça do trabalho e do seu poder discricionário as tomadas de decisão sobre os casos emergentes.

Como observamos, o tempo é a variável de maior impacto na gestão da dupla carreira esportiva e, quando em competições e viagens, o estudante-atleta têm sérias dificuldades para retomar o currículo escolar, considerando não haver obrigatoriedade para reposição do conteúdo trabalhado, seja presencialmente ou em regime domiciliar ou à distância. Dessa forma, podemos pensar que há algum tipo de prejuízo na formação acadêmica daquele que busca a profissionalização no esporte.

Parte dos problemas apresentados pelos estudantes-atletas beneficiados pelo PBA-GF estão vinculados à ausência de mecanismos de controle e avaliação da própria política. Como Programa para redistribuição de renda e de incentivo à formação esportiva, o PBA-GF talvez tenha se mostrado eficiente, como os dados apontam. Todavia, os critérios para participação não incluíam um monitoramento sistemático e acompanhamento das instituições envolvidas para melhor entender e atender às demandas geradas pela dupla carreira dos estudantes-atletas atendidos pelo programa.

Por fim, a dupla carreira esportiva aparece como manifestação do direito à educação, ao esporte e à profissionalização, dependente do envolvimento e do investimento de uma rede de relações complexas que cercam o estudante-atleta. Diante dos obstáculos da dupla carreira, atletas, clube, escola e famílias podem adotar táticas contingenciais de conciliação. Com isso, podemos sugerir que a estruturação de uma política de estado deve vir alinhada com ações institucionais dos clubes, escolas, famílias e estudantes-atletas para buscar reduzir os riscos de uma dupla carreira esportiva.

Agradecimentos:

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2019
  • Revisado
    22 Abr 2020
  • Aceito
    05 Maio 2020
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