PARÂMETROS DE DIFICULDADE E DISCRIMINAÇÃO DAS TAREFAS MOTORAS DO INSTRUMENTO KTK: UMA ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA DE RESPOSTA AO ITEM

DIFFICULTY AND DISCRIMINATION PARAMETERS OF THE KTK INSTRUMENT MOTOR TASKS: AN ANALYSIS FROM ITEM RESPONSE THEORY

RESUMO

Nas últimas décadas o uso da Teoria de Resposta ao Item (TRI) tem sido implementada devido à complexidade dos cálculos estatísticos que permite analisar com profundidade testes educacionais, questionários e listas de itens aplicados em diferentes áreas como a psicometria, ranking esportivo e pedagogia. A partir dessa premissa este estudo teve como objetivo verificar a adequabilidade das tarefas motoras do KTK analisando o grau de dificuldade e parâmetro de discriminação de cada tarefa motora. Participaram do estudo 385 crianças de 5 a 14 anos. O instrumento avaliado foi o KTK (Körperkoordinationstest für Kinder), composto por quatro tarefas motoras: trave de equilíbrio, saltos monopedais, saltos laterais e transposição de plataformas. As análises foram conduzidas a partir dos dados brutos adquiridos em cada tarefa motora. A fim de verificar a estrutura fatorial da matriz teórica subjacente ao teste, foi realizada uma análise fatorial exploratória seguida da análise fatorial confirmatória. Os parâmetros de dificuldade e discriminação de cada tarefa motora foram analisados a partir do modelo de resposta gradual, fundamentado na teoria de resposta ao item (TRI). Os resultados corroboram com a estrutura fatorial sugerida na versão original do KTK, apresentando apenas um fator, chamado de coordenação motora. Os indicadores da Análise Fatorial Confirmatória (AFC) foram aceitáveis, indicando boa qualidade do modelo ajustado para a amostra. Conclui-se que a análise de TRI evidenciou diferenças nos parâmetros de dificuldade e de discriminação entre as tarefas motoras do KTK, demonstrando a importância de considerar uma ponderação na criação de tabelas normativas de avaliações motoras.

Palavras-chave:
Coordenação motora; Avaliação; Teoria de resposta ao item

ABSTRACT

In the last decades, the use of Item Response Theory (IRT) has been implemented due to the complexity of statistical calculations that allows for in-depth analysis of educational tests, questionnaires and lists of items applied in different areas such as psychometry, sports ranking and pedagogy. Based on this premise, this study aimed to verify the suitability of the KTK motor tasks analyzing the degree of difficulty and discrimination parameters of each motor task. A total of 385 children aged 5 to 14 years participated in the study. The instrument evaluated was the KTK (Körperkoordinationstest für Kinder), consisting of four motor tasks: balance beam, single-pedal jumps, side jumps and platform transposition. Analyzes were conducted from the raw data acquired in each motor task. In order to verify the factor structure of the theoretical matrix underlying the test, an exploratory factor analysis was performed, followed by a confirmatory factor analysis. The difficulty and discrimination parameters of each motor task were analyzed using the gradual response model, based on the Item Response Theory (IRT). The results corroborate the factor structure suggested in the original version of the KTK, presenting only one factor, called motor coordination. The AFC indicators were acceptable, indicating good quality of the model adjusted for the sample. It is concluded that the IRT analysis evidenced differences in the parameters of difficulty and discrimination between the KTK motor tasks, demonstrating the importance of considering a weighting in the creation of normative tables of motor assessments.

Keywords:
Motor coordination; Evaluation; Item response theory

Introdução

O refinamento das habilidades motoras requer, necessariamente, um nível ótimo de desempenho coordenativo, que repercute na proficiência motora e no processo de desenvolvimento motor das crianças ao longo do tempo. Identificar atrasos nos níveis de desempenho coordenativo, por meio de monitoramento do desenvolvimento das crianças objetivando obter informações sobre estratégias educacionais instrutivas são procedimentos relevantes na área do desenvolvimento motor¹.

Em uma revisão sistemática Eddy et al.² apontaram que não há evidências suficientes para determinar uma ferramenta como “padrão-ouro” na avaliação das habilidades motoras fundamentais disponíveis para a triagem universal nas escolas, já Vandorpe et al.³ consideraram o KTK (Körperkoordinationstest für Kinder) um poderoso instrumento de avaliação motora. Recentemente, Moreira et al.⁴ concluíram que o KTK é um teste válido para medir a coordenação motora de crianças e adolescentes brasileiros, embora em estudo de revisão⁵, tenham observado a não existência de um padrão de referência do instrumento KTK para o contexto de crianças brasileiras, o que demonstra a necessidade de estudos que preencham esta lacuna da literatura.

Testes de avaliação do desempenho motor sido objeto de investigação com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI). Por exemplo, a TRI foi utilizada para verificar o grau de dificuldade e discriminação dos critérios que avaliam as habilidades motoras no Test for Gross Motor Development-2 (TGMD-2)⁶, bem como, na investigação sobre a adequabilidade do modelo construto teórico do instrumento de avaliação motora Movement Assessment Battery for Children-Second Edition (MABC-2)⁷. Estes estudos permitem verificar quais habilidades e quais critérios melhor explicam o desempenho motor das crianças brasileiras nos referidos testes motores.

A bateria de testagem KTK envolve os componentes da coordenação motora, como equilíbrio, ritmo, força, lateralidade, velocidade e agilidade⁸. Desta forma, é importante observar se o grau de dificuldade das tarefas motoras contidas no teste diferem entre si, ou se existe uma ponderação dos escores finais com base no grau de dificuldade de cada tarefa motora. O uso da TRI possibilita constatar se uma determinada tarefa motora possui uma dificuldade maior/menor para o executante, e se a tarefa motora possui um poder discriminatório maior/menor no escore final do teste. Mas, ressalta-se que os resultados dependerão do repertório motor oportunizado no contexto em que a criança está inserida. Este paradigma é reforçado com base na perspectiva de Newell⁹, o qual sugere que o comportamento (aqui tratado como coordenação motora), emerge da cooperação e interação das restrições do ambiente, tarefa e indivíduo.

Por ser o KTK um instrumento de fácil e rápida aplicação, Moreira et al.¹⁰ estabeleceram parâmetros e valores normativos para ampliar a utilização do teste no Brasil, uma vez que podem contribuir para que novas pesquisas possam ser realizadas afim de estabelecer sua validade em todo o país. Todavia salientam que os escores de referência devem ser produzidos de acordo com as realidades geográficas, culturais e sociais.

A partir das reflexões apresentadas, o objetivo do presente estudo foi de verificar a adequabilidade das tarefas motoras sugeridas no instrumento de avaliação motora KTK, em crianças em idade escolar e provindas da mesma região. Neste sentido, o estudo busca evidenciar, com base na Teoria de Resposta ao Item, o grau de dificuldade e capacidade discriminatória de cada tarefa motora, para as crianças pertencentes à amostra do estudo.

Métodos

Tratou-se de um estudo transversal, no qual participaram 345 crianças (180 meninas e 165 meninos), com idades entre 5 e 14 anos (média = 8,5±2,2). Foram excluídas crianças com exame neurológico alterado ou com diagnóstico de paralisia cerebral, retardo mental, alterações genéticas ou outras doenças não associadas à prematuridade. As crianças foram recrutadas de maneira não probabilística e intencional, em três escolas públicas de Maringá - Paraná, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A seleção da amostra foi realizada em parceria com os professores e técnicos do setor pedagógico das escolas que auxiliaram na exclusão de crianças que não preenchiam os critérios de inclusão.

Instrumentos

O instrumento utilizado para a coleta de dados da coordenação motora foi a bateria de teste KTK (Körperkoordinationstest für Kinder)¹¹, composta por quatro tarefas: equilíbrio em marcha à retaguarda, saltos laterais, saltos monopedais e transposição lateral. Os participantes passavam por uma tentativa não validada, para que em seguida realizassem o teste válido. Em cada tarefa motora, os escolares realizavam três repetições no mesmo teste, registrando a pontuação, e, a soma de cada tentativa era computada para fins de análise. Segundo Kiphard e Schilling¹¹, o KTK demonstrou boa consistência interna por apresentar uma forte relação significativa entre os itens do teste (0,60-0,81).

Procedimentos

O estudo está de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº 297/2011).

Todos os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a participação no estudo. Após os procedimentos éticos, foram agendadas as datas de coleta de dados nas escolas participantes. As coletas foram realizadas nas quadras esportivas de cada escola, em duplas, sendo que o tempo médio de coleta foi de 10 minutos por dupla.

Todas as crianças foram avaliadas por alunos de mestrado e doutorado em Educação Física e treinados a partir das as instruções do manual do KTK (leitura técnica, análise de vídeos e avaliações experimentais). Após o treinamento, testou-se a concordância entre os examinadores obtendo-se um coeficiente de correlação intraclasse (ICC) que variou de 0,80 a 0,99.

Análise dos Dados

Inicialmente, o somatório dos escores brutos das três tentativas válidas de cada criança em cada tarefa motora foi considerado o dado bruto. O escore final foi obtido por meio do somatório dos escores brutos de cada tarefa motora. A presença de outliers foi averiguada por meio da distância de Mahalanobis. Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva (mínimo, máximo, média, desvio padrão e percentuais). Foi realizada uma comparação de média, por meio do teste de Friedman e post-hoc de Wilcoxon, para verificar possíveis diferenças entre a quantidade média de passos nas Traves de Equilíbrio e entre perna esquerda e direita na tarefa motora Salto Monopedal.

Destaca-se que as propriedades psicométricas foram avaliadas conforme a Confiabilidade, Análise Fatorial Exploratória e Confirmatória e a Teoria de Resposta ao Item (TRI), as quais são apresentadas a seguir:

• Confiabilidade: capacidade de um instrumento produzir resultados confiáveis em diferentes situações foi verificada por meio do alpha de Cronbach e Confiabilidade Compósita, os quais devem estar acima de 0,7 para serem considerados aceitáveis¹². Ainda, foi realizada a consistência inter-item para as tarefas motoras similares direcionadas para o mesmo objetivo/dimensão¹³.

• Análise Fatorial (Exploratória e Confirmatória): A estrutura interna da escala foi investigada através de uma Análise Fatorial Exploratória (AFE) a partir do método Principal Axis Factor com a rotação Promax, e o ponto de corte de 0,40 foi estabelecido para as cargas fatoriais incluídas no modelo¹⁴. O modelo elucidado na AFE foi testado através da Análise Fatorial Confirmatória (AFC). Este procedimento avalia o ajuste e a adequabilidade do modelo através de indicadores de qualidade, cargas fatoriais e confiabilidade individual do item. O método de estimação utilizado foi o Unweighted Least Squares (ULS), devido a não normalidade dos dados. Os indicadores de qualidade do modelo utilizados foram: qui-quadrado (x²), Root Mean Square Error of Approximation - RMSEA (valores menores do que 0,05 são considerados adequados); Comparative Fit Index - CFI (valores superiores a 0,95 são aceitáveis como boa adequabilidade); Goodness-of-fit Index - GFI - e Adjusted Goodness off it Index - AGFI (valores superiores a 0,90 são aceitáveis); e Akaike Information Criteria - AIC - Bayesian Information Criteria - BIC - Expected Cross-Validation Index - MECVI (valores baixos indica um melhor modelo quando comparado com outros)¹⁴.

• Teoria de Resposta ao Item (TRI): A análise de TRI foi realizada a partir da criação de uma escala politômica de 3 pontos. Para isto, em cada tarefa motora, o valor máximo obtido foi subtraído do valor mínimo e dividido por três, sendo que estes intervalos foram classificados em “abaixo da média”, “na média” e “acima da média”. A TRI foi utilizada no intuito de analisar os itens (tarefas motoras) que compõem o instrumento de avaliação motora KTK. Os modelos de TRI partem da suposição de que a probabilidade de um item (tarefa motora) estar no mesmo nível do construto latente (por exemplo, coordenação motora) pode ser modelado através de uma função matemática. Considerando o sistema de resposta politômico adotado para o presente estudo, foi realizada uma análise através do Modelo de Resposta Gradual¹⁵. Os parâmetros de dificuldade entre as Curvas Características de Informação (CCI) foram utilizados para análise. O parâmetro de dificuldade do item varia de -4 a 4 (escala padronizada arbitrariamente), na métrica da dimensão latente, theta (Θ), representado no eixo x. O valor 0 (zero) representa a média do fenômeno representado na dimensão latente (ex.: coordenação motora). Valores positivos indicam melhores níveis de coordenação motora e, valores negativos, representam uma menor coordenação motora da criança. A qualidade do modelo foi verificada por meio dos índices de infit e outfit. Valores menores de 1,3 indicam um bom ajuste do modelo à amostra¹⁶.

Resultados

Análise Descritiva

Inicialmente os dados foram analisados em busca de possíveis outliers antes de conduzir as análises principais. Casos em que o valor da distância de Mahalanobis foi maior do que x²(7)=24.3, α=0,001 (sendo 7, os graus de liberdade), foram identificados como outliers e retirados das análises. Após este procedimento, 20 casos foram excluídos da amostra, totalizando 325 crianças. A Tabela 1 apresenta a média e desvio padrão dos dados brutos das tarefas motoras aplicadas nas crianças.

Tabela.1 Média
e desvio padrão das tarefas motoras do instrumento KTK

	T6	T45	T3	SMPE	SMPD	SL	TP	Total
Média	18,0	12,6	7,6	19,8	19,4	36,7	14,5	128,1
Desvio Padrão	6,6	7,2	5,3	9,7	9,8	14,0	4,5	47,3

• Notas: T6 = Trave de Equilíbrio 6cm. T45 = Trave de Equilíbrio 4,5cm. T3 = Trave de Equilíbrio 3cm. SMPE = Salto Monopedal Perna Esquerda. SMPD = Salto Monopedal Perna Direita. SL = Salto Lateral. TP = Transposição de Plataformas. Total = somatório dos escores das tarefas motoras
• Fonte: Os autores

Os dados evidenciam uma diferença significativa (p<0,001, Teste de Friedman) entre a quantidade média de passos nas Traves de Equilíbrio, sendo que na Trave de Equilíbrio de 3cm, as crianças obtiveram um desempenho inferior às Traves de Equilíbrio de 6cm e 4,5cm (p<0,001, teste de Wilcoxon). Contudo, não houve diferença significativa quando observado o desempenho na tarefa Salto Monopedal entre a perna esquerda e direita. A Tabela 2 evidencia as correlações entre as tarefas motora do instrumento KTK.

Tabela 2
Correlação entre tarefas motoras do instrumento KTK

	T6	T45	T3	SMPE	SMPD	SL	TP
T6	-
T45	.70*	-
T3	.57*	.66*	-
SMPE	.56*	.56*	.57*	-
SMPD	.57*	.56*	.58*	.98*	-
SL	.51*	.53*	.46*	.70*	.70*	-
TP	.49*	.51*	.50*	.63*	.62*	.64*	-

• Notas: T6 = Trave de Equilíbrio 6cm. T45 = Trave de Equilíbrio 4,5cm. T3 = Trave de Equilíbrio 3cm. SMPE = Salto Monopedal Perna Esquerda. SMPD = Salto Monopedal Perna Direita. SL = Salto Lateral. TP = Transposição de Plataformas. * = p<0,05
• Fonte: Os autores

A matriz de correlação de Spearman demonstra a interdependência das tarefas motoras do instrumento KTK, apontando para a unidimensionalidade do instrumento de avaliação motora. Além disso, é possível perceber que a tarefa Salto Monopedal Perna Esquerda e Perna Direita estão altamente correlacionadas, indicando a plausibilidade de agrupar estas variáveis a partir da média da soma das duas tarefas motoras.

Análise Fatorial Exploratória (AFE) e Confirmatória (AFC)

A consistência interna do instrumento foi avaliada pelo teste de Alfa de Cronbach e Confiabilidade Compósita, sendo que os valores reportaram índices aceitáveis¹⁴, de 0,89 e 0,87, respectivamente. Destaca-se que ambos os testes apresentam estimativas da confiabilidade do teste e/ou de cada dimensão¹⁷.

A AFE apresentou um adequado índice de KMO (0,84) e significância no teste de Bartlett (p<0,001). A análise indicou a presença de apenas um fator (eigenvalues = 4,65), o qual explica 66,5% da variância do conjunto de dados. As comunalidades variaram de 0,43 a 0,83, nas tarefas “trave de 6cm” e “salto monopedal com o pé direito”, respectivamente. O modelo apresentou todas as cargas fatoriais dos 7 itens no fator geral com magnitudes maiores do que 0,50 (p<0,001). Ressalta-se que o modelo obteve ajustes aceitáveis (Tabela 3).

Tabela 3
Valores da análise fatorial exploratória e confirmatória

Análise Fatorial Exploratória
KMO	Auto-Valores*	Scree Plot **	Comunalidade	Variância Explicada		Carga Fatorial
0,89	4,65	1	0,43-0,83	0,66		0,65-0,91
Análise Fatorial Confirmatória
X² (Df)	GFI	RMSEA	AIC	CFI	MECVI	Carga Fatorial
11,71 (6)	0,98	0,05	41,71	0,99	0,14	0,60-0,86***

• Nota: * = Valores maiores do que 1. ** = Número relacionado a “curva” no scree plot. *** = Todos os caminhos estatisticamente significativos
• Fonte: Os autores

O modelo final da AFC é apresentado na Figura 1. Devido a alta correlação da tarefa motora “Salto Monopedal Perna Direita/Perna Esquerda”, optou-se por utilizar a média da soma de cada tarefa, diminuindo assim a quantidade de tarefas motoras e melhorando o critério de parcimônia do instrumento. A validade convergente, obtida por meio da variância extraída média, apresentou um valor de 0,72, acima de 0,50 conforme proposto por Marôco¹⁴.

Figura 1
Modelo fatorial do instrumento de avaliação KTK ajustado para uma amostra de 325 crianças

As correlações verificadas na Figura 1 são justificadas teoricamente pela avaliação conceitual das mesmas habilidades motoras. De acordo com as evidências elucidadas com base na matriz de correlação das tarefas motoras avaliadas, o modelo teórico mais adequado indica a relação não interconstruto do KTK para a amostra.

Na Tabela 4 são apresentadas as proporções de crianças classificadas em cada categoria da padronização “abaixo da média”, “na média” e “acima da média”, em cada item (tarefa motora).

Tabela 4
Proporção de crianças classificadas em cada nível de habilidade motora da escala padronizada

Itens	Abaixo da Média	Na Média	Acima da Média
Trave de Equilíbrio de 6cm (it1)	0,13	0,25	0,62
Trave de Equilíbrio de 4,5cm (it2)	0,39	0,30	0,32
Trave de Equilíbrio de 3cm (it3)	0,70	0,22	0,07
Salto Monopedal (it4)	0,17	0,63	0,19
Salto Lateral (it6)	0,26	0,59	0,15
Transposição de Plataformas (it7)	0,14	0,67	0,20

• Nota: it = item (relativo a tarefa motora do KTK)
• Fonte: Os autores

Os resultados demonstram que a Trave de equilíbrio de 3cm (it3) é a tarefa motora que exige maior nível de coordenação motora para que a criança atinja a classificação “acima da média”. A tarefa motora Salto monopedal foi agrupada conforme indícios encontrados na AFC e evidenciado nas análises de TRI.

Na Figura 2 são apresentadas as Curvas Características dos Itens (CCI) e as Curvas de Informação dos Itens (CCI) do KTK.

Figura 2
Curva Característica dos Itens (CCI) e Curva de Informação dos Itens (CII) do KTK

As curvas de informação dos itens (Figura 2) indicam que o instrumento fornece mais informação a partir da tarefa motora Trave de Equilíbrio de 6cm. De forma similar, é possível constatar que o teste oferece mais informação na medida que o nível de coordenação motora da criança diminui, na prática o teste fornece maiores informações (74,6%) para crianças com nível de coordenação motora (θ) entre -4 e 0; enquanto, para crianças com coordenação motora entre 0 e 4, o teste fornece pouca informação (20,3%). Os índices de ajustamento do modelo, obtidos por meio da TRI, de Infit (m = 0,85 dp = 0,11) e outfit (m = 0,83 dp = 0,12), indicam um ajuste adequado à amostra¹⁶.

A Figura 3 apresenta a distribuição item-mapa de todas as tarefas motoras do instrumento KTK. Este mapa informa como as crianças com diferentes níveis de habilidade motora se enquadram em cada tarefa motora do KTK.

Figura 3
Distribuição item-mapa das tarefas motoras do instrumento KTK

Discussão

A análise fatorial (exploratória e confirmatória) apontaram para um único constructo, consonante ao modelo teórico da versão original do instrumento KTK¹¹, com índices de ajustes adequados (x²/df=1,95; CFI=0,98; GFI=0,98; AIC=41,71; MECVI = 0,14; RMSEA=0,05)¹⁴. De fato, o uso da estatística com base na Teoria de Resposta ao item é um avanço na única análise realizada no Brasil⁴⁾ que verificou a estrutura interna do KTK, este avanço na literatura possibilita o estabelecimento de padrões preliminares de referência para a população brasileira.

Os resultados da AFC indicaram a plausibilidade de agrupar as tarefas motoras Salto Monopedal Perna Direita e Perna Esquerda, devido ao alto grau de correlação entre as tarefas. Esta evidência surgiu inclusive na análise inicial da TRI durante a estimação dos parâmetros de dificuldade e discriminação das tarefas motoras no caso do KTK, tendo ocorrido quando a TRI foi utilizada na análise de outras baterias de avaliação motora como o Movement Assessment Battery for Children-2 (MABC-2)⁷ e do Test of Gross Motor Development-2 (TGMD-2)⁶, os quais apresentaram valores fora da expectativa.

Proposto em 1974 o KTK teve como objetivo principal diagnosticar crianças com dificuldades de movimento e construído com base na Teoria Clássica da Medida (TCM)¹¹, nesse estudo após a análise por meio da TRI as evidências revelaram que a tarefa motora Trave de equilíbrio de 6cm tem a maior capacidade de discriminar crianças de diferentes níveis de coordenação motora. Contudo, esta discriminação ocorre em crianças com baixo nível de coordenação motora, visto que a tarefa motora apresenta um nível de dificuldade muito baixo. Nesta tarefa, crianças com coordenação motora de θ ≥ -1,56 tem 50% de probabilidade de serem classificadas “acima da média”. O inverso ocorre com a Trave de Equilíbrio de 3cm, na qual a criança precisa ter uma coordenação motora de θ ≥ 0,8 para ter 50% de probabilidade de estar “na média” e, θ ≥ 2,29 para ter a probabilidade de ser classificada “acima da média”, tornando esta tarefa motora a mais difícil do conjunto. Esta evidência surgiu também na comparação de médias do número de passos alcançado em cada trave de equilíbrio, sendo que na Trave de equilíbrio de 3cm as crianças tiveram um baixo desempenho, estando em sua maioria (70%) classificadas em “abaixo da média” (Tabela 4), situação similar foi identificada com a tarefa “caminho da bicicleta” do teste MABC-2⁷ e esta ocorrência na confiabilidade da avaliação das habilidades podem ser um reflexo da dificuldade envolvida na avaliação de alguns componentes das habilidades ou dos critérios de desempenho¹⁸.

Ao considerar as premissas supracitadas, é possível perceber que a tarefa motora Trave de Equilíbrio 4,5cm apresenta um grau de dificuldade médio, com uma moderada (a=1,83) capacidade de discriminação, segundo Baker¹⁹, permitindo discriminar crianças abaixo e acima do nível de coordenação motora mediana (θ≈0).

A tarefa motora Transposição de Plataformas apresentou a menor capacidade discriminatória (a=0,76) para diferenciar crianças de diferentes níveis de habilidade motora. Ou seja, a tarefa tem um grau de dificuldade baixo, visto que crianças com baixíssima coordenação motora (θ≈-3) tem probabilidade de serem classificadas “na média”. No mesmo sentido, a tarefa motora Salto Lateral apresenta baixos graus de dificuldade e capacidade de discriminação, sendo uma tarefa motora fácil mesmo para crianças com baixo nível de coordenação motora (Figura 2), esta baixa capacidade discriminatória das tarefas e, consequentemente, do escore final do KTK foi verificada em um estudo que comparou e concluiu que o índice motor bruto do TGMD-3 explicou 57% da variância na competência motora de crianças, enquanto que a pontuação total KTK explicou 38% da variância²⁰.

Ao observar as tarefas motoras do KTK, é possível perceber que uma criança com nível de coordenação motora mediana, theta próximo de 0 (θ≈0, eixo x), terá uma maior probabilidade de ser classificada nas categorias “na média” em todas as tarefas motoras, exceto a Trave de equilíbrio de 3cm. Crianças com nível de coordenação motora de θ ≥ 2,29 terão 100% de probabilidade de estarem na categoria “acima da média”. Entretanto, aproximadamente 7% das crianças estão nesse nível de coordenação motora citado. A tarefa motora Salto monopedal indica que crianças com nível de coordenação motora θ ≥ 0, tendem a uma classificação “na média” e, a medida que o nível de coordenação motora aumenta, aumenta a probabilidade de serem classificadas “acima da média”, sobre valores normativos estes são necessários para estender o uso para KTK no Brasil e pontuações de referência devem ser produzidas de acordo com as realidades geográficas, culturais e sociais⁴. Nesse sentido, a meta da TRI é estabelecer certas características tarefas (itens) independentemente de quem completa o teste²¹, assim por trás da dificuldade e do poder discriminatório, existe um fator latente, chamado de habilidade, no caso a coordenação motora e a relação entre habilidade do executante e os parâmetros das tarefas é considerada na TRI, sendo justamente a vantagem metodológica sobre a psicométrica tradicional.

Na Figura 3 observa-se que o parâmetro de dificuldade do item e o nível de coordenação motora (θ) possibilita uma análise simultânea destes dois parâmetros. A partir do nível de habilidade θ=0, as crianças têm uma maior probabilidade de terem uma coordenação motora “na média”; e, a partir de θ≥2,5, as crianças tem uma maior probabilidade de serem classificadas “acima da média”, exceto para a tarefa Trave de equilíbrio de 3cm, na qual apenas crianças com nível de coordenação motora próximo de θ≈6 serão classificadas “acima da média”.

Os resultados do presente estudo apontam para cautela, pois em uma revisão de estudos sobre o KTK²², os autores salientaram que embora o sistema de pontuação do teste permita comparações de estudo cruzado limitados a aspectos de equilíbrio e coordenação, possui valores de normatização desatualizados e que precisavam de padronização cuidadosa, sendo que sua validade para diferentes fins requer uma avaliação posterior. Tal cautela foi demonstrada por Frensen²³, provas de validade convergente e discriminante entre BOT-2 versão curta e KTK, reforçam a noção de que a avaliação motora não deve ser baseada em um único instrumento de avaliação. Reforçando este ponto, duas restrições importantes foram encontradas para computar o escore fatorial no KTK: (1) Os subtestes possuem unidades de medida diferentes; (2) O peso é dado a cada subteste nos cálculos de pontuação do fator. Assim, métodos que controlem tais limitações podem ser de grande valia para a qualidade da medida¹⁰.

Algumas limitações do presente estudo merecem destaque. A amostra foi composta por crianças de 5 a 14 anos de idade e não foi verificada a invariância relacionada à idade. No mesmo sentido, diferenças entre sexo não foi alvo do presente estudo, o que poderia alterar algum parâmetro. Ainda, não foi realizada uma estratificação por idade ou normatização para a amostra em questão, visto a necessidade de mais evidências acerca dos itens e uma maior representatividade amostral para inferências mais profundas.

Como implicações práticas, os resultados indicaram que as tarefas motoras do instrumento KTK possuem diferentes níveis de dificuldade e capacidade de discriminação, os quais podem ser utilizados em situações práticas, por professores de escola, a partir dos objetivos pretendidos na avaliação. Os resultados do KTK a partir da TRI possibilitam interpretações de cunho pedagógico e clínica, o que facilita o planejamento das atividades motoras ofertadas às crianças e adolescentes.

Considerações Finais

As tarefas motoras presentes no KTK evidenciaram uma única dimensão latente, podendo assim ser tratada de coordenação motora. Os resultados da Teoria de Resposta ao Item evidenciaram um ajuste satisfatório do modelo utilizado para avaliar a coordenação motora de crianças de 5 a 14 anos de idade. No geral, as tarefas motoras do instrumento KTK tem em média uma moderada capacidade de discriminar crianças com diferentes níveis de coordenação motora. Embora, os parâmetros de dificuldade (b) apresentem variação de acordo com a tarefa. Isto salienta a necessidade de investigar os itens dos instrumentos de avaliações motoras, a fim de ponderar as tarefas motoras para uma melhor construção de tabelas normativas.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  10 Set 2021
• Revisado
  02 Mar 2022
• Aceito
  26 Mar 2022