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REFLEXÕES SOBRE A COMPREENSÃO DOS PROFISSIONAIS DAS ÁREAS DO LAZER E DA SAÚDE A RESPEITO DESSA INTERFACE

REFLECTIONS ON THE UNDERSTANDING OF LEISURE AND HEALTH PROFESSIONALS REGARDING THIS INTERFACE

RESUMO

A interface entre as áreas do lazer e da saúde é crescente no Brasil. Assim, se faz relevante investigar como os profissionais dessas áreas compreendem essa relação. Este trabalho tem por objetivo analisar como os profissionais afiliados à Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos do Lazer e à Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde compreendem a temática lazer e saúde, acadêmica e/ou profissionalmente. Esta pesquisa é qualitativa, transversal e exploratória. Participaram da pesquisa 80 pessoas (42,9±10,2 anos), sendo 41 do sexo feminino e 44 profissionais da SBAFS. Empregou-se o Software IRaMuTeQ para análises estatísticas sobre os corpus textuais, e a análise crítica de discurso. As análises tiveram um aproveitamento de 88,25% do corpus textual; foi gerada uma Classificação Hierárquica Descendente com três classes: 1) Qualidade de vida; 2) Direitos sociais; 3) Conhecimento Acadêmico. Os profissionais entendem existir uma interface entre o lazer e a saúde, sendo o lazer um importante meio de promoção do desenvolvimento humano. Contudo, identificou-se um hiato na intercessão e na construção de conhecimentos interdisciplinares que permitam a sua efetivação no cotidiano das pessoas, assim como a ampliação de políticas intersetoriais aproximando essas temáticas.

Palavras-chave:
Conhecimento acadêmico; Desenvolvimento Humano; Qualidade de vida

ABSTRACT

The interface between the leisure and health areas is increasing in Brazil. Thus, it is relevant to investigate how professionals in these areas understand this relationship. This work aims to analyze how professionals affiliated with the Brazilian Association of Research and Graduate Studies in Leisure Studies (ANPEL) and the Brazilian Society of Physical Activity and Health (SBAFS) understand the theme of leisure and health, academically and/or professionally. This research is qualitative, cross-sectional, and exploratory. The study was 80 people (42.9±10.2 years), 41 females, and 44 SBAFS professionals. The IRaMuTeQ software was used for statistical analyses on textual corpus, and critical discourse analysis. The analyses had an 88.25% utilization of the text corpus; a Descending Hierarchical Classification with three classes was generated: 1) Quality of life; 2) Social rights; 3) Academic knowledge. The professionals understand that there is an interface between leisure and health, and that leisure is an important means of promoting human development. However, a gap was identified in the intercession and construction of interdisciplinary knowledge that allows its effectiveness in the daily lives of people, as well as the expansion of intersectoral policies bringing these themes together.

Keywords:
Academic knowledge; Human Development; Quality of life

Introdução

Em tempos que a ciência no Brasil sofre duros golpes para sua consolidação, financiamento e contribuição na construção de conhecimentos voltados ao desenvolvimento social, faz-se imprescindível o papel das associações científicas11. Prados, Castillejo JA. Las sociedades científicas y la gestín del conocimiento, un paso más allá del desarrollo profesional continuo. Aten Primaria 2010. DOI:https:// doi: 10.1016/j.aprim.2009.09.018 .
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. Estas estimulam a produção científica de determinadas áreas da ciência ao incentivarem a criação e/ou desenvolvimento de grupos de pesquisa, a promoção, o desenvolvimento e divulgação dos resultados de estudos científicos, a formação profissional, assim como atuam em debates políticos.

No contexto brasileiro, por exemplo, identificam-se duas associações científicas que se debruçam sobre a temática dos estudos do lazer e da promoção da saúde, a saber: a Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos do Lazer (ANPEL) e a Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS). Importante ressaltar que os membros dessas instituições são profissionais do meio acadêmico e/ou mercado de trabalho que atuam diretamente na produção e divulgação do conhecimento, seja em projetos sociais como em programas governamentais e na iniciativa privada, reproduzindo os discursos adotados em suas respectivas áreas. Portanto, exercem relevante papel na formação de opinião na sociedade.

A literatura nacional apresenta uma lacuna em relação a trabalhos empíricos que discutam de forma dialógica, interdisciplinar e interprofissional a interface entre as temáticas lazer e saúde22. Maciel, MG; Halley, GF; Uvinha, RR. Interface entre lazer e saúde: compreensão dos profissionais dos estudos do lazer e da saúde a respeito dessa relação. In: Missias-Moreira R, organizador. International Handbook for the Advancement of Health Sciences. Curitiba: Editora CRV; 2021.. Nesta perspectiva, cita-se os trabalhos desenvolvidos por Pondé33. Pondé, MP; Cardoso, C. Lazer como fator de proteção da saúde mental lazer como fator de proteção da saúde mental. Rev Ciência Médica. 2003[Acesso em 17 mar 2022];12(2):163-72. Disponível em:Disponível em:https://seer.sis.puc-campinas.edu.br/cienciasmedicas/article/view/1268 .
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, Silva et al44. Silva ,CL da; Robinson T; Libardi, N; De Sordi LRAR; Origuela, MA; Ferreira, R de A; et al. Saúde e lazer: significados da atuação profissional no campo da saúde para graduandos em educação física e cursos afins. Rev Bras Educ Física e Esporte. 2018;32(3):391-403. DOI: https://doi.org/10.11606/1807-5509201800030391.
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. Para além desses, encontrou-se publicações com abordagens unilaterais apresentando críticas e/ou reflexões a respeito dessa interface55. Bacheladenski, MS; Matiello, Júnior E. Contrbuições do campo crítico do lazer para a promoção da saúde. Cienc e Saude Coletiva. 2010;15(5):2569-79. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000500031
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),(66. Araújo, AC de; Hartel, AM; Borges, LSB; Araújo, VP de; Moia, MN. Interseções entre Saúde e Lazer. Licere. 24 de agosto de 2015;18(2). DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2015.1114.
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),(77. Silva, CL da; Souza, MF de; Rossi Filho, S; Silva, LF da; Rigoni, ACC. Atividade física de lazer e saúde: uma revisão sistemática. Mudanças - Psicol da Saúde. 2017;25(1):57-65. DOI: https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v25n1p57-65.
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, estabelecendo possíveis aproximações88. Batista, JC; Ribeiro, OCF; Nunes Junior, PC. Lazer e promoção de saúde: uma aproximação conveniente. Licere. 2012;15(2):1-16. DOI: https://doi.org/10.35699/1981-3171.2012.729.
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, discutindo a respeito do currículo/formação acadêmica99. Marcellino, NC; Bonfim, AM. Lazer e saúde, nos currículos doscursos de graduação em Educação Física. Rev bras ciênc mov. 2006;14(4):87-94. DOI: https://doi.org/10.18511/rbcm.v14i4.720
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, outrora, relatando ações intersetoriais1010. Fraga, AB; Mazo, JZ; Stigger, MP; Goellner SV. Políticas de lazer e saúde em espaços urbanos. Porto Alegre: Gênese; 2009..

Ressalta-se a relevância desse fato, tendo em vista que a intervenção profissional deve contemplar o processo educativo, conscientização e motivação para a adoção de hábitos relacionados ao lazer que influenciam diretamente no desenvolvimento humano. Profissionais com uma sólida formação promoverão a interface das temáticas relacionadas ao lazer, saúde, qualidade de vida, direitos sociais, dialogando adequadamente com a população.

Neste trabalho o lazer é compreendido como uma necessidade e meio de desenvolvimento humano1111. Sivan A; Veal AJ. Leisure and human rights: the World Leisure Organization Charter for Leisure: past, present and future. 2021. DOI: https://doi.org/10.1080/16078055.2021.1918755.
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, direito social1212. Gomes, CL; Isayama, HF. O Direito Social ao Lazer no Brasil. Campinas: Autores Associados; 2015., caracterizado por experiências significativas e enriquecedoras1313. Kleiber, DA; McGuire, FA. Leisure and Human Development. Urbana: Sagamore Publishing; 2016. 1-372 p.),(1414. Monteagudo, MJS. Leisure experiences, opportunities and contributions to human development. Monteagudo MJ, organizador. Vol. 1. Bilbao: University of Deusto; 2017. p.1-181.. Os direitos sociais, enquanto direitos fundamentais1515. Telles, V da S. Direitos sociais: Afinal de que se trata? Rev USP. 1998;37:34-45. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i37p34-45.
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, são reconhecidos como direitos protetivos, que garantem o mínimo necessário para que a pessoa exista de forma digna dentro de uma sociedade administrada pelo Estado democrático de direito, o qual deve promover políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento social.

A saúde como direito social1616. D’Ávila, LS; Saliba, GR. A efetivação do direito à saúde e sua interface com a justiça social . Rev Direito Sanitário. 9 de março de 2017;17(3). DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v17i3p15-38.
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, é entendida pelos autores deste trabalho de forma holística1717. Panzini, RG; Maganha, C; da Rocha, NS; Bandeira, DR; Fleck, MP. Validação brasileira do instrumento de qualidade de vida/espiritualidade, religião e crenças pessoais. Rev Saude Publica. 2011;45(1):153-65. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000100018.
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e ampliada1818. Rosário, CA; Baptista TW de, F; Matta, GC. Sentidos da universalidade na VIII Conferência Nacional de Saúde: entre o conceito ampliado de saúde e a ampliação do acesso a serviços de saúde. Saúde em Debate. 2020;44(124). DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202012401.
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, para além do aspecto biomédico e mudanças individuais de comportamento. Desta forma, a saúde está diretamente relacionada com os diferentes fatores sociais determinantes1919. Brasil. Lei 8080 de 19 de setembro de 1990 [Acesso em 17 mar 2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm#:~:text=L8080&text=LEI No 8.080%2C DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.&text=Dispõe sobre as condições para,correspondentes e dá outras providências .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
.

Por fim, o desenvolvimento humano consiste em um processo ao longo da vida, que perpassa pelo aprimoramento das capacidades humanas (física, emocionais, cognitivas), crescimento individual e social, permitindo a participação ativa nas ações que possibilitam a valorização e a melhora da qualidade de vida2020. Monteagudo, MJ; Ahedo, RG; Elizondo, AMP de L. Los beneficios del ocio juvenil y su contribución al desarrollo humano. OBETS Rev Ciencias Soc. 2017;12(3):177. DOI: https://doi.org/10.14198/OBETS2017.12.1.17.
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. Neste sentido, a viabilização dos direitos sociais como o lazer e a saúde são fundamentais para promover o desenvolvimento humano.

Ao considerar o protagonismo que as instituições supracitadas e seus respectivos membros exercem no contexto acadêmico e social, o objetivo deste trabalho foi analisar como os profissionais afiliados à Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos do Lazer e à Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde compreendem a temática lazer e saúde, acadêmica e/ou profissionalmente.

Métodos

Amostra

Esta pesquisa foi do tipo qualitativa, exploratória e transversal2121. Marconi M de A; Lakatos, EM. Fundamentos de Metodologia Científica. 9a. São Paulo: Editora Atlas; 2021. 1-368 p.. A escolha da amostra, tanto das instituições (ANPEL e SBAFS), quanto dos participantes, foi intencional e não probabilística. À época da pesquisa, conforme dados fornecidos pelas instituições participantes, o número de membros eram de 226 e 188, respectivamente. Como critérios de inclusão do(a)s participantes foi definido que deveriam: 1) Ser membro registrado(a) nas instituições em questão; 2) Ser graduado(a) em qualquer área de conhecimento das Ciências da Saúde; 3) Ter, pelo menos, a titulação em nível Lato Sensu; 4) Atuar profissionalmente com a(s) temática(s) lazer e/ou saúde, seja acadêmica e/ou intervenção no mercado; 5) Ser do sexo masculino ou feminino; 6) De qualquer idade; 7) Qualquer nacionalidade; 8) Aceitar participar da pesquisa como voluntário(a). Inicialmente foi obtido o termo de anuência de ambas as instituições, que, posteriormente, enviaram um e-mail para os seus respectivos associado(a)s, informando e solicitando participação na pesquisa.

Procedimentos

Em março de 2021, foi realizado um estudo piloto, tendo a participação de 11 pessoas que atendiam aos critérios supracitados para a testagem da adequação dos procedimentos estipulados. Para tanto, foi adotado um questionário semiestruturado composto duas partes: 1) Dados sociodemográficos; 2) Perguntas abertas visando compreender: (i) Entendimento a respeito da relação entre lazer e saúde; (ii) Fatores que interferem no desenvolvimento da relação entre lazer e saúde enquanto direitos sociais; (iii) Tendência dos estudos abordando a temática lazer e saúde; (iv) Relação entre lazer e saúde na formação e/ou educação continuada e permanente dos profissionais que atuam nessas áreas.

Realizadas as devidas correções no questionário, enviou-se um e-mail para o(a)s associado(a)s de cada instituição, convidando-o(a)s a participarem da pesquisa respondendo o questionário no formato Google Forms, acessível por meio de um link disponibilizado junto ao e-mail; a pesquisa foi realizada no mês de abril de 2021. Acompanhado ao questionário, estava o termo de consentimento livre e esclarecido que deveria ser assinado de forma virtual. Os participantes tinham um prazo de até 15 dias para responder o instrumento. Os dados sociodemográficos dos participantes estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Dados sociodemográficos dos participantes

O(a)s associado(a)s da SBAFS foram numerados de um a 44, sendo essa instituição nomeada como área 1 (saúde); por sua vez, o(a)s respondentes da ANPEL foram numerado(a)s de 45 a 80, e essa instituição nomeada como área 2 (lazer). No questionário foi solicitado que o(a)s participantes informassem qual(is) área(s) que normalmente atua(m), a saber: 1 = saúde; 2 = lazer; 3 = ambas as áreas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de São Paulo, sob o parecer nº. 4.578.906. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecimento, no formato virtual. Todos os procedimentos éticos foram seguidos.

Análise estatística

A fim de analisar os dados provenientes dos questionários, utilizou-se o software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multi dimensionnelles de Textes et de Questionnaires)2222. Camargo ,B V.; Justo, AM. IRAMUTEQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicol. 2013;21(2):513-8. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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),(2323. Souza, MAR de; Wall, ML; Thuler, AC de MC; Lowen IMV; Peres, AM. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353.
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. Vale salientar que o instrumento por si só não se configura como um método de análise de dados, mas uma ferramenta capaz de processá-los, uma vez que a interpretação do material caberá ao pesquisador. Este desempenha papel ativo, na medida em que se responsabiliza pela preparação do corpus textual a ser analisado, bem como perscruta os dados com base nos resultados provenientes do instrumento.

O software realizou análises lexicográficas clássicas, para verificação estatística de quantidade de evocações e formas. A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) gerou um dendograma com as classes, desconsiderando palavras com ꭓ2 < 3,80 (p < 0,05). Optou-se pelo emprego da CHD, que, segundo Sousa2323. Souza, MAR de; Wall, ML; Thuler, AC de MC; Lowen IMV; Peres, AM. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353.
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, constitui-se no principal recurso do software, empregado em aproximadamente 85% das pesquisas com o IRaMuTeQ - não obstante, houvesse a possibilidade de outros mecanismos de análise.

Resultados

O corpus geral foi composto por 80 textos, separados em 617 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 86,3%, enquanto o desejável é acima de 70%2222. Camargo ,B V.; Justo, AM. IRAMUTEQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicol. 2013;21(2):513-8. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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. Das análises iniciais surgiram 14.170 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), das quais 1.963 são palavras distintas e 434 com uma única ocorrência. A partir dos algoritmos utilizados pelo IRaMuTeQ, são definidas pela CHD as categorias de palavras mais representativas e associadas entre si, formando as classes lexicais. Definidas essas classes, o pesquisador as nomeia de acordo com as características identificadas em cada classe, tendo em vista o aporte teórico adotado. Neste estudo, as classes geradas pela CHD foram definidas como: Classe 1 “Qualidade de Vida” com 266 ST (43,1%), Classe 2 “Direitos Sociais” com 242 ST (39,2%), e Classe 3 “Conhecimento Acadêmico” com 109 ST (17,7%).

As três classes foram divididas em duas ramificações (A e B) do corpus total de análise. O subcorpus A, denominado “Conhecimento Acadêmico”, contempla a classe 3 (“conhecimento”), referente a aspectos ao ambiente acadêmico. O subcorpus B, intitulado “Desenvolvimento humano”, abarca a classe 1 (qualidade de vida) e a classe 2 (direitos sociais), concernentes às ações no âmbito profissional e cidadania. As palavras não significativas, de acordo com o software, não foram citadas no dendograma.

Figura 1
Classificação Hierárquica Descendente

Discussão

Tendo em vista que a quase totalidade de participantes desta pesquisa é da área de Educação Física (n = 77), a discussão a seguir se concentrará nesse campo do saber. Identifica-se por meio dos discursos dos e das participantes a relevância que a formação acadêmica tem ao preparar adequadamente o profissional para lidar com os assuntos relacionados à interface entre lazer e saúde.

Todas as análises lexicais realizadas foram consideradas robustas, pois cumpriram os critérios estabelecidos pelo software2222. Camargo ,B V.; Justo, AM. IRAMUTEQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicol. 2013;21(2):513-8. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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. As análises lexicais permitiram discriminar três classes de discursos - “qualidade de vida”, direitos sociais” e “conhecimento acadêmico” -, que formaram dois subcorpus, “conhecimento acadêmico” e “desenvolvimento humano”, sendo esse último com maior representatividade (82,3%).

Maciel, Saraiva e Martins2424. Maciel, MG; Saraiva, LAS; Martins, JC de O. A abordagem sociocognitiva do discurso: Uma alternativa para a análise crítica dos Estudos do Lazer. Licere. 2018;21(3):193-232. DOI: https://doi.org/10.35699/1981-3171.2018.1867.
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afirmam que o discurso como prática social é influenciado por aspectos ideológicos, sociais, culturais e temporais, refletindo na formação e intervenção profissional. Esses autores investigaram os discursos de atores sociais (profissionais e usuários) envolvidos em programa social de atividade física em Belo Horizonte/MG, identificando a predominância da concepção biomédica presente nas narrativas dos profissionais, refletindo em como os usuários constroem a representação social sobre a vivência da atividade física de lazer e saúde. Silva et al.44. Silva ,CL da; Robinson T; Libardi, N; De Sordi LRAR; Origuela, MA; Ferreira, R de A; et al. Saúde e lazer: significados da atuação profissional no campo da saúde para graduandos em educação física e cursos afins. Rev Bras Educ Física e Esporte. 2018;32(3):391-403. DOI: https://doi.org/10.11606/1807-5509201800030391.
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em um estudo transcultural entre estudantes de Educação Física e cursos afins no Brasil e nos Estados Unidos, investigaram quais os significados atribuídos à atuação profissional no campo da saúde e sua compreensão sobre lazer. Os autores concluíram que tal compreensão fundamenta-se, sobretudo, nas ciências biológicas e de forma modesta no âmbito das Ciências Humanas. Semelhante percepção desse discurso foi identificado em uma revisão sistemática realizada por Silva et al.77. Silva, CL da; Souza, MF de; Rossi Filho, S; Silva, LF da; Rigoni, ACC. Atividade física de lazer e saúde: uma revisão sistemática. Mudanças - Psicol da Saúde. 2017;25(1):57-65. DOI: https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v25n1p57-65.
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sobre a relação da atividade física de lazer e saúde.

Embora ainda haja o predomínio dessa visão hegemônica, no presente estudo, encontram-se narrativas que reconhecem a importância de se promover maior interlocução entre as temáticas, destacando o papel da formação profissional e da interação da universidade com a comunidade para estabelecer esse diálogo:

“[...] protagonismo da universidade e grupos de pesquisa propondo ações que articulem os dois assuntos; aproximação dos campos de pesquisa da área da saúde e do lazer [...] desenvolvimento das disciplinas relacionadas aos estudos do lazer na graduação em Educação Física, bem como, nos projetos de extensão e nos debates e pesquisas do grupo de estudo; [...] cursos de especialização; parcerias entre as representações dos dois campos [...] realizando estudos diagnósticos sobre as dificuldades de acesso a saúde e ao lazer de minorias, subsidiando a elaboração de políticas intersetoriais específicas para estas populações” (Suj 78. ANPEL. Atuação na área do lazer).

[...] projetos de extensão devem ir além da política da informação partindo, assim, para as intervenções” (Suj 77. ANPEL. Atuação nas áreas do lazer e saúde).

“[...] integração de disciplinas nos cursos de graduação em Educação Física e inserção das práticas de lazer em disciplinas da área da saúde” (Suj. 5. SBAFS. Atuação na área da saúde).

“[...] ênfase na importância das temáticas com a inserção de matérias nos currículos dos cursos, intervenções nos programas de extensão e projetos de pesquisa sobre as temáticas” (Suj. 38; SBAFS. Atuação na área da saúde e lazer).

Essa discussão perpassa diretamente nas concepções e proposições sobre a formação profissional nesse campo de conhecimento ao se debater sobre as diretrizes curriculares nacionais (DCN). Essas diretrizes são normas obrigatórias que orientam o planejamento curricular, e consequentemente, definem as competências necessárias para o desenvolvimento da atuação profissional. É sabido que há disputas e diferentes interesses entre as áreas dos diversos campos de conhecimento ao se definir a proposta curricular2525. Rezende ,VM; Silva ,MV; Lellis, ÚA de. Currículo, conhecimento e poder: Desafios contemporâneos para as reformas curriculares e o trabalho docente. Rev e-Curriculum. 2014[Acesso em17 mar 2022];12(1):991-1011. Disponível em:Disponível em:http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=76631146006 .
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. Portanto, há conflitos de poderes e hegemonias na construção do conhecimento e implicações à intervenção profissional2626. Abib, LT; Goulart, Knuth, A. diretrizes curriculares nacionais da educação física de 2018 e as imprecisões em torno da saúde coletiva e o SUS. Pensar a Prática. 2021; 24:e67182. DOI: https://doi.org/10.5216/rpp.v24.67182.
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. Essa discussão está presente em diferentes publicações abordando o foco saúde2727. Oliveira, RC; Andrade, DR. Formação profissional em Educação Física para o setor da saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais. Pensar a Prática. 2022;19(4):721-33. DOI: https://doi.org/10.5216/rpp.v19i4.42255.
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),(2828. Santiago, MLE; Pedrosa, JIS; Ferraz, ASM. A formação em saúde à luz do projeto pedagógico e das diretrizes curriculares nacionais da Educação Física. Movimento. 2016;22(2):443-58. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.57988.
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, lazer2929. Vieira Júnior, JAH; Silva, CL da; Uvinha, RR. O Lazer nas novas diretrizes curriculares nacionais para a formação em educação física no Brasil. Licere. 2021;24(3):227-50. DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.36313
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, bem como buscando um diálogo entre esses temas1010. Fraga, AB; Mazo, JZ; Stigger, MP; Goellner SV. Políticas de lazer e saúde em espaços urbanos. Porto Alegre: Gênese; 2009..

Oliveira e Andrade2727. Oliveira, RC; Andrade, DR. Formação profissional em Educação Física para o setor da saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais. Pensar a Prática. 2022;19(4):721-33. DOI: https://doi.org/10.5216/rpp.v19i4.42255.
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, afirmam que a formação profissional nesse campo de conhecimento para o setor da saúde se encontra deficitária frente às demandas do Sistema Único de Saúde no Brasil. Ainda segundo esses autores, a proposta de extinção do bacharelado, segundo a minuta de Projeto de Resolução de 2015, restringiria ainda mais a formação, pois os desafios à formação em Educação Física e saúde extrapolam os limites de uma única modalidade. Santiago et al.2828. Santiago, MLE; Pedrosa, JIS; Ferraz, ASM. A formação em saúde à luz do projeto pedagógico e das diretrizes curriculares nacionais da Educação Física. Movimento. 2016;22(2):443-58. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.57988.
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investigaram o projeto político pedagógico do curso de Educação Física da Universidade do Piauí, vigente em 2009, concluindo que os pressupostos teóricos hegemônicos do curso e da área apresentam-se distantes dos princípios do SUS, reafirmando o alargamento entre as políticas de formação em Educação Física e as da Saúde Coletiva.

Por sua vez, Vieira Júnior, Silva, Uvinha2929. Vieira Júnior, JAH; Silva, CL da; Uvinha, RR. O Lazer nas novas diretrizes curriculares nacionais para a formação em educação física no Brasil. Licere. 2021;24(3):227-50. DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.36313
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, analisaram a abordagem dada ao lazer nas versões das DCN de 2004 e 2018, tendo como objetivo identificar e refletir sobre o atual direcionamento acerca do lazer no contexto da formação profissional dessa área. Segundo esses autores, é fundamental um amplo debate sobre essas novas diretrizes para que não seja minimizada a importância do tratamento pedagógico do lazer na formação profissional em Educação Física. Os autores afirmam que a temática saúde, que dialoga com o lazer, deve ser compreendida como uma dimensão transversal e ampliada, na formação desse profissional, ou seja, independente do campo de intervenção (licenciatura e/ou bacharelado).

Marcellino e Bonfim99. Marcellino, NC; Bonfim, AM. Lazer e saúde, nos currículos doscursos de graduação em Educação Física. Rev bras ciênc mov. 2006;14(4):87-94. DOI: https://doi.org/10.18511/rbcm.v14i4.720
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analisaram qual a relação desenvolvida sobre a temática lazer e saúde nas disciplinas de lazer e recreação, oferecidas nos currículos de graduação em Educação Física em instituições públicas e privadas (n = 6) no Estado de São Paulo. Os autores identificaram que somente em duas instituições essas disciplinas estabeleciam um diálogo entre as temáticas.

Oliveira e Gomes3030. Oliveira, VJM de; Gomes, IM. Os desafios da formação profissional em educação física para a área da saúde: uma interpretação a partir de periódicos da área. Pro-Posições. 2019;30. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-6248-2017-0123.
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conduziram uma revisão de literatura e identificaram três eixos interpretativos a área da Educação Física sobre a formação para o campo da saúde: 1) integração ensino-serviço; 2) humanização/ampliação do conceito de processo saúde-doença; 3) dicotomias e diferenciação interna na área. Os autores relatam a existência de desafios que resguardam algumas aproximações e entrecruzamentos que passam a influenciar as políticas de formação para o campo da saúde. Silva e Ferreira3131. Silva JVP da; Ferreira, JS. Lazer e saúde: Uma interface ainda por fazer no âmbito acadêmico-científico. In: Moreira, WW; Silva, JVP da; organizadores. Lazer e esporte no século XXI: Novidades no horizonte? 1a. Curitiba: Editora Intersaberes; 2018. p. 73-7. investigaram a interface entre lazer e saúde no contexto acadêmico-científico, especificamente nas edições do Encontro Nacional de Recreação e Lazer (Enarel). Segundo os autores, ao longo das 29 edições desse evento, essa temática não foi tema central em nenhuma edição. Ainda segundo o mesmo estudo, a interface entre lazer e saúde foi mencionada somente em cinco edições, por meio de duas mesas-redondas, duas palestras e uma oficina. Para além disso, os autores apontaram que, no meio acadêmico, identifica-se, igualmente, baixa exploração e articulação, sendo, também, pouco enfatizada nos currículos de Educação Física.

Percebe-se por meio dos discursos dos participantes da presente pesquisa, bem como pelos estudos supracitados, a existência de hiatos na interseção e interlocução entre as áreas, necessitando, assim, reduzir essa distância, não apenas no contexto acadêmico, mas, também, se estendendo ao contexto escolar3232. Mantovani, TVL; Maldonado, DT; Freire, EDS. A relação entre saúde e Educação Física escolar: Uma revisão integrativa. Movimento. 2021; 27:e27008. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.106792.
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.

As discussões apontadas pelos diversos estudos citados, dialogam com as narrativas identificadas na presente pesquisa em relação à necessidade da construção de conhecimentos interdisciplinares entre as áreas, bem como ações interprofissionais, não apenas no ambiente acadêmico, mas, também, nas intervenções nos diferentes campos de atuação desses profissionais, como nos programas sociais de atividade física e lazer, e no contexto escolar.

O subcorpus B, Desenvolvimento humano, compreendido pelas classes “qualidade de vida” e “direitos sociais”, apresenta narrativas dos e das participantes que associam tanto o lazer quanto a saúde como importantes elementos desse subcorpus:

“A experiência de lazer pode influenciar em todas as dimensões da vida. A vivência de lazer, quando positiva para o sujeito, auxiliará na manutenção de um bom estado de saúde [...] incluindo compreensões sobre os benefícios do lazer para a saúde, estimulando a vivência dessa dimensão da vida de forma equilibrada” (Suj 48. ANPEL. Atuação nas áreas do lazer e saúde).

“[...] Ter acesso ou garantia de boas condições de saúde está diretamente relacionado as condições socioeconômicas da população. O lazer, acho mais complexo considerar se existe um fator que interfira no lazer em diferentes contextos [...] políticas públicas e ações de organizações privadas, ou terceiro setor, nas escolas e universidades” (Suj 38. SBAFS. Atuação nas áreas do lazer e saúde).

“(...) informação à população sobre seus direitos sociais e de maior investimento em políticas públicas tanto para conscientização quanto para disponibilização de meios para a práticas de lazer”. (Suj. 17; SBAFS; Atua na área da saúde e lazer.

O Art. 6º da Constituição Federal brasileira3333. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal: Centro Gráfico; 1988. reconhece o lazer e saúde como direitos sociais, portanto, diretamente relacionados à promoção da qualidade de vida. Esta, todavia, ainda não é uma realidade para grande parcela da população brasileira em virtude da iniquidade social existente.

Estudo realizado por Ferreira et al.3434. Ferreira, RW; Caputo, EL; Häfele, CA; Jerônimo, JS; Florindo, AA; Knuth, AG; et al. Acesso aos programas públicos de atividade física no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Cad Saude Publica. 2019;35(2). DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00008618
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tendo como base a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, concluiu existir uma oferta reduzida de acesso ao lazer à população. Os pesquisadores identificaram que somente 20% da população brasileira conhece algum programa público de atividade física, e somente 9,7% relataram praticarem alguma atividade física nos programas públicos, e cerca de 30% não se interessam por programas públicos.

Esses dados dialogam com as afirmações realizadas por outros autores2929. Vieira Júnior, JAH; Silva, CL da; Uvinha, RR. O Lazer nas novas diretrizes curriculares nacionais para a formação em educação física no Brasil. Licere. 2021;24(3):227-50. DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.36313
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ao apontarem que embora o lazer venha ganhando importância como problema social e objeto de reivindicação como direito social ligado à qualidade de vida no Brasil, o poder público ainda não desenvolve políticas setoriais que efetivem esse direito à população.

Ao que diz respeito à saúde e qualidade de vida, reconhece-se a indissociabilidade existente entre ambos os temas. A saúde está intrinsecamente vinculada à justiça social, portanto, é imprescindível refletir sobre as características estruturais que interferem na manutenção das iniquidades sociais para que se possa modificá-las.

Conforme os resultados desta pesquisa, admite-se a interdependência das classes “qualidade de vida” e “direitos sociais” enquanto promotoras do desenvolvimento humano, sendo o lazer um importante meio para se obtê-lo. Este tema foi debatido no ano de 2000, durante o 6º Congresso Mundial de Lazer promovido pela Organização Mundial de lazer3535. Csikszentmihalyi, M; Cuenca, M; Buarque, C; Trigo, V. Ocio y desarrollo: Potencialidades del ocio para el desarrollo humano. Csikszentmihalyi M, Cuenca M, Buarque C, Trigo V, organizadores. Bilbao: Universidad de Deusto; 2001. 1-257 p., na cidade de Bilbao/Espanha. Esse discurso foi identificado transversalmente nos depoimentos dos e das participantes desta pesquisa:

“O lazer, compreendido como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia, se apresenta como espaço privilegiado para o acesso às práticas corporais e a educação em saúde, compreendida como resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. No Brasil a imensa desigualdade social, compromete o acesso da população a bens e serviços que possibilitem o seu desenvolvimento humano” (Suj 67. ANPEL. Atuação nas áreas do lazer e saúde).

“[...] lazer é uma dimensão importante da vida e bem-estar das pessoas. É um elemento relevante para a saúde em um sentido holístico”. (Suj. 72; ANPEL; Atua na área do lazer).

“[...] incentivar ações de promoção da saúde que estimulem o lazer como direito social, e conscientizem a população sobre o lazer como uma necessidade humana (Suj. 10. SBAFS. Atuação na área da saúde).

Nessa linha de raciocínio, estudos apontam a intrínseca relação do lazer como possibilidade de promoção do desenvolvimento humano1313. Kleiber, DA; McGuire, FA. Leisure and Human Development. Urbana: Sagamore Publishing; 2016. 1-372 p.),(2020. Monteagudo, MJ; Ahedo, RG; Elizondo, AMP de L. Los beneficios del ocio juvenil y su contribución al desarrollo humano. OBETS Rev Ciencias Soc. 2017;12(3):177. DOI: https://doi.org/10.14198/OBETS2017.12.1.17.
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),(3535. Csikszentmihalyi, M; Cuenca, M; Buarque, C; Trigo, V. Ocio y desarrollo: Potencialidades del ocio para el desarrollo humano. Csikszentmihalyi M, Cuenca M, Buarque C, Trigo V, organizadores. Bilbao: Universidad de Deusto; 2001. 1-257 p.. Segundo esses autores, o lazer assume esse papel ao longo de todo o ciclo da vida, independente do sexo, pois permite o bem-estar em todas as dimensões que compõem o ser humano, atuando na formação da identidade, da autoconfiança, autorrealização, de acesso à cultura.

Csikszentmihalyi et al.3535. Csikszentmihalyi, M; Cuenca, M; Buarque, C; Trigo, V. Ocio y desarrollo: Potencialidades del ocio para el desarrollo humano. Csikszentmihalyi M, Cuenca M, Buarque C, Trigo V, organizadores. Bilbao: Universidad de Deusto; 2001. 1-257 p. afirma que o lazer contribui para promover o desenvolvimento humano ótimo devido ao aumento do desenvolvimento da complexidade psicológica que é o resultado de dois componentes: 1) diferenciação, ou o refinamento da autonomia, habilidade e capacidade individual; 2) integração, ou a participação harmónica com o meio social e cultural. Por sua vez, Monteagudo et al.2020. Monteagudo, MJ; Ahedo, RG; Elizondo, AMP de L. Los beneficios del ocio juvenil y su contribución al desarrollo humano. OBETS Rev Ciencias Soc. 2017;12(3):177. DOI: https://doi.org/10.14198/OBETS2017.12.1.17.
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ressalta que atualmente, a sociedade reconhece que o lazer atua na melhoria do bem-estar geral das pessoas, reafirmando sentimentos de satisfação e sentidos na vida, desempenhando, assim, um papel fundamental no DH.

Todavia, para que esse protagonismo ocorra, Ayuso3636. Ayuso, C de la C. Educación del Ocio: Propuestas internacionales. Vol. 23. Bilbao: Universidad de Deusto; 2002. 1-219 p. destaca a necessidade de uma educação para o lazer como processo educativo visando o desenvolvimento de valores, conhecimentos e habilidades que ofereçam um suporte de autoconfiança individual para que possibilite o desfrute das experiências enriquecedoras. Esse processo pode ocorrer em centros comunitários, projetos sociais, escolas, onde os profissionais de Educação Física intervêm.

De semelhante importância, se faz premente que a sociedade ofereça condições de acesso a espaços e equipamentos de lazer à toda a população para potencializar ao máximo os benefícios advindos dos diferentes conteúdos do lazer. Neste sentido, se faz necessário não apenas a criação de políticas públicas, mas a sua efetiva viabilização.

Entende-se que as análises realizadas contribuíram para o avanço do conhecimento da área. Todavia, reconhece-se algumas limitações, como a seleção intencional dos participantes e das instituições; predominância da amostra composta por profissionais de Educação Física. Dessa forma, sugere-se que novas investigações sejam realizadas contemplando uma ampliação dos profissionais investigados, assim como em diferentes áreas que dialogam com a temática em questão

Conclusão

Tendo em vista a relevância da interface entre lazer e saúde, este artigo objetivou analisar como os profissionais associados à ANPEL e à SBAFS compreendem essa temática, acadêmica e/ou profissionalmente. A análise do corpus textual por meio do IRaMuTeQ identificou três classes: “qualidade de vida”, “direitos sociais” e “conhecimento acadêmico”. Neste sentido, a compreensão desses profissionais pela temática investigada está imbricada nessas três classes, destacando o lazer como importante meio para a promoção do desenvolvimento humano. Para além desse aspecto, identifica-se um hiato na intercessão e na construção de conhecimentos interdisciplinares que permitam a sua efetivação em uma intervenção ampliada, assim como a ampliação de políticas intersetoriais, aproximando essas temáticas.

Ao considerar as análises realizadas e a relevância dessas instituições científicas, pode-se sugerir algumas ações propositivas uni-bilaterais que contribuam para o avanço do desenvolvimento dessa interface, a saber: 1) Aproximação entre as diretorias científicas; 2) Nos eventos acadêmicos nacionais - incentivar a realização de mesas temáticas 3) Publicações - lançar números temáticos em suas respectivas revistas; 4) Ações políticas junto a órgãos governamentais, como os ministérios da Cidadania, Educação, Saúde, que realizam políticas públicas e projetos sociais a respeito da temática, visando aproximações e alinhamentos para conscientizar e potencializar ações relacionadas à temática; 5) Ações políticas direcionadas à sociedade civil, por exemplo, Conselho Federal de Educação Física e Universidades, incentivando debates e o repensar da proposta curricular; 6) Campanhas de conscientização à população e profissionais da área nas diferentes mídias, explorando a temática.

É fundamental despertar a conscientização das vivências do lazer para além da perspectiva do lazer ativo, ou seja, do conteúdo físico-esportivo, bem como compreender a atividade física como direito e possibilidade de enriquecimento cultural e pessoal - e não apenas sob o viés biomédico. Além disso, faz-se necessário incentivar as vivências das diferentes possibilidades do lazer (culturais, artísticas, intelectuais, turísticas, manuais) como promotora das dimensões da saúde (física, mental, social e espiritual). Julga-se, por fim, ser imprescindível promover atividades universitárias extensionistas que explorem essa interface junto à população, além da realização de pesquisas interdisciplinares e interprofissional, viabilizando a produção de conhecimentos ampliados.

Agradecimentos:

À Universidade do Estado de Minas Gerais, pela concessão de bolsa de produtividade ao primeiro autor. Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos do Lazer e à Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde, e a seus afiliados e afiliadas que participaram da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2022
  • Revisado
    28 Jun 2022
  • Aceito
    27 Jul 2022
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