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Núcleos de acessibilidade em instituições federais brasileiras e as contribuições de terapeutas ocupacionais para a inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior1 1 O texto é parte do estudo de doutorado intitulado “Trajetória de vida de jovens e adultos com deficiência: Contribuições da Terapia Ocupacional no Ensino Universitário” realizado por Lilian de Fatima Zanoni Nogueira, sob orientação de Fátima Corrêa Oliver, no Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade de Sorocaba sob o parecer de número 2.073.616.

Resumo

Introdução:

Programas de inclusão de estudantes com deficiência (EcD) em Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) buscam favorecer acesso e permanência considerando-se o respeito à diversidade no ambiente universitário. A terapia ocupacional pode contribuir para desenvolver esses programas.

Objetivo:

Analisar o acesso da população com deficiência ao Ensino Superior, considerando as premissas do Programa INCLUIR do Ministério da Educação, além de refletir sobre a contribuição de terapeutas ocupacionais nesse programa. Método: Investigação descritiva-analítica baseada em análise documental identificou 55 núcleos do Programa INCLUIR em IFES, reconhecendo ações desenvolvidas. Nas IFES que ministravam graduação em terapia ocupacional, foram estudados os currículos e grupos de pesquisa relacionados ao tema. Foram entrevistadas três terapeutas ocupacionais coordenadoras desses programas.

Resultados:

Observou-se progresso na inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior, incentivado pelos programas governamentais. Os currículos de terapia ocupacional das 14 IFES que oferecem graduação e seus grupos de pesquisa não indicam atividades na área da Educação, o que dificultaria o exercício de ações técnicas profissionais nesse campo. Oito dos 55 núcleos contam com terapeutas ocupacionais e neles há um diferencial da ação pela capacidade profissional de perceber e favorecer o contato com a diversidade de realidades entre estudantes, o que potencializaria as ações de equiparação no cotidiano acadêmico, favorecendo especialmente a permanência.

Conclusão:

Há necessidade de aumentar os programas de inclusão e a participação da terapia ocupacional, de forma a ampliar a organização e o gerenciamento de ações para maior diálogo entre as instâncias das IFES, e favorecer o ingresso e permanência de estudantes.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Pessoas com Deficiência; Educação Superior; Inclusão (Educação); Equidade

Abstract

Introduction:

Inclusion programs for students with disabilities in Federal Institutions of Higher Education (IFES) seek to favor access and permanence based on respect for diversity in the university environment. The Occupational Therapy can help developing these programs.

Objective:

To analyze the access of the population with disabilities to higher education, considering the premises of the Inclusion Program INCLUIR of the Ministry of Education. Reflect on the contribution of occupational therapists in this program.

Method:

The descriptive-analytical research based on documentary analysis identified 55 Inclusion Program centers in the IFES, recognizing the developed actions. We studied the curriculum and research groups in the IFES with an occupational therapy course regarding this subject. We interviewed three occupational therapists that coordinated these programs.

Results:

We observed progress in the inclusion of people with disabilities in higher education, encouraged by government programs. The occupational therapy curriculum of the 14 IFES, as well as their research groups, do not indicate activities in the area of Education, which would make it difficult to practice professional technical actions in the area. Eight of the 55 nuclei have occupational therapists with a differential action of the professional capacity to perceive and favor the contact with the diversity of realities among students, which would potentialize equalization actions in the daily academic life, especially the permanence of people with deficiency.

Conclusion:

There is an urgent need to increase inclusion programs and the participation of occupational therapist, to increase the organization and management of actions for more dialogue between the IFES instances and to favor the entry and stay of students with disabilities.

Keywords:
Occupational Therapy; Disabled Persons; Education Higher; Mainstreaming (Education); Equity

1 Introdução

Neste estudo, serão consideradas deficiências aquelas condições indicadas no Documento Orientador do Programa INCLUIR (BRASIL, 2013, p. 11) que informa que

[…] pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimento de natureza física, sensorial e intelectual, que em interação com as barreiras atitudinais e ambientais poderão ter obstruída sua participação em condições de igualdade com as demais pessoas. Assim, a deficiência não se constitui como doença ou invalidez e as políticas sociais, destinadas a este grupo populacional, não se restringem às ações de caráter clínico e assistencial.

Acesso e permanência de pessoas com deficiência no Ensino Superior relacionam-se aos seus processos de participação social, considerando-se o exercício de direitos, o usufruto de bens materiais e culturais, e, principalmente, a compreensão da sociedade sobre o fenômeno da deficiência. Ou seja, parâmetros biomédicos ou educacionais de compreensão da deficiência constituem-se na complexidade dos processos sociais e nas oportunidades de participação social das pessoas com deficiência.

Desde os anos 1960, debates trazidos pelos propositores do modelo social de compreensão da deficiência favorecem o entendimento sobre como e por que as pessoas com deficiência acessam e podem ou não ter seus direitos garantidos em contextos sociais específicos, sendo, neste caso, no Ensino Superior. Entre esses autores, destacam-se as contribuições de Ferreira (2008)FERREIRA, M. A. V. La construcción social de la discapacidad: habitus, estereotipos y exclusión social. Nómadas. Critical Journal of Social and Juridical Sciences, Bogotá, v. 17, n. 1, p. 1-12, 2008. Disponível em: <http://revistas.ucm.es/index.php/NOMA/article/view/27586>. Acesso em: 26 jun. 2018.
http://revistas.ucm.es/index.php/NOMA/ar...
, Barnes (2009)BARNES, C. Un chiste “malo”: ¿rehabilitar a las personas con discapacidad en una sociedad que discapacita? In: BROGNA, P. (Ed.). Visiones e revisiones de la discapacidad. México: FCE, 2009. p. 101-122., Abberley (1987)ABBERLEY, P. The concept of oppression and the development of a social theory of disability. Disability Handicap Society, Abingdon, v. 2, n. 1, p. 5-19, 1987. http://dx.doi.org/10.1080/02674648766780021.
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e Diniz (2013)DINIZ, D. Deficiência e políticas sociais: entrevista com Colin Barnes. Revista Ser Social, Brasília, v. 15, n. 32, p. 237-251, 2013. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/9514>. Acesso em: 24 fev. 2018.
http://periodicos.unb.br/index.php/SER_S...
.

O modelo social de deficiência considera a deficiência como um problema social, sem negligenciar a dimensão corporal e funcional envolvida nessa condição humana, e pode repercutir positivamente na implementação de políticas de saúde e direitos humanos, desde que sejam priorizadas medidas de reparação de desigualdade e não apenas medidas sanitárias de reabilitação (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007DINIZ, D.; MEDEIROS, M.; SQUINCA, F. Reflexões sobre a versão em Português da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 10, p. 2507-2510, 2007. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007001000025.
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).

A inclusão de jovens no Ensino Superior pode ser entendida como condição que favorece o direito à participação social. Os direitos não existem em si mesmos, apenas são validados no seu exercício, minimizando desigualdades socialmente impostas. No caso da deficiência, os diferentes quadros clínicos podem impor impedimentos corporais, psicológicos ou emocionais que, associados a processos sociais, trazem consequências desafiadoras e restrições às possibilidades de participação social desse grupo. Assim, experiências, conteúdos imaginários e estereótipos relacionados à deficiência e à pessoa com deficiência são parte de uma construção social e histórica. A participação no Ensino Superior, por exemplo, revela a frágil compreensão sobre os direitos colocados para esse grupo.

Participação social é um norteador de muitas ações de profissionais que atuam junto às pessoas com deficiência, inclusive de terapeutas ocupacionais.

Conforme apontam Teixeira et al. (2009TEIXEIRA, M. L. et al. Participação em saúde: do que estamos falando? Sociologias, Porto Alegre, v. 11, n. 21, p. 218-251, 2009. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=86819550010>. Acesso em: 25 fev. 2018.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=86...
, p. 235), o conceito de participação tem um percurso nas ciências sociais ligado às teorias da democracia e também abrange a dimensão política, “[…] trata-se de intervir em processos decisórios que atingem o coletivo”, o que as pessoas com deficiência traduziram em seus movimentos por reafirmação e exercício de direitos.

Oliver et al. (2013OLIVER, F. C. et al. Participação social e exercício de direitos: contribuições de experiência territorial de atenção. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA (SEDPCD), 1., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2013. p. 1-6., p. 4) consideram que fomentar a participação pode fundamentar ações técnicas que se desloquem

[…] da prioridade à reparação de uma incapacidade centrada no corpo e no comportamento, para incorporar outras dimensões da deficiência, da incapacidade e/ou das rupturas vivenciadas pelas pessoas com limitações nas atividades e restrições à participação.

Assim, a terapia ocupacional

[…] tem procurado contribuir para o desenvolvimento de propostas de atenção centradas na complexidade dos processos de deficiência, limitações e restrições à participação (OLIVER et al., 2013OLIVER, F. C. et al. Participação social e exercício de direitos: contribuições de experiência territorial de atenção. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA (SEDPCD), 1., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2013. p. 1-6., p. 4).

Participar de experiências de ensino atrela-se à complexidade dos contextos sociais. Falta de apoio técnico ou resistência de professores e falta de participação familiar ou dificuldades individuais da pessoa com deficiência são fatores que não devem ser negligenciados, mas não é possível atribuir a um deles a não efetividade de processos de ensino inclusivo, que dependem de transformações efetivas no campo das políticas sociais e dos direitos humanos.

Muitas áreas profissionais têm realizado estudos e aprimorado suas ações técnicas para acompanhar a realidade das pessoas com deficiência, e a terapia ocupacional é uma delas. Historicamente, essa área tem atuado com uma proposição técnica, que se vincula à compreensão e ao apoio aos modos de vida produzidos nas interfaces do cotidiano, e pode contribuir para facilitar processos emancipatórios de vida e autonomia, seja para viabilizar acesso a um direito e participação na vida social ou para oferecimento de uma tecnologia assistiva, por exemplo. Porém, são escassos os estudos sobre deficiência, conforme indicaram Rocha, Nicolau e Souza (2013ROCHA, E. F.; NICOLAU, S. M.; SOUZA, C. B. X. As pessoas com deficiência e a produção de conhecimento no campo da terapia ocupacional no Brasil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA (SEDPCD), 1., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2013., p. 10) em pesquisa que revelou que apenas 22,3% das dissertações e teses brasileiras publicadas na área, entre 2007 e 2011, trataram sobre a temática da deficiência e focalizaram na “[…] intervenção clínica e na busca por avaliar a funcionalidade/incapacidade e os efeitos de intervenções junto a sujeitos atendidos em terapia ocupacional”.

As autoras referiram que os estudos indicam

[…] a necessidade de se conhecer as possibilidades e restrições da participação social das pessoas com deficiência, bem como aspectos de seu cotidiano, relações familiares, lazer, usos de tecnologia assistiva (ROCHA; NICOLAU; SOUZA, 2013ROCHA, E. F.; NICOLAU, S. M.; SOUZA, C. B. X. As pessoas com deficiência e a produção de conhecimento no campo da terapia ocupacional no Brasil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA (SEDPCD), 1., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2013., p. 10).

Por outro lado, também afirmaram a necessidade de pesquisas sobre “[…] a deficiência no campo da saúde, social, cultural, da educação e do ponto de vista histórico” (ROCHA; NICOLAU; SOUZA, 2013ROCHA, E. F.; NICOLAU, S. M.; SOUZA, C. B. X. As pessoas com deficiência e a produção de conhecimento no campo da terapia ocupacional no Brasil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA (SEDPCD), 1., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2013., p. 11).

Em outro estudo de revisão bibliográfica, Nogueira et al. (2016)NOGUEIRA, F. Z. et al. O que escrevemos sobre deficiência? Análise da produção em revistas brasileiras de terapia ocupacional 2010-2016. In: ENCONTRO NACIONAL DE DOCENTES DE TERAPIA OCUPACIONAL, 15., 2016, Vitória. Anais...Vitória: Ufes, 2016. p. 295-299. investigaram os temas relacionados à deficiência abordados pelos profissionais nos periódicos Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional e Revista de Terapia Ocupacional da USP, entre janeiro/2010 e junho/2016, quando foram localizadas 603 publicações e apenas 89 (15%) destas abordavam a deficiência. Desse total, 29 (29%) artigos referiam-se à deficiência e à educação formal. Três (0,49%) deles versavam sobre o Ensino Superior e as percepções de pessoas com e sem deficiência sobre aspectos da acessibilidade física ou atitudinal.

Estudo de Baleotti e Omote (2014)BALEOTTI, L. R.; OMOTE, S. A concepção de deficiência em discussão: ponto de vista de docentes de terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 22, n. 1, p. 71-78, 2014. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.008.
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sobre a concepção de docentes de terapia ocupacional da deficiência concluiu que estes tendem às concepções interacionista e social de deficiência.

Já em pesquisa sobre acessibilidade atitudinal, Ponte e Silva (2015PONTE, A. S.; SILVA, L. C. A acessibilidade atitudinal e a percepção das pessoas com e sem deficiência. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 23, n. 2, p. 261-271, 2015. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAO0501.
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, p. 270) identificaram barreiras relacionadas à percepção sobre a convivência entre pessoas com e sem deficiência em uma universidade, e indicaram que a intervenção terapêutica ocupacional deveria focalizar-se no contexto social do sujeito, apontando a necessidade de novas pesquisas

[…] interligando o fazer do terapeuta ocupacional e as possíveis contribuições desse profissional na eliminação ou minimização das barreiras relacionadas às diferentes atitudes.

Salles et al. (2010)SALLES, B. G. et al. A acessibilidade arquitetônica interfere na usabilidade de indivíduos com mobilidade reduzida? Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 83-88, 2010. investigaram autonomia e independência das pessoas com deficiência a partir da acessibilidade física em um prédio de uma universidade pública. Nesse estudo, 73% dos participantes estavam satisfeitos em relação ao acesso, mesmo não havendo respeito às determinações básicas de acessibilidade orientadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Mesmo sem referência direta a menor usabilidade dos espaços em que foram identificadas inadequações, os participantes indicaram mudanças possíveis para melhorar as condições ambientais.

O acesso e permanência no Ensino Superior seria uma das formas de favorecer

[…] o exercício de direitos das pessoas com deficiências e a aproximação dessa população a espaços coletivos onde possam se reconhecer como sujeitos sociais e políticos (OLIVER et al., 2013OLIVER, F. C. et al. Participação social e exercício de direitos: contribuições de experiência territorial de atenção. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DEFICIÊNCIA (SEDPCD), 1., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2013. p. 1-6., p. 5).

Este estudo afirma a importância do acesso de jovens ao Ensino Superior reconhecendo aportes do Programa INCLUIR, do Ministério da Educação (BRASIL, 2005b), e dos cursos de graduação em terapia ocupacional de Instituições Federais de Educação Superior (IFES) junto ao Programa. Considera-se que, em sua ação técnica, o terapeuta ocupacional pode lidar com diferentes atores institucionais em um espaço ampliado constituído por docentes, funcionários, familiares e projeto pedagógico, o que fortaleceria alternativas de permanência de Estudantes com Deficiência (EcD) no Ensino Superior.

O Programa INCLUIR foi criado pelo Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Superior (SESu) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), previsto para o período de 2005 a 2011 (BRASIL, 2013). Essa proposta pretendia superar dificuldades existentes e induzir à inclusão de EcD nas IFES, considerando que os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade proporcionassem condições de acesso e utilização de todos os ambientes pelas pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, incluindo salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários.

O principal objetivo do Programa era fomentar a criação e consolidação de Núcleos de acessibilidade nas IFES, para realizar ações voltadas a integrar pessoas com deficiência à vida acadêmica, por meio de eliminação de barreiras atitudinais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação. Desde 2005, foram lançados diferentes editais. O último, em 2010, propunha implementar ações previstas no Programa (BRASIL, 2010a). Entre as propostas aceitas, incluíam-se as de apoio aos Núcleos já existentes, considerando-se como Núcleo de acessibilidade

[…] a constituição de espaço físico, com profissional responsável pela organização das ações, articulação entre os diferentes órgãos e departamentos da universidade para a implementação da política de acessibilidade e efetivação das relações de ensino, pesquisa e extensão na área (BRASIL, 2010a, p. 52).

Puderam apresentar propostas, IFES, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) com cursos de nível superior e Instituições Estaduais de Ensino Superior.

Pesquisas de Rodrigues e Faria (2017)RODRIGUES, M. C.; FARIA, P. R. Políticas públicas de educação inclusiva: uma análise do programa “incluir” e seus desdobramentos. In: JUBILUT, L. L.; FRINHANI, F. M. D.; LOPES, R. O. (Ed.). Direitos humanos e vulnerabilidade em políticas públicas. Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2017. p. 53-66., Maciel e Anache (2017)MACIEL, C. E.; ANACHE, A. A. A permanência de estudantes com deficiência nas universidades brasileiras. Educar em Revista, Curitiba, v. 33, p. 71-86, 2017. Número Especial 3. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.52924.
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, Cabral (2017)CABRAL, L. S. A.; MELO, F. R. L. V. Entre a normatização e a legitimação do acesso, participação e formação do Público-Alvo da Educação Especial em Instituições de Ensino Superior brasileiras. Educar em Revista, Curitiba, v. 33, p. 55-70, 2017. Número Especial 3. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.41046.
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, Cabral e Melo (2017), Nozu, Bruno e Cabral (2018)NOZU, W. C. S.; BRUNO, M. M. G.; CABRAL, L. S. A. Inclusão no Ensino Superior: políticas e práticas na Universidade Federal da Grande Dourados. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 22, p. 105-113, 2018. Número Especial. http://dx.doi.org/10.1590/2175-35392018056.
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também analisaram as premissas do Programa INCLUIR, verificando suas potencialidades e fragilidades em diálogo com as proposições deste estudo.

2 Método

Este é um estudo exploratório, descritivo e analítico, desenvolvido entre 2017 e 2018, em duas fases.

A primeira delas foi uma pesquisa documental que buscou subsídios para compreender a constituição dos Núcleos do Programa INCLUIR das IFES. Além da consulta à legislação e aos programas de inclusão de pessoas com deficiência no Ensino Superior, foram levantadas informações públicas sobre as IFES e seus Núcleos, e o Censo de Educação Superior do ano de 2016, no período de março a agosto de 2017.

Na segunda fase, identificaram-se, nas IFES com o Programa INCLUIR, aquelas que desenvolviam cursos de graduação em terapia ocupacional, analisando currículos e grupos de pesquisa relacionados à Inclusão de Pessoas com Deficiência no Ensino Superior. No caso de Programas sob coordenação de terapeuta ocupacional, este profissional foi entrevistado para conhecer as atividades e atribuições que eram designadas aos mesmos.

A hipótese colocada é que a terapia ocupacional poderia contribuir institucionalmente junto aos Núcleos de Inclusão das IFES, porque é uma área profissional e de conhecimento, que possibilita desenvolver e ampliar processos de participação social. Desta forma, esperava-se que houvesse, nas IFES com Programa INCLUIR e na graduação em terapia ocupacional, docentes, estudantes ou profissionais subsidiando os programas.

Na pesquisa documental, primeiramente, foi consultado o Documento Orientador do Programa INCLUIR ‒ Acessibilidade na Educação Superior (BRASIL, 2013), no qual estão apresentadas propostas para construir uma política de inclusão e acessibilidade nas instituições, tendo sido identificadas, nessa consulta, as 55 IFES beneficiadas pelo Programa. Nos sítios eletrônicos destas IFES, foram pesquisados seus Núcleos de Inclusão e Acessibilidade em relação a: Data de criação, Equipes de profissionais, Nome do coordenador e Contato. Quando estas informações não estavam disponíveis virtualmente, foram solicitadas via correio eletrônico.

As informações sobre cursos ativos de terapia ocupacional nas IFES foram disponibilizadas pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional (RENETO) e indicavam que, em 13/jul./2017, havia 16 cursos ativos em IFES, sendo 14 destes sediados nas 55 IFES que contavam com Núcleos referenciados no documento da SECADI/Sesu (BRASIL, 2013).

Para identificação de disciplinas relacionadas à Educação de pessoas com deficiência, foram analisados os currículos dos 14 cursos de graduação disponibilizados nos sítios eletrônicos das IFES; aqueles currículos não localizados por esse meio foram consultados em estudo anterior realizado por Pan (2014)PAN, L. C. Políticas de ensino superior, graduação em terapia ocupacional e o ensino de terapia ocupacional social no Brasil. 2014. 224 f. Dissertação (Mestrado em Terapia Ocupacional) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014..

Todos os coordenadores de cursos foram consultados sobre a atuação da terapia ocupacional nos Programas INCLUIR, via formulário disponibilizado na plataforma Google Forms, em que foram solicitadas informações sobre a participação dos cursos de graduação nos Programas institucionais. O formulário2 2 As questões enviadas aos coordenadores das IFES que ministram graduação em Terapia Ocupacional trataram sobre: Ação Desenvolvida pelo curso no programa de inclusão de alunos com deficiência da IFES; Atividades desenvolvidas pelo curso no programa ou motivos que levaram a não participação do curso no mesmo, e uma questão aberta sobre outras informações consideradas pertinentes. identificou que, entre os 14 cursos ativos, três contavam com terapeutas ocupacionais como coordenadoras de Núcleos, as quais foram entrevistadas virtualmente. Neste artigo, serão discutidas algumas contribuições das entrevistadas.

Além disso, nas IFES que ministravam terapia ocupacional, foram pesquisados seus grupos de pesquisa ativos no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (CONSELHO..., 2018), considerando todos os grupos localizados em qualquer área do conhecimento. Foram utilizados quatro termos de busca: Inclusão; Acessibilidade; Tecnologia Assistiva, e Educação Superior, que identificaram 62 grupos de pesquisa que apresentavam em seus títulos termos relacionados a Educação e Inclusão Social: Desporto, Inclusão, Cegueira, Surdez, Esporte Adaptado, Educação Especial, Deficiência, Educação Física Adaptada, Atividade Motora Adaptada e Tradução Audiovisual, como também Acessibilidade, Tecnologia Assistiva, Inclusão e Ensino Superior.

Foi realizada análise descritiva das informações sobre o número de estudantes no Ensino Superior e as IFES que ministravam curso de terapia ocupacional. A discussão incluiu a análise temática das entrevistas, considerando-se duas categorias: diferencial de intervenção e concepção teórica adotada pelas profissionais para realizar suas atividades.

3 Resultados e Discussão

3.1 Acesso ao Ensino Superior

Merece destaque que, entre os anos 2004 e 2013, houve aumento de 8,1% dos brasileiros que concluíram o Ensino Superior. Em 2013, esse aumento foi de 15,2%, “[…] o que significa que um a cada sete brasileiros concluiu o ensino superior” (INSTITUTO..., 2014, p. 122).

Porém, o acesso da juventude à educação formal apresenta diferenças entre grupos de renda e cor, com desvantagens para aqueles identificados como pardos ou negros, para as mulheres, assim como para os jovens das Regiões Norte, Nordeste, Sul e Centro- Oeste, e aqueles que referem algum tipo de deficiência. Essas populações, que vivenciam condições de maior vulnerabilidade, têm mais dificuldade de acesso à educação formal e, no Ensino Superior, essa diferença se expressa mais significativamente.

Conforme o Censo Escolar de 2016, no Ensino Superior, 1% dos matriculados são pessoas com deficiência e, no Ensino Básico, esse percentual é de 2% (INSTITUTO..., 2016c). É importante ressaltar que o Censo Populacional de 2010 indicou 4,10% de jovens com deficiência3 3 Em 2010, o Brasil tinha 190.755.799 de habitantes e a população de jovens com deficiência entre 18 e 34 anos totalizava 7.839.343 pessoas (INSTITUTO..., 2010). e que, entre estes, 6,7% possuíam diploma de Curso Superior (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, L. M. B. Cartilha do Censo 2010: pessoas com deficiência. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2012. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/cartilha-do-censo-2010-pessoas-com-deficiencia/>. Acesso em: 13 jun. 2016.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
; INSTITUTO..., 2010, 2016a).

Conforme indicado na Figura 1, entre os anos 2000 e 2016, houve aumento de 254% no número de estudantes com deficiência matriculados na Educação Básica e no Ensino Superior, ressaltando que o aumento do número desses ingressantes ocorre a partir do ano 2000.

Figura 1
Evolução de matrículas de pessoas com deficiência na Educação Básica e na Educação Superior.

Esse aumento seguiu entre 2009 e 2015, o que poderia relacionar-se à implementação de programas governamentais, como o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).

O PROUNI, programa do Governo Federal, criado em 2004 e institucionalizado pela Lei n.º 11.096, aumentou a participação de jovens no Ensino Superior, por meio da concessão de bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de Educação Superior. O programa contempla estudantes de baixa renda e destina parte das bolsas a pessoas com deficiência, conforme informação disponibilizada pelo Sistema Informatizado do PROUNI - SISPROUNI (BRASIL, 2005a).

Desde a criação desses programas, houve aumento do número de beneficiados.

As matrículas do PROUNI mantiveram uma tendência de aumento, partindo de cerca de 82 mil bolsistas em 2005 para 440 mil em 2013. Já as matrículas do FIES, por outro lado, sofreram redução de 22% entre 2005 e 2009. Esse movimento de queda parece ter ocorrido devido ao surgimento do PROUNI, em 2005. Porém em 2010 e 2013 há novo aumento nas matrículas do FIES, de160 mil para 910 mil matrículas (TACHIBANA; MENEZES FILHO; KOMATSU, 2015TACHIBANA, T. Y.; MENEZES FILHO, N. A.; KOMATSU, B. K. Ensino superior no Brasil. São Paulo: Insper, 2015. (CPP Policy Paper, 14). Disponível em: <https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2018/09/Ensino-superior-no-Brasil.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2017.
https://www.insper.edu.br/wp-content/upl...
, p. 34).

O maior número de estudantes no Ensino Superior também pode ser influenciado pelo Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que aumentou número de ingressantes nas IFES (BRASIL, 2007).

No entanto, segundo o Censo 2016, o percentual de estudantes com deficiência no Ensino Básico e Superior ainda é baixo, totalizando, respectivamente, 2% e 0,99% do conjunto de ingressantes, mesmo que, na Educação Básica, haja obrigatoriedade de matrícula para crianças com deficiência.

Além do Programa INCLUIR, em 2011, foi instituído o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver Sem Limite, que, no Ensino Superior, fortaleceria o sistema educacional inclusivo, prevendo a ampliação dos Núcleos de acessibilidade em todas as IFES (BRASIL, 2011).

Merece especial destaque a possibilidade de maior número de ingressantes com deficiência nas IES públicas, oportunizada pelo Decreto n.º 9.034/2017, que determinou obrigatória a proporcionalidade entre as vagas reservadas a autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, e a distribuição na unidade federativa da IES, segundo o último Censo Populacional (BRASIL, 2017).

3.2 Acesso e permanência de jovens no Ensino Superior: o Programa INCLUIR

Em 2013, o Programa INCLUIR apresentava 55 IFES com Núcleos de acessibilidade ativos ou em fase de desenvolvimento. Conforme a Tabela 1, 40% deles localizavam-se na Região Sudeste, 22% na Região Nordeste, 16% nas Regiões Norte e Sul, e 6% na Região Centro-Oeste.

Tabela 1
Instituições Federais de Ensino Superior apoiadas pelo Programa INCLUIR, segundo Região, ano de criação do Núcleo e número de alunos matriculados em 2016.

Nos sítios eletrônicos desses Núcleos, não estava indicada sua localização nas IFES ou mesmo contatw para informações. Para 12 deles, foi possível acessar informação pelo sitio eletrônico, e, aos demais 43 Núcleos, foi enviado pedido de informações, via correio eletrônico, aos coordenadores, para localização do responsável pela equipe de trabalho e ano de criação. Obteve-se retorno das informações sobre 16 Núcleos.

A Tabela 1 indica informações de sítios eletrônicos e Censo da Educação Superior 2016, que organiza dados de questionários anuais preenchidos pelas IES, que incluem número de ingressantes, matriculados, concluintes, vagas, financiamento estudantil e recursos de tecnologia assistiva para pessoas com deficiência, entre outras informações.

Os núcleos foram criados entre os anos 2006 e 2018, e 80% iniciaram atividades entre os anos 2006 e 2013 (n=44). Em 24 IFES, as atividades constituíram-se entre os anos 2011 e 2013. O maior número de estudantes com deficiência matriculados ocorreu no ano de 2016.

Mesmo que, em algumas IFES, haja número maior de estudantes com deficiência, como na UFV (2.619 alunos), UFPB (1.394 alunos) e UFRGS (726 alunos), esse número representa menos de 4% do total de estudantes com deficiência de cada IES. Para atender à legislação vigente (Decreto n.º 9.034/2017), seriam necessárias ao menos 4,1% de vagas, visto que, no Censo de 2010, essa era a proporção de brasileiros com deficiência entre 18 e 34 anos, num total de 7.839.344 pessoas com deficiência (INSTITUTO..., 2010). Há, portanto, de se considerar que há um esforço dessas IFES em realizar programas de inclusão, que se mantêm ampliando o número de vagas para EcD.

Segundo as informações disponibilizadas pelos sítios eletrônicos dos Núcleos, todos promoviam ações para acessibilidade arquitetônica. Porém, os relatos das terapeutas ocupacionais entrevistadas4 4 Uma entrevistada atua na Região Nordeste, uma na Região Sudeste e outra na Região Norte do país. indicaram que a acessibilidade física poderia ser de difícil resolução, ainda que existissem recursos disponíveis para realizar adequações, pois a burocratização das licitações atrapalhava ou impedia a efetivação de modificações necessárias.

De maneira geral, as ações desenvolvidas nos programas relacionavam-se às adaptações individuais vinculadas a questões ambientais ou pedagógicas. Eram incipientes as ações dirigidas à comunidade acadêmica, incluindo o debate sobre direitos das pessoas com impedimentos. Na maioria das IFES, as desvantagens sociais não eram discutidas e as ações voltadas a necessidades individuais de adequação estavam focalizadas nas condições clínicas dos sujeitos, sinalizando ênfase em uma abordagem de deficiência pautada no modelo clínico, conforme apontam documentos que viabilizaram os Programas (BRASIL, 1996, 2005b, 2017).

Nesse sentido, com base em Oliver, Barros e Lopes (2005)OLIVER, F. C.; BARROS, D. D.; LOPES, R. E. Estudo sobre a incorporação da terapia ocupacional no contexto das ações de saúde mental e saúde da pessoa com deficiência no Município de São Paulo entre 1989 e 1993. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 31-39, 2005., e em nossas experiências profissionais, vale considerar os déficits na oferta de cuidado em políticas públicas de saúde e reabilitação. Assim, o lugar da clínica pode estar desocupado em razão do precário investimento nas ações de saúde voltadas às pessoas com deficiência, transferindo-as para apoio à educação, cenário especialmente relacionado à apropriação de conhecimento e participação social.

No entanto, as informações disponíveis nos sítios institucionais dos Núcleos privilegiavam melhorar condições para desempenho de atividades acadêmicas; assessorar comissões de curso e docentes; diminuir barreiras de comunicação (pedagógicas, psicológicas, didáticas e sociais), atitudinais e arquitetônicas, assim como aprimorar conhecimentos e técnicas de trabalho com estudantes com deficiência e/ou outras necessidades educacionais.

Alguns Núcleos estavam ligados a centros de pesquisa nas IFES, como os Núcleos das seguintes universidades federais: Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). Assim, as ações realizadas nos programas possibilitariam fomento a novas pesquisas aplicadas, nas quais os estudantes estariam inseridos. Em algumas IFES, os Núcleos funcionavam apoiados por uma comissão de acessibilidade designada por portarias institucionais, em que participavam docentes de áreas diversas das IES, favorecendo a discussão das ações profissionais desses Núcleos, conforme indicaram as informações dos Núcleos das seguintes universidades federais: Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Nas IFES incluídas neste estudo, os Núcleos contavam com coordenadores e outros profissionais atuantes, destacando-se intérpretes de libras e bolsistas universitários, seguidos por pedagogos, psicólogos, fisioterapeutas e tradutores. Em menor proporção, havia profissionais de outras áreas, como em um núcleo com engenheiro, filósofo, fonoaudiólogo e arquiteto. Apenas oito (14,54%) Núcleos contavam com terapeutas ocupacionais.

Notou-se que, ao coordenador do Núcleo, cabia a responsabilidade de viabilizar ações de acessibilidade em todas as dimensões, além de buscar atender às necessidades dos estudantes com deficiência matriculados. Por outro lado, percebeu-se o acompanhamento mais individualizado com a presença de um bolsista/monitor junto a estudantes com deficiência, uma estratégia que, segundo relato das coordenadoras, se configurava eficaz. Contudo, é preciso investigar se esse acompanhamento poderia comprometer a autonomia do estudante, prejudicando sua formação profissional, pois as ações desses acompanhantes devem integrar-se ao conjunto de medidas facilitadoras do processo de aprendizagem acadêmica, considerando a autonomia do estudante diante dos desafios cotidianos. O acompanhante não pode ser o único responsável pelo estudante.

Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), a disponibilidade de instrutor, bem como monitor e cuidados aos estudantes, cabe aos sistemas de Ensino. Tutoria também é realidade em sistemas de ensino internacionais e foi relatado por autores, tais como Siew et al. (2017)SIEW, C. T. et al. A specialist peer mentoring program for university students on the autism spectrum: a pilot study. PLoS One, San Francisco, v. 12, n. 7, p. 1-18, 2017., Asgari e Carter Junior (2016)ASGARI, S.; CARTER JUNIOR, F. J. Peer mentors can improve academic performance: a quasi-experimental study of peer mentoring in introductory courses. Teaching of Psychology, Columbia, v. 43, n. 2, p. 131-135, 2016. http://dx.doi.org/10.1177/0098628316636288.
http://dx.doi.org/10.1177/00986283166362...
, Rodger e Tremblay (2003)RODGER, S.; TREMBLAY, T. The effects of a peer mentoring program on academic success among first year univeristy students. The Canadian Journal of Higher Education, Toronto, v. 33, n. 3, p. 1-18, 2003., Collings, Swanson e Watkins (2014)COLLINGS, R.; SWANSON, V.; WATKINS, R. The impact of peer mentoring on levels of student wellbeing, integration and retention: a controlled comparitive evaluation of residential students in UK higher education. Higher Education, Amsterdam, v. 68, n. 6, p. 927-942, 2014. http://dx.doi.org/10.1007/s10734-014-9752-y.
http://dx.doi.org/10.1007/s10734-014-975...
e Crisp (2010)CRISP, G. The impact of mentoring on the success of community college students. The Review of Higher Education, Baltimore, v. 34, n. 1, p. 39-60, 2010. http://dx.doi.org/10.1353/rhe.2010.0003.
http://dx.doi.org/10.1353/rhe.2010.0003...
. Peermentoring, a tutoria por pares, foi relatada por Siew et al. (2017) como uma ação que demonstrou melhorar o desempenho acadêmico, diminuir o estresse associado à transição ao Ensino Superior, aumentar relatos de bem-estar e permanência. O mesmo estudo também aponta que, embora o programa incentivasse a independência dos estudantes, “[…] há uma possível limitação de modelo no que diz respeito, em particular, ao potencial de dependência excessiva” (SIEW et al., 2017SIEW, C. T. et al. A specialist peer mentoring program for university students on the autism spectrum: a pilot study. PLoS One, San Francisco, v. 12, n. 7, p. 1-18, 2017., p. 11).

O Programa INCLUIR indicou ter cumprido seu papel de “[…] implementação da política de acessibilidade e efetivação das relações de ensino, pesquisa e extensão na área” (BRASIL, 2010a, p. 52) e que, após 2010, último ano de fomento, houve mudanças de organização com sua migração para novas coordenações vinculadas à Assistência Estudantil5 5 O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), reconhecido pelo Decreto n.º 7.234, de 19 de julho de 2010, pretende ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal (BRASIL, 2010b). , as quais dispunham de recursos para custeio de profissionais especializados, adaptação arquitetônica e bolsistas para acompanhamento individual de EcD, considerados fatores preponderantes para o sucesso dos programas. Dentre esses fatores, ressaltam-se, principalmente, as Bolsas Permanência, que foram associadas à manutenção do acompanhamento de EcD, uma forma de sobrevivência dos programas.

A acessibilidade atitudinal também foi sinalizada como tema a ser trabalhado na intervenção com docentes, reitoria ou discentes dos demais cursos. O Documento Orientador do Programa refere que o financiamento das condições de acessibilidade deveria integrar os custos gerais com o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão, e que cada IES estabeleceria uma política de acessibilidade para inclusão das pessoas com deficiência. Nesse sentido, os Núcleos realizaram tentativas de organização, porém não é possível associá-las a aumento no número de estudantes com deficiência nessas universidades, conforme previsto no edital (BRASIL, 2013).

Para melhor visualizar esse cenário, foi organizada a Tabela 2, considerando-se alunos com deficiência matriculados em IES públicas e privadas nos Estados com Núcleos participantes deste estudo.

Tabela 2
Estudantes com e sem deficiência matriculados, segundo Estados, Região e tipo de instituição.

A maior parte dos estudantes matriculados e concluintes do Ensino Superior no Brasil estudava em Instituições Privadas, que respondiam por 58% das matrículas, enquanto que aqueles em Instituições Públicas representavam 42%. Merece destaque o Estado da Paraíba, no qual as matrículas de pessoas com deficiência eram em maior número nas instituições públicas, representando 81% dos EcD matriculados. Além disso, esse era o estado com maior percentual de EcD (1,49%) em relação à totalidade de matriculados. No Estado de Sergipe, 54% dos estudantes com deficiência também estavam nessa modalidade de ensino.

De forma geral, as IFES tinham baixo percentual de estudantes declarados com deficiência matriculados, indicando que os Núcleos apoiados pelo Programa deveriam considerar as dificuldades de acesso dos estudantes ao ensino público, em especial, daqueles com deficiência.

É importante ressaltar o apoio dos programas específicos de acesso e permanência no Ensino Superior para os matriculados nas IES particulares, no intuito de favorecer também estudantes com deficiências. Em 2013, 1.497.225 bolsistas foram contemplados pelo PROUNI e 10.340 destes tinham deficiência, o que, no entanto correspondia a 0,69% dos bolsistas (BRASIL, 2018). Na Tabela 2, observa-se que apenas 0,47% dos jovens brasileiros matriculados no Ensino Superior tinham deficiência e, entre estes, 0,19% estavam em instituições públicas e 0,27%, em instituições privadas.

Sabe-se que não se trata apenas de garantir matrícula. Assim como em outros níveis educacionais, é fundamental prover apoios para acesso, permanência e aproveitamento dos estudantes de maneira geral e, em especial, para aqueles com deficiência, o que o Programa INCLUIR já previa.

3.3 A terapia ocupacional nas IFES e o Programa INCLUIR

A graduação em terapia ocupacional nas IFES foi ampliada, principalmente, pelo Programa REUNI. Entre os anos 2006 e 2011, foram criados nove cursos de graduação e 10 ampliaram suas vagas, o que favoreceu sua integração em programas de acesso e permanência no Ensino Superior (BRASIL, 2007).

Segundo informações da RENETO, em 2017, havia16 cursos de graduação ministrados em IFES e 14 sediavam-se em instituições participantes do Programa INCLUIR.

Entre as IFES com graduação respondentes, oito (57%) tinham participação do terapeuta ocupacional nos programas institucionais. Em três delas, a coordenadora do núcleo era terapeuta ocupacional (UFMG, UFPB e UFPA). Em outras cinco IFES (UNIFESP, UFSCar, UFRJ, UFPR, UFPEL), terapeutas ocupacionais participavam do colegiado de apoio e desenvolvimento do Núcleo.

No caso da UFPR, o terapeuta ocupacional era um professor designado pelo departamento para consultoria ao programa, quando solicitada. Nas universidades UFRJ, UFSCar e UFPEL, havia participação de estudantes de graduação, que acompanhavam os EcD, por meio de ação técnica, durante estágios curriculares ou ainda quando desenvolviam atividades de pesquisa sobre a temática da inclusão.

Nas cinco IFES (UFES, UFSM, UFTM, UFS, UFPE) que referiram não participar do programa, duas informaram não ter havido solicitação institucional. Em uma delas, o programa estava situado em campus diferente daquele em que se realiza a graduação, e duas não tinham disponibilidade de docentes para realizar atividades exclusivas no Programa. No entanto, todas IFES reconheceram a importância da participação do departamento nesse Programa e tinham projetos futuros para iniciar ou ampliar a intervenção.

No que diz respeito à formação profissional voltada ao campo da Educação, na Tabela 3, pode-se observar a presença de nove disciplinas de graduação, que se intitulam e têm em suas ementas temáticas relacionadas à inclusão, sendo sete delas obrigatórias e duas eletivas.

Tabela 3
Componentes curriculares relacionados a Inclusão e Educação.

Em seis das 14 IFES estudadas, a disciplina Língua Brasileira de Sinais aparecia como optativa ou eletiva no curso de terapia ocupacional. As disciplinas que traziam termos relacionados a “Próteses e órteses” e “Tecnologia Assistiva” integravam os currículos dos 14 cursos pesquisados e, ainda que pudessem discutir a temática da deficiência, o estudo dessas ementas não localizou a temática da educação.

Assim, é possível considerar que os cursos estudados podem não discutir, em disciplinas ou em sua matriz, a temática da educação e as pessoas com deficiência, bem como a importância da intervenção do terapeuta ocupacional em equipes relacionadas ao tema. Essa lacuna talvez explique por que, em 47 IFES que possuíam o Núcleo, não havia participação de terapeuta ocupacional em suas atividades, ou mesmo naquelas que possuíam cursos de graduação.

Considerando-se a possibilidade de que atividades de pesquisa fossem incorporadas à formação graduada em terapia ocupacional, foram coletadas informações sobre os grupos de pesquisa em atividade nas IFES.

Foram localizados 62 grupos de pesquisa nas 14 IES com graduação em terapia ocupacional e esses grupos não contavam necessariamente com participação de pesquisadores desses cursos.

A área de conhecimento predominante nos grupos era Educação (56% n=35 grupos), seguida pela Educação Física (13% n=8 grupos). Em Fisioterapia/Terapia Ocupacional e Letras/Linguística, contabilizavam-se 6% (n=3 grupos). A área de Ciência de Informação teve 5% (n=3 grupos), de Psicologia 3% (n=2 grupos) dos grupos válidos, enquanto que as áreas de Arquitetura e Urbanismo, Antropologia, Artes, Fonoaudiologia, Filosofia e Matemática tiveram cada uma 2% (n=1 grupo) dos grupos válidos.

As IES com maior número de grupos de pesquisa na temática foram UFSCar, UFSM e UFPB, com nove grupos, seguidas pela UFPE, com sete grupos.

Os quatro grupos de pesquisa vinculados à terapia ocupacional foram: Núcleo de Tecnologia Assistiva, Acessibilidade e Inovação (NTAAI) (UnB); Ergonomia no espaço das pessoas com necessidades especiais (UFPB); Terapia Ocupacional e Tecnologia Assistiva em diferentes contextos (UFRJ), e SACI ‒ Saúde e Cidadania: processos de vulnerabilidades e possibilidades de intervenção (UFTM).

Consideramos que os currículos e os grupos de pesquisa podem ser ampliados, conforme a necessidade das pessoas a serem atendidas pela terapia ocupacional. Como, anteriormente, a pessoa com deficiência tinha maior dificuldade de acesso ao Ensino Superior, essa realidade não era um tema presente na graduação do profissional. Porém, os cursos mais recentes já contavam com grupos de pesquisa sobre essa temática.

As coordenadoras entrevistadas dos Programas das universidades UFPB, UFMG e UFPA sinalizaram um diferencial para aqueles que contavam com a terapia ocupacional. Na Tabela 4, são apresentadas suas visões sobre a ação técnica e as contribuições para desenvolvimento dos Núcleos, bem como as perspectivas teóricas que fundamentavam os apoios e atividades que realizavam.

Tabela 4
Ação técnica e perspectivas teóricas da participação de terapeutas ocupacionais nos Núcleos, segundo terapeutas ocupacionais coordenadores de grupos.

As entrevistadas apontaram ações técnicas para ampliar a visão do contexto da inclusão para além dos pilares da acessibilidade física. Observaram a presença do jovem no Ensino Superior como um aspecto a ser desenvolvido e vislumbravam ações para além da obrigatoriedade legal de acesso, com destaque para aspectos relacionados a facilitar a equiparação de oportunidades e a funcionalidade do jovem na Universidade.

Nesse contexto, é possível considerar a importância do oferecimento de suportes para as pessoas com deficiência no ambiente educacional, o que, conforme defendido por Aranha (2003)ARANHA, M. S. F. Trabalho e emprego: instrumento de construção da identidade pessoal e social. São Paulo: Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003., possibilitaria efetivar os processos inclusivos escolares. Essa perspectiva, definida pela autora como paradigma de suportes, pressupõe disponibilizar instrumentos que garantam o acesso imediato a todo e qualquer recurso da comunidade. Assim, há necessidade de efetivar medidas de equiparação para possibilitar a participação das pessoas com deficiência em qualquer etapa da escolarização. Os suportes podem ser de diferentes tipos (social, econômico, físico e instrumental) e neles estão previstas intervenções decisivas e afirmativas, não só no processo de desenvolvimento do sujeito, mas também no processo de adaptação do contexto da pessoa com deficiência, considerando seu território e comunidade de pertencimento.

Outra perspectiva a ser considerada, nas propostas de inclusão, é o ponto de vista sobre acessibilidade apresentado por Sassaki (1997)SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: Wva, 1997., que indica seis dimensões inclusivas: Arquitetônica (sem barreiras físicas); Comunicacional (sem barreiras na comunicação entre pessoas); Metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer, trabalho educação, entre outros campos); Instrumental (sem barreiras nos instrumentos, ferramentas e utensílios de trabalho, entre outras); Programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas, entre outras); Atitudinal (sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para com as pessoas com deficiência).

Quanto às perspectivas teóricas apontadas pelas terapeutas ocupacionais, observou-se uma tendência à busca de bases teóricas da prática clínica para o desenvolvimento das ações nos Núcleos. As bases da clínica podem ser usadas porque essa expertise profissional faria com que terapeutas ocupacionais fizessem diferença na atenção a EcD, favorecendo sua participação nas experiências de ensino. No entanto, é preciso reconhecer que as bases da clínica, muitas vezes pautadas em saberes construídos prioritariamente a partir do modelo biomédico, precisam ir além deste, com o devido cuidado para não transformar a Universidade no espaço da clínica do jovem com deficiência, o que poderia ocorrer em situações identificadas pelas coordenadoras de Núcleo.

As perspectivas teóricas apontadas pelas entrevistadas relacionavam-se às vertentes teóricas do modelo da ocupação humana e da ciência ocupacional, seja pelo uso de instrumentos padronizados, tais como o Cognitive Orientation to Daily Occupational Performance (CO-OP), ou ainda por instrumentos criados no contexto dos programas, baseados na linguagem da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).

As profissionais revelaram uma visão prática de suas atribuições para reconhecer habilidades que exigiam avaliação por meio de instrumentos padronizados e, simultaneamente, apresentavam falas sensíveis ao que era individual, em particular às histórias de vida do estudante. O uso de padronizações, em busca de uma linguagem comum, daria voz e vez à ação técnica do profissional diante dos demais membros da equipe. Vale destacar que, nos casos estudados, as ocupações dos estudantes eram um dos focos da ação do profissional para apoiar os estudantes.

Parecia haver uma compreensão por parte tanto dos fomentos governamentais como das ações produzidas nas IFES de que o apoio ao estudante deveria ser clínico, localizando processos de inclusão na corporalidade da pessoa com deficiência. Ou seja, a pessoa com deficiência estaria em melhor condição de participação social caso não tivesse problemas de mobilidade, por exemplo. Sabe-se que isso não é verdadeiro. Na medida em que os apoios se limitam às pessoas com deficiência, pouca intervenção foi identificada para mudanças nos processos pedagógicos (material didático, estratégias de ensino docentes) e comunicacionais, nas formas de interação entre os distintos atores institucionais, ou ainda outros apoios independentes da presença da deficiência.

Nos discursos a que se teve acesso neste estudo, bem como no Documento Orientador do Programa INCLUIR, há elementos relacionados a uma perspectiva de normalização do estudante, de prioridades ao custeio de adequações arquitetônicas, mobiliário e contratação de profissionais para língua auxiliar (LIBRAS). Rodrigues e Faria (2017RODRIGUES, M. C.; FARIA, P. R. Políticas públicas de educação inclusiva: uma análise do programa “incluir” e seus desdobramentos. In: JUBILUT, L. L.; FRINHANI, F. M. D.; LOPES, R. O. (Ed.). Direitos humanos e vulnerabilidade em políticas públicas. Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2017. p. 53-66., p. 64) indicam que houve, inclusive, um

[…] descompasso entre a crescente exigência da legislação protética e as exíguas condições de materialização desta produção, bem como uma descontinuidade das políticas públicas e insuficiência dos recursos disponíveis.

4 Considerações Finais

O estudo contribuiu para conhecer o Programa INCLUIR, considerando-o parte de ações afirmativas para subsidiar acesso, permanência e participação de um segmento ainda pouco expressivo na realidade universitária do país.

No entanto, a diminuição ou supressão de verbas para o Programa dificultaram sua manutenção e limitaram a permanência dos universitários nas IFES, mesmo que algumas delas tenham mantido as atividades dos Núcleos com verba própria ou deslocando-os para departamentos de Assistência Estudantil.

O fato de o Programa restringir-se às IFES, cabendo às demais instituições (estaduais, municipais ou particulares) deliberarem sobre desenvolvimento de programas próprios, reflete-se nas possibilidades de permanência da maior parte dos universitários com deficiência. Nas instituições privadas, está matriculado o maior número de pessoas com deficiência, provavelmente pela facilidade de acesso a vestibulares, bolsas de estudo por cota social ou aquelas oferecidas pelo PROUNI. Espera-se que essa realidade seja modificada a partir do Decreto n.º 9.034/2017, que prevê vagas para pessoas com deficiência nas IES públicas.

Por outro lado, a potência e as dificuldades do Programa INCLUIR indicaram a importância de se reconhecer como os seus interlocutores têm lidado com a dinâmica cotidiana da participação dos EcD para além da acessibilidade arquitetônica.

Mesmo nas IFES que ministravam curso de terapia ocupacional, não foi frequente sua participação nos Núcleos. Percebeu-se que as estratégias para aproximação de estudantes e viabilização de medidas de equiparação utilizadas pelas profissionais entrevistadas apoiavam-se em sua formação, consideravam a análise ampla das ocupações da pessoa com deficiência, a capacidade de planejar estratégias de acesso a recursos e o apoio à família e aos docentes e funcionários nas IFES. Nesse sentido, o terapeuta ocupacional poderia contribuir para que o Programa pudesse envolver-se em diferentes aspectos da vida cotidiana no Ensino Superior.

Porém, há de se discutir, que se esperava que o profissional oferecesse apoios que não tomassem como base o imperativo da dimensão individual do acesso e permanência, ou seja, uma ação para além da adaptação dos estudantes às novas situações, mas que considerasse que os processos de inclusão exigem mudanças na dinâmica da vida universitária, por vezes gerando resistências e conflitos. Mudanças estas que incluíssem revisão de material didático, estratégias metodológicas operadas por professores, processos comunicacionais e de possibilidades de participação dos estudantes em atividades da vida universitária para além da sala de aula.

O estudo indicou que a formação desse profissional para atuar em Educação e Deficiência era incipiente nas IFES, com pequeno número de disciplinas, grupos de pesquisa e práticas profissionais relacionados ao tema, o que se pode relacionar ao acesso recente de EcD ao Ensino Superior.

É importante que os currículos de terapia ocupacional possibilitem estudos sobre Educação e Deficiência em diversos segmentos da vida escolar. Esses temas deveriam ser tratados nos anos iniciais de formação, o que levaria estudantes e docentes a refletir sobre as condições de outros jovens na Universidade, e contribuiria para aumentar as possibilidades de que terapeutas ocupacionais participassem em equipes das IES e nos demais segmentos de ensino.

No Programa, não foram observadas dimensões da vida universitária, exteriores à sala de aula, que traduzissem enfrentamento de dinâmicas implicadas na produção social da deficiência. A prioridade a questões de infraestrutura pode obscurecer processos institucionais mais complexos para lidar com a diversidade de problemas, expectativas e possibilidades de participação de EcD, favorecendo perspectivas mais normalizadoras para sua participação e permanência no Ensino Superior, e desconsiderando, dessa forma, a diversidade de habilidades e necessidades de adaptação não contempladas no Programa.

Assim, debates são essenciais para identificar e enfrentar as desigualdades e opressões presentes também na experiência da vida universitária, fortalecendo os sujeitos, suas escolhas, seu percurso profissional e suas formas de estar no mundo.

As reflexões possibilitadas pelo estudo sinalizam a necessidade de aprofundar debates sobre os programas em andamento, considerando também as contribuições de estudos etnográficos com os jovens no Ensino Superior para se aproximar daquilo que lhes dá sentido à vida universitária.

References

Notas

  • 1
    O texto é parte do estudo de doutorado intitulado “Trajetória de vida de jovens e adultos com deficiência: Contribuições da Terapia Ocupacional no Ensino Universitário” realizado por Lilian de Fatima Zanoni Nogueira, sob orientação de Fátima Corrêa Oliver, no Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade de Sorocaba sob o parecer de número 2.073.616.
  • 2
    As questões enviadas aos coordenadores das IFES que ministram graduação em Terapia Ocupacional trataram sobre: Ação Desenvolvida pelo curso no programa de inclusão de alunos com deficiência da IFES; Atividades desenvolvidas pelo curso no programa ou motivos que levaram a não participação do curso no mesmo, e uma questão aberta sobre outras informações consideradas pertinentes.
  • 3
    Em 2010, o Brasil tinha 190.755.799 de habitantes e a população de jovens com deficiência entre 18 e 34 anos totalizava 7.839.343 pessoas (INSTITUTO..., 2010).
  • 4
    Uma entrevistada atua na Região Nordeste, uma na Região Sudeste e outra na Região Norte do país.
  • 5
    O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), reconhecido pelo Decreto n.º 7.234, de 19 de julho de 2010, pretende ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal (BRASIL, 2010b).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2018
  • Revisado
    04 Set 2018
  • Aceito
    24 Set 2018
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