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Percepção dos pais sobre hipersensibilidade auditiva de crianças com sinais clínicos de risco para o Transtorno do Espectro do Autismo1 1 Este artigo foi redigido como parte da Dissertação de Mestrado intitulada “Análise da avaliação audiológica e de hipersensibilidade em crianças com risco para o transtorno do espectro autista”, da autora Krisia Thayná Lima da Costa, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, defendida no ano de 2021.

Resumo

Objetivo

Averiguar a ocorrência e o tipo de hipersensibilidade auditiva em crianças com sinais clínicos de Transtorno do Espectro do Autismo por meio do relato dos pais no contexto da pandemia da COVID-19.

Método

Trata-se de um estudo transversal e descritivo, composto por pais de 11 crianças com sinais clínicos de risco para Transtorno do Espectro do Autismo. As crianças eram de ambos os sexos, com média de 44,8 meses de idade. Os pais responderam, por meio de contato telefônico, a um questionário, previamente validado, sobre comportamentos de hipersensibilidade auditiva de seus filhos. Foi considerado como sinalizador de hipersensibilidade a pontuação igual ou superior a oito pontos no escore geral.

Resultados

63,6% das crianças apresentaram resultado indicativo de hipersensibilidade e 54,5% obtiveram pontuação máxima nas questões relacionadas à irritabilidade a sons específicos. Os sons citados como geradores de irritabilidade foram: palmas, fogos, gritos, ferramentas de construção, canto e toque de celular.

Conclusão

Constatou-se ocorrência de hipersensibilidade auditiva, especialmente relacionada à irritabilidade, o que sugere relação com o sistema límbico e, portanto, pode remeter à misofonia. Assim, torna-se importante a equipe multidisciplinar atentar-se à ocorrência e a características de hipersensibilidade dessa população, a fim de maximizar condições favoráveis à reabilitação.

Palavras-chave:
Hiperacusia; Transtornos da Percepção Auditiva; Transtorno do Espectro Autista; Criança

Abstract

Objective

To investigate the occurrence and type of auditory hypersensitivity in children with clinical signs of Autism Spectrum Disorder through parents' reports in the context of the COVID-19 pandemic.

Method

This is a cross-sectional and descriptive study, composed of parents of 11 children with clinical signs of risk for Autism Spectrum Disorder. The children were of both sexes, with a mean age of 44.8 months. Parents answered a previously validated questionnaire about their children's auditory hypersensitivity behaviors by telephone. A score equal to or greater than eight points in the general score was considered as a sign of hypersensitivity.

Results

63.6% of the children presented results indicative of hypersensitivity and 54.5% obtained maximum scores on questions related to irritability to specific sounds. The sounds cited as generating irritability were: clapping, fireworks, shouting, construction tools, singing and cell phone ringtones.

Conclusion

Auditory hypersensitivity was observed, especially related to irritability, which suggests a relationship with the limbic system and, therefore, may refer to misophonia. Thus, it is important for the multidisciplinary team to pay attention to the occurrence and characteristics of hypersensitivity in this population, in order to maximize favorable conditions for rehabilitation.

Keywords:
Hyperacusis; Auditory Perceptual Disorders; Autism Spectrum Disorder; Child

Introdução

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é definido, de acordo com a versão mais recente do Manual de Diagnóstico e Estatísticas dos Transtornos Mentais (DSM-V), como um transtorno do neurodesenvolvimento que implica em danos na comunicação e interação social, além de padrões restritos de comportamento, as chamadas estereotipias (American Psychiatric Association, 2014American Psychiatric Association – APA. (2014). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5). Porto Alegre: Artmed.). Adicionalmente, o referido manual indica como manifestações frequentes a hiper ou hiporresponsividade aos estímulos sensoriais.

Nessa perspectiva, estudos evidenciaram que mais de 40% das crianças com TEA possuem algum transtorno do processamento sensorial (Ben-Sasson et al., 2009Ben-Sasson, A., Carter, A. S., & Briggs-Gowan, M. J. (2009). Sensory over-responsivity in elementary school: prevalence and social-emotional correlates. Journal of Abnormal Child Psychology, 37(5), 705-716. http://dx.doi.org/10.1007/s10802-008-9295-8.
http://dx.doi.org/10.1007/s10802-008-929...
; Schaaf et al., 2014Schaaf, R. C., Benevides, T., Mailloux, Z., Faller, P., Hunt, J., Van Hooydonk, E., Freeman, R., Leiby, B., Sendecki, J., & Kelly, D. (2014). An intervention for sensory difficulties in children with autism: a randomized trial. Journal of Autism and Developmental Disorders, 44(7), 1493-1506. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-013-1983-8.
http://dx.doi.org/10.1007/s10803-013-198...
; Tyler et al., 2014Tyler, R. S., Pienkowski, M., Roncancio, E. R., Jun, H. J., Brozoski, T., Dauman, N., Coelho, C. B., Andersson, G., Keiner, A. K., Cacace A. T., Martin, N., & Moore, B. C. J. (2014). A review of hyperacusis and future directions: part I. Definitions and manifestations. American Journal of Audiology,23(4), 402-419. http://dx.doi.org/1044/2014_AJA-14-0010.
http://dx.doi.org/1044/2014_AJA-14-0010...
; Tyler et al., 2015Tyler, R. S., Pienkowski, M., Roncancio, E. R., Jun, H. J., Schaaf, R. C., & Lane, A. E. (2015). Toward a best-practice protocol for assessment of sensory features in ASD. Journal of Autism and Developmental Disorders, 45(5), 1380-1395. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-014-2299-z.
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), podendo alcançar estimativas de até 90% (Leekam et al., 2007Leekam, S. R., Nieto, C., Libby, S. J., Wing, L., & Gould, J. (2007). Describing the sensory abnormalities of children and adults with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(5), 894-910. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-006-0218-7.
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); tais alterações apresentam estreita ligação com as estereotipias e comportamentos inadequados (Boyd et al., 2009Boyd, B. A., McBee, M., Holtzclaw, T., Baranek, G. T., & Bodfish, J. W. (2009). Relationships among repetitive behaviors, sensory features, and executive functions in high functioning autism. Research in Autism Spectrum Disorders, 3(4), 959-966. http://dx.doi.org/10.1016/j.rasd.2009.05.003.
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; Boyd et al., 2010Boyd, B. A., Baranek, G. T., Sideris, J., Poe, M. D., Watson, L. R., Patten, E., & Miller, H. (2010). Sensory features and repetitive behaviors in children with autism and developmental delays. Autism Research, 3(2), 78-87. http://dx.doi.org/10.1002/aur.124.
http://dx.doi.org/10.1002/aur.124...
; Caminha & Lampreia, 2012Caminha, R. C., & Lampreia, C. (2012). Findings on sensory deficits in autism: implications for understanding the disorder. Psychology & Neuroscience, 5(2), 231-237. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-32882012000200014.
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). Especificamente em relação às alterações sensoriais auditivas, estudos prévios apresentaram ampla variabilidade de prevalência, com resultados de 15% a 100% (Khalfa et al., 2004Khalfa, S., Bruneau, N., Rogé, B., Georgieff, N., Veuillet, E., Adrien, J. L., Barthélémy, C., & Collet, L. (2004). Increased perception of loudness in autism. Hearing Research, 198(1-2), 87-92. http://dx.doi.org/10.1016/j.heares.2004.07.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.heares.2004....
; Gomes et al., 2008Gomes, E., Pedroso, F. S., & Wagner, M. B. (2008). Auditory hypersensitivity in the autistic spectrum disorder. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 20(4), 279-284. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400013.
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; Bhatara et al., 2013Bhatara, A., Quintin, E. M., Fombonne, E., & Levitin, D. J. (2013). Early sensitivity to sound and musical preferences and enjoyment in adolescents with autism spectrum disorders. Psychomusicology: Music, Mind, and Brain, 23(2), 100-108. http://dx.doi.org/10.1037/aOO33754.
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; Danesh et al., 2015Danesh, A. A., Lang, D., Kaf, W., Andreassen, W. D., Scott, J., & Eshraghi, A. A. (2015). Tinnitus and hyperacusis in autism spectrum disorders with emphasis on high functioning individuals diagnosed with Asperger’s Syndrome. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, 79(10), 1683-1688. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2015.07.024.
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).

Assim, a hipersensibilidade auditiva se configura como uma percepção anormal do som, a qual pode causar impacto em diferentes situações do cotidiano, como nas atividades sociais e de lazer (Aazh et al., 2016Aazh, H., Moore, B. C., Lammaing, K., & Cropley, M. (2016). Tinnitus and hyperacusis therapy in a UK National Health Service audiology department: Patients’ evaluations of the effectiveness of treatments. International Journal of Audiology, 55(9), 514-522. http://dx.doi.org/10.1080/14992027.2016.1178400.
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). No entanto, é importante ressaltar que tal condição pode ser manifestada e definida de diferentes formas. Na literatura, há três principais nomenclaturas descritas: a misofonia, uma irritabilidade a sons específicos; fonofobia, que consiste em medo a determinados sons; e, ainda, a hiperacusia, caracterizada pelo aumento anormal da sensibilidade do som (Aazh et al., 2014Aazh, H., McFerran, D., Salvi, R., Prasher, D., Jastreboff, M., & Jastreboff, P. (2014). Insights from the first international conference on hyperacusis: causes, evaluation, diagnosis and treatment. Noise & Health, 16(69), 123-126. http://dx.doi.org/10.4103/1463-1741.132100.
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). Além disso, a hipersensibilidade também pode estar associada ao fenômeno auditivo de recrutamento em indivíduos com perda auditiva (Sanchez et al., 1999Sanchez, T. G., Pedalini, M. E. B., & Bento, R. F. (1999). Hiperacusia: artigo de revisão. Arq. Fund. Otorrinolaringol, 3(4), 184-188.).

Diante disso, os testes psicoacústicos são considerados padrão-ouro para identificação da hipersensibilidade auditiva (Tyler et al., 2014Tyler, R. S., Pienkowski, M., Roncancio, E. R., Jun, H. J., Brozoski, T., Dauman, N., Coelho, C. B., Andersson, G., Keiner, A. K., Cacace A. T., Martin, N., & Moore, B. C. J. (2014). A review of hyperacusis and future directions: part I. Definitions and manifestations. American Journal of Audiology,23(4), 402-419. http://dx.doi.org/1044/2014_AJA-14-0010.
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). Contudo, em virtude da convivência diária em diferentes contextos familiares, são os pais quem primeiro suspeitam de uma alteração e, geralmente, suas suspeitas são acuradas e verdadeiras. Nesse sentido, entrevistas com os pais de crianças com TEA são fontes de dados importantes (Coonrod & Stone, 2004Coonrod, E. E., & Stone, W. L. (2004). Early concerns of parents of children with autistic and nonautistic disorders. Infants and Young Children, 17(3), 258-268. http://dx.doi.org/10.1097/00001163-200407000-00007.
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).

Uma revisão sistemática (Stefanelli et al., 2020Stefanelli, A., Zanchetta, S., & Furtado, E. F. (2020). Auditory hyper-responsiveness in autism spectrum disorder, terminologies and physiological mechanisms involved: systematic review. CoDAS, 32(3), 1-9. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018287.
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), uma revisão de escopo (Potgieter et al., 2020Potgieter, I., Fackrell, K., Kennedy, V., Crunkhorn, R., & Hoare, D. J. (2020). Hyperacusis in children: a scoping review. BMC Pediatrics, 20(319), 1-13. http://dx.doi.org/10.1186/s12887-020-02223-5.
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) e uma revisão sistemática com meta-análise (Williams et al., 2021Williams, Z. J., Suzman, E., & Woynaroski, T. G. (2021). Prevalence of decreased sound tolerance (hyperacusis) in individuals with autism spectrum disorder: a meta-analysis. Ear and Hearing, 42(5), 1137-1150. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001005.
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) recentes revelaram que questionários, associados ou não a entrevistas estruturadas, têm sido os instrumentos mais comuns na investigação da frequência de hipersensibilidade auditiva. Dentre tais instrumentos, destaca-se o questionário proposto por Coelho et al. (2007)Coelho, C. B., Sanchez, T. G., & Tyler, R. S. (2007). Hyperacusis, sound annoyance, and loudness hypersensitivity in children. Progress in Brain Research, 166, 169-178. http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6123(7)66015-4.
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, utilizado por diferentes estudos, tanto em sua forma original quanto em versões adaptadas.

Com o uso do questionário supracitado na investigação de crianças entre quatro e sete anos com desenvolvimento típico, a hiperacusia foi diagnosticada em 13,8% da casuística e os resultados apontaram o uso de frases mais curtas por crianças com hiperacusia, além de um possível efeito dessa condição no acesso lexical (Ralli et al., 2018Ralli, M., Greco, A., Altissimi, G., Tagliaferri, N., Carchiolo, L., Turchetta, R., Fusconi, M., Polimeni, A., Cianfrone, G., & Vincentiis, M. (2018). Hyperacusis in children: a preliminary study on the effects of hypersensitivity to sound on speech and language. The International Tinnitus Journal, 22(1), 10-18. http://dx.doi.org/10.5935/0946-5448.20180002.
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). Ao considerar crianças com risco para o TEA, a possibilidade da influência da hiperacusia pode ser extrapolada para todo o processo de diagnóstico e intervenção multiprofissional.

Em cenários desafiadores, como o contexto pandêmico da COVID-19, crianças com TEA apresentam diversas particularidades para enfrentar as mudanças em rotinas seguras e confortáveis (Houting, 2020Houting, J. (2020). Stepping out of isolatin: autistic people and Covid-19. Autism in Adulthood, 2(2), 103-105. http://dx.doi.org/10.1089/aut.2020.29012.jdh.
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), sendo importante adotar medidas e estratégias de intervenção (Fernandes et al., 2021Fernandes, A. D. S. A., Speranza, M., Mazak, M. S. R., Gasparini, D. A., & Cid, M. F. B. (2021). Everyday challenges and caring possibilities for children and adolescents with Autistic Spectrum Disorder (ASD) in the face of COVID-19. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, 1-12. http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoar2121.
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). Por outro lado, tal condição pode ser oportuna à observação do comportamento pelos pais, tendo em vista a possibilidade de maior tempo convivência durante o período de isolamento social e suspensão de atendimentos clínicos eletivos.

Embora o TEA tenha sido estudado ao longo dos anos, assim como suas alterações perceptuais, não foram encontradas evidências na literatura que determinam o tipo de hipersensibilidade presente nesta população. Tal dado é importante para compreender como ocorre essa alteração, bem como para fornecer aos pais e cuidadores estratégias de intervenção e melhor qualidade de vida. Diante disso, tendo como referenciais estudos que evidenciaram alteração do sistema límbico, relacionado às emoções, em crianças com TEA (Haznedar et al., 2000Haznedar, M. M., Buchsbaum, M. S., Wei, T. C., Hof, P. R., Cartwright, C., Bienstock, C. A., & Hollander, E. (2000). Limbic circuitry in patients with autism spectrum disorders studied with positron emission tomography and magnetic resonance imaging. The American Journal of Psychiatry, 157(12), 1994-2001. http://dx.doi.org/10.1176/appi.ajp.157.12.1994.
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; Stigler et al., 2011Stigler, K. A., McDonald, B. C., Anand, A., Saykin, A. J., & McDougle, C. J. (2011). Structural and functional magnetic resonance imaging of autism spectrum disorders. Brain Research, 1380, 146-161. http://dx.doi.org/10.1016/j.brainres.2010.11.076.
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), a hipótese elencada é que os pais percebem no cotidiano comportamentos de hipersensibilidade auditiva do tipo misofonia, com irritabilidade a sons específicos e consequente impacto nas situações de vida diária. Adicionalmente, hipotetizamos que, durante o período de isolamento social decorrente da pandemia da COVID-19, tais comportamentos poderiam ser minimizados, uma vez que as crianças possivelmente ficaram por mais tempo em ambientes controlados e tiveram menor exposição em ambientes externos.

Portanto, ao considerar que a audição é uma das entradas sensoriais do corpo humano, essencial para o desenvolvimento da linguagem oral, este estudo teve como objetivo averiguar a ocorrência e o tipo de hipersensibilidade auditiva em crianças com sinais clínicos de TEA por meio do relato dos pais no contexto da pandemia da COVID-19.

Método

Trata-se de um estudo observacional e transversal realizado com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa de uma Universidade Federal, parecer nº 4.378.709. O desenho transversal é o mais relevante quando há interesse em medidas de frequência de ocorrência, com foco no número de eventos existentes (Kesmodel, 2018Kesmodel, U. S. (2018). Cross-sectional studies - what are they good for? Acta Obstetricia et Gynecologica Scandinavica, 97(4), 388-393. http://dx.doi.org/10.1111/aogs.13331.
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), sem intervenções. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

A casuística foi composta por pais de 11 crianças, de ambos os sexos, entre 26 e 62 meses de idade (média de 44,8 e desvio padrão de 12,4 meses). Adotou-se como critérios de elegibilidade ser pais ou responsáveis de crianças em faixa etária inferior a seis anos, com avaliação auditiva prévia indicando ausência de perda auditiva e que apresentasse sinais clínicos de TEA, confirmados por avaliação multiprofissional em um centro de referência no estado. Como critérios de exclusão, considerou-se a presença de deficiência visual ou síndromes associadas.

As crianças incluídas no estudo estavam em processo de avaliação por equipe multiprofissional quando foram iniciadas as medidas de distanciamento social impostas pela COVID-19 e apresentaram sinais clínicos de TEA; no entanto, devido ao contexto pandêmico, não foi iniciada intervenção.

Para o presente estudo, foi aplicado um questionário previamente validado sobre hipersensibilidade auditiva, composto por sete questões, com possibilidades de resposta “sim”, “não” ou “não sei”; em caso afirmativo, com citação de exemplos (Coelho et al., 2007Coelho, C. B., Sanchez, T. G., & Tyler, R. S. (2007). Hyperacusis, sound annoyance, and loudness hypersensitivity in children. Progress in Brain Research, 166, 169-178. http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6123(7)66015-4.
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). Optou-se pela utilização deste questionário pelo fato de incluir perguntas relacionadas a todos os tipos de hipersensibilidade, desde medo à irritabilidade aos sons. Além disso, o instrumento é de fácil aplicação e compreensão pelos respondentes e inclui uma opção de resposta “não sei”, o que minimiza a chance de os pais responderem de forma imprecisa nos casos de dúvidas.

A aplicação ocorreu por meio de contato telefônico e as perguntas foram realizadas aos pais ou responsáveis por um único fonoaudiólogo, com a finalidade de reduzir a probabilidade de vieses referentes à aplicação.

O critério utilizado para estabelecer a pontuação e determinar a presença de hipersensibilidade foi o mesmo adotado em estudo prévio (Ralli et al., 2018Ralli, M., Greco, A., Altissimi, G., Tagliaferri, N., Carchiolo, L., Turchetta, R., Fusconi, M., Polimeni, A., Cianfrone, G., & Vincentiis, M. (2018). Hyperacusis in children: a preliminary study on the effects of hypersensitivity to sound on speech and language. The International Tinnitus Journal, 22(1), 10-18. http://dx.doi.org/10.5935/0946-5448.20180002.
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). Atribuem-se pontuações para as quatro primeiras questões e foi considerada hipersensibilidade mediante obtenção de uma soma igual ou maior a oito pontos. Para os relatos afirmativos, isto é, que corresponderam a “sim”, foram atribuídos quatro pontos; para os negativos, zero ponto, e, em caso de manifestação de dúvida, foram conferidos dois pontos à pergunta.

Para as questões 5 a 7, que se referem às informações de histórico quanto ao uso de medicamentos, cirurgias e episódios de otites, de forma similar aos estudos anteriores, não se atribuíram pontuações, com análise descritiva das respostas obtidas.

Vale ressaltar que, em função do cenário pandêmico da COVID-19 vivenciado no momento de realização do estudo, além do questionário, foi realizada uma pergunta adicional aos participantes: “Durante o período de isolamento social, houve alguma mudança no comportamento auditivo do seu filho? Em caso afirmativo, descreva”.

Os dados obtidos foram tabulados no Microsoft Excel 2016 e foi realizada a análise por meio de estatística descritiva.

Resultados e discussão

Os respondentes do questionário foram em sua totalidade constituídos por mães e avós. Ao considerar as quatro primeiras questões, três crianças não obtiveram nenhuma pontuação, com respostas negativas para todas as perguntas. Tal dado demonstra que, embora a hipersensibilidade possa ser frequente nas crianças com TEA, há crianças que não apresentarão reações desse tipo. Além disso, foi notório que a ausência de queixas não parece ter relação com a idade, identificada em crianças de 26, 40 e 62 meses de idade, nem com o sexo (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização das crianças quanto à idade e ao sexo e síntese das respostas apresentadas pelos responsáveis para quatro questões do questionário de hiperacusia.

De forma comum aos diferentes estudos voltados aos indivíduos com TEA, na casuística, houve maior representatividade do sexo masculino (81,8%) (Tabela 1). Dentre os oito participantes que pontuaram, o escore mínimo obtido foi de quatro pontos e o escore máximo do questionário, que equivale a 16 pontos, foi obtido por uma das crianças (Tabela 1).

Na literatura, são encontradas evidências de respostas anormais aos sons em indivíduos com TEA ao longo da vida (Williams et al., 2021Williams, Z. J., Suzman, E., & Woynaroski, T. G. (2021). Prevalence of decreased sound tolerance (hyperacusis) in individuals with autism spectrum disorder: a meta-analysis. Ear and Hearing, 42(5), 1137-1150. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001005.
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). No entanto, não há uma caracterização quanto ao de tipo de hipersensibilidade mais frequente, nem tampouco os sons que comumente despertam tais reações. Somado a isso, observa-se uma divergência na nomenclatura (Baranek et al., 2007Baranek, G. T., Boyd, B. A., Poe, M. D., David, F. J., & Watson, L. R. (2007). Hyperresponsive sensory patterns in young children with autism, developmental delay, and typical development. American Journal of Mental Retardation, 112(4), 233-245. http://dx.doi.org/10.1352/0895-8017(2007)112[233:HSPIYC]2.0.CO;2.
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; Stiegler & Davis, 2010Stiegler, L. N., & Davis, R. (2010). Understanding sound sensitivity in individuals with autism spectrum disorders. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities, 25(2), 67-75. http://dx.doi.org/10.1177/1088357610364530.
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; Stefanelli et al., 2020Stefanelli, A., Zanchetta, S., & Furtado, E. F. (2020). Auditory hyper-responsiveness in autism spectrum disorder, terminologies and physiological mechanisms involved: systematic review. CoDAS, 32(3), 1-9. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018287.
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) e não há evidências científicas concretas acerca do mecanismo fisiopatológico envolvido, o que também dificulta o conhecimento acerca do tipo de manifestação dessa alteração. Algumas hipóteses envolvem desde a falha na codificação neural (Pienkowski et al., 2014Pienkowski, M., Tyler, R. S., Roncancio, E. R., Jun, H. J., Brozoski, T., Dauman, N., Coelho, C. B., Andersson, G., Keiner, A. J., Cacace, A. T., Martin, N., & Moore, B. C. J. (2014). A review of hyperacusis and future directions: part II. Measurement, mechanisms, and treatment. American Journal of Audiology, 23(4), 420-436. http://dx.doi.org/10.1044/2014_AJA-13-0037.
http://dx.doi.org/10.1044/2014_AJA-13-00...
) até as áreas periféricas, como nas fibras eferentes do sistema olivococlear que atingem as células ciliadas externas (Gothelf et al., 2006Gothelf, D., Farber, N., Raveh, E., Apter, A., & Attias, J. (2006). Hyperacusis in Williams syndrome: characteristics and associated neuroaudiologic abnormalities. Neurology, 66(3), 390-395. http://dx.doi.org/10.1212/01.wnl.0000196643.35395.5f.
http://dx.doi.org/10.1212/01.wnl.0000196...
).

Ao considerar o critério adotado de pontuação equivalente ou superior a oito pontos, em nosso estudo, 63,6% das crianças apresentaram resultado indicativo de hipersensibilidade. Dentre as seis crianças que obtiveram a pontuação máxima na questão 1, cinco (83,3%) também pontuaram na questão 4 (Tabela 1). Os sons citados como geradores de irritabilidade estão apresentados na Figura 1.

Figura 1
Descrição dos sons citados como geradores de irritabilidade.

As pesquisas prévias que aplicaram questionário com pais de crianças com TEA para estimar a ocorrência de hipersensibilidade auditiva encontraram ampla variabilidade, o que pode ser atribuído às diferenças metodológicas empregadas e na caracterização dos participantes (Khalfa et al., 2004Khalfa, S., Bruneau, N., Rogé, B., Georgieff, N., Veuillet, E., Adrien, J. L., Barthélémy, C., & Collet, L. (2004). Increased perception of loudness in autism. Hearing Research, 198(1-2), 87-92. http://dx.doi.org/10.1016/j.heares.2004.07.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.heares.2004....
; Gomes et al., 2008Gomes, E., Pedroso, F. S., & Wagner, M. B. (2008). Auditory hypersensitivity in the autistic spectrum disorder. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 20(4), 279-284. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400013.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008...
; Bhatara et al., 2013Bhatara, A., Quintin, E. M., Fombonne, E., & Levitin, D. J. (2013). Early sensitivity to sound and musical preferences and enjoyment in adolescents with autism spectrum disorders. Psychomusicology: Music, Mind, and Brain, 23(2), 100-108. http://dx.doi.org/10.1037/aOO33754.
http://dx.doi.org/10.1037/aOO33754...
; Danesh et al., 2015Danesh, A. A., Lang, D., Kaf, W., Andreassen, W. D., Scott, J., & Eshraghi, A. A. (2015). Tinnitus and hyperacusis in autism spectrum disorders with emphasis on high functioning individuals diagnosed with Asperger’s Syndrome. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, 79(10), 1683-1688. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2015.07.024.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2015....
; Ralli et al., 2020Ralli, M., Romani, M., Zodda, A., Russo, F. Y., Altissimi, G., Orlando, M. P., Cammeresi, M. G., Penge, R., & Turchetta, R. (2020). Hyperacusis in children with attention deficit hyperactivity disorder: a preliminary study. International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(9), 1-13. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17093045.
http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17093045...
). O percentual de 63,6% obtido no presente estudo reforça a percepção frequente de hipersensibilidade nessa população pelos pais e responsáveis e, portanto, ressalta a importância dos profissionais envolvidos em atentar para o assunto tanto no processo de avaliação e intervenção propriamente ditos quanto para a entrevista e orientação aos familiares.

Quando analisada sob a percepção dos professores, a ocorrência de hipersensibilidade auditiva nessa população foi estimada em cerca de 30% e, quando analisada de forma combinada entre pais ou responsáveis com professores/terapeutas, a ocorrência foi similar, com 23,9% (Gomes et al., 2008Gomes, E., Pedroso, F. S., & Wagner, M. B. (2008). Auditory hypersensitivity in the autistic spectrum disorder. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 20(4), 279-284. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400013.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008...
). Embora os pais, professores e terapeutas possam perceber reações que remetam à hipersensibilidade, a prevalência ainda pode ser subestimada e algumas reações de desconforto, medo ou irritabilidade não serem notadas, tendo em vista que, na avaliação por meio de testes psicoacústicos, 63% das crianças não suportaram sons em intensidade superiores a 80 decibel nível de audição (dBNA) (Gomes et al., 2008Gomes, E., Pedroso, F. S., & Wagner, M. B. (2008). Auditory hypersensitivity in the autistic spectrum disorder. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 20(4), 279-284. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400013.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008...
), percentual similar ao obtido na percepção parental do presente estudo. Outro detalhe que merece atenção em nossos resultados e que reitera a observação do comportamento auditivo das crianças por seus responsáveis é que não foi obtida resposta “não sei” para nenhuma das questões.

Indivíduos com TEA podem apresentar uma variedade de queixas relacionadas tanto à misofonia quanto à hiperacusia e fonofobia (Williams et al., 2021Williams, Z. J., Suzman, E., & Woynaroski, T. G. (2021). Prevalence of decreased sound tolerance (hyperacusis) in individuals with autism spectrum disorder: a meta-analysis. Ear and Hearing, 42(5), 1137-1150. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001005.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
). Dentre as crianças participantes desse estudo, 54,5% pontuaram o escore máximo na questão 4, que fornece informação sobre chateação ou irritabilidade para algum som (Tabela 1). Tal dado remete a uma reação emocional negativa e, portanto, pode sugerir uma relação com a misofonia. Embora a maiorias dessas crianças também tenha tido escore máximo em relação à sensibilidade dos sons do dia a dia (Tabela 1), é possível observar um grupo de sons muito específicos para as questões 1 e 4 (Figura 1).

Embora haja um quantitativo restrito de estudos que investigaram a misofonia nessa população, há evidências de que uma parcela das crianças com TEA também pode apresentar algum critério diagnóstico para misofonia (Williams et al., 2021Williams, Z. J., Suzman, E., & Woynaroski, T. G. (2021). Prevalence of decreased sound tolerance (hyperacusis) in individuals with autism spectrum disorder: a meta-analysis. Ear and Hearing, 42(5), 1137-1150. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001005.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
). Por outro lado, somente dois informantes apresentaram relatos de demonstração de sensações dolorosas para algum estímulo auditivo (Tabela 1), o que indica que apesar da possibilidade de ocorrência de comportamentos característicos de fonofobia em crianças com TEA, esses foram menos frequentes na casuística estudada.

Os dados de uma revisão de literatura evidenciaram que, independente da avaliação ocorrer por testes comportamentais, questionários ou entrevistas estruturadas, os resultados tendem a apoiar a hipótese de que frequentemente essa população percebe os sons do cotidiano de maneira anormal e, de forma similar aos nossos achados, apontaram que alguns indivíduos apresentam ansiedade associada a sons específicos (fonofobia) que pode ser concomitante à hiperacusia (Williams et al., 2021Williams, Z. J., Suzman, E., & Woynaroski, T. G. (2021). Prevalence of decreased sound tolerance (hyperacusis) in individuals with autism spectrum disorder: a meta-analysis. Ear and Hearing, 42(5), 1137-1150. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001005.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
).

Em relação as questões 5 a 7 do questionário, de acordo com os responsáveis, nenhum dos participantes desse estudo fez uso de medicamentos (Q5), realizou cirurgia de orelha (Q6) ou apresentou episódios de otites nos últimos 12 meses (Q7), condições que poderiam ter alguma influência na ocorrência de queixas relacionadas à hipersensibilidade auditiva. Adicionalmente, não houve percepção de mudança no comportamento auditivo no período da pandemia da COVID-19 para nenhuma das crianças, seja a evidenciação de reações atípicas ou minimização de respostas comuns. Tal dado pode sinalizar que os sons que desencadeiam as reações negativas nas crianças ocorrem mesmo em ambientes mais controlados, tendo em vista que, no período de isolamento, as crianças estiveram em limitação de exposição em ambientes externos.

Um sintoma auditivo associado ao estresse e que se tornou mais perceptível no contexto do isolamento social foi o zumbido (Beukes et al., 2020Beukes, E. W., Baguley, D. M., Jacquemin, L., Lourenco, M., Allen, P. M., Onozuka, J., Stockdale, D., Kaldo, V., Andersson, G., & Manchaiah, V. (2020). Changes in Tinnitus Experiences During the COVID-19 Pandemic. Frontiers in Public Health,8(592878), 1-13. https://doi.org/10.3389/fpubh.2020.592878.
https://doi.org/10.3389/fpubh.2020.59287...
). Apesar da literatura ser variável, existe um consenso de que, além da hiperacusia, o zumbido é relativamente comum na infância, com prevalência que varia consideravelmente de acordo com o desenho e população de estudo, bem como a questão de pesquisa, com prevalência entre 4,7% a 74,9% (Rosing et al., 2016Rosing, S. N., Schmidt, J. H., Wedderkopp, N., & Baguley, D. M. (2016). Prevalence of tinnitus and hyperacusis in children and adolescents: a systematic review. BMJ (Clinical Research Ed.), 6(6), 1-20. http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2015-010596.
http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2015-0...
). O impacto do zumbido parece ser menor em crianças do que em adultos e, particularmente em indivíduos com TEA, pode ser de difícil identificação.

Um estudo avaliou a prevalência de zumbido e hiperacusia em indivíduos com Síndrome de Asperger e identificou a ocorrência dos sintomas combinados em 31% de sua casuística. Apesar de incluir uma faixa etária ampla, de quatro a 42 anos, na análise por faixa etária, verificou-se que tanto os sintomas isolados quanto combinados foram identificados em crianças (Danesh et al., 2015Danesh, A. A., Lang, D., Kaf, W., Andreassen, W. D., Scott, J., & Eshraghi, A. A. (2015). Tinnitus and hyperacusis in autism spectrum disorders with emphasis on high functioning individuals diagnosed with Asperger’s Syndrome. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, 79(10), 1683-1688. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2015.07.024.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2015....
). Assim, estudos adicionais, com casuísticas maiores, são importantes.

Diante dos resultados obtidos no presente estudo, ressalta-se que a hipersensibilidade auditiva é frequente nessa população. A obtenção de informações parentais sobre o tipo da hipersensibilidade e quais são os estímulos sonoros desencadeadores, ainda durante o processo de diagnóstico, poderá favorecer o atendimento nas diversas áreas, seja no atendimento clínico ou em atividades de sensibilização, como sugerido para cenários desafiadores como o da pandemia de COVID-19 (Fernandes et al., 2021Fernandes, A. D. S. A., Speranza, M., Mazak, M. S. R., Gasparini, D. A., & Cid, M. F. B. (2021). Everyday challenges and caring possibilities for children and adolescents with Autistic Spectrum Disorder (ASD) in the face of COVID-19. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, 1-12. http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoar2121.
http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoa...
).

A percepção dos responsáveis deve ser considerada não apenas para possíveis queixas de perda auditiva, mas para outros sintomas auditivos prevalentes nessa população. Tal cuidado pode auxiliar desde a execução da avaliação audiológica completa, propiciando informações para direcionar a melhor estratégia de condicionamento para exames comportamentais, até a evitar sons que possam desencadear incômodos ou irritabilidade em todo o processo de avaliação e intervenção do desenvolvimento global.

Conclusão

Ao investigar a ocorrência de hipersensibilidade auditiva em crianças com sinais clínicos de TEA, constatou-se que, de acordo com a percepção dos pais, essa esteve presente em 63,6% das crianças. A manifestação mais comum está relacionada à irritabilidade, o que sugere relação com o sistema límbico e pode, portanto, remeter ao tipo de hipersensibilidade auditiva denominada de misofonia.

O estudo teve limitações quanto à casuística restrita e, por se tratar de um estudo transversal realizado durante o processo de intervenção diagnóstica, não possibilitou a garantia de que todas as crianças fechariam o diagnóstico. Entretanto, os dados obtidos destacam para a equipe multidisciplinar a ocorrência e características de hipersensibilidade nessa população com sinais clínicos de risco para o TEA. O conhecimento de tais informações pode maximizar a reabilitação e minimizar possíveis impactos negativos nas situações de vida diária, no contexto escolar, em ambientes externos e, até mesmo, em situações mais restritas como de isolamento social. Ao considerar a prevalência do TEA, a importância da inclusão de indivíduos com essa condição nos diferentes setores da sociedade e a necessidade de ações de educação em saúde, tem-se nos dados obtidos uma contribuição importante para a sociedade em geral.

  • 1
    Este artigo foi redigido como parte da Dissertação de Mestrado intitulada “Análise da avaliação audiológica e de hipersensibilidade em crianças com risco para o transtorno do espectro autista”, da autora Krisia Thayná Lima da Costa, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, defendida no ano de 2021.
  • Fonte de Financiamento

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Beatriz Prado Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2021
  • Aceito
    26 Dez 2021
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