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Religiosidade, espiritualidade e a vivência do câncer: um estudo fenomenológico1 1 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Ophir Loyola (HOL) sob o parecer 2.008.748/2017. Os entrevistados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi lido, explicado e, em caso de concordância, assinado.

Resumo

Diferentes estratégias são utilizadas por pessoas com câncer para lidar com os variados eventos advindos dessa condição; dentre elas, a espiritualidade/religiosidade tem se mostrado um aspecto importante a ser considerado. Neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa que objetivou compreender como pacientes com câncer e em cuidados paliativos vivenciam a espiritualidade/religiosidade no processo de tratamento e o modo como essa dimensão se manifesta no enfrentamento da doença. A pesquisa qualitativa de orientação fenomenológica foi realizada em um hospital na cidade de Belém-PA e envolveu seis pacientes com diagnóstico de câncer internados na Clínica de Cuidados Paliativos Oncológicos – CCPO. A obtenção das informações se deu por meio de entrevistas semidirigidas gravadas em áudio, posteriormente transcritas e analisadas de acordo com a hermenêutica de Ricoeur, por meio de unidades de significação. Os principais resultados apontam para a espiritualidade/religiosidade como estratégia de enfrentamento diante do estado de adoecimento e da hospitalização. Essa dimensão se mostra patente na rotina dos pacientes que mantêm o envolvimento em atividades religiosas individuais e coletivas durante o tratamento. A vivência religiosa no ambiente hospitalar se mostrou uma via para o enfrentamento do processo de adoecimento e um dispositivo por meio do qual se criam estratégias individualizadas para a minimização do sofrimento.

Palavras-chave:
Religião; Espiritualidade; Câncer; Terapia Ocupacional

Abstract

Different strategies are used by people with cancer to deal with the various events resulting from this condition, among which, spirituality/religiosity is an important aspect to be considered. In this article, we present the results of a research that aimed to understand how patients with cancer and in palliative care experience spirituality/religiosity in the treatment process and how this dimension manifests itself in coping with the disease. The qualitative research with phenomenological orientation was carried out in a hospital in the city of Belém-PA and involved six patients diagnosed with cancer admitted to the Oncology Palliative Care Clinic - CCPO. The data was obtained through semi-directed interviews recorded in audio, later transcribed and analyzed according to Ricoeur's hermeneutics from units of meaning. The main results point to spirituality/religiosity as a coping strategy in the face of the state of illness and hospitalization. This dimension is evident in the routine of patients who maintain involvement in individual and collective religious activities during treatment. The religious experience in the hospital environment proved to be a way to face the illness process and a device through which individualized strategies are created to minimize suffering.

Keywords:
Religion; Spirituality; Cancer; Occupational Therapy

Introdução

A ocorrência dos vários tipos de câncer representa, na atualidade, um problema de saúde pública mundial e está entre as quatro principais causas de morte antes dos 70 anos de idade na maioria dos países. No Brasil, as estimativas apontam que ocorrerão 625 mil novos casos no triênio 2020-2022. Essas neoplasias malignas englobam mais de uma centena de doenças que se caracterizam pelo crescimento desordenado de células que invadem os tecidos, determinando a formação de tumores que podem proliferar pelo corpo humano na forma de metástase (Instituto Nacional de Câncer, 2019Instituto Nacional de Câncer – INCA. (2019). Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA.).

Pacientes que recebem diagnóstico de câncer costumam reagir de maneira diferente daqueles que recebem diagnósticos de outras patologias (Penna, 2004Penna, T. L. M. (2004). Dinâmica psicossocial da família de pacientes com câncer. In J. Mello Filho & M. Burd (Eds.), Doença e família (pp. 379-389). São Paulo: Casa do Psicólogo.). A notícia que atesta a doença neoplásica traz consigo a materialização do sofrimento de quem, repentinamente, se vê diante da possibilidade de morte e do estigma social que envolve o câncer (Hart, 2008Hart, C. F. M. (2008). A família frente ao diagnóstico do câncer. In V. E. S. Ceolin (Ed.), Câncer: uma abordagem psicológica (pp. 118-128). Porto Alegre: AGE.).

Um estudo realizado com mulheres que receberam o diagnóstico de câncer de mama revelou que, durante o período de diagnose, as reações e sentimentos variaram da indiferença para um medo real. O tempo para a realização de exames e confirmações é traduzido em forma de ansiedade, sentimento de desamparo, pensamentos sobre morte, pânico etc. (Bergamasco & Angelo, 2001Bergamasco, R. B., & Angelo, M. (2001). O sofrimento de descobrir-se com câncer de mama: como o diagnóstico é experienciado pela mulher. Revista Brasileira de Cancerologia, 47(3), 277-282.). São experiências sofridas que podem gerar incertezas, angústia, incredulidade, questionamentos e aceitação tardia de sua condição e realidade (Silva & Zago, 2005Silva, V. C. E., & Zago, M. M. F. (2005). A revelação do diagnóstico de câncer para profissionais e pacientes. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(4), 476-480. PMid:16514959.).

Essa e outras tantas formas de manifestações neoplásicas não contam, até os dias de hoje, com um tratamento curativo totalmente eficaz, apesar de que, atualmente, exames mais avançados de detecção precoce, cirurgias menos invasivas e terapias cada vez mais eficientes resultam na cura de muitos tipos de câncer, especialmente quando tratados em estágios iniciais (Instituto Nacional de Câncer, 2019Instituto Nacional de Câncer – INCA. (2019). Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA.).

Atualmente, apesar de a principal opção de tratamento ser cirúrgica, os métodos disponíveis geralmente envolvem a combinação de mais de um recurso terapêutico para conter a doença e oferecer uma melhor qualidade de vida aos acometidos. Muitos procedimentos, contudo, costumam deixar marcas físicas e psicológicas duradouras no paciente, seja pelo estresse emocional decorrente dos frequentes episódios de internação ou pelos procedimentos invasivos aos quais muitas vezes é submetido (Galbiatti et al., 2013Galbiatti, A. L. S., Padovani-Junior, J. A., Maníglia, J. V., Rodrigues, C. D. S., Pavarino, E. C., & Goloni-Bertollo, E. M. (2013). Head and neck cancer: causes, prevention and treatment. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 79(2), 239-247. PMid:23670332.).

Diferentes estratégias são utilizadas por pessoas com doença neoplásica para lidar com os variados eventos advindos desta condição que, em geral, envolvem restrições corporais, ocupacionais, quadros álgicos agudos, além da possibilidade de morte. Essas ocorrências podem gerar sofrimentos de diversas ordens e, como consequência, indagações sobre a finitude, o sentido da vida e outras questões que demandam a necessidade de (re)significação da existência (Johannessen-Henry et al., 2013Johannessen-Henry, C. T., Deltour, I., Bidstrup, P. E., Dalton, S. O., & Johansen, C. (2013). Associations between faith, distress and mental adjustment: a Danish survivorship study. Acta Oncologica, 52(2), 364-371. PMid:23215830.).

Uma das vias apontadas pela literatura especializada dentre aquelas que podem contribuir para os modos como pessoas com câncer lidam com as questões relacionadas à doença e que contribuem para a melhoria da qualidade de vida é a religiosidade/espiritualidade (Aquino & Zago, 2007Aquino, V. V., & Zago, M. M. F. (2007). O significado das crenças religiosas para um grupo de pacientes oncológicos em reabilitação. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 15(1), 42-47. PMid:17375231.; Koenig et al., 2001Koenig, H. G., Mccullough, M. E., & Larson, D. B. (2001). Handbook of religion and health. New York: Oxford University Press.; Fornazari & Ferreira, 2010Fornazari, S. A., & Ferreira, R. E. R. (2010). Religiosidade/espiritualidade em pacientes oncológicos: qualidade de vida e saúde. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(2), 265-272.).

Religião, Religiosidade, Espiritualidade e Câncer: uma Incursão

O dissenso sobre a demarcação dos limites entre religião, religiosidade e espiritualidade é apontado por alguns autores (Ancona-Lopez, 2005Ancona-Lopez, M. (2005). A espiritualidade e os psicólogos. In M. M. Amatuzzi (Ed.), Psicologia e espiritualidade (pp. 147-160) São Paulo: Paulus.; Amatuzzi et al., 2006Amatuzzi, M. M., Cambuy, K., & Antunes, T. A. (2006). Psicologia clínica e experiência religiosa. Revista de Estudos da Religião, 3, 77-93.; Koenig et al., 2001Koenig, H. G., Mccullough, M. E., & Larson, D. B. (2001). Handbook of religion and health. New York: Oxford University Press.) como indicativo da necessidade de circunscrição desses conceitos. Trata-se de um desígnio que visa potencializar a comunicação entre clientes, terapeutas e pesquisadores, além de favorecer a delimitação do objeto clínico ou de pesquisa (Ancona-Lopez, 2005Ancona-Lopez, M. (2005). A espiritualidade e os psicólogos. In M. M. Amatuzzi (Ed.), Psicologia e espiritualidade (pp. 147-160) São Paulo: Paulus.; Araújo, 2015Araújo, L. (2015). Religiosidade e saúde mental: enredos culturais e ecos clínicos. Jundiaí: Paco Editorial.; Freitas, 2017Freitas, M. H. (2017). Psicologia religiosa, psicologia da religião/espiritualidade, ou psicologia e religião/espiritualidade? Revista Pistis Praxis, 9(1), 89-107.).

Essa tarefa requer um debate que foge ao escopo deste texto, se considerarmos as similitudes, as divergências fomentadas por diferentes influências e o amplo leque de temas correlatos. Contudo, mesmo correndo o risco da simplificação demasiada dessa intricada rede de significados, podemos considerar religião como “[...] a característica cultural fundamental dos povos, bem como a marca de seu comportamento prático” (Bello, 1998Bello, A. A. (1998). Cultura e religiões: uma leitura fenomenológica. Bauru: EDUSC., p. 103). Manifesta-se como um sistema representacional organizado de crenças, símbolos, dogmas, rituais e práticas que buscam facilitar o acesso ao sagrado e constituem a identidade pessoal e social dos indivíduos (Ribeiro, 2004Ribeiro, J. P. (2004). Religião e psicologia. In A. F. Holanda (Ed.), Psicologia, religiosidade e fenomenologia (pp. 11-36). Campinas: Alínea.; Araújo, 2015Araújo, L. (2015). Religiosidade e saúde mental: enredos culturais e ecos clínicos. Jundiaí: Paco Editorial.).

Espiritualidade está relacionada à busca de sentido, a uma transcendência ontológica, ao mergulho que se faz em si mesmo e que tem relação com valores e significados profundos que regem o “self”, o que nem sempre se compatibiliza com a busca religiosa (Giovanetti, 2005Giovanetti, J. P. (2005). Psicologia existencial e espiritualidade. In M. M. Amatuzzi (Ed.), Psicologia e espiritualidade (pp. 129-145). São Paulo: Paulus.).

Religiosidade, por sua vez, vincula-se à concepção de divino, é de caráter processual e pode ter relação com o modo como um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião (Araújo, 2015Araújo, L. (2015). Religiosidade e saúde mental: enredos culturais e ecos clínicos. Jundiaí: Paco Editorial.). Na concepção de Safra (2005)Safra, G. (2005). Espiritualidade e religiosidade na clínica contemporânea. In M. M. Amatuzzi (Ed.), Psicologia e espiritualidade (pp. 205-211). São Paulo: Paulus., a religiosidade é complexa, ampla e presente na subjetividade humana nos níveis ontológico e ôntico. Como dimensão própria da existência humana, antecede formulações histórico-sociais das religiões (Alves, 2004Alves, V. P. (2004). Fenomenologia da Religião: pesquisas sobre a experiência religiosa com universitários e suas implicações para o ensino religioso. In A. F. Holanda (Ed.), Psicologia, religiosidade e fenomenologia (pp. 79-95). Campinas: Alínea.).

A complexidade dos termos religião, espiritualidade e religiosidade nos coloca em uma seara que, apesar de tender à ambiguidade e polarização, na vivência individual, assume sentidos próprios, muitas vezes amalgamados e manifestos nos diferentes tipos de linguagem (Amatuzzi et al., 2006Amatuzzi, M. M., Cambuy, K., & Antunes, T. A. (2006). Psicologia clínica e experiência religiosa. Revista de Estudos da Religião, 3, 77-93.; Pargament, 1997Pargament, K. I. (1997). The psychology of religion and coping. New York: The Guilford Press.).

A poetiza e filósofa Adélia Prado (1999Prado, A. (1999). A arte como experiência religiosa. In M. Massimi & M. Mahfoud (Eds.), Diante do mistério: psicologia e senso religioso (pp. 17-32). São Paulo: Loyola., p. 19) traduz com primor essa questão ao afirmar que:

A experiência religiosa no cotidiano é sempre paradoxal, assim como a experiência mística, porque é uma tentativa de falar do inefável, daquilo que não pode ser dito e que não tem palavras. Então a peleja humana é essa: é dizer, tentar dizer uma coisa que não pode ser dita por causa mesmo de sua natureza.

Freitas & Vilela (2017Freitas, M. H., & Vilela, P. R. (2017). Leitura Fenomenológica da religiosidade: implicações para o psicodiagnóstico e para a práxis clínica psicológica. Revista da Abordagem Gestáltica, 23(1), 95-107., p. 100), em uma tentativa de “[...] sintetizar as devidas diferenciações, conexões e distinções entre os termos espiritualidade, religiosidade e religião, elaboraram uma figura-síntese, buscando integrar as contribuições de diferentes autores que têm investido nesta direção” (Figura 1).

Figura 1
Concepção de religiosidade. Fonte: Freitas & Vilela (2017)Freitas, M. H., & Vilela, P. R. (2017). Leitura Fenomenológica da religiosidade: implicações para o psicodiagnóstico e para a práxis clínica psicológica. Revista da Abordagem Gestáltica, 23(1), 95-107..

A concepção dessa representação considera (Freitas, 2017Freitas, M. H. (2017). Psicologia religiosa, psicologia da religião/espiritualidade, ou psicologia e religião/espiritualidade? Revista Pistis Praxis, 9(1), 89-107., p. 100-101):

[...] religião como uma das alternativas possíveis para o encontro da resposta à dimensão espiritual, enquanto busca de sentido existencial. Trata-se de um tipo de resposta que é compartilhada e institucionalizada. De outro lado, o termo religiosidade fica, então, reservado para se referir ao modo pessoal, como cada pessoa elabora subjetivamente suas respostas às suas demandas de sentido existencial, ainda que também ancoradas na crença no transcendente. Tais respostas podem, por sua vez, estarem ou não ancoradas num sistema específico de crenças religiosas [...] a religiosidade e a religião implicam, ambas, necessariamente a referência ao transcendente, sendo que na segunda, a resposta é compartilhada e institucionalizada, não importando se está organizada conforme o modelo de religiões tradicionais ou se mostrada sob novas formas de expressões religiosas, segundo as variações históricas, étnicas, temporais e culturais. Enquanto isso, a espiritualidade implica referência à busca de sentido, o que pode coincidir ou não com a busca religiosa, existindo a possibilidade de que a resposta para esta demanda existencial venha de outra fonte, considerada e vivida pela pessoa como arreligiosa.

É importante destacar que essa temática tem se mostrado de grande relevância para a terapia ocupacional, pois se refere a dimensões que fazem parte da condição humana e que podem se expressar por meio das ocupações; portanto, apresentam potencial para influenciar a saúde, o bem viver e o engajamento no mundo da vida (Christiansen, 1997Christiansen, C. (1997). Acknowledging a spiritual dimension in occupational therapy practice. The American Journal of Occupational Therapy, 51(3), 169-172. PMid:9048155.; Araújo et al., 2014Araújo, L. S., Oliveira, I. B. S., & Jaramillho, S. R. (2014). Espiritualidad em la práctica de la terapia ocupacional: interfaces en el campo de la ocupación humana. TOG (A Coruña), 11(20), 1-19.).

Antes mesmo de existirem as sucessivas versões da “Estrutura da Prática da Terapia Ocupacional: Domínio e Processo”, da Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA), documento amplamente conhecido na profissão por orientar a prática baseada em evidências científicas, destacaram-se, no mesmo ano de 1997, o American Journal of Occupational Therapy e o Canadian Journal of Occupational Therapy, com edições especialmente dedicadas ao tema da espiritualidade no âmbito da terapia ocupacional – volume 51, número 3, de março de 1997, e volume 64, número 3, de junho de 1997, respectivamente, indicando que as discussões sobre o tema nos processos de formação e atuação da terapia ocupacional precedem os quadros de referência contemporâneos.

Atualmente, em sua quarta versão, a “Estrutura da Prática da Terapia Ocupacional: Domínio e Processo” cita a espiritualidade como uma “[...] experiência de profundo significado que surge através do envolvimento em ocupações que implicam a representação de valores e de crenças pessoais, da reflexão e a da intenção dentro de um ambiente contextual seguro” (Billock, 2005Billock, C. (2005). Delving into the center: women’s lived experience of spirituality through occupation (Tese de doutorado). Universidade do Sul da Califórnia, Los Angeles., como citado em Gomes et al., 2021Gomes, D. M., Teixeira, L., & Ribeiro, J. (2021). Enquadramento da prática da terapia ocupacional: domínio & processo. Leiria: Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Leiria., p. 17). Segundo esse documento, trata-se de um fator que influencia a motivação dos clientes para se “[...] envolverem em suas ocupações e darem sentido à sua vida ou existência” (Gomes et al., 2021Gomes, D. M., Teixeira, L., & Ribeiro, J. (2021). Enquadramento da prática da terapia ocupacional: domínio & processo. Leiria: Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Leiria., p. 17).

A abordagem da dimensão espiritual/religiosa no contexto da pesquisa e da prática profissional, assim como estudos sobre a associação entre fatores relativos à religiosidade, religião, espiritualidade e saúde, têm sido cada vez mais frequentes nas últimas décadas, não apenas na profissão de terapia ocupacional, uma ocorrência que pode refletir a necessidade da produção de conhecimento nessa área (Koenig et al., 2001Koenig, H. G., Mccullough, M. E., & Larson, D. B. (2001). Handbook of religion and health. New York: Oxford University Press.).

Se levarmos em consideração a relevância do tema nas diferentes sociedades, principalmente com base nos contextos em que as crenças, atitudes e práticas implicadas pelo sagrado se voltam aos problemas de saúde, podemos ter indicações de características fundamentais de uma cultura ou de um complexo cultural que envolve determinados indivíduos e populações (Gonçalves, 2016Gonçalves, A. M. (2016). A doença mental e a cura: um olhar antropológico. Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health, (30), 159-171.).

No transcurso de doenças avançadas sem resposta a tratamentos modificadores, os cuidados paliativos se apresentam como processo cuja relevância da espiritualidade/religiosidade tende a ser considerada. Trata-se de um cuidado ativo total para pacientes cuja doença não é mais responsiva a tratamento de cura em um contexto no qual o controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais é primordial. O objetivo é proporcionar melhor qualidade de vida possível para pacientes e familiares, promovendo o alívio do sofrimento (Carvalho & Parsons, 2012Carvalho, R. T., & Parsons, H. A. (2012). Manual de cuidados paliativos. São Paulo: ANCP.).

No caso de pessoas com câncer em cuidados paliativos, pacientes e familiares frequentemente costumam buscar apoio em crenças religiosas ou espirituais como forma de lidar com as dificuldades e encontrar conforto. Contudo, essa constatação, por si só, não implica em uma abordagem consensual dessas dimensões por parte dos profissionais que atuam na área da oncologia, tampouco indica que a temática faça parte dos campos de interesse de quem atua junto a esse público. Isso se deve, em parte, à dificuldade em abordar a espiritualidade/religiosidade na prática clínica diária (Balboni et al., 2013Balboni, M., Sullivan, A., Amobi, A., Phelps, A. C., Gorman, D. P., Zollfrank, A., Peteet, J. R., Prigerson, H. G., Vanderweele, T. J., & Balboni, T. A. (2013). Why is spiritual care infrequent at the end of life? Spiritual care perceptions among patients, nurses and physicians and the role of training. Journal of Clinical Oncology, 31(4), 461-467. PMid:23248245.).

Em um contexto no qual a vivência do sofrimento físico tende a acentuar a fragilidade emocional e o temor da morte, o envolvimento em atividades religiosas e/ou espirituais pode mobilizar o indivíduo a lidar de maneira mais positiva com as situações que geram angústia e desconforto (Argyle, 1990Argyle, M. (1990). The psychological explanation of religious experience. Psyke & Logos, 11(2), 267-274.).

Várias pesquisas têm identificado, nos discursos de pacientes oncológicos em cuidados paliativos cujo tratamento foi permeado por situações estressantes, conteúdos que corroboram a influência positiva da espiritualidade/religiosidade na vivência do câncer. Esses estudos evidenciam que os pacientes utilizaram o enfrentamento espiritual/religioso como estratégia para redução do estresse diante da relação entre a doença e a possibilidade de morte, o que contribuiu diretamente na melhoria da qualidade de vida2 2 É importante citar o contraponto estabelecido por estudos que indicam piores prognósticos, agudização do estresse e medo da morte geralmente associado a pensamentos punitivos mediante a concepção religiosa do paciente. Portanto, há de se considerar que não necessariamente a espiritualidade/religiosidade possa contribuir à qualidade de vida, mas o seu sentido para cada pessoa em sua singularidade (Moreira-Almeida & Cardeña, 2011; Medeiros, 2010; Marques, 2003; Melo et al., 2015). (Koenig et al., 2001Koenig, H. G., Mccullough, M. E., & Larson, D. B. (2001). Handbook of religion and health. New York: Oxford University Press.; Fornazari & Ferreira, 2010Fornazari, S. A., & Ferreira, R. E. R. (2010). Religiosidade/espiritualidade em pacientes oncológicos: qualidade de vida e saúde. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(2), 265-272.; Johannessen-Henry et al., 2013Johannessen-Henry, C. T., Deltour, I., Bidstrup, P. E., Dalton, S. O., & Johansen, C. (2013). Associations between faith, distress and mental adjustment: a Danish survivorship study. Acta Oncologica, 52(2), 364-371. PMid:23215830.).

Em vista disso, neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa que objetivou compreender como pacientes com câncer e em cuidados paliativos vivenciam sua espiritualidade/religiosidade no processo de tratamento e o modo como essa dimensão se manifesta no enfrentamento da doença.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de orientação fenomenológica e hermenêutica, voltada à compreensão de fenômenos não quantificáveis da experiência humana; portanto, ela não utiliza de codificações e programas de tabulação para a análise dos dados empíricos (Muchielli, 1991Muchielli, A. (1991). Les methodes qualitatives: que je sais? Paris: Presses universitaires de France.).

O método fenomenológico se detém em estudar o fenômeno, algo que se dá e se mostra por meio de um dinamismo que não exclui sua circunscrição cultural e institucional durante a tentativa de compreendê-lo por meio de um mundo vivido em comum. Nesse sentido, o objetivo do método fenomenológico é descrever a experiência vivida e os significados que a experiência tem para os sujeitos que a vivenciam (Martins, 1993Martins, J. (1993). Um enfoque fenomenológico do currículo: a educação como poíesis. São Paulo: Cortez Editora.; Araújo, 2015Araújo, L. (2015). Religiosidade e saúde mental: enredos culturais e ecos clínicos. Jundiaí: Paco Editorial.).

A hermenêutica, quando filiada à abordagem fenomenológica, assenta-se na tese de que a experiência vivida é em si mesmo um processo interpretativo. Nessa conjunção, a tarefa fenomenológica é trazer à luz os modos de ser-no-mundo, cujo entendimento da comunicação entre as pessoas é interpretado por meio do uso da linguagem (Cohen & Omery, 1994Cohen, M. Z., & Omery, A. (1994). Schools of Phenomenology. In J. M. Morse (Ed.), Critical issues in qualitative research methods (pp. 135-156). London: Sage Publications.).

Participaram da pesquisa seis pacientes internados em um hospital de referência oncológica na cidade de Belém-PA, sendo quatro do sexo feminino, dois do sexo masculino, com média de idade de 45 anos, e todos residentes na região metropolitana. A obtenção dos dados ocorreu na Clínica de Cuidados Paliativos Oncológicos – CCPO, durante o período de agosto a dezembro de 2018.

Os critérios de inclusão no estudo foram: estar consciente, orientado e aceitar participar da pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Os critérios de exclusão foram aplicados àqueles pacientes elegíveis à pesquisa, mas que apresentavam alguma condição clínica que os impossibilitava de compreender, refletir e/ou elaborar asserções sobre a sua experiência.

O método qualitativo de orientação fenomenológica tem como um de seus princípios basilares o aprofundamento nas minúcias da experiência vivida (Goldenberg, 2003Goldenberg, M. (2003). A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record.). Desse modo, o tamanho da amostra não é definido por um método de amostragem baseado em procedimentos estatísticos, mas pelo critério de saturação que considera a qualidade das informações como marco analítico de que as informações daquele contexto e/ou fenômeno não aditam ao objetivo do estudo (Muchielli,1991Muchielli, A. (1991). Les methodes qualitatives: que je sais? Paris: Presses universitaires de France.). Assim, a escolha dos participantes se deu por conveniência e saturação.

A estratégia adotada para obtenção das informações foi a realização de entrevistas semidirigidas, que transcorreram de maneira que o pesquisador pôde apontar parcialmente a direção para a qual a entrevista caminharia. Nesse caso, a direção foi alternada entre o pesquisador e o entrevistado, de maneira que esse último também pudesse assumir o comando do diálogo em determinados momentos (Turato, 2013Turato, E. R. (2013). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. São Paulo: Vozes.).

As entrevistas foram realizadas no próprio leito hospitalar e envolveram dez questões norteadoras: 1) você se considera uma pessoa religiosa? por quê?; 2) poderia falar sobre sua história religiosa?; 3) como recebeu a notícia do diagnóstico de câncer?; 4) como se sente em relação ao diagnóstico?; 5) quais as suas expectativas em relação ao futuro?; 6) você costuma participar de alguma atividade religiosa no hospital? Descreva; 7) você sente que algo mudou em sua espiritualidade/religiosidade após o diagnóstico de câncer?; 8) como você se sente em relação a sua espiritualidade/religiosidade nesse momento da sua vida?; 9) você percebeu alguma diferença na sua capacidade de lidar com o câncer em função de alguma prática religiosa?; e 10) você recebe algum apoio e/ou incentivo religioso no hospital? Como isso acontece?

Os diálogos foram gravados em áudio, posteriormente transcritos e analisados de acordo com os fundamentos da teoria da interpretação de Ricoeur (2009)Ricoeur, P. (2009). Teoria da interpretação: o discurso e o excesso de significação. São Paulo: Edições 70.. Essa teoria de base hermenêutica permite a compreensão e a interpretação linguística que serve de base para a concepção de todos os tipos de interpretação de texto, ou seja, é um processo que interpreta um conteúdo ou significado subjacente por meio do uso das linguagens. Para Ricoeur (2009Ricoeur, P. (2009). Teoria da interpretação: o discurso e o excesso de significação. São Paulo: Edições 70., p. 74), o discurso pode ser entendido como evento e como significação. Dessa forma, o que pretendemos compreender não é o evento, “[...] na medida em que é fugidio, mas sua significação que permanece”.

As informações foram analisadas com base em unidades de sentido que constituem um modo de estruturação analítica usado para agrupar, descrever, interpretar e compreender conteúdos de origem discursiva, permitindo o aprofundamento nos sentidos e significados das vivências compartilhadas em um nível que vai além de uma leitura comum.

A fim de manter o anonimato, nos excertos transcritos de cada entrevista, os participantes foram identificados por pseudônimos atribuídos por eles próprios: Rosa, Bernadete, Ana, Ester, João e Douglas. As transcrições das entrevistas gravadas em áudio foram feitas integralmente, mantendo-se a construção gramatical e semântica de cada colaborador.

A pesquisa foi submetida e aprovada por Comitê de Ética e Pesquisa com seres humanos, sob parecer número 2.008.748.

Resultados e Discussão

O conjunto das entrevistas transformadas em texto permitiu apresentar e discutir as informações obtidas com base em quatro unidades de sentido: Sentidos de ser religioso; Espiritualidade/Religiosidade e a vivência do câncer; Enlaces entre a morte e a experiência religiosa; e Práticas religiosas e o contexto hospitalar.

Sentidos de ser religioso

O conjunto dos discursos dos informantes nos aponta diferentes acepções sobre a maneira como compreendem sua condição religiosa. De modo geral, essas inclinações estão ligadas à crença ou envolvimento em atividades vinculadas a um sistema organizado em torno da veneração de uma figura deífica. Assim, a autoimagem religiosa parece estar vinculada ao fato de se perceberem como alguém que crê em Deus.

Ana é uma das informantes que se define como pessoa religiosa por meio destes termos.

Me considero religiosa porque eu acredito em Deus . E por estar aqui, viva , nesse exato momento (Ana).

Além de sua crença em uma divindade, Ana diz se considerar religiosa por “estar aqui nesse momento”, associando sua sobrevivência ao câncer, de alguma maneira, à sua experiência religiosa. A forma como manifesta seu ponto de vista permite inferir que a inversão da locução também pode manifestar um dos sentidos de sua autoimagem religiosa, ou seja, o ato de se perceber como pessoa religiosa é reforçado pelo testemunho dos “efeitos” dessa experiência que, entendida como evento marcante, pode ou não levar a lucubrações sobre o significado da sua existência (Baungart & Amatuzzi, 2007Baungart, T. D. A. A., & Amatuzzi, M. M. (2007). Experiência religiosa e crescimento pessoal: uma compreensão fenomenológica. Revista de Estudos da Religião, 4, 95-111.).

Outro aspecto importante associado a esse tipo de experiência é o sentimento de dependência de um Outro que transcende os limites do espectro cognoscível humano. A colaboradora Ester exemplifica esse tipo de relação:

Não me considero religiosa . Eu creio... Eu creio em Deus. Não sou aquela pessoa que briga por religião não. É eu e Deus. Frequento igreja, mas a minha igreja é eu e o meu escudo é Jesus, meu alvo é Jesus . Pode o mundo tá caindo, mas Ele é a minha força [...] (Ester).

Diferente de Ana, Ester não se considera religiosa pelo fato de crer em uma divindade. Dessa maneira, afasta-se da percepção sobre si mesma como pessoa religiosa e atribui o “ser religioso” a eventos depreciativos de uma experiência religiosa demarcada pelo conflito religioso. Seu posicionamento também anuncia uma religiosidade que não é um fim, mas o meio para alcançar algo como sustento, apoio, consolação, perdão, sociabilidade, prosperidade e, no seu caso, “força” na luta contra a doença (Amaro, 2014Amaro, L. D. S. (2014). Resiliência, religiosidade e sentido de vida em mulheres com câncer de mama (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.).

Os discursos de Ana e Ester parecem estabelecer, cada qual à sua maneira, uma relação de proximidade com o Divino e corroboram com a visão de Gaarder et al. (2000)Gaarder, J., Hellern, V., & Notaker, H. (2000). O livro das religiões. São Paulo: Companhia de Bolso., de que a experiência religiosa se dá na relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou se sente dependente. A ênfase de locuções como “Acredito em Deus” e “Creio em Deus” evidencia que os participantes apresentam uma conexão com a divindade que figura entre suas demandas existenciais do momento e podem reforçar a tese de que a espiritualidade/religiosidade pode se manifestar como uma propensão humana à busca de sentido para a vida por vias que transcendem o tangível (Guimarães & Avezum, 2007Guimarães, H. P., & Avezum, A. (2007). O impacto da espiritualidade na saúde física. Revista de Psiquiatría Clínica, 34(1), 88-94.).

Outra forma como os participantes da pesquisa se percebem do ponto de vista religioso parece estar condicionada à participação pregressa ou futura em rituais demarcadores das suas vinculações religiosas formais.

Eu sou católica. Para eu me considerar, assim... evangélica mesmo,eu tenho que me batizar nas águas.Quando eu me batizar nas águas, aí sim serei de Jesus pra sempre.Aí eu sou uma evangélica (Bernadete).

Eu me considero uma pessoa religiosaporque eu fui batizadocom Deus.Fui casadocom Deus. Por isso (Douglas).

Para Douglas e Bernadete, a manutenção de uma determinada identidade religiosa está intimamente ligada à participação em rituais que simbolizam e, de certa forma, também formalizam a afiliação na religião que escolheram, além de permitirem aos adeptos das diferentes tradições religiosas adentrarem ao mundo divino, aproximando-o da realidade humana.

O ritual religioso, aqui exemplificado pelo batismo de referência cristã, demarca para essas pessoas a chancela de que precisam para se sentirem parte dessa ou daquela orientação religiosa. Nesse contexto, não há como desprezar o papel das religiões na construção das suas identidades pessoal e social, considerando o potencial que esses sistemas possuem de dar sentido aos valores humanos que, refletidos nas suas experiências, podem produzir a ampliação de consciência necessária para transformações importantes (Ribeiro, 2004Ribeiro, J. P. (2004). Religião e psicologia. In A. F. Holanda (Ed.), Psicologia, religiosidade e fenomenologia (pp. 11-36). Campinas: Alínea.).

Espiritualidade/religiosidade e a vivência do câncer

O modo como cada pessoa vivencia o processo de adoecimento depende, dentre outras coisas, de atributos pessoais, como a condição de saúde e energia, sistema de crenças, metas de vida, autoestima, autocontrole, autoconhecimento e redes de apoio social, domínios em que a espiritualidade/religiosidade pode exercer papel importante (Pedrolo & Zago, 2002Pedrolo, F. T., & Zago, M. M. F. (2002). O enfrentamento dos familiares à imagem corporal alterada do laringectomizado. Revista Brasileira de Cancerologia, 48(1), 49-56.).

As participantes Bernadete e Ester indicam fazer uso dos recursos religiosos que possuem como estratégia de suporte para o enfrentamento da vivência do câncer.

Quando recebi a notícia,eu, como católica,não me desesperei. Eu fiquei normal. Tem gente que se desespera, né? Se entrega, se transforma em outra pessoa. Eu não. Eu fiquei na mesma, no mesmo estado que eu recebieu aceitei.Tinha que aceitar. Então até agora Deus tá agindo.No primeiro e até o fim eu sei que ele vai agirde uma forma boa.Eu creioque, em nome de Jesus, meu tratamento vai ser ótimo (Bernadete).

Eu olhei e disse: que isso era para a honra e glória do nome do Senhor Jesus.Não chorei, não desesperei, fiz foi achar graça. Eu não me desesperei em nenhum momento. Não adianta a gente chorar,adianta você confiar em Deus que tudo pode . É isso que eu penso até hoje (Ester).

Os relatos das duas participantes indicam que o pertencimento a determinada religião pode repercutir positivamente em suas cosmovisões e, por conseguinte, na maneira como lidam internamente com o impacto do diagnóstico (Geronasso & Coelho, 2012Geronasso, M. C. H., & Coelho, D. (2012). A Influência da religiosidade/espiritualidade na qualidade de vida das pessoas com câncer. Revista Interdisciplinar Saúde e Meio Ambiente, 1(1), 173-187.).

Bernadete, ao iniciar o relato afirmando sua vinculação religiosa, dá indícios de que sua reação seria, de acordo com a sua concepção, aquela esperada para alguém da orientação religiosa católica, na qual manifestar desespero e angústia poderia parecer incompatível. Esse prenúncio permite conjecturar que o modo como reagiu à notícia do diagnóstico de câncer está relacionado a uma visão de mundo delineada pela sua experiência religiosa (Amaro, 2014Amaro, L. D. S. (2014). Resiliência, religiosidade e sentido de vida em mulheres com câncer de mama (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.; Araújo, 2015Araújo, L. (2015). Religiosidade e saúde mental: enredos culturais e ecos clínicos. Jundiaí: Paco Editorial.).

Ester parece sustentar postura semelhante diante do diagnóstico. Sua contraposição ao desespero desvela esperança, otimismo e designa a atitude particular de sua dinâmica religiosa (James, 1911James, W. (1911). Pragmatism. Londres: Meridian Books.). Por conseguinte, Bernadete e Ester, ao mesmo tempo em que depreciam o diagnóstico recebido, demonstram aparente tranquilidade: “eu creio”, “Deus que tudo pode”, manifestando a crença na divindade como principal fator associado ao sentimento de esperança, otimismo e expectativas positivas. De certa maneira, pelo menos de modo imediato, pode-se atribuir à espiritualidade/religiosidade das informantes a postura comedida adotada diante de um sofrimento inicial deflagrado pela notícia do diagnóstico de câncer.

Nesse contexto, instaura-se aquilo que alguns autores chamam de coping Religioso/Espiritual - CRE, que se caracteriza pelo uso da espiritualidade, da religiosidade ou da fé para lidar com o estresse e os problemas de vida (Panzini & Bandeira, 2007Panzini, R. G., & Bandeira, D. R. (2007). Coping (enfrentamento) religioso/espiritual. Revista de Psiquiatría Clínica, 34(1), 126-135.). Para Pargament (1997)Pargament, K. I. (1997). The psychology of religion and coping. New York: The Guilford Press., o CRE tem como objetivo a busca de significados, controle, conforto espiritual, intimidade com Deus e com outros membros da sociedade, transformação de vida, busca de bem-estar físico, psicológico e emocional.

Não obstante, para outros colaboradores da pesquisa, a experiência dos primeiros contatos com a patologia foi mais difícil, principalmente pela projeção de um cenário demarcado pela possibilidade de morte.

Éum impacto muito forte. Demorei muito pra aceitar . A primeira coisa que eu pensei foi na minha família. Nos meus filhos principalmente. Como eles ficariam. Se eu morreria logo, se eu ia morrer amanhã, se daria muito trabalho (Ana).

Foi horrível. Foi a pior coisa . Foi como se eu tivesse recebido um troféu de “amanhã você vai morrer”. Eu só desabei em choro. Eu chorei muito. Eu pensei em morte, eu pensei nos meus filhos, na minha família, enfim...eu fiquei desesperada (Rosa).

Eu fiquei arrasado . Não queria me tratar. Sei lá...deu uma coisa em mim, um nervoso grande eu não queria fazer. Eu me entregava a ela [doença], mas eu não fazia [tratamento] (João).

Para os informantes Ana, Rosa e João, a espiritualidade/religiosidade parece cumprir outro papel em relação à vivência do câncer. À medida que seguem em seus discursos, o resgate de suas histórias religiosas anuncia que as vivências pregressas permanecem vivas e ativam novos sentidos e significados à vida e à experiência de conviverem com uma doença grave e potencialmente fatal.

[...] No começo eu me revoltei. Mas depois de entrar nos grupos de oração eu fui aceitando . Aceitando porque eu acredito que Deus tem um propósito pra minha vida. [...] Comecei a valorizar a minha vida (Ana).

Eu tinha vontade de ter uma Nossa Senhora de Nazaré em minhas mãos e que eu tive uma em minhas mãos. Me sinto muito feliz. [...]. Hoje em dia eu não sofro (João).

O resgate de experiências relacionadas à espiritualidade/religiosidade é uma estratégia comumente adotada por pacientes com câncer para o enfrentamento da doença, sendo que muitos deles se tornam mais religiosos após o diagnóstico (Carvalho, 2008Carvalho, V. A. (2008). Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus.). Outrossim, a espiritualidade/religiosidade também pode fornecer explicação ou quadros de referência para a compreensão do adoecimento (Inoue & Vecina, 2017Inoue, T. M., & Vecina, M. V. A. (2017). Espiritualidade e/ou religiosidade e saúde: uma revisão da literatura. Journal of the Health Sciences Institute, 35(2), 127-130.). Nesses casos, a intensidade do envolvimento em liturgias e a aproximação de símbolos religiosos contribuem para a construção de uma estrutura que permite a ampliação reflexiva sobre os significados e sentidos da existência e finitude.

Nessa perspectiva, a relação com o sagrado pode auxiliar na forma de lidar com as demandas advindas do quadro de adoecimento e favorecer a capacidade de resiliência, o reconhecimento das potencialidades e o sentimento de esperança (Amaro, 2014Amaro, L. D. S. (2014). Resiliência, religiosidade e sentido de vida em mulheres com câncer de mama (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.).

Essa estratégia de enfrentamento é predominante em grande parte da população acometida por câncer e aparece como importante aliada nas situações consideradas difíceis como o diagnóstico e eventos estressores (Fornazari & Ferreira, 2010Fornazari, S. A., & Ferreira, R. E. R. (2010). Religiosidade/espiritualidade em pacientes oncológicos: qualidade de vida e saúde. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(2), 265-272.).

Enlaces entre a morte e a experiência religiosa

O tema da morte surge nos discursos dos informantes de maneira espontânea e, em linhas gerais, parece se relacionar com as suas experiências religiosas de duas maneiras. Na primeira, a dimensão religiosa/espiritual surge como suporte que sustenta a negação da morte, gera atitude que se sobrepõe ao medo e acentua a crença na cura da doença.

Com certeza não vai acontecer [morte]. Eu creio, eu creio... Eu creio...eu não tenho medonão...não tenho medo mesmo...porque a minha fé em Jesus é maior. [...] Ele me curou da primeira, vai me curar da segunda e não vem mais nenhuma eu creio em nome de Jesus... (Bernadete).

No dia que eu for [morrer] eu tenho certeza para onde eu vou.Eu vou para a glória.Não adianta ficar a tensão antes da hora. [...] A gente é pó e ao pó voltará. É isso. Eu não tenho medo. É... Nascer, crescer e morrer (Ester).

O medo costuma ser a resposta psicológica mais comum diante da possibilidade de morte; nesse campo, há um melhor enfrentamento da morte pelos pacientes quando eles possuem uma crença religiosa (Kovács, 2008Kovács, M. J. (2008). Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.). Sobre essa questão, Safra (2018)Safra, G. (2018). A espiritualidade no adoecimento e na terminalidade. In F. M. T. Pereira (Ed.), Espiritualidade e oncologia: conceitos e práticas (pp. 53-60). Rio de Janeiro: Atheneu. adita que, no processo de atravessamento dessa experiência em direção ao porvir, o encaminhamento do adoecer pode se deslocar para o campo da espiritualidade e o sofrimento se traduzir tanto em forma de linguagem quanto de significação.

A experiência religiosa, portanto, nas vivências de Ester e Bernadete, parecem fornecer os elementos necessários para a (re)significação da morte manifestada no simbolismo da linguagem religiosa.

A segunda forma evidenciada pelos informantes no que tange à relação entre o tema da morte e suas experiências religiosas anuncia a influência da dimensão religiosa/espiritual em um processo de aceitação da morte e da convicção da continuidade da vida post mortem.

Pra gente morrer basta a gente tá vivo, não é verdade? E se for da vontade Dele a gente vai mesmo, né?A gente vai pra perto de Deus . [...] Hoje em dia não penso em salvação, porque quando morrer já vou salvo (João).

Quando ela [morte] chegareu tenho a convicção , eu espero, né? Que como a nossa religião [Cristã] diz que eu vá morar no céu com Jesus (Ana).

Se Deus me levar, de qualquer maneira, dessa doença ou da outra...[...] Quando eu morrer Ele vai dar conta da minha vida . Da minha vida, não, do meu espírito (Douglas).

O fato de o tema da morte se mostrar tangente aos discursos analisados adita aos estudos que estabelecem que o paciente com neoplasia maligna costuma associar a doença à morte próxima, o que o leva muitas vezes a manifestar sinais de ansiedade e sofrimento intenso (Melo & Caponero, 2009Melo, A. G. C., & Caponero, R. (2009). Cuidados paliativos: abordagem contínua e integral. In F. S. Santos (Ed.), Cuidados paliativos: Discutindo a vida, a morte e o morrer. São Paulo: Editora Atheneu.).

Valores e crenças podem se relacionar com os processos de morte e morrer de duas formas: colaborando na preparação para a morte ou aumentando a dificuldade em relação ao enfrentamento do morrer (Carvalho, 2008Carvalho, V. A. (2008). Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus.). A negação da morte e, por conseguinte, a minimização dos seus significados é uma das formas de não ter que lidar com a dolorosa face dessa experiência. Trata-se de um mecanismo de racionalização que acontece quando se nega aquilo com o qual não se pode lidar ou se lida com indiferença com as coisas que ultrapassam nossa capacidade de explicação (Ribeiro, 2004Ribeiro, J. P. (2004). Religião e psicologia. In A. F. Holanda (Ed.), Psicologia, religiosidade e fenomenologia (pp. 11-36). Campinas: Alínea.). Entretanto, a despeito de poder causar a impressão de força e controle, na prática, essa é uma ação que pode ser seguida de má elaboração do luto (Cassorla, 1999Cassorla, R. M. S. (1999). Da morte: estudos brasileiros. Campinas: Papirus.).

A finitude, embora inevitável, desencadeia vários questionamentos pessoais e, nesse sentido, a espiritualidade/religiosidade pode se apresentar como “[...] ponto de convergência no qual é possível encontrar respostas às indagações existenciais” (Ribeiro, 2004Ribeiro, J. P. (2004). Religião e psicologia. In A. F. Holanda (Ed.), Psicologia, religiosidade e fenomenologia (pp. 11-36). Campinas: Alínea., p. 31).

A morte sempre foi um grande mistério para a humanidade. Na tentativa de entendê-la e achar respostas para esse fenômeno, o homem, desde os tempos remotos, busca nas religiões e em outros sistemas simbólicos apoio e explicações sobre a sua finitude e principalmente sobre a possibilidade de continuação da vida após a morte (Silva et al., 2012Silva, C. R., Portella, S. D. C., Reis, L. R., & Bispo, T. C. F. (2012). Religião e morte: qual a relação existente? Revista Enfermagem Contemporânea, 1(1), 130-141.).

Para os cristãos, a morte representa a passagem para um outro modo de vida, uma vida eterna. A crença nesses atributos transmite o sentimento de conforto em torno do qual se organizam os discursos de João, Ana e Douglas. Nesse caminho, pautados em seus dogmas religiosos, esses pacientes demonstram encontrar subsídios para acreditar que a morte traz alegria e felicidade, pois será o dia em que terão um encontro com o seu criador. Nessa perspectiva, vida e morte se entrelaçam e a finitude passa a representar, de modo sumário, apenas o fim do corpo como matéria (Brustolin & Pasa, 2013Brustolin, L. A., & Pasa, F. M. L. (2013). A morte na fé cristã: uma leitura interdisciplinar. Teocomunicação, 43(1), 54-72.). Em síntese, “[...] a experiência religiosa está no cerne da experiência humana” (Ribeiro, 2004Ribeiro, J. P. (2004). Religião e psicologia. In A. F. Holanda (Ed.), Psicologia, religiosidade e fenomenologia (pp. 11-36). Campinas: Alínea., p.23), incluindo-se a experiência da possibilidade da morte e do morrer. À vista disso, os informantes da pesquisa se apresentam como pessoas que, imbuídas de um censo religioso peculiar, atribuem sentidos sobre o processo de doença e finitude humana, que são compartilhados pelos sistemas religiosos aos quais declaram vinculação: portanto, manifestam-se por meio de uma “[...] consciência transformada pela experiência do numinoso” (Jung, 2012Jung, C. G. (2012). Psicologia e religião. Petrópolis: Vozes., p. 21).

Práticas religiosas e o contexto hospitalar

O conjunto dos discursos permitiu constatar que, na rotina hospitalar, todos os colaboradores exerceram práticas religiosas durante o período de internação. O envolvimento dos pacientes nessas atividades se deu por meio de um vasto repertório que envolveu orações, leitura da bíblia e participação de liturgias por meio de programas de rádio e televisão.

Essas ações aconteciam em espaços distintos do ambiente hospitalar, geralmente limitados ao leito ou fora das enfermarias. A primeira situação está relacionada à prática pessoal de atividades religiosas relacionadas ao sistema religioso do qual participam e de acordo com o grau de envolvimento com esses sistemas. No espaço das enfermarias, também há visitas por parte de voluntários religiosos que prestam assistência espiritual/religiosa a quem se dispõe a recebê-los.

Quando me levanto de manhã eu sento no meu carrinho [cadeira de rodas]. Eu peço pra minha irmã me colocar na frente dela [imagem de uma santa].Aí eu faço as minhas “oraçõezinhas” (sic). Todos os dias eu tenho que fazer (João).

Euleio a bíbliae tenho tentado assistir as missas pela TV (Rosa).

Já recebi a visita de dois pastores, cada um de uma congregação. Eles rogaram a Deus,rezaram o pai nosso.Eles mepassaram o óleo ungidoe fizeram a oração (Rosa).

A assistência religiosa em hospitais públicos no Brasil é assegurada pela Lei 9.982 (Brasil, 2000Brasil. (2000, 14 de julho). Lei nº 9.982, de 14 de julho de 2000. Dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 3.) e pode ser justificada pela existência histórica de grupos de assistência religiosa nesses espaços. A assistência religiosa recebida pelos colaboradores da pesquisa adveio principalmente de representantes religiosos voluntários em razão de não haver um serviço de capelania hospitalar na estrutura organizacional da instituição.

Embora a prática da capelania ainda não funcione de modo pleno na realidade de nosso país, estudos ratificam a importância do cuidar na perspectiva desse serviço, haja vista que esse modo de intervenção se coloca como possibilidade para preencher as atuais lacunas na assistência espiritual/religiosa dos pacientes que se encontram diante da iminência da morte, principalmente nos serviços em que o capelão hospitalar profissional se encontra inserido na equipe de cuidados paliativos como qualquer outro profissional que se proponha a atender às demandas religiosas/espirituais de pacientes hospitalizados (Pugh et al., 2010Pugh, E. J., Smith, S., & Salter, P. (2010). Offering spiritual support to dying patients and their families through a chaplaincy service. Nursing Times, 106(28), 18-20. PMid:20715649.; Pedroso, 2018Pedroso, R. M. (2018). O papel do capelão como membro da equipe de profissionais de saúde. In F. M. T. Pereira (Ed.), Espiritualidade e oncologia: conceitos e prática (pp. 147-154). Rio de janeiro: Atheneu.).

No que se refere às práticas religiosas que acontecem fora do espaço das enfermarias, destacam-se a participação nas celebrações religiosas realizadas na capela que se situa dentro da própria instituição hospitalar.

Douglas é um exemplo de paciente que, além de exercer práticas religiosas quando restrito ao leito, apesar do comprometimento geral pelo câncer, mantém, com o auxílio dos parentes que o acompanham durante a internação, o hábito de frequentar o espaço da capela do hospital.

Além daida à capela eu rezo comigo mesmo . Eu rezo a minha oração que é o pai nosso, que é o Ave Maria. Me benzo antes de deitar, quando eu me levanto. Me benzo pedindo para Deus que me dê um dia bom (Douglas).

De acordo com Elmescany & Barros (2015)Elmescany, E. N. M., & Barros, M. L. P. (2015). Espiritualidade e terapia ocupacional: reflexões em cuidados. Revista Nufen: Phenomenology and Interdisciplinarity, 7(2), 1-24., a vivência do câncer e dos seus diferentes estágios de tratamento ocupa lugar central no cotidiano e nas preocupações dos sujeitos acometidos. Implica também em rupturas na vida do indivíduo e repercussões físicas, psicológicas, sociais e ocupacionais diversas que exigem dos pacientes formas de adaptação e enfrentamento. Nesse sentido, a presença da capela de referência católica dentro do hospital permitiu que o paciente pudesse manifestar e manter suas práticas e rituais religiosos a despeito da vivência no ambiente hospitalar.

A intenção de locomover-se até a capela, por sua vez, pareceu favorecer o resgate de uma ocupação significativa do seu cotidiano: frequentar missas em igrejas católicas – ação que fora interrompida pelo processo de hospitalização. A privação dessas atividades pode repercutir na dificuldade em significar a vida e afetar o seu bem-estar e sua expressão religiosa (Elmescany & Barros, 2015Elmescany, E. N. M., & Barros, M. L. P. (2015). Espiritualidade e terapia ocupacional: reflexões em cuidados. Revista Nufen: Phenomenology and Interdisciplinarity, 7(2), 1-24.).

Significado e propósito são dimensões importantes que tangenciam a estrutura das ocupações humanas (Christiansen, 1997Christiansen, C. (1997). Acknowledging a spiritual dimension in occupational therapy practice. The American Journal of Occupational Therapy, 51(3), 169-172. PMid:9048155.). Isso nos permite falar, nos termos de Egan & DeLaat (1997)Egan, M., & DeLaat, M. D. (1997). The implicit spirituality of occupational therapy practice. Canadian Journal of Occupational Therapy, 64(3), 115-121., em uma espiritualidade implícita na prática da terapia ocupacional. Esse ponto de vista defende que há perspectivas espirituais não nomeadas no processo como se faz e nas razões pelas quais a terapia ocupacional acontece. Alguns desses fatores seriam o fato de a prática da terapia ocupacional refletir uma preocupação com a vida cotidiana ao favorecer que seus clientes atendam a suas necessidades por meio do envolvimento em ocupações de modo que possam se conectar uns com os outros e construir significados, o que é importante tanto para a espiritualidade quanto para a ocupação.

Soma-se a isso a visão social da terapia ocupacional (Nilsson & Townsend, 2010Nilsson, I., & Townsend, E. (2010). Occupational justice: bridging theory and practice. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 17(1), 57-63. PMid:20170412., p. 58) que atua no sentido de garantir “[...] a participação inclusiva nas ocupações diárias de todas as pessoas, independente da idade, capacidade, gênero, classe social ou outras diferenças”, ou seja, o caráter universal da espiritualidade estaria no cerne do ethos da terapia ocupacional: “[...] preocupar-se com pessoas e suas naturezas ocupacionais” (Peloquim, 2006Peloquim, S. (2006). El arte de la terapia ocupacional: el spíritu llevado a la práctica. In F. Kronenberg, S. S. Algado & N. Pollark (Eds.), Terapia ocupacional sin fronteras: aprendiendo del espíritu de superviventes (pp. 98-109). Buenos Aires: Médica Panamericana., p. 99).

Considerações Finais

A dimensão espiritual/religiosa do humano ainda é um tema que requer ampla discussão nos espaços acadêmicos com base em diferentes epistemologias. É necessário ampliar e aprofundar os debates que retomam o sagrado em sua manifestação religiosa/espiritual como elemento fundante do acontecer humano e que pode compor importantes ferramentas de suporte a quem vivencia diferentes estados de sofrimento.

A pesquisa apresentada neste artigo teve como objetivo compreender como pacientes com câncer e em cuidados paliativos vivenciam sua espiritualidade/religiosidade no processo de tratamento da doença e o modo como essa dimensão se manifesta no enfrentamento do câncer. Nesse intuito, o contato com cada um dos participantes, por meio da escuta do relato de suas experiências, permitiu identificar que a dimensão espiritual/religiosa intermediada pelo sagrado exerce inúmeros papéis no modo como lidam com as demandas advindas da vivência do câncer durante a internação hospitalar.

Para alguns, é sustentação e esperança. Para outros, calmaria e aceitação. Em conjunto, o modo como essas pessoas reagem, automanejam-se e lidam com o sofrimento por meio de um copping positivo de base religiosa/espiritual amplia um horizonte hermenêutico que ultrapassa o discurso e o texto escrito. Contribui para decifrar o grande texto da vida com seus ritos, mitos e símbolos, sejam eles religiosos ou não.

A manutenção de uma rotina no ambiente hospitalar que ofereça condições para a expressão religiosa/espiritual dos pacientes mostrou reverberações na qualidade de vida global dessas pessoas que, além de terem seus valores e crenças respeitados, puderam se envolver em uma experiência rica em sentidos para suas vidas e que pode se mostrar singularmente importante na evolução de seu quadro clínico e para o modo como encaram o adoecimento e a finitude.

Essas pessoas parecem caminhar na contramão de um processo que dessacraliza o mundo ou que ainda aponta para uma necessidade moral da existência de Deus. Suas vivências compartilhadas como ontologia pessoal absorvem demandas existenciais que nos levam a uma aproximação de seus modos de ser-no-mundo.

Nesse sentido, a experiência religiosa parece repercutir na maneira como cada participante da pesquisa lida com a vivência do câncer e com a possibilidade de morte, demonstrando que, diante das angústias, medos e preocupações, encontraram, em uma entidade deífica, o elemento transcendente oportuno para dividir a carga emocional implícita do processo de adoecimento e assim prosseguir, com a leveza necessária, para o desenvolvimento de uma experiência transformadora.

No que se refere à possibilidade de se considerar a abordagem da dimensão espiritual/religiosa no processo terapêutico ocupacional junto a pacientes oncológicos em cuidados paliativos, é importante reconhecer a espiritualidade como uma dimensão do cliente. Esse talvez seja o núcleo valorativo da dimensão espiritual na vida cotidiana, o que reitera a necessidade de uma abordagem terapêutica ocupacional ampliada para além dos limites do corpo e da formação subjetiva do indivíduo, de modo que se “[...] valorize e reconheça a espiritualidade como elemento capaz de influenciar o significado das ocupações e repercutir no desempenho ocupacional dos clientes” (Araújo et al., 2014Araújo, L. S., Oliveira, I. B. S., & Jaramillho, S. R. (2014). Espiritualidad em la práctica de la terapia ocupacional: interfaces en el campo de la ocupación humana. TOG (A Coruña), 11(20), 1-19., p. 04).

Alguns limites do estudo foram o quantitativo de informantes e as dificuldades de acessá-los do ponto de vista fenomenológico entre tantos procedimentos invasivos em uma rotina hospitalar massificante, os quais certamente interferem no mergulho necessário que o compartilhamento genuíno da experiência vivida requer. A abordagem de um ente familiar sobre a rotina religiosa dos pacientes acerca do período que precede a internação hospitalar também é recomendada em pesquisas futuras sobre o fenômeno em foco junto a essa população.

  • 1
    O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Ophir Loyola (HOL) sob o parecer 2.008.748/2017. Os entrevistados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi lido, explicado e, em caso de concordância, assinado.
  • 2
    É importante citar o contraponto estabelecido por estudos que indicam piores prognósticos, agudização do estresse e medo da morte geralmente associado a pensamentos punitivos mediante a concepção religiosa do paciente. Portanto, há de se considerar que não necessariamente a espiritualidade/religiosidade possa contribuir à qualidade de vida, mas o seu sentido para cada pessoa em sua singularidade (Moreira-Almeida & Cardeña, 2011Moreira-Almeida, A., & Cardeña, E. (2011). Diagnóstico diferencial entre experiências espirituais e psicóticas não patológicas e transtornos mentais: uma contribuição de estudos latino-americanos para o CID-11. Revista Brasileira de Psiquiatria, 33(1), 21-28.; Medeiros, 2010Medeiros, B. (2010). A relação entre religiosidade, culpa e avaliação de qualidade de vida no contexto do HIV/AIDS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.; Marques, 2003Marques, L. F. (2003). A saúde e o bem-estar espiritual em adultos porto-alegrenses. Psicologia, 23(2), 56-65.; Melo et al., 2015Melo, C. D. F., Sampaio, I. S., Souza, D. L. A., & Pinto, N. S. (2015). Correlação entre religiosidade, espiritualidade e qualidade de vida: uma revisão de literatura. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(2), 447-464.).
  • Como citar: Araújo, L. S., Gomes, L. R. C. M., Melo, T. C. P., & Costa, F. S. (2022). Religiosidade, espiritualidade e a vivência do câncer: um estudo fenomenológico. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e3203. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO244832031

Referências

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Editado por

Editor de seção

Prof. Dr. Milton Carlos Mariotti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2021
  • Revisado
    23 Mar 2022
  • Revisado
    29 Mar 2022
  • Aceito
    23 Jun 2022
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