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Comunidade de Práticas em Terapia Ocupacional no Sistema Único de Assistência Social: articulando encontros e promovendo debates em terapia ocupacional social

Resumo

Com o crescente número de terapeutas ocupacionais atuantes no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), amplia-se a necessidade por processos formativos que desenvolvam criticamente a atuação profissional neste campo. A partir desta demanda formativa foi criado, em outubro de 2020, um projeto de extensão intitulado “Comunidade de práticas em terapia ocupacional no SUAS: articulação profissional e construção de estratégias”, com o intuito de promover trocas de conhecimento e experiências entre terapeutas ocupacionais trabalhadoras em unidades socioassistenciais. Neste artigo se apresentam as possibilidades e os limites do trabalho no SUAS sob o ponto de vista de terapeutas ocupacionais que nele atuam e que foram participantes da Comunidade de Práticas, analisando se e como suas ações profissionais têm se relacionado com a fundamentação teórico-metodológica da terapia ocupacional social. Para isso, foi revisitado todo o material de registro produzido nos dois ciclos do projeto, efetivados de outubro de 2020 a julho de 2021. As informações extraídas das atas foram organizadas em um quadro que agrupou as temáticas encontradas. A análise dos dados revelou dois principais aspectos que possibilitam a correlação das ações das profissionais com a fundamentação teórico-metodológica da terapia ocupacional social, sendo: a necessária leitura acerca da indissociabilidade entre os fatores micro e macrossociais para o desenvolvimento do trabalho e a dimensão técnico-política da atuação terapêutico-ocupacional. Em ambos os debates a fundamentação teórico-metodológica da terapia ocupacional social foi e tem sido o fio condutor do processo, possibilitando uma leitura social e maior apropriação das finalidades técnico-profissionais no âmbito da assistência social.

Palavras-chave:
Prática Profissional; Política Social; Educação Continuada; Terapia Ocupacional

Abstract

With the growing number of occupational therapists working at the Unified Social Assistance System (SUAS) in Brazil, there has been an increasing need for education processes focusing on the critical development of professional practice in this field. From this education demand, a project was created in October 2020: “Communities of Practice in Occupational Therapy at SUAS: professional planning and construction of strategies” aiming to promote the exchange of knowledge and experiences between occupational therapists working in social assistance. This study aims to present the work possibilities and limits at SUAS from the point of view of occupational therapists who work at its units and who participated in the Community of Practice, analyzing whether and how their professional actions have been related to the social occupational therapy theoretical-methodological framework. To this end, all the recording material produced in the two project cycles from October 2020 to July 2021 was revisited. The collected information was organized in a table that grouped the themes found. Data analysis revealed two main aspects that allow the correlation of the professionals’ actions with the social occupational therapy theoretical-methodological framework, namely, the necessary interpretation of the inseparability between micro- and macro-social factors for the development of work and the professional and political dimensions of the occupational-therapeutic actions. In both debates, the social occupational therapy theoretical-methodological framework has been the guiding thread of the process, enabling a social reading and a greater understanding of technical-professional purposes within the scope of social assistance.

Keywords:
Professional Practice, Social Policy, Social Protection, Education; Continuing, Occupational Therapy

Introdução

Terapeutas ocupacionais são profissionais que, historicamente, vêm atuando em unidades da assistência social no Brasil (Galheigo, 2016Galheigo, S. M. (2016). Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e de prática. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia Ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 49-68). São Carlos: EdUFSCar.) e em 2011 foram reconhecidos legalmente como profissionais capacitados para atuação no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (Brasil, 2011aBrasil. (2011a, 21 de junho). Resolução nº 17, de 20 de junho de 2011. Ratificar a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social - NOB-RH/SUAS e Reconhecer as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.; Almeida et al., 2012Almeida, M. C., Soares, C. R. S., Barros, D. D., & Galvani, D. (2012). Processos e práticas de formalização da Terapia Ocupacional na Assistência Social: alguns marcos e desafios. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 20(1), 33-41.). A partir de então, o número de terapeutas ocupacionais em exercício profissional no SUAS tem crescido (Oliveira et al., 2019Oliveira, M. L., Pinho, R. J., & Malfitano, A. P. S. (2019). O cenário da inserção dos terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social: registros oficiais sobre o nosso percurso. Cadernos Brasileiros De Terapia Ocupacional, 27(4), 828-842.), exigindo que sejam produzidas reflexões acerca de tais práticas, juntamente com propostas de educação continuada que desenvolvam criticamente a atuação profissional nesse setor, como é oportunizado pela formação de Comunidades de Práticas.

As Comunidades de Práticas1 1 Para referir-se à Comunidade de Práticas, no sentido de descrição deste grupo, bem como da operacionalização da Comunidade de Práticas em Terapia Ocupacional no SUAS, optamos pela grafia Comunidade com iniciais maiúsculas. Para outros usos, no sentido geral do termo comunidade, esta palavra está escrita em letra minúscula. são estratégias de articulação entre profissionais para o compartilhamento de experiências, de aprendizados e para a elaboração conjunta de ações. Podem ser compreendidas como espaços coletivos para aprendizagens entre pessoas com interesses comuns, relacionados a um tipo específico de prática de trabalho (Wenger-Trayner & Wenger-Trayner, 2015Wenger-Trayner, E., & Wenger-Trayner, B. (2015). Comunidades de práctica: una breve introducción. Recuperado em 18 de maio de 2022, de http://www.pent.org.ar/sites/default/files/institucional/publicaciones/Breve%20introduccio%CC%81n%20a%20las%20comunidades%20de%20pra%CC%81ctica.pdf
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). A organização voluntária entre os participantes pode revelar a construção de novos conhecimentos favorecedores da reflexão e do diálogo, capazes de promover a busca pela pesquisa, debates e avaliações que melhor dialoguem com a prática em questão (Wenger-Trayner & Wenger-Trayner, 2015Wenger-Trayner, E., & Wenger-Trayner, B. (2015). Comunidades de práctica: una breve introducción. Recuperado em 18 de maio de 2022, de http://www.pent.org.ar/sites/default/files/institucional/publicaciones/Breve%20introduccio%CC%81n%20a%20las%20comunidades%20de%20pra%CC%81ctica.pdf
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). Ademais, o valor da aprendizagem colaborativa traz benefícios para a satisfação e realização pessoal e profissional. Kinsella & Whiteford (2009)Kinsella, E. A., & Whiteford, G. E. (2009). Knowledge generation and utilisation in occupational therapy: towards epistemic reflexivity. Australian Occupational Therapy Journal, 56(4), 249-258., em um debate sobre a reflexividade epistêmica necessária para a área de terapia ocupacional, ressaltam a importância em se valorizar a “sabedoria da prática” como um dos recursos geradores de conhecimento e possibilitador de construção de novos saberes.

Para Wenger-Trayner & Wenger-Trayner (2015), aWenger-Trayner, E., & Wenger-Trayner, B. (2015). Comunidades de práctica: una breve introducción. Recuperado em 18 de maio de 2022, de http://www.pent.org.ar/sites/default/files/institucional/publicaciones/Breve%20introduccio%CC%81n%20a%20las%20comunidades%20de%20pra%CC%81ctica.pdf
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Comunidade de Práticas se fundamenta em três características essenciais: domínio, referente à identidade estruturada por um interesse em comum, pelas quais seus membros se orientam; conceito de comunidade, relacionada ao compromisso coletivo que os membros acordam, promovendo a construção de relações mútuas em torno do interesse em comum; e a prática propriamente dita, na qual profissionais ou pessoas ligadas a algum tipo de prática específica desenvolvem e compartilham experiências, bem como buscam pela solução de problemas.

A ideia de formar a “Comunidade de práticas em terapia ocupacional no SUAS: articulação profissional e construção de estratégias”, aqui em discussão, ocorreu como encaminhamento da pesquisa de doutorado de Oliveira (2020)Oliveira, M. L. (2020). “ Qual é SUAS”? A terapia ocupacional e o Sistema Único de Assistência Social (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., que mapeou o número de terapeutas ocupacionais atuando no SUAS e debateu com essas profissionais as suas práticas. O estudo se baseou em dados do Censo SUAS (Brasil, 2020Brasil. (2020). Publicações censo 2020. Brasília: Portal Censo SUAS. Recuperado em 23 de maio de 2022, de https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/portal-censo/
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), que indicaram que, em 2019, o Brasil dispunha de 1.673 terapeutas ocupacionais atuando nas unidades do SUAS: Centro dia, Unidade de Acolhimento, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Convivência, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop)2 2 O CRAS é uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social. Executa serviços de proteção social básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social (Brasil, 2004). O Centro de Convivência é a unidade em que são desenvolvidas as atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no âmbito da Proteção Social Básica, sendo estruturado por faixas etárias de acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009). O CREAS é a unidade pública, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial (Brasil, 2011b). O Centro Dia [para pessoas com deficiência] se caracteriza como uma Unidade Especializada (Proteção Social Especial) de oferta do serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência e suas famílias (Brasil, 2012). O Centro Pop é uma unidade de natureza pública e estatal que se volta, especificamente, para o atendimento especializado à população em situação de rua (Brasil, 2011b). As Unidades de Acolhimento executam os serviços especializados que oferecem acolhimento e proteção a indivíduos e famílias afastados temporariamente do seu núcleo familiar e/ou comunitários e se encontram em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos (Brasil, 2015). . Posteriormente, em 2020, no contexto da pandemia de Covid-19, foi organizado pela pesquisadora a exposição dos resultados no evento intitulado “Terapia Ocupacional no Sistema Único de Assistência Social”, realizado no formato online, que contou com 580 participantes, dos quais 90% demonstraram interesse em ingressar em projetos que envolvessem discussões e formações continuadas que subsidiassem o trabalho terapêutico-ocupacional no SUAS. A partir daí foi proposta a criação desta Comunidade de Práticas, na forma de um projeto de extensão com o intuito de articular, por meio de encontros virtuais, estratégias coletivas de enfrentamento das questões suscitadas pela ação profissional de terapeutas ocupacionais envolvidas com a consecução da proposição da proteção social, tendo como parâmetro questões identificadas no estudo de Oliveira (2020)Oliveira, M. L. (2020). “ Qual é SUAS”? A terapia ocupacional e o Sistema Único de Assistência Social (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos..

Em setembro de 2020 foi, então, realizado um convite público, utilizando-se de redes de comunicação, como endereços eletrônicos institucionais, WhatsApp, Facebook, Instagram, dentre outros, para que profissionais interessadas3 3 Será utilizado o feminino para se referir às terapeutas ocupacionais atuantes na assistência social, em razão da categoria ser composta por absoluta maioria de mulheres. pudessem se inscrever para a composição da Comunidade. Os critérios de participação foram: ser graduada em terapia ocupacional, ser trabalhadora do SUAS e ter disponibilidade para os encontros virtuais. Foram recebidas 96 inscrições, tendo 77 sido deferidas. Com o convite a 77 profissionais, os trabalhos ocorreram de outubro de 2020 a julho de 2021, com a participação, em média, de 47 profissionais de diferentes localidades do Brasil. Neste período aconteceram 12 encontros virtuais, em dois ciclos, com duração média de duas horas cada.

No primeiro ciclo, em 2020, as atividades foram realizadas quinzenalmente, mediadas por docentes e profissionais das universidades proponentes da Comunidade: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Universidade de São Paulo (USP- campus de São Paulo), contando com o apoio de uma equipe de discentes dessas universidades participando como extensionistas. Logo nos primeiros encontros foram discutidas coletivamente as temáticas e as estratégias que viriam a compor a Comunidade, tendo sido escolhido como tema principal as bases teóricas para a prática profissional. Para abrangê-las, os encontros seguintes focaram em discussões sobre os fundamentos teóricos da terapia ocupacional social como subsídios para a prática terapêutica-ocupacional no SUAS, em proposição elaborada pelas mediadoras e aceita pelas participantes. Foram adotadas estratégias como a realização de leituras programadas, como também de relatos e discussões de narrativas sobre experiências profissionais daquelas trabalhadoras, envolvendo os diferentes níveis de complexidade, programas e projetos do SUAS. O diálogo, a troca de saberes e as incertezas em torno de experiências práticas, vividas no cotidiano do trabalho em diferentes espaços sócio-ocupacionais do SUAS, predominaram nos encontros.

O segundo ciclo decorreu do interesse das participantes na continuidade das atividades da Comunidade para o ano de 2021, o que não havia sido previsto na proposta inicial. Caminhando para a proposição de encontros mais participativos, protagonizados pelas participantes, o grupo se dividiu em duas principais frentes organizativas de atuação. A primeira frente se dedicou à organização de encontros para o aprofundamento teórico, a partir de temas elencados em conjunto, com a participação de todas na elaboração de seminários temáticos para a discussão de todo o grupo. A segunda frente foi direcionada para a produção e divulgação de conteúdos referentes à prática de terapeutas ocupacionais no SUAS através da criação do Blog “Terapia Ocupacional no Sistema Único de Assistência Social - TO.noSUAS” (Blog TO.no SUAS, 2023Blog TO.no SUAS. (2023). Recuperado em 3 de julho de 2022, dehttps://to-nosuas.blogspot.com
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). O trabalho desta segunda frente, que segue ativa até os dias atuais, será debatido em textos futuros.

Os referenciais teóricos-metodológicos da terapia ocupacional social permearam diversos debates realizados pelas profissionais, bem como as postagens realizadas no Blog, compreendendo estes materiais como uma das possibilidades para embasar as práticas da categoria no SUAS.

Terapia ocupacional social

A terapia ocupacional social tem se desenvolvido de forma pioneira no Brasil desde os anos de 1970, questionando a finalidade das ações técnico-profissionais do trabalho em terapia ocupacional, na defesa de seu direcionamento para a questão social (Lopes & Malfitano, 2016Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2016). Traçados teórico-práticos e cenário contemporâneos: a experiência do Metuia/UFSCar em terapia ocupacional social. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia Ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 297-305). São Carlos: EdUFSCar.). A centralidade na questão social - compreendida como resultado das contradições entre o capital e o trabalho - conduz necessariamente a uma leitura da sociedade que compreenda os fenômenos macrossociais e sua expressão e inseparabilidade na cotidianidade dos sujeitos, que são dialeticamente individuais e coletivos (Malfitano et al., 2021Malfitano, A. P. S., Whiteford, G., & Molineux, M. (2021). Transcending the individual: the promise and potential of collectivist approaches in occupational therapy. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 28(3), 188-200.).

Nesta perspectiva, as políticas sociais ganham relevância na discussão da categoria profissional, na medida em que visam, no interior da dinâmica de disputas capitalistas, criar condições para que os/as trabalhadores/as sejam incluídos nas relações de troca, a partir das necessidades sociais politicamente reconhecidas como necessárias em cada contexto social (Offe & Lenhardt, 1984Offe, C., & Lenhardt, G. (1984). Teoria do Estado e política social. In C. Offe. Problemas estruturais do Estado capitalista (pp. 10-53). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.). Profissionais de terapia ocupacional, majoritariamente, atuam por intermédio de sua inserção profissional nas políticas sociais, o que se coaduna com a finalidade de sua atuação, quando voltada para a consecução de ações pela inserção e participação sociais dos sujeitos (Malfitano, 2016Malfitano, A. P. S. (2016). Contexto social e atuação social: generalizações e especificidades na terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 117-134). São Carlos: EdUFSCar.), em conexão com a universalidade dos direitos sociais. Desta forma, a arena pública de discussão das demandas sociais, seu reconhecimento e o estabelecimento de ações sobre elas, compõe, ou deveria compor, o bojo de suas ações.

Dentre as políticas sociais, é importante destacar neste texto a Política Nacional de Assistência Social (Brasil, 2004Brasil. (2004). Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS.), sob a perspectiva dos aspectos normativos e conceituais que orientam o trabalho no SUAS, bem como a partir de percursos históricos e interesses do sistema capitalista (Boschetti, 2016Boschetti, I. (2016). Tensões e Possibilidades da Política de Assistência Social em contexto de crise do capital. Argumentum, 8(2), 16-29.). Terapeutas ocupacionais integram, em meio às contradições desse modo de produção, os princípios da composição de ações pela proteção social dos sujeitos, grupos e comunidades com os quais intervém nesta política (Almeida & Soares, 2021Almeida, M. C., & Soares, C. R. S. (2021). Occupational Therapy and Social Assistance: building a critical thinking about the field. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano,Social occupational therapy: theoretical and practical designs(pp. 69-77). Philadelphia: Elsevier.).

Portanto, no processo de conformação da Comunidade de Práticas voltada para qualificar o trabalho de terapeutas ocupacionais no SUAS, compreendemos e defendemos a pertinência dos aportes da terapia ocupacional social para o embasamento teórico-metodológico das atuações dessas profissionais no interior da política de assistência social e, a partir dessa premissa, os colocamos em evidência e discussão em face das realidades concretas do trabalho das profissionais do SUAS. Consideramos que a finalidade da ação profissional, direcionada à busca de mediações pela inserção e participação social dos sujeitos, será possível se guiada por uma leitura da questão social que a correlacione sempre a uma perspectiva coletiva da realidade, por meio da inseparabilidade das dimensões macro e microssociais, que se voltem ao desenvolvimento de ações nos cotidianos dos sujeitos (Malfitano, 2016Malfitano, A. P. S. (2016). Contexto social e atuação social: generalizações e especificidades na terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 117-134). São Carlos: EdUFSCar.), que são sempre histórico-sociais, ou seja, individuais e coletivos, com vistas à proteção social.

O objetivo deste artigo é apresentar as possibilidades e os limites do trabalho no SUAS sob o ponto de vista de terapeutas ocupacionais que nele atuam e que foram participantes da Comunidade de Práticas, analisando se e como suas ações profissionais têm se relacionado com a fundamentação teórico-metodológica da terapia ocupacional social.

Percursos

Ao longo do desenvolvimento dos encontros da Comunidade de Práticas, as coordenadoras do projeto de extensão deram início a uma pesquisa4 4 Em relação aos aspectos éticos, além de consulta feita a todas as participantes, a pesquisa decorrente do projeto de extensão foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, CAAE 46018721.5.0000.5154. , visando conhecer, de modo sistematizado, as principais características do trabalho daquelas terapeutas ocupacionais no SUAS. As atuações foram sendo arroladas por meio da proposta de Comunidades de Práticas, que decorrem de reflexões coletivas sobre estratégias de intervenção profissional, com o intuito do fortalecimento da categoria. Para viabilizar eticamente a pesquisa, todas as participantes foram consultadas, por meio de mensagem eletrônica, se concordavam com o uso de todas as atas produzidas ao longo dos encontros da Comunidade como corpus da pesquisa a ser realizada. Basicamente, as atas apresentam relatos verbais do conjunto de participantes, bem como alguns dados elementares sobre a dinâmica de cada encontro. Houve concordância geral, tendo sida garantida a confidencialidade das respostas encaminhadas às pesquisadoras.

Propostas participativas como as de comunidades de práticas aproximam-se metodologicamente das proposições da pesquisa-ação (Thiollent, 1985Thiollent, M. (1985). Metodologia da Pesquisa ação. São Paulo: Cortez.). Desse modo, embora a experiência de constituir uma comunidade de práticas com o propósito de refletir e encontrar caminhos para o enfrentamento de problemas de uma realidade prática não tenha ganhado contornos de uma pesquisa-ação logo de início, tendo se instituído enquanto projeto de extensão universitária “Comunidade de Práticas em terapia ocupacional no SUAS: articulação profissional e construções de estratégias”, seu desenvolvimento manteve diálogo permanente com aspectos basilares desse método.

A pesquisa-ação pode ser concebida como método que agrega várias técnicas de pesquisa social, buscando solucionar problemas sociais e técnicos, ou, ao menos, compreender melhor o fenômeno e suas características para apoiar a formulação de respostas sociais, educacionais, técnicas e/ou políticas adequadas (Thiollent, 1985Thiollent, M. (1985). Metodologia da Pesquisa ação. São Paulo: Cortez.). O seu início se dá a partir de algum problema ou da problematização de algo e tem por objetivo central a explicação dos fenômenos, num processo que visa à tomada de consciência dos princípios que norteiam a ação. Trata-se de um método participativo, no qual todos os envolvidos desempenham um papel ativo e colaborativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas vivenciados (Thiollent, 1985Thiollent, M. (1985). Metodologia da Pesquisa ação. São Paulo: Cortez.).

Compreendemos que este processo foi também embasado em uma vertente materialista histórico-dialética, a partir da compreensão de que a pesquisa, ao contemplar um objeto, deve considerar sua historicidade, imersa nos determinantes culturais, políticos e econômicos, buscando a formulação de análises de elementos socialmente construídos (Gomide, 2014Gomide, D. C. (2014). O materialismo histórico-dialético como enfoque metodológico para a pesquisa sobre políticas educacionais. In Anais do X Seminário de Dezembro: A crise do capitalismo e seus impactos na educação pública brasileira. Campinas: Unicamp.). Tal fundamentação se mostra coerente à pesquisa-ação, articulando conhecimentos científicos que buscam pistas para vislumbrar transformações sociais (Soares et al., 2013Soares, C. B., Cordeiro, L., & Campos, C. M. S. (2013). Pesquisa-ação emancipatória: uma proposta metodológica essencial para a enfermagem. In Anais do Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem. Natal: Associação Brasileira de Enfermagem. Recuperado em 25 de maio de 2022, de https://silo.tips/download/pesquisa-aao-coerencia-com-a-vertente-marxista-de-produao-do-conhecimento
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). Ainda, baseia-se nos princípios de que a compreensão aprofundada de uma concepção de mundo, de vida e de realidade podem facilitar traçar caminhos para sua transformação (Frigotto, 2000Frigotto, G. (2000). O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In I. Fazenda (Org.), Metodologia da pesquisa educacional (pp. 69-90). São Paulo: Cortez.). Para a terapia ocupacional, o materialismo histórico se constituiu desde a década de 1980 como uma “chave de leitura” para suas práticas, considerada ainda bastante atual e pertinente para embasar a compreensão das ações profissionais em diferentes contextos (Barreiro et al., 2020, pBarreiro, R. G., Borba, P. L O., Malfitano, A. P. S. (2020). Revisitando o materialismo histórico em terapia ocupacional: o papel técnico, ético e político na contemporaneidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(4), 1311-1321.. 1312).

No desenvolvimento das atividades da Comunidade, o seu primeiro ciclo, realizado de outubro a dezembro de 2020, pode ser compreendido como uma fase exploratória, de mútuo conhecimento e reconhecimento de demandas, as quais versaram sobre a prática, a articulação profissional e os aprofundamentos teóricos requeridos. Em seis encontros quinzenais foram levantadas temáticas de maior interesse das participantes, bem como propiciado espaços para a discussão de diversas experiências, acompanhados de registro sistemático do processo. Foram produzidos seis arquivos de registros/memórias-atas com a descrição de cada encontro; apresentadas 17 cenas de práticas da terapia ocupacional no SUAS5 5 As cenas da prática da terapia ocupacional no SUAS foi uma atividade proposta às terapeutas ocupacionais da Comunidade de Práticas para que elas pudessem compartilhar em um encontro cenas da sua prática profissional, detalhando o objeto da prática, o(s) objetivo(s) da ação e os recursos da terapia ocupacional utilizados. ; elaboradas duas nuvens de palavras sobre as expectativas e avaliação das experiências; dois gráficos sobre as temáticas de maior interesse para discussão e demandas do trabalho na assistência social; um documento e um gráfico que elencam os maiores desafios do trabalho da terapia ocupacional na assistência social e estratégias para lidar com eles; e cinco apresentações elaboradas pela comissão organizadora/facilitadora utilizadas na mediação. As apresentações teóricas foram guiadas pelos aportes da terapia ocupacional social. No último encontro deste ciclo foi realizada uma avaliação coletiva da Comunidade, com um debate a partir de 18 respostas obtidas por meio de um formulário de avaliação e pela escrita de um texto coletivo, decidindo-se pela continuidade de suas ações.

No ano de 2021, os encontros passaram a ser mensais com debates teóricos realizados em cinco reuniões síncronas enfocando uma temática escolhida pelas participantes, que tivesse relação com o trabalho no SUAS, tendo sido o debate acerca dos aportes ofertados pela terapia ocupacional social o elemento orientador da programação proposta, construída coletivamente entre as participantes. Neste ciclo foram produzidas cinco memórias-atas com a descrição detalhada dos encontros. Os temas escolhidos foram: 1) Política Nacional de Assistência Social na contemporaneidade: desafios, entraves e dificuldades no Brasil; 2) SUAS e níveis de complexidade; 3) Gestão e o trabalho em equipe dos serviços da política de assistência social; 4) Recursos, metodologias e ferramentas de trabalho da terapia ocupacional no SUAS; 5) Atuação do terapeuta ocupacional nas comunidades e nos territórios. Foram organizados subgrupos responsáveis pela escolha de textos para a leitura de todas sobre cada tema, bem como para a apresentação de cada um deles no formato de seminário. As leituras foram guiadas pela produção em terapia ocupacional social, buscando ofertar subsídios à discussão, conforme solicitado pelas participantes.

Para este artigo, foi revisitado todo o material de registro e de uso nos encontros produzido nos dois ciclos da Comunidade, sobretudo as 12 memórias-atas. Os registros foram lidos em profundidade por duplas de autoras deste artigo, que buscaram identificar se e como as ações profissionais se relacionavam com a terapia ocupacional social. Na sequência, as informações extraídas das atas foram organizadas em um quadro de agrupamento das temáticas encontradas. A partir da sistematização das informações nesse quadro, as duplas propuseram categorias de debate, as quais foram posteriormente consensuadas entre todas as autoras. A análise de dados foi feita com base na perspectiva compreensiva da realidade, proposta porBourdieu (1996)Bourdieu, P. (1996). Understanding. Theory, Culture & Society, 13(2), 17-37., por meio da qual se compreende que os sujeitos estabelecem significados e teorias explicativas sobre o mundo e as estruturas sociais em que vivem de modo relacional, marcados pela cultura, pelo social e pelo simbólico. A partir da nossa visão de pesquisadoras, considerando as limitações sempre existentes, a análise foi construída a partir da compreensão individual, mas também coletiva, ofertando uma entre muitas das análises possíveis acerca do processo trilhado na Comunidade de Práticas.

Portanto, informadas por esta orientação teórica e metodológica, tomou-se como hipótese que a produção de discussões e sínteses acerca da atuação de terapeutas ocupacionais no SUAS, tendo como fundamento a terapia ocupacional social, pode contribuir com as possibilidades de mudanças concretas no cotidiano de trabalho profissional nos serviços de assistência social, na direção da consolidação do direito constitucional de proteção social estabelecido no Brasil.

Resultados

Caracterização das participantes

A caracterização das participantes foi realizada por meio das informações disponíveis no formulário de inscrição (n=77) (excluindo-se aquelas relacionadas à identificação pessoal), a saber: 1) distribuição de profissionais por localidade, 2) unidade socioassistencial em que trabalha, 3) tempo de atuação no serviço e 4) tipo de vínculo empregatício.

A distribuição de terapeutas ocupacionais foi categorizada pelas regiões do país, com participação predominante de profissionais do Sudeste (54,5%), porém com a presença de pessoas de todas as regiões, Sul (28,8%), Norte (2,6%), Nordeste (11,68%) e Centro-Oeste (2,6%) (Tabela 1). Associando estes resultados à distribuição de profissionais que trabalham no SUAS nacionalmente, no ano de 2019, verificamos similaridades em relação ao maior quantitativo nas regiões Sudeste (59%), seguido de Sul (19%) e Nordeste (15%), com um menor quantitativo no Norte (2%) e Centro-Oeste (5%) do país (Brasil, 2019Brasil. (2019). Publicações censo 2019. Brasília: Portal Censo SUAS. Recuperado em 23 de maio de 2022, de https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/portal-censo/
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).

Tabela 1
Distribuição de profissionais inscritas na Comunidade de Práticas em terapia ocupacional no SUAS por região do país. Ano: 2020.

Em relação às unidades socioassistenciais onde as profissionais atuam, destacou-se numericamente o CRAS (28,6%), o qual possui grande relevância para a Rede de Serviços da Assistência Social, configurando-se como a unidade estruturante da Proteção Social Básica (PSB). Na sequência, os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS) (19,5%), as Unidades de Acolhimento Institucional (18,2%) e os Centros Dia (11,7%) foram as unidades com mais participantes (Tabela 2). Nos dados referentes ao CREAS, três profissionais atuam no Sistema Socioeducativo (Serviço de Medidas Socioeducativas). Nota-se ainda que três das respostas não permitiram identificação em relação à unidade de atuação e, portanto, foram alocadas na categoria “Não Identificados” (Alta Complexidade e Programa Criança Feliz, duas inserções). Em relação à distribuição de profissionais, em âmbito nacional, a proporção de terapeutas ocupacionais, segundo dados federais oficiais, é mais frequente nos Centros Dia (57%), Unidades de Acolhimento (18%) e Centros de Convivência (13%) (Brasil, 2019Brasil. (2019). Publicações censo 2019. Brasília: Portal Censo SUAS. Recuperado em 23 de maio de 2022, de https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/portal-censo/
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). Observa-se, portanto, uma diferenciação entre a preponderância de profissionais nos serviços, tendo em vista sua distribuição nacional entre unidades socioassistenciais, e os interesses para composição de uma proposta como a Comunidade de Práticas. Uma das possibilidades para esta discrepância é a de que a divulgação da inscrição para a Comunidade de Práticas, realizada via redes de comunicação (e-mails institucionais, WhatsApp, Facebook, Instagram), não tenha alcançado igualmente todas as profissionais. Outra hipótese é a de que as profissionais dos Centros Dia ainda não se reconheçam como trabalhadoras do SUAS, possivelmente por atuarem com demandas associadas às deficiências, com práticas mais conhecidas e formalizadas historicamente como pertencentes às abordagens “de saúde”. O não reconhecimento de terapeutas ocupacionais dos Centros Dia como trabalhadoras do SUAS foi evidenciado no estudo de Oliveira (2020)Oliveira, M. L. (2020). “ Qual é SUAS”? A terapia ocupacional e o Sistema Único de Assistência Social (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.. Já nos CRAS, onde a implementação das diretrizes da assistência social como política dotada de especificidade é mais evidente, pode se constituir em um campo com mais desafios e dúvidas das profissionais sobre suas ações no cotidiano do trabalho, levando, então, a um maior número de interessadas para comporem uma proposição como de uma Comunidade de Práticas na Assistência Social. Assim, dada a hipótese de que as profissionais que atuam nos Centros-Dia não se percebem integrando o SUAS, mais investigações são necessárias para compreender as funções que vêm desempenhado nessas unidades, uma vez que estas compõem inequivocamente o campo da assistência social e, como tal, devem efetivar a proteção social, o que exige a diferenciação de suas intervenções daquelas desenvolvidas no campo da saúde com pessoas com deficiência.

Tabela 2
Distribuição de profissionais inscritas na Comunidade de Práticas em terapia ocupacional no SUAS por unidade socioassistencial6 6 Foram identificadas seis terapeutas ocupacionais que possuíam vínculo empregatício com mais de uma instituição. Para computar os dados, considerou-se a primeira instituição/serviço em sua resposta. Detalha-se a seguir as respostas: CRAS e Centro de convivência; CRAS e o Programa Criança Feliz; CRAS, Unidade de Acolhimento e Centro de Convivência; CRAS e Unidade de Acolhimento; CRAS e Centro de Convivência; Unidade de Acolhimento e Centro de Convivência. . Ano: 2020.

No que se refere ao tempo de atuação, observou-se que a maior parte das inscritas possuíam menos de cinco anos de trabalho em unidade do SUAS. Destas, 26% atuavam de dois meses até um ano e outras 26% de dois a três anos. Dentre as inscritas, 5,2% possuíam mais de 15 anos de experiência na unidade7 7 Ressaltamos que, apesar do SUAS ter sido criado em 2005 (Brasil, 2005), a presença de terapeutas ocupacionais trabalhando no campo da assistência social é anterior, reportada desde o início da profissão no Brasil (Lopes, 2016). (Tabela 3). Assim, no caso específico desta Comunidade, observa-se que as profissionais atuantes a menos tempo no SUAS tiveram maior interesse em discutir, refletir e tecer articulações com outras terapeutas ocupacionais sobre as suas práticas.

Tabela 3
Distribuição de profissionais inscritas na Comunidade de Práticas em terapia ocupacional no SUAS por tempo de serviço. Ano: 2020.

Sobre o vínculo empregatício das inscritas, aponta-se a prevalência entre profissionais estatutárias (35%) e contratadas por organizações privadas (filantrópicas) (32,6%) (Tabela 4). Os dados contrastam com informações nacionais, as quais apontam que a contratação majoritária dos trabalhadores no SUAS se dá por instituições privadas (celetistas) (50,4% em 2017) (Brasil, 2017Brasil. (2017). Censo SUAS 2016: resultados nacionais . Brasília: MDS.).

Tabela 4
Distribuição de profissionais inscritas na Comunidade de Práticas em terapia ocupacional no SUAS, por vínculo empregatício. Ano: 2020.

Salienta-se que esta caracterização reuniu a integralidade das inscrições deferidas. No Primeiro Ciclo das atividades houve uma média de 47 participantes e no Segundo Ciclo, 24.

As terapeutas ocupacionais trabalhadoras do SUAS em seus espaços de trabalho: construindo bases e ações

As ações realizadas pelas terapeutas ocupacionais no SUAS foram classificadas pelas participantes adotando referências denominadas e discriminadas como “lugares” de atuação, objetivos, população-alvo das ações e recursos utilizados para tal.

A referência “lugar” de atuação, adotada pelas profissionais, concentra-se, sobretudo, na indicação de haver uma prática tipicamente situada na assistência social. O território foi citado como o “lugar” em que as profissionais mais voltavam-se para o trabalho, incluindo ações na comunidade, visitas domiciliares, articulação com outros serviços em rede etc. No território, buscavam o trabalho com o cotidiano de sujeitos, famílias, grupos e coletivos, como uma diretriz acerca da especificidade de atuação. Segundo as profissionais, atuar nos entremeios da vida cotidiana é uma de suas atribuições para a realização da diretriz da proteção social do serviço que compõem.

Ela enfatizou o trabalho de articulação das redes formais e informais dos usuários, com vistas a fortalecer o vínculo comunitário. Acompanhamento territorial: estar junto no território. A Atividade como recurso mediador e o olhar para as AVDs. Foco do trabalho é o território e o cotidiano dos usuários. (Ata do encontro 3, dia 10/11/2020)

O objeto mais citado foi o cotidiano de usuários, famílias e grupos e também as relações que os usuários estabelecem, as relações interpessoais e com as políticas públicas que perpassam seu cotidiano e o de famílias e grupos.

Foi mencionado, também, quanto à intervenção nos cotidianos, o quanto os objetos e objetivos são compartilhados entre os profissionais do mesmo serviço e o quanto a especificidade pode se dar pelo olhar diferenciado e a construção da prática dos terapeutas ocupacionais. (Ata do encontro 5, dia 08/12/2020)

Os objetivos citados do trabalho foram de diferentes ordens, sendo estes abordados desde uma perspectiva macrossocial, quando, por exemplo, as profissionais relataram como parte de sua ação a necessidade do reconhecimento dos sujeitos como seres coletivos e da discussão acerca das desigualdades sociais e sua perpetuação no contexto da sociedade brasileira; assim como os desafios que advêm dos cotidianos dos sujeitos. Neste específico, foram citadas: a oferta de orientações e informações acerca dos serviços e políticas; o fomento de atividades culturais, sociais e de lazer; o fortalecimento da convivência comunitária e a participação coletiva; a busca pelo fortalecimento de vínculos; e a promoção de ações de tessitura da rede de suporte dos sujeitos, nos âmbitos formal e informal.

Os objetivos mais específicos, relacionados à proteção básica: reconhecer-se como seres coletivos; discutir, refletir e questionar a perpetuação de desigualdades para a população que compõem a minoria [...]. (Ata do encontro 5, dia 08/12/2020)

[...] Objetivos

Fortalecer e criar redes de apoio

Promover participação social

Reconhecer-se como seres coletivos [...]” (Cena da Prática, encontro dia 08/12/2020)

As populações-alvo das ações desenvolvidas pelas profissionais são diversas, correspondendo à variedade de grupos que acessam os serviços de assistência social. Havia participantes trabalhando com mulheres vítimas de violência, adolescentes que cometeram ato infracional, crianças abrigadas, pessoas com deficiências, idosos e outros, os quais se encontravam em situação de vulnerabilidade social e necessitavam de serviços e ações para a proteção social.

Os recursos utilizados pelas profissionais são variados e envolvem ações individuais, grupais e institucionais. Foram citados “atendimentos individuais”9 9 Compreendemos que o sentido empregado ao termo atendimentos individuais aproxima-se dos aspectos clínicos do campo da saúde. Ao campo social, a partir de direcionamentos da terapia ocupacional social, o termo acompanhamento individual tem sido empregado com o intuito de abranger atuações para além da clínica. Porém, especificamente neste trecho, a expressão atendimentos individuais entre aspas está sendo utilizada em respeito às narrativas das terapeutas ocupacionais da Comunidade de Práticas. , visitas domiciliares, realização de oficinas e atividades em grupo (tais como grupo de culinária, espaço da maternidade e outras), articulações com a rede de serviços e participação em conselhos, fóruns e grupos de trabalhos acerca daquela população. O local de realização das ações varia desde o contexto institucional do próprio equipamento até espaços públicos, como praças, quadra de esportes e outros. Enfocou-se o trabalho realizado junto às equipes multidisciplinares. Em uma abordagem mais ampla, as profissionais apontaram também a realização de mapeamento territorial participativo, dinamização das redes de atenção, articulação de recursos no campo social, como, por exemplo, a realização de campanhas temáticas, entre outros. A inspiração para a produção da classificação das ações realizadas pelas participantes decorreu das discussões acerca das tecnologias sociais em terapia ocupacional social (Lopes et al., 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.).

Cena: Acompanhamento de adolescentes na medida socioeducativa de meio aberto - Espaço Meninas.Objetivo da ação:Propiciar espaço de trocas sobre o gênero feminino, favorecer diálogo sobre situações e violência [...]Recursos da terapia ocupacional:Atendimento individual, grupos socioeducativos, atendimento domiciliar ao grupo familiar, articulação e/ou atendimento conjunto com a rede intersetorial, acompanhamento da adolescente nas atividades no território e nos serviços. (Cena da Prática, encontro dia 08/12/2020)

Objeto: Cotidiano de Famílias selecionadas pelo Índice de Vulnerabilidade Social Familiar - IVSF e pela situação de extrema pobreza - critério do Programa Brasil Sem Miséria.Objetivogeral: Fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; Pertencimento Social e Redes Comunitárias de Suporte; Enfrentamento da Vulnerabilidade.Atividades e recursos: Mapeamento territorial participativo, atividades dialógicas (rodas de conversa), recursos expressivos (teatro fórum) e audiovisuais (painéis de imagens, fotografias, músicas, vídeos etc.), elaborados a partir das demandas da comunidade. (Cena da Prática, encontro dia 08/12/2020)

Objeto: Cotidiano e Mulheres que estão em contato com a maternagem.Objetivo: Criação, Fortalecimento, Produção de vida.Recursos: Grupos, Acompanhamentos Singulares [...] O grupo pretende promover a troca de experiências entre mães, em diferentes tempos de suas vidas, com filhos pequenos, adolescentes, adultos, e até mesmo às que vivenciam o processo gestacional. No reconhecimento das maternidades potenciais, oscilantes e des- romantizadas, em torno do desejo ou não de se tornarem mães, na dúvida sobre ter ou não filhos, nos processos de ‘tornar-se mãe’ versus ‘sentir-se mãe’. (Cena da Prática, encontro dia 08/12/2020)

Objeto:Munícipe [...] é acompanhada pelo serviço especializado de atendimento domiciliar (SEAD/CREAS) desde 2015. Motivo do acompanhamento é a negligência e abandono familiar. [...] apresenta deficiência intelectual e crises epilépticas. Objetivo: Trabalhar as relações de interdependência, fortalecer os vínculos familiares, comunitários e as trocas sociais. Elaborar e desenvolver projetos de vida que envolvam formas alternativas de sobrevivência, de convivência e de participação social [...] Recursos e Tecnologias: Atendimentos domiciliares individuais em casa e no espaço do CREAS; Acompanhamento singular territorial: Parques, Escola, Praia, dentre outros; Oficina de atividades; Grupo de Cuidadores. (Cena da Prática, encontro dia 08/12/2020)

Público:Jovens de um grupo do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.Objetivos da ação: Reaproximar os jovens da escola e fortalecer a relação deles com a educação; mediar o conflito com a gestão da escola; discutir possibilidades de profissionalizar a dança por meio da educação.Recursos e tecnologias utilizadas: [...] realização de uma visita à escola, junto com os jovens, onde pudemos conversar com a diretora da escola sobre a importância do grupo para os jovens e discutir com ela de que forma os jovens poderiam realizar algumas apresentações e ensaios na escola. [...] A segunda estratégia foi articular com o curso de licenciatura em dança da universidade federal uma visita dos jovens à universidade para que eles pudessem ampliar a visão deles sobre a profissionalização da dança, reforçando a importância dos estudos para isso. (Cena da Prática, encontro dia 08/12/2020)

As terapeutas ocupacionais trabalhadoras do SUAS em seus espaços de trabalho: reconhecendo possibilidades e limites

Aspectos facilitadores e limitadores do trabalho das terapeutas ocupacionais no SUAS foram mencionadas pelas integrantes da Comunidade em diferentes momentos, ao longo dos encontros, em ambos os ciclos. Nota-se que a composição desses relatos abrange aspectos que integram dimensões voltadas para as realidades cotidianas das atuações, assim como a relação macroestrutural que articula a política pública, o sistema socioeconômico e a sociedade.

Os elementos identificados como facilitadores nos processos de trabalho na assistência social foram organizados em três núcleos temáticos, sendo eles: “Articulações e diálogos com profissionais de outras áreas”, “Formação e reflexão sobre a prática”, e “Práticas alinhadas às demandas do público e da política”.

As “articulações e diálogos com profissionais de outras áreas”, nomeadamente referenciadas como trocas, diálogos e parcerias com os/as colegas do serviço, expressam que a atuação em equipe (ou em duplas) pode se caracterizar como elemento que favorece o trabalho. Infere-se que a articulação entre profissionais poderia potencializar as ações das diferentes categorias e/ou que a terapeuta ocupacional encontra nessa aproximação referências importantes para o desenvolvimento das atividades pretendidas.

diálogo com outros profissionais que atuam nos mesmos equipamentos

a parceria com outros profissionais

trocas com outros profissionais de outras áreas (Ata do encontro 2, dia 20/10/2020).

A temática “formação e reflexão sobre prática” se desdobra na participação em eventos relacionados ao SUAS, no estudo e apropriação de produções teórico-práticas no âmbito da terapia ocupacional social, na apreensão de conteúdos de outras áreas associados à assistência social e na reflexão sobre a prática. As integrantes parecem identificar que a atuação na assistência social pode ser favorecida por processos formativos, na intencionalidade de discutir e sustentar a ação profissional a partir de referenciais pertinentes ao contexto.

buscando participar de eventos sobre o SUAS, estudando

apropriação das produções existentes produzidas pela terapia ocupacional social brasileira e também de reflexões produzidas no âmbito de outras áreas profissionais, com maior acúmulo sobre o trabalho na assistência (Ata do encontro 2, dia 20/10/2020).

Neste sentido, a fundamentação parece expressar um compromisso com “práticas alinhadas às demandas do público e da política”. Nos debates, foi identificado como aspecto positivo as profissionais fazerem as distinções necessárias entre as práticas da assistência social e da saúde para atuar de forma coerente nas unidades da política de assistência social. Além disso, foram apontadas práticas consideradas exitosas na relação com os usuários, como a realização de assembleias mensais e a dinamização das redes de atenção. O cotidiano foi debatido como dimensão de centralidade para o trabalho de terapeutas ocupacionais e mencionou-se que “o caminho se faz ao caminhar”, em referência ao trabalho de Barros (2004)Barros, D. D. (2004). Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 15(3), 90-97., compreendendo a dinâmica processual do trabalho na assistência social.

Como estratégia para diminuição dessas barreiras, ela aponta o fazer bom uso dos saberes que fundamentam a terapia ocupacional social, para, inclusive, delimitar e diferenciar as práticas entre os dois campos (saúde e assistência social), realizando, por exemplo, encaminhamentos.

Uma possível proposta é delinear a prática com as reais demandas do público acompanhado voltadas para o SUAS, mas sem esquecer os objetivos da terapia ocupacional. (Ata do encontro 3, dia 10/11/2020).

Já em relação aos aspectos considerados limitadores do trabalho no SUAS, verifica-se que emergiram, durante os encontros, de forma mais numerosa e frequente, quando comparados aos facilitadores. Foram agrupados em quatro núcleos temáticos, sendo eles: “Lacunas na formação e escassez de referências”, “Fragilidade na inserção e falta de reconhecimento profissional”, “Barreiras para realizar o trabalho” e “Aspectos macrossociais”.

Em relação às “lacunas na formação e escassez de referências”, as profissionais mencionaram o pequeno ou ausente contato com os debates sobre a atuação na política de assistência social durante a sua formação graduada. Somado a isso, as integrantes referiram dificuldades para encontrar referenciais da profissão no setor (produção bibliográfica), a falta de materiais que ilustrem a especificidade da terapia ocupacional no SUAS, dificuldades em transpor a produção teórica para o exercício profissional e a falta de incentivos para publicar. Tais aspectos foram abordados durante as discussões com foco nos fundamentos teóricos realizadas em ambos os ciclos de debate da Comunidade.

No que tange à “fragilidade na inserção e falta de reconhecimento profissional”, identificou-se como um limitador da ação profissional o baixo número de terapeutas ocupacionais nos serviços, as imposições burocráticas adotadas pelos municípios para a contratação da categoria e os consequentes limites para a inserção de terapeutas ocupacionais nas equipes de referência. Não foram explicitadas as razões pelas quais a inserção profissional incipiente reflete diretamente como um limitador da ação, mas se infere que um dos fatores envolvidos nestas colocações integra a falta de reconhecimento profissional de todas as categorias no SUAS.

Este aspecto foi evidenciado na relação com a equipe e com a gestão, que teria poucos conhecimentos sobre as possibilidades de contribuições de terapeutas ocupacionais na assistência social. Assim, foi frequentemente relatada a perspectiva equivocada de que terapeutas ocupacionais seriam profissionais apenas da área da saúde. Ilustrando a situação, retoma-se o registro da ata com o relato de uma profissional:

A partir da experiência de trabalho em um serviço de acolhimento, a trabalhadora levantou os conflitos referentes à exigência de realizar práticas voltadas para o campo da saúde na assistência social. Algumas equipes e equipamentos ainda visualizam o terapeuta ocupacional apenas como um profissional da saúde. (Ata do encontro 3, dia 10/11/2020)

No núcleo “barreiras para realizar o trabalho”, agrupou-se diferentes entraves discutidos pelas integrantes para a efetivação do trabalho no SUAS. Dentre eles estão: a dificuldade em manter um plano de trabalho em conjunto com a equipe e em sustentar a articulação da rede de serviços (limites no trabalho em rede para que os setores dialoguem e as atribuições sejam mais delimitadas); a escassez de incentivos da gestão para o desenvolvimento de educação permanente; as burocracias internas que limitam as ações nos serviços; práticas religiosas presentes em determinadas instituições socioassistenciais; pouca articulação com outras terapeutas ocupacionais que atuam no SUAS; as múltiplas demandas e rotina do serviço que dificultam a implementação de ações territoriais, as quais possibilitariam transpor o desenvolvimento de atuações pontuais e isoladas sem articulação da comunidade, famílias ou demais equipamentos, como as escolas; e dificuldades para realizar o que está previsto na política, superando o assistencialismo, particularmente no contexto associado à pandemia de Covid-19.

Observou-se que o último núcleo, “aspectos macrossociais”, foi mencionado como temática de forma crescente ao longo dos encontros, sendo que perspectivas ampliadas sobre a realidade social, econômica, cultural e política se fizeram mais presentes nos últimos encontros. Neste ínterim, percebe-se que os debates sobre os limites da prática passaram a ser menos problematizados pelo ponto de vista específico da categoria e mais associados à assistência social como política pública, na previsão dos direitos sociais, considerando com ênfase o contexto atual de desinvestimento público que é predominante no país. Compuseram esse debate assuntos relacionados à organização do SUAS, as desigualdades sociais, os desmontes das políticas sociais, a pandemia como um processo que vem escancarando problemas estruturais sociais, entre outros.

Discussão

Tendo em vista os registros realizados no processo de desenvolvimento da Comunidade de Práticas, assim como o posicionamento teórico das autoras acerca deste processo participativo construído, foram escolhidos dois pontos centrais de discussão que, ao nosso ver, possibilitam a análise do processo em curso à luz da correlação das ações das profissionais com a fundamentação teórico-metodológica da terapia ocupacional social. São eles: a necessária e essencial leitura acerca da indissociabilidade entre os fatores micro e macrossociais para o desenvolvimento do trabalho, ou seja, seu fundamento; e a dimensão técnico-política da atuação terapêutico-ocupacional, ou seja, o fazer profissional.

Indissociabilidade entre as esferas micro e macrossociais: a fundamentação do trabalho

Nos registros acessados as participantes da Comunidade de Práticas relataram centrar as ações desenvolvidas no SUAS na esfera das relações dos sujeitos, famílias e comunidades com seus territórios de pertencimento e em suas vidas cotidianas. De acordo com Oliveira & Malfitano (2021)Oliveira, M. L., & Malfitano, A. P. S. (2021). O Sistema Único de Assistência Social e os trabalhadores na Política Nacional Assistência social: um enfoque às terapeutas ocupacionais. Serviço Social Em Revista, 24(1), 148-169., tais práticas profissionais, no dia-a-dia das unidades socioassistenciais, se efetivam diante dos múltiplos desafios revelados por problemáticas complexas que decorrem das desigualdades estruturais e históricas engendradas no sistema econômico político e social, expressando-se na ausência ou fragilidade do acesso aos direitos sociais, na pobreza e miséria, em violências, abusos, intolerâncias, preconceitos e subjugações.

Tratando-se do Brasil, faz-se importante reconhecer - mesmo que não seja possível maior aprofundamento aqui - as particularidades da questão social, engendrada em suas raízes coloniais-escravistas, como sinônimo de contradição, exploração, acumulação e lutas sociais geradas no interior da sociedade capitalista, traduzindo-se pelo enfrentamento da escravidão indígena, da expropriação do negro e pelas lutas mais recentes por melhores condições de vida e de trabalho industrial (Prado Junior, 1996Prado Junior, C. (1996). A formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense.). Há, portanto, uma importante dimensão do racismo em nossa questão social, como também uma dimensão do patriarcado, sendo que a realidade brasileira ainda hoje carrega os traços da sociedade escravista senhorial, marcada pelas relações sociais de sexo, raça e classe, numa arena de lutas (Saffioti, 2013Saffioti, H. I. B. (2013). A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Expressão Popular.).

Em uma perspectiva analítica sobre as práticas referidas pelas profissionais, acredita-se que, nas impossibilidades de romper com a dureza da interdependência das dimensões macroestruturais do capitalismo às problemáticas mais singulares dos sujeitos, são buscadas possibilidades no agir junto aos sujeitos em direção à promoção de proteções sociais em frestas possíveis acessadas nos cotidianos de vida (Oliveira & Malfitano, 2021Oliveira, M. L., & Malfitano, A. P. S. (2021). O Sistema Único de Assistência Social e os trabalhadores na Política Nacional Assistência social: um enfoque às terapeutas ocupacionais. Serviço Social Em Revista, 24(1), 148-169.). Para o desenvolvimento destas ações, as terapeutas ocupacionais mencionaram a necessidade do reconhecimento dos sujeitos como seres coletivos, na compreensão dialética que vidas individuais expressam fenômenos coletivos, não sendo possível, assim, individualizar leituras sobre o que abate a vida dos usuários dos serviços de assistência social para estruturar as ações profissionais. Durante os debates desenvolvidos nos encontros da Comunidade, esta necessidade levou o grupo a refletir sobre o referencial teórico-metodológico que seja capaz de fomentar uma leitura social que possibilite a compreensão dos fenômenos vividos, notadamente da desigualdade social, e a situação de vida dos sujeitos. Neste processo, as discussões acerca da inseparabilidade entre as esferas macro e microssociais, como proposto pela terapia ocupacional social, foi compreendida como um referencial teórico-metodológico que fundamenta a atuação na assistência social.

A terapia ocupacional social propõe atuações embasadas em saberes plurais e em ações que consideram indispensável uma leitura sobre o coletivo, mesmo quando as intervenções são desenvolvidas individualmente. Faz-se necessário sempre incorporar considerações acerca da cultura específica local e da vida cotidiana dos sujeitos, sendo que o emprego de atividades pode se caracterizar como mediador das relações e eixo organizador da intervenção. Com base nestes processos, objetiva-se o encontro com as realidades sociais diversas (Barros et al., 2002Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.; Lopes, 2016Lopes, R. E. (2016). Cidadania, direitos e terapia ocupacional social. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 29-48). São Carlos: EdUFSCar.).

Consideramos relevante sublinhar a insuficiência das leituras individuais para a compreensão e abordagem das problemáticas sociais, que são estruturais na sociedade capitalista em que vivemos, o que pode levar os profissionais à culpabilização dos indivíduos e famílias acompanhados em situação de vulnerabilidade social, ou seja, aqueles que são a população-alvo da política de assistência social. Relacionar a condição de pobreza à não implicação dos sujeitos por melhores condições de vida, como a busca de emprego, desvirtuam os princípios da proteção social estabelecidos pela legislação brasileira e sobre os quais as terapeutas ocupacionais, quando servidoras desta política, devem se deter. Contudo, é preciso ressaltar que uma leitura individualizante do fenômeno da pobreza não surge no imaginário social de forma aleatória nem circunscrita a certas perspectivas profissionais, mas se define por uma ideologia estruturada e propagada na sociedade (Mauriel, 2010Mauriel, A. P. O. (2010). Pobreza, seguridade e assistência social: desafios da política social brasileira. Revista Katálysis, 13(2), 173-180.). Dessa perspectiva, a pobreza é compreendida como um cenário de ausência de capacidades, configurando teórica e metodologicamente um foco individualista e liberal, sendo esta a visão propagada por organismos econômicos multilaterais. Tal ideologia se reflete na assistência ofertada aos pobres, que são renomeados por suas fragilidades, descontextualizados e des-historicizados, impedindo a discussão acerca do acesso aos direitos sociais (Mauriel, 2010Mauriel, A. P. O. (2010). Pobreza, seguridade e assistência social: desafios da política social brasileira. Revista Katálysis, 13(2), 173-180.).

Para se contrapor a esta visão no campo de práticas em terapia ocupacional no SUAS, mais uma vez as discussões levaram à terapia ocupacional social, pois um dos importantes pilares que sustenta a fundamentação desta subárea profissional, como acima mencionado, é a articulação entre os âmbitos micro e macrossociais para a atuação nos cotidianos das vidas de cada sujeito e/ou comunidade com quem se trabalha (Malfitano, 2016Malfitano, A. P. S. (2016). Contexto social e atuação social: generalizações e especificidades na terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 117-134). São Carlos: EdUFSCar.). Na esfera microssocial, serão elaboradas estratégias que busquem auxiliar o sujeito a ter apoios para a sua inserção e participação sociais, levando em consideração desejos e possibilidades, bem como os limites estruturais impostos. Na esfera coletiva, o trabalho se conecta às políticas sociais e à ação em espaços públicos para a manutenção ou ampliação do reconhecimento social de determinadas necessidades e grupos populacionais, trabalhando para a ampliação de serviços e outros espaços que promovam o acesso aos direitos sociais, ou seja, na compreensão que a política é recurso de trabalho do terapeuta ocupacional (Malfitano, 2016Malfitano, A. P. S. (2016). Contexto social e atuação social: generalizações e especificidades na terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 117-134). São Carlos: EdUFSCar.).

Compreender esta lógica estrutural é o que possibilita não compactuar com as estratégias de controle, culpabilização, responsabilização individual e penalização dos sujeitos e famílias em situação de pobreza. Tal arcabouço teórico tem permeado o referencial da terapia ocupacional social, desde os seus princípios, com contribuições de autores como Althusser, Basaglia, Bourdieu, Castel, Foucault, Goffman, Gramsci, Marx, Paulo Freire, e outras produções das ciências sociais sobre populações consideradas marginalizadas (Galheigo, 2016Galheigo, S. M. (2016). Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e de prática. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia Ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 49-68). São Carlos: EdUFSCar.), atualizando-se com o cenário atual dos essenciais debates acerca dos marcadores sociais da diferença e suas interseccionalidades (Melo et al., 2020Melo, K. M. M., Malfitano, A. P. S., & Lopes, R. E. (2020). Os marcadores sociais da diferença: contribuições para a terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 1061-1071.; Balanta-Cobo et al., 2022Balanta-Cobo, P., Fransen-Jaïbi, H., Gonzalez, M., Henny, E., Malfitano, A. P. S., & Pollard, N. (2022). Human and social rights and occupational therapy: the need for an intersectional perspective. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 1-6.).

Assim, dadas as questões problematizadas e as reflexões produzidas no contexto da Comunidade de Práticas, consideramos que fortalecer a leitura social da realidade junto à cotidianidade do trabalho de terapeutas ocupacionais no SUAS se mostra como uma estratégia coerente com a produção de abordagens das necessidades sociais dos sujeitos nos equipamentos socioassistenciais e com as possibilidades de tecer articulações em rede para ampliar o repertório de respostas que se volte à consecução da proteção social (Oliveira, 2020Oliveira, M. L. (2020). “ Qual é SUAS”? A terapia ocupacional e o Sistema Único de Assistência Social (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Tal concepção, ademais, apoia-se no reconhecimento da política de assistência social como mecanismo de concretização de direitos sociais (Mauriel, 2010Mauriel, A. P. O. (2010). Pobreza, seguridade e assistência social: desafios da política social brasileira. Revista Katálysis, 13(2), 173-180.).

A dimensão técnico-política da atuação terapêutico-ocupacional no SUAS

Ao longo do desenvolvimento das atividades da Comunidade, a problematização da correlação teórico prática na esfera da atuação muitas vezes se expressou em torno do questionamento sobre a real existência de recursos terapêutico-ocupacionais para a abordagem dos problemas tipicamente abordados na assistência social. Pareceu-nos que, se, por um lado, o questionamento representava um certo sentimento de impotência em face à complexidade da questão social brasileira - para a qual os recursos parecem ser sempre limitados e insuficientes - e, portanto, sentir-se profissionalmente impotente não causa estranhamento -; por outro lado, nos chamou a atenção o distanciamento das participantes do conjunto de produções bibliográficas em terapia ocupacional social que compõem os esforços da profissão em direção à construção de uma prática profissional ética e politicamente comprometida na abordagem da questão social e que abrange os temas centrais da assistência social. “Não temos referências”, diziam constantemente nos inícios dos encontros.

Certamente, não são apenas as profissionais de terapia ocupacional que, diante do crescente processo de empobrecimento da população que mais sofre com a agudização da atual crise do capitalismo, se sentem pouco aptas a oferecer respostas capazes de atender às necessidades sociais dos usuários dos serviços nos quais trabalham (Soares, 2021Soares, C. R. S. (2021). O trabalho social com famílias no SUAS: uma experiência de pesquisa-ação com trabalhadoras de CRAS na cidade de São Paulo (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.). A angústia aflige, em particular, quando se verifica a regressão dos direitos sociais e o desmantelamento do nosso sistema de proteção social no Brasil (Silveira, 2017Silveira, J. I. (2017). Assistência social em risco: conservadorismo e luta social por direitos. Serviço Social & Sociedade, (130), 487-506.; Raichelis et al., 2022Raichelis, R., Paz, R. D. O., & Wanderley, M. B. (2022). A erosão dos direitos humanos e sociais no capitalismo ultraneoliberal. Serviço Social & Sociedade, (143), 5-11.), bem como a crescente precarização das condições de trabalho no SUAS. Contudo, a expressão inicial das participantes da Comunidade tinha conteúdo individualizado, centrado em supostas fragilidades da área de terapia ocupacional enquanto campo de conhecimento e intervenção. Muitas participantes traziam suas dúvidas e dilemas sobre os melhores recursos para atuar em face das demandas da população atendida que, conforme comentamos anteriormente, era bastante diversificada em razão dos diferentes equipamentos sociais em que as participantes trabalhavam.

Assim, inicialmente, a busca pela “especificidade dos recursos da terapia ocupacional” para o enfrentamento das questões sociais parecia se apresentar numa configuração ditada pela urgência, levando a um pensamento linear de causa e efeito imediato, que embaçava uma perspectiva crítica, contextualizada e sustentada na necessária análise histórica e social da realidade. Do mesmo modo, concepções unificadoras e passos de intervenção pré-formatados - já bastante criticados por Barros (2004)Barros, D. D. (2004). Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 15(3), 90-97. e outros autores vinculados ao campo da terapia ocupacional social (Malfitano, 2005Malfitano, A. P. S. (2005). Campos e núcleos de intervenção na terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 16(1), 1-8.; Lopes, 2016Lopes, R. E. (2016). Cidadania, direitos e terapia ocupacional social. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 29-48). São Carlos: EdUFSCar.; Farias & Lopes, 2020Farias, M. N., & Lopes, R. E. (2020). Terapia ocupacional social: formulações à luz de referenciais freireanos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(4), 1346-1356., entre outros) - sustentavam as expectativas emanadas de uma parte do grupo.

Possivelmente, o fato dessas profissionais serem as únicas pertencentes à categoria de terapeutas ocupacionais atuando em suas unidades socioassistenciais não têm permitido que, no exercício de uma reflexão compartilhada entre pares, se elevem os níveis de nitidez e segurança acerca dos melhores recursos a serem acionados e as efetivas contribuições profissionais naqueles contextos. Conforme mostrou Oliveira (2020)Oliveira, M. L. (2020). “ Qual é SUAS”? A terapia ocupacional e o Sistema Único de Assistência Social (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., ser a única profissional da categoria em uma unidade de trabalho é uma realidade que predomina entre terapeutas ocupacionais que atuam no SUAS. Nesse sentido, até mesmo o questionamento sobre a pertinência do uso de uma abordagem clínica típica de unidades de saúde e instrumentos padronizados apropriados a avaliações de saúde foi trazido ao grupo, em especial por participantes que atuavam junto a pessoas com deficiências e/ou idosos. Contudo, se por um lado essa questão pode refletir a desorientação teórico-metodológica das trabalhadoras na esfera da assistência social, por outro também se mostrou conectada a demandas equivocadas de gerentes e gestores de unidades nas quais as terapeutas ocupacionais operam, mostrando fragilidades no âmbito da gestão do sistema. Para parte das participantes da Comunidade, a falta de compreensão de gestores e de trabalhadores de outras categorias profissionais sobre a natureza do trabalho das terapeutas ocupacionais aprofunda angústias e confunde rumos e decisões relativas à esfera técnico-operativa. Nesse contexto, a dependência de uma suposta especificidade, ditada pela aplicação de um recurso/ferramenta “que só a profissão detém” nos pareceu ser uma solução desejada por parte do grupo.

É importante apontar, também, que no caminho percorrido no sentido da constituição de uma Comunidade na qual questões individuais se tornam integradas ao conjunto de interesses do grupo, outra parte das trabalhadoras atuou ativa e colaborativamente explicitando suas bases teóricas e metodológicas para a prática profissional na assistência social, conjugando-as a experiências substantivas e exitosas. Isso contribuiu para uma progressiva configuração da dinâmica grupal na qual teve importância central a reunião e exposição de conteúdos de produções intelectuais da terapia ocupacional social e/ou de noções e conceitos que informam práticas na assistência social. Isso se deu na medida em que a Comunidade apontava caminhos para a solução das questões trazidas, vinculando-as a aspectos e temas tratados por autores que têm contribuído na constituição e adensamento das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa da terapia ocupacional social, favorecendo, então, que as mediadoras da Comunidade reforçassem a necessidade de se recuperar e reconhecer as potências dessas produções no diálogo entre os participantes.

Foi nessa direção que a recuperação de definições, delimitações e detalhamentos sobre as tecnologias sociais desenvolvidas e aplicadas em terapia ocupacional social (Lopes et al., 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O., & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saude, 35(2), 233-238., 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.) tornou-se peça fundamental da discussão sobre o fazer cotidiano das participantes do grupo, por meio de processos que, baseados na sistematização, exposição e debate, favoreceram a criação de nexos entre os desafios encontrados na prática e a aplicação de tais recursos. A explicitação de um acervo técnico instrumental da profissão, assentado nas contribuições da terapia ocupacional social, contribuiu para transformações da autoimagem profissional e no processo de constituição de uma comunidade que se reconhece e analisa, igualmente, suas fragilidades e potências.

Desta forma, a discussão acerca das ações territoriais, da dinamização da rede de atenção, do foco no cotidiano dos sujeitos, da realização de grupos, atividades e oficinas, dos acompanhamentos individuais e singulares foram traçando paralelos que, progressivamente, criaram nexos explicativos acerca do que se faz em terapia ocupacional quando se trabalha em um serviço do SUAS. Com isso, no decorrer do processo, foi possível observar uma diminuição da assertiva “Não temos referências”, para uma reflexão acerca das pertinências das referências da terapia ocupacional social, suas possibilidades de aplicação das nomeações já estabelecidas, bem como de seus limites, frente a algumas especificidades vivenciadas. Desta forma, juntamente ao crescente debate acerca dos “aspectos macrossociais” e suas implicações na determinação da questão social, uma maior compreensão das ações em terapia ocupacional no SUAS pôde ser observada.

Conclusão

O processo em curso da Comunidade de Práticas em terapia ocupacional no SUAS tem se mostrado uma iniciativa participativa que, embora conte com um número reduzido de participantes, tem possibilitado reflexões acerca da atuação de nossa categoria profissional nesta relevante política social. Tem contribuído com processos para o conhecimento das atuações em terapia ocupacional na assistência social, sua discussão e quiçá a inserção de mudanças concretas no cotidiano de trabalho profissional nos serviços, na direção da consolidação do direito constitucional de proteção social estabelecido no Brasil.

Cabe ressaltar que as reflexões aqui assinaladas, como característico de pesquisas que abordam uma perspectiva compreensiva da realidade, são atravessadas pelos posicionamentos das autoras deste texto, apresentados em seu desenvolvimento. Isso, se, por um lado, pode ser entendido como um limite, por outro traz aspectos efetivos de uma experiência participativa vivenciada e situada. Ainda, é preciso assinalar o limite acerca do número de participantes que esta experiência envolveu, não podendo, então, ser generalizada, mas ainda assim descrevendo possibilidades para o desenvolvimento de ações participativas de reflexão de práticas profissionais e execução da política social.

O percurso reflexivo da Comunidade, nos seus ciclos aqui descritos, demonstrou um aumento do interesse das participantes no aprofundamento do conhecimento sobre a interdependência das relações micro e macroestruturais que envolvem as distintas expressões da questão social, sobre os quais as profissionais são chamadas a atuar nos serviços de assistência social, em uma crescente discussão de natureza política; juntamente com uma mudança gradual do discurso da “falta”, em terapia ocupacional, para uma leitura social e maior apropriação das finalidades técnico-profissionais no âmbito da assistência social. Para tanto, a fundamentação teórico-metodológica da terapia ocupacional social foi e tem sido o fio condutor do processo.

Espera-se que as experiências reflexivas e constituintes de mudanças na prática profissional, fundamentadas na terapia ocupacional social, possam ocorrer em diferentes setores nos quais o terapeuta ocupacional atua, na direção de seu maior compromisso com a política social, o direito social e a cidadania das pessoas com quem trabalhamos.

Agradecimentos

Agradecemos à Andressa Oshiro Hainoski, graduanda em terapia ocupacional na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, que trabalhou na caracterização das integrantes da Comunidade de Práticas em seu projeto de Iniciação Científica. Agradecemos também a todas as discentes extensionistas que participaram da Comunidade de Práticas, bem como todas as terapeutas ocupacionais, trabalhadoras do Sistema Único de Assistência Social, que a compuseram, materializando a existência e trocas profissionais.

  • 1
    Para referir-se à Comunidade de Práticas, no sentido de descrição deste grupo, bem como da operacionalização da Comunidade de Práticas em Terapia Ocupacional no SUAS, optamos pela grafia Comunidade com iniciais maiúsculas. Para outros usos, no sentido geral do termo comunidade, esta palavra está escrita em letra minúscula.
  • 2
    O CRAS é uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social. Executa serviços de proteção social básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social (Brasil, 2004Brasil. (2004). Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS.). O Centro de Convivência é a unidade em que são desenvolvidas as atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no âmbito da Proteção Social Básica, sendo estruturado por faixas etárias de acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009Brasil. (2009, 25 de novembro). Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil , Brasília.). O CREAS é a unidade pública, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial (Brasil, 2011bBrasil. (2011b). Norma operacional básica de recursos humanos do sistema único de assistência social: anotada e comentada. Brasília: MDS.). O Centro Dia [para pessoas com deficiência] se caracteriza como uma Unidade Especializada (Proteção Social Especial) de oferta do serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência e suas famílias (Brasil, 2012Brasil. (2012). Centro de referência para pessoas com deficiência: orientações técnicas sobre o serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência e suas famílias, ofertado em centro dia . Brasília: MDS.). O Centro Pop é uma unidade de natureza pública e estatal que se volta, especificamente, para o atendimento especializado à população em situação de rua (Brasil, 2011bBrasil. (2011b). Norma operacional básica de recursos humanos do sistema único de assistência social: anotada e comentada. Brasília: MDS.). As Unidades de Acolhimento executam os serviços especializados que oferecem acolhimento e proteção a indivíduos e famílias afastados temporariamente do seu núcleo familiar e/ou comunitários e se encontram em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos (Brasil, 2015Brasil. (2015). SUAS 10 - Diversidade no SUAS: realidade, respostas, perspectivas . Brasília: MDS.).
  • 3
    Será utilizado o feminino para se referir às terapeutas ocupacionais atuantes na assistência social, em razão da categoria ser composta por absoluta maioria de mulheres.
  • 4
    Em relação aos aspectos éticos, além de consulta feita a todas as participantes, a pesquisa decorrente do projeto de extensão foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, CAAE 46018721.5.0000.5154.
  • 5
    As cenas da prática da terapia ocupacional no SUAS foi uma atividade proposta às terapeutas ocupacionais da Comunidade de Práticas para que elas pudessem compartilhar em um encontro cenas da sua prática profissional, detalhando o objeto da prática, o(s) objetivo(s) da ação e os recursos da terapia ocupacional utilizados.
  • 6
    Foram identificadas seis terapeutas ocupacionais que possuíam vínculo empregatício com mais de uma instituição. Para computar os dados, considerou-se a primeira instituição/serviço em sua resposta. Detalha-se a seguir as respostas: CRAS e Centro de convivência; CRAS e o Programa Criança Feliz; CRAS, Unidade de Acolhimento e Centro de Convivência; CRAS e Unidade de Acolhimento; CRAS e Centro de Convivência; Unidade de Acolhimento e Centro de Convivência.
  • 7
    Ressaltamos que, apesar do SUAS ter sido criado em 2005 (Brasil, 2005Brasil. (2005). Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social - NOB/SUAS . Brasília: MDS.), a presença de terapeutas ocupacionais trabalhando no campo da assistência social é anterior, reportada desde o início da profissão no Brasil (Lopes, 2016Lopes, R. E. (2016). Cidadania, direitos e terapia ocupacional social. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 29-48). São Carlos: EdUFSCar.).
  • 8
    Foram alocados à categoria “Outras respostas” os preenchimentos que não se referiram à relação com o trabalho e que, portanto, não foi possível identificar de forma precisa o vínculo empregatício na instituição para o qual trabalha.
  • 9
    Compreendemos que o sentido empregado ao termo atendimentos individuais aproxima-se dos aspectos clínicos do campo da saúde. Ao campo social, a partir de direcionamentos da terapia ocupacional social, o termo acompanhamento individual tem sido empregado com o intuito de abranger atuações para além da clínica. Porém, especificamente neste trecho, a expressão atendimentos individuais entre aspas está sendo utilizada em respeito às narrativas das terapeutas ocupacionais da Comunidade de Práticas.
  • Como citar: Bardi, G., Oliveira, M. L., Coelho, F. S., Zanoti, L. F., Soares, C. R. S., Malfitano, A. P. S., & Almeida, M. C. (2023). Comunidade de Práticas em Terapia Ocupacional no Sistema Único de Assistência Social: articulando encontros e promovendo debates em terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31(spe), e3389. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO260133891
  • Fonte de Financiamento

    O trabalho recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo 403772/2021-4.

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Editado por

Editora convidada

Profa. Dra. Gabriela Pereira Vasters

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2022
  • Revisado
    19 Ago 2022
  • Aceito
    29 Dez 2022
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Terapia Ocupacional Rodovia Washington Luis, Km 235, Caixa Postal 676, CEP: , 13565-905, São Carlos, SP - Brasil, Tel.: 55-16-3361-8749 - São Carlos - SP - Brazil
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