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Trajetórias juvenis e a construção de intelectuais orgânicos/as 1 1 Este texto decorre de três pesquisas de Iniciação Científica, sendo duas delas associadas ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e a outra à Iniciação Científica de Ensino Médio (PIBIC-EM), na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), contando com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). , 2 2 O material é parte de pesquisa e todos os procedimentos vigentes éticos para pesquisas envolvendo seres humanos foram cumpridos. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo sob Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 78051617.8.0000.5505.

Resumo

A partir do acompanhamento de uma trajetória de vida juvenil, buscou-se apreender de que forma e quais experiências colaboram para constituir jovens mais ativos socialmente - em uma perspectiva gramsciniana: intelectuais orgânicos/as. Questiona-se, portanto: quais seriam as experiências que incidem/incidiram sobre as vidas juvenis que contribuem/contribuíram para a construção de processos na direção da emancipação social? Assim, utilizou-se do acompanhamento singular e territorial — tecnologia social descrita e elaborada pela terapia ocupacional social — resultando nas descrições e análises de situações para que uma jovem engendrasse movimentos de catarse, destacando sua participação em ações de extensão universitária, ambientes virtuais, grêmio estudantil e atividades vinculadas ao programa de iniciação científica do ensino médio (PIBIC-EM). Projeta-se que este estudo ofereça referências para estratégias de fortalecimento das redes de jovens e fomento a criação e ampliação de diferentes espaços coletivos por onde os jovens transitam, sejam eles presenciais ou virtuais, de tal modo que possam enfrentar as diferentes vulnerabilidades que cercam seus cotidianos.

Palavras-chave:
Juventude; Educação; Educação Básica; Participação Social

Abstract

Based on the follow-up of a young woman, we sought to understand how and what experiences contribute to the formation of more socially active young people - from a Gramscian perspective, organic intellectuals. The question is, therefore, which experiences have or have had an influence on the lives of young people that contribute or have contributed to constructing processes towards social emancipation? To this end, an individual territorial follow-up—a social technology developed by social occupational therapy—was used, resulting in descriptions and analyses of situations so that this young woman could engender movements of catharsis, highlighting her participation and protagonism in university extension actions, virtual environments, student guild events, and activities linked to a high school research program. It is expected that this study will provide references for strategies to strengthen youth networks and foster the creation and expansion of different collective spaces where young people move about, whether in person or virtually so that they can cope with the vulnerabilities that surround their everyday life.

Keywords:
Youth; Education; Education, Primary and Secondary; Social Participation

Introdução

Este trabalho apresenta parte dos resultados de duas pesquisas de iniciação científica e de uma pesquisa de iniciação científica do ensino médio desenvolvidas no interior do Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista: territórios, redes, saúde e educação’3 3 Desenvolvido pelo Laboratório Interdisciplinar Ciências Humanas, Sociais e Saúde (LICHSS)/UNIFESP e METUIA/UNIFESP. da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), campus Baixada Santista, em parceria com escolas públicas da cidade de Santos-SP. Parte-se do pressuposto de que por meio das práticas de extensão aglutinam-se materiais que propiciam a compreensão da realidade concreta, bem como a formação de fortes vínculos de confiança com jovens, que se constituirão, parte deles/as, colaboradores/as desta pesquisa (Lopes et al., 2008Lopes, R. E., Adorno, R. C. F., Malfitano, A. P. S., Takeiti, B. A., Silva, C. R., & Borba, P. L. (2008). Juventude pobre, violência e cidadania. Saúde e Sociedade, 17(3), 63-76.).

Com base nas categorias juventudes plurais, dos conceitos gramscianos “catarse” e “intelectual orgânico” e imersos no chão da escola (Pereira, 2017Pereira, A. B. (2017). Do controverso “chão da escola” às controvérsias da etnografia: aproximações entre antropologia e educação. Horizontes Antropológicos, 23(49), 149-176.), passamos a observar movimentos de ampliação de consciência crítica de si dos/as jovens, bem como a forma que impulsionavam sua sociabilidade nas fendas do discurso adultocêntrico hegemônico, caracterizando-se, assim, enquanto problema desta pesquisa. Diante dessas vivências, passamos a nos questionar e, portanto, apresentar enquanto pergunta central da investigação: quais seriam as experiências que incidem/incidiram sobre as vidas juvenis que contribuem/contribuíram para a construção de processos na direção da emancipação social?

Assim, este estudo objetivou acompanhar algumas das vidas juvenis conhecidas através do Projeto de Extensão e que provocavam esse questionamento, sendo que, neste texto, abordaremos uma delas em maior profundidade, tendo a revisão de literatura apresentada a seguir como arcabouço teórico.

Juventudes

O horizonte teórico que nos guia apreende a categoria juventude a partir da construção de diferentes definições no decorrer dos anos, debruçadas sob premissas históricas e culturais. Tem-se feito necessário e presente em diversas pesquisas e campos de atuação entender o/a jovem como sujeito social que interpreta o mundo, empregando-lhe sentido e entendendo a posição que ocupa nele, bem como suas relações com outros sujeitos, sua história e singularidade (Sposito et al., 2020Sposito, M. P., Almeida, E., & Corrochano, M. C. (2020). Jovens em movimento: mapas plurais, conexões e tendências na configuração das práticas. Educação & Sociedade, 41, 1-20.).

Aponta-se, assim, para um lugar plural e heterogêneo das diferentes vivências juvenis, assumindo, com isso, denominação de Juventudes. Corrobora-se, para tanto, os estudos de Margulis & Urresti (1996)Margulis, M., & Urresti, M. (1996). La juventud es más que una palabra. In: M. Margulis (Ed.), La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud (pp. 3-12). Buenos Aires: Editorial Biblios. e Sposito et al. (2018)Sposito, M. P., Souza, R., & Silva, F. A. (2018). A pesquisa sobre jovens no Brasil: traçando novos desafios a partir de dados quantitativos. Educação e Pesquisa, 44, 1-24. sobre a impossibilidade de assumir conceito unívoco sobre o que é ser jovem diante dos diversos sentidos atribuídos às experiências juvenis.

A partir disso, segundo dados mais recentes disponíveis no Censo de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2012). Censo Demográfico 2010: Resultados gerais da amostra. Recuperado em 1 de agosto de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=264529
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
), os/as jovens de 15 a 29 anos correspondem a um quarto da população brasileira, totalizando 51,3 milhões. Soma-se a essa expansão, maior incidência de violência e violações nessa faixa etária, representada pelos números de homicídios no Brasil: os dados do Atlas da Violência de 2020 indicam que mais de 50% das pessoas assassinadas no país em 2018 eram jovens entre 15 e 29 anos. Analisando as faixas etárias mais especificamente, os números mostram que 55,6% das mortes foram de jovens entre 15 e 19 anos; 52,3% na faixa etária de 20 a 24 anos e 43,7% daqueles/as entre 25 e 29 anos. Já em relação à raça-cor das pessoas que morrem em decorrência do homicídio, mais de 70% delas são identificadas como negras (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA & Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP. (2020). Atlas da violência 2020. Recuperado em 1 de agosto de 2022, de https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/d...
).

Só é possível apreender o atual cenário de genocídio e violência no qual as juventudes estão imbrincadas a partir de contextualização no âmbito econômico-social-cultural, afirmado no interior de uma sociedade capitalista-racista-patriarcalista (Cisne, 2018Cisne, M. (2018). Feminismo e marxismo: apontamentos teórico-políticos para o enfrentamento das desigualdades sociais. Serviço Social & Sociedade, (132), 211-230.), sendo que, se por um lado mata-se jovens pretos e pobres indiscriminadamente, por outro, meninas jovens (mas não só) são cada vez mais vítimas de feminicídios (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2021Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA & Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP. (2021). Atlas da violência 2021. Recuperado em 1 de agosto de 2022, de https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/5141-atlasdaviolencia2021completo.pdf
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/a...
).

Iamamoto (2008)Iamamoto, M. V. (2008). O Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez Editora. contribui para essa contextualização através de seus estudos sobre a fetichização do capital. Segundo essa autora, a incorporação da ciência no processo de produção aliou-se a um período de centralização e concentração dos capitais, assim impulsionando um progresso da produtividade. Com isso, a classe trabalhadora produz mais e os capitalistas extraem maior contingente de mais-valia, o que amplia as jornadas de trabalho e intensifica o processo de produção. Entretanto, esse processo ocorre em progressão maior do que o consumo, acirrando a concorrência entre trabalhadores. Para Marx, “a lei da acumulação se expressa, na órbita capitalista, às avessas: no fato de que a parcela da população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente do que a necessidade de seu emprego para os fins de valorização do capital” (Marx, 1985, pMarx, K. (1985). O Capital. São Paulo: Nova Cultural.. 209).

No contexto brasileiro, segundo Iamamoto (2008)Iamamoto, M. V. (2008). O Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez Editora., esse processo ocorre durante a Ditadura Civil e Militar (1964-1985), quando há uma expansão monopolista, internacionalização da economia e impulsionamento de uma modernização conservadora. Há, com isso, agravamento do desemprego estrutural e flexibilização da força de trabalho, precarizando as condições de vida. O Estado, por sua vez, passa a intervir diretamente na vida econômica, expressando-se como comitê executivo da burguesia capturado pela lógica monopolista. Por consequência, passa a gerir as expressões da questão social como “problemas sociais”, administrando suas refrações e reforçando uma aparência de natureza privada através do isolamento dos problemas dos indivíduos. Para Iamamoto, é dessa forma que o Estado acaba por “[...] administrar e gerir o conflito de classe não apenas via coerção, mas buscando construir um consenso favorável ao funcionamento da sociedade no enfrentamento da questão social [...]” (Iamamoto, 2008, pIamamoto, M. V. (2008). O Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez Editora.. 171).

É a partir desse contexto que a sociedade, diante da lógica capitalista, passa a produzir o discurso de uma juventude “desregrada”, indisciplinada, delinquente e formadora de bandos criminosos, sem deixar explícito para o discurso social, e mesmo para as ciências, a relação entre o avanço do capitalismo e os “problemas sociais” associados às juventudes (Groppo & Silveira, 2020Groppo, L. A., & Silveira, I. B. (2020). Juventude, classe social e política: reflexões teóricas inspiradas pelo movimento das ocupações estudantis no Brasil. Argumentum, 12(1), 7-21.). Dessa forma, as juventudes se tornam objeto de intervenção e ação do Estado apenas quando possuem suas condições de vida agravadas com a exacerbação da questão social, explicitando uma lógica em disputa entre os/as jovens enquanto sujeitos de direitos ou uma categoria “problema” (Barreiro & Malfitano, 2017Barreiro, R. G., & Malfitano, A. P. S. (2017). Política brasileira para a juventude: a proposta dos Centros da Juventude. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 15(2), 1111-1122.).

Assim, os dados de mortalidade juvenil (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA & Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP. (2020). Atlas da violência 2020. Recuperado em 1 de agosto de 2022, de https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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) aliados à incidência das expressões da questão social na sociabilidade das juventudes brasileiras ressaltam a importância de cuidado dos/as jovens, como por meio da ampliação de espaços de convivência e sociabilidade onde, de fato, suas vozes não sejam silenciadas pela violência, mortalidade e ausência de políticas públicas. Em perspectivas distintas àquelas previamente mencionadas, que visualizam as juventudes como categoria de risco ou problema social, aponta-se para a transformação e ampliação de direitos sociais e humanos, condições e experiências de vida, visto que, diante dos inúmeros processos de violência sofridos durante as trajetórias juvenis históricas e sociais, observa-se uma estatização, a partir da banalização e naturalização dessa violência, em favor de uma incidência cada vez mais comum.

Direciona-se, dessa forma, para tendências de construção de uma perspectiva de formação de jovens autônomos, solidários e participativos, envolvidos na solução de adversidades através de participação ativa e construtiva, sendo, assim, o que Costa (1998)Costa, A. C. G. (1998). Protagonismo Juvenil: Adolescência, Educação e Participação Demográfica. Salvador: Fundação Odebrecht. definiu como protagonismo juvenil. No entanto, os estudos de Souza (2006)Souza, R. M. (2006). O discurso do protagonismo juvenil (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. apontam ações, embasadas nesse “protagonismo juvenil”, que colocam o/a jovem enquanto objeto de intervenção, não sujeito. Segundo essa autora, o discurso do protagonismo juvenil aparece enquanto forma de “solução de problemas sociais” (Souza, 2006Souza, R. M. (2006). O discurso do protagonismo juvenil (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.) relacionados às juventudes, a fim de desmentir a imagem do/a jovem apático/a e alienado/a para uma nova forma e um possível modelo de ação política: um ativismo privado, que se realiza em favor de uma ordem social a ser restabelecida e reproduzida como um consenso forjado pelo discurso.

Assim, faz-se necessário contribuir para a ampliação de espaços para vozes juvenis, reafirmando o lugar de jovens enquanto sujeitos chaves para os processos de transformação que precisam incidir neles/as e a partir deles/as. Nesse sentido, Gramsci traz um referencial teórico para nos guiar na direção de como esse processo pode ser, de fato, vivido na constituição de intelectuais orgânicos. É nesse sentido que apontamos para uma interpretação desse/a jovem enquanto intelectual orgânico/a, não em uma perspectiva protagonista.

Processos Catárticos e o/a Intelectual Orgânico/a

Para Gramsci (2000)Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., há, de fato, uma necessidade de que seres sociais assumam a consciência de sua própria história para, assim, apreender como se organiza e se estrutura a ideologia da classe social dominante, ou seja, como se realiza “[...] a organização material voltada a manter, defender e desenvolver a frente teórico ideológica [...]” (Gramsci, 2000, pGramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.. 332).

Dessa forma, para o autor, se um grupo social tem uma compreensão de mundo própria, aí está a libertação da reprodução dos valores, ideologias e força de trabalho em favor do grupo que é dominante. É a partir desse horizonte teórico que Gramsci traz o conceito de “hegemonia” enquanto direção moral e política de uma classe que detém poder sobre todo o conjunto da sociedade, entendendo que ela irá transcender seus interesses para, dessa forma, incorporar os interesses das classes subalternas e forjar um consenso a partir da falsa representação dos interesses do coletivo. Ou seja, a hegemonia não se refere à dominação, mas a aliar-se ao consenso e à coerção, correspondendo, pois, à capacidade de uma classe de unificar seu projeto social ao redor de seus interesses (Gramsci, 2000Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.).

Nesse sentido, o intelectual orgânico está significativamente relacionado com os processos de formação da hegemonia e com o conceito de Estado em Gramsci (2000)Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., sempre em uma relação dialética com o mundo. De forma que, no processo de todos os seres sociais assumirem a consciência de sua própria história, é necessário atenção e esforço desses intelectuais para que o grupo da classe subalterna realize um movimento contra-hegemônico a fim de exprimir uma concepção de classe e reconhecer a contradição inerente na sociedade capitalista, para desnaturalizá-la.

Assim, o intelectual orgânico é aquele que fomentará o processo de consciência na classe trabalhadora a partir de um caminho que Gramsci (1991)Gramsci, A. (1991). Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. determina como catarse. Entende-se catarse como a passagem do senso comum, ou seja, da reprodução da ideologia dominante sem uma reflexão consciente, para o senso crítico, que corresponde à saída do aparente para uma reflexão sobre a essência. Dessa maneira, o momento catártico realizar-se-á de modo a transformar a estrutura, até então naturalizada, em possibilidade de transformação, abrindo caminhos para a liberdade como instrumento para criar nova forma ético-política de reprodução das relações sociais.

Classifica-se catarse como o processo efetivo de transformação da realidade dos indivíduos, mas também do coletivo, produzindo um indivíduo capaz de construir o “bloco histórico” da sociedade que integra dialeticamente a hegemonia, ou seja, as forças da esfera econômica com as expressões culturais e participação da classe subalterna, o que Gramsci (2000)Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. chama de contra-hegemonia. É na perspectiva de que a consciência e reflexão dos sujeitos — que delas são capazes de compreender e realizar — lhes são sequestradas pela ideologia dominante e suas formas de se reproduzir e se estabelecer enquanto consenso hegemônico, que apreendemos que o intelectual orgânico não tem um papel de líder, de maneira a se distanciar da classe que representa e se identifica, mas de realizar um trabalho educativo e de base (Duriguetto, 2014Duriguetto, M. L. (2014). A questão dos intelectuais em Gramsci. Serviço Social & Sociedade, (118), 265-293.). Com base nessas premissas, realizamos os acompanhamentos singulares e territoriais descritos a seguir.

Método

A pesquisa consistiu, portanto, o recolhimento de informações sistemáticas por meio de acompanhamentos singulares e territoriais (Lopes et al., 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O. & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde (CUSC. Impresso), 35, 233-238.; Pan et al., 2022Pan, L. C., Borba, P. L. O., & Lopes, R. E. (2022). Recursos e metodologias para o trabalho de terapeutas ocupacionais na e em relação com a escola pública. In R. E. Lopes & P. L. O. Borba (Orgs.), Terapia Ocupacional, Educação e Juventudes: conhecendo práticas e reconhecendo saberes (pp. 97-126). São Carlos: EDUFSCar.) de quatro jovens durante cerca de dois anos, realizando entrevistas em profundidade (Minayo & Costa, 2018Minayo, M. C. S., & Costa, A. P. (2018). Fundamentos teóricos das técnicas de investigação qualitativa. Revista Lusófona de Educação, 40(40), 139-153.) quando consideramos a necessidade de registrar falas que não haviam se expressado via acompanhamento.

O recrutamento de jovens para participação na pesquisa realizou-se a partir da inserção das pesquisadoras em escolas das redes municipal e estadual na cidade de Santos-SP através do Projeto de Extensão. Ressalta-se que a relação entre os/as jovens colaboradores/as da pesquisa e suas disponibilidades para pensar e refletir sobre os processos aqui discutidos extrapolaram a relação pesquisadora-sujeito, mediados por um simples pedido de participação na pesquisa. As disponibilidades são, também, resultado dos processos interventivos e formativos ocorridos no interior de uma extensão universitária desde 2015, permitindo o acesso a conteúdos profundos e íntimos de suas próprias vidas (Borba et al., 2020Borba, P. L. O., Pereira, B. P., & Lopes, R. E. (2020). Ato infracional, Escola e Papéis Profissionais: tramas complexas em relações frágeis. Pro-Posições, 32, 1-25.).

Neste estudo, optou-se por focalizar a trajetória de vida de uma jovem. Essa escolha se deu pelo fato de sua história ser a mais profunda e longa, bem como por trazer elementos mais explícitos do que intencionamos defender em relação a sua constituição como “intelectual orgânica”. Ademais, a partir do segundo ano da pesquisa, ela passou a ser pesquisadora institucionalmente vinculada à UNIFESP por meio do Programa Institucional de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC-EM), o que a fez ocupar concomitantemente duas identidades nesse processo: pesquisadora e colaboradora.

Decidiu-se, portanto, por manter o nome real da jovem ao longo de sua narrativa de vida, já que ela é também coautora desse texto, uma vez que assumiu o lugar e autoridade da fala e do conhecimento em relação à situação que compartilhou. Deixar nomeado é dar autoria para quem compôs conosco e contribuiu para construir o que sem ela não seria possível nem inimaginável. Essa decisão está em concordância com o artigo 9º da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2016Brasil. Conselho Nacional de Saúde. (2016, 7 de abril). Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, Recuperado em 20 de novembro de 2022, de https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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), que determina as diretrizes éticas específicas para as ciências humanas e sociais. A jovem autorizou sua identificação e reitera nosso posicionamento.

Trata-se, dessa forma, de uma pesquisa participante que pretende atribuir:

[...] aos agentes populares diferentes posições na gestão de esferas de poder ao longo do processo da pesquisa, assim como na gestão dos processos de ação social dentro da qual a pesquisa participante tende a ser concebida como um instrumento, um método de ação científica ou um momento de um trabalho popular de dimensão pedagógica e política, quase sempre mais amplo e de maior continuidade do que a própria pesquisa (Brandão & Borges, 2007, pBrandão, C. R., & Borges, M. C. (2007). A pesquisa participante: um momento da educação popular. Revista de Educação Popular, 6(1), 51-62.. 53).

Em concordância com Brandão & Borges (2007)Brandão, C. R., & Borges, M. C. (2007). A pesquisa participante: um momento da educação popular. Revista de Educação Popular, 6(1), 51-62., partimos de um lugar da pesquisa — nomeada participante — que tem como compromisso compreender a realidade social de uma forma partilhável, na interação de diferentes conhecimentos. Os interlocutores empíricos estão, assim, implicados na produção científica enquanto coautores do conhecimento construído conjuntamente, deslocando e convertendo a relação tradicional de sujeito-objeto para uma relação sujeito-sujeito.

Nesse sentido, a pesquisa possui uma vocação educativa e politicamente formadora que é orgânica, já que produz um processo de investigação-educação-ação dirigido à

[...] transformação da sociedade desigual, excludente e regida por princípios e valores do mercado de bens e de capitais, em nome da humanização da vida social, que os conhecimentos de uma pesquisa participante devem ser produzidos, lidos e integrados como uma forma alternativa emancipatória de saber popular (Brandão & Borges, 2007, pBrandão, C. R., & Borges, M. C. (2007). A pesquisa participante: um momento da educação popular. Revista de Educação Popular, 6(1), 51-62.. 55).

Em relação aos acompanhamentos singulares e territoriais (Lopes et al., 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O. & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde (CUSC. Impresso), 35, 233-238.; Pan et al., 2022Pan, L. C., Borba, P. L. O., & Lopes, R. E. (2022). Recursos e metodologias para o trabalho de terapeutas ocupacionais na e em relação com a escola pública. In R. E. Lopes & P. L. O. Borba (Orgs.), Terapia Ocupacional, Educação e Juventudes: conhecendo práticas e reconhecendo saberes (pp. 97-126). São Carlos: EDUFSCar.), tomou-se os pressupostos descritos e elaborados pela terapia ocupacional social como um dos principais recursos metodológicos neste estudo, haja vista a possibilidade de apreender as vivências colocadas por jovens e suas trajetórias de vida, articuladas com a experiência no campo que vem sendo realizado pela equipe do Projeto de Extensão. Para tanto, corrobora-se com Lopes et al. (2014)Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22, 591-602. de que essa tecnologia social proporciona “[...] uma percepção e interação mais real do cotidiano e contexto de vida dos indivíduos, interconectando suas histórias e percursos, sua situação atual e sua rede de relações [...]” (Lopes et al., 2014, pLopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22, 591-602.. 597). Os acompanhamentos proporcionaram uma escuta atenta na busca de equacionar questões relacionadas à desigualdade social e ao acesso a bens e serviços sociais - questões essenciais na vida desses sujeitos ouvidos e acompanhados.

Todos os acompanhamentos foram registrados em diários de campo e as entrevistas gravadas em áudio. Os arquivos correspondentes foram transcritos integralmente. Tanto as transcrições como as narrativas foram devolvidas aos/às colaboradores/as. No acompanhamento aqui apresentado, com base no vínculo de confiança estabelecido, tivemos a oportunidade de construir a narrativa mais conjuntamente. Com o material em mãos e a partir de vários encontros, criou-se a possibilidade de uma releitura crítica, de tal forma que os conteúdos pudessem ser (re)avaliados para manter aquilo que, de fato, compunha a trajetória de vida na constituição do que nomeamos de intelectuais orgânicos/as, trazendo a relação da teoria com o cotidiano para a concretude do particular da vida de uma jovem: sentimentos, afetos, símbolos e valores que carrega como significado.

Resultados

Marcia é uma jovem de 22 anos, mas que ainda tinha 15 quando nos conhecemos. Ela mora na cidade de Santos, litoral do Estado de São Paulo, Brasil, na região conhecida como “Zona Intermediária”, já que se encontra entre a orla da praia e o centro do município. A jovem morou durante toda a vida nessa região, no mesmo bairro onde se localiza o Instituto Saúde e Sociedade da UNIFESP, campus Baixada Santista. No Ensino Fundamental e Médio, Marcia estudou em uma escola pública no mesmo território.

Durante muitas décadas os bairros da região central compuseram a parte nobre da cidade que, a partir de um processo de pauperização, passou a se concentrar na orla da praia. Na década de 1980, o pregão do café de Santos, que acontecia na Bolsa do Café, localizada no Centro Histórico, foi transferido para São Paulo - SP. Inicia-se, com isso, processo de pauperização da região, marcado pela especulação imobiliária, justificada a partir do deslocamento dos interesses econômicos ocorridos em consequência desse evento. As mudanças resultantes desse processo implicaram a transformação dos ricos casarões em cortiços e a presença de empresas de exportação ligadas ao porto. Dessa forma, a região central de Santos explicita uma das fortes demonstrações de desigualdade do município, com um expressivo contraste social e econômico (Borba et al., 2016Borba, P. L. O., Costa, S. L., Saviani, A. C., Anastasio, C., & Ota, N. (2016). Entre fluxos, pessoas e territórios: delineando a inserção do terapeuta ocupacional no Sistema Único de Assistência Social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 25, 203-214.).

Além disso, nos anos 2000, há a vinda da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) para aquela região, mais especificamente para o bairro da Vila Mathias, como parte do processo político de uso do território e de uma perspectiva de valorização e revitalização (Kurka et al., 2013Kurka, A. B., Ferraz, I., & Anastacio, J. (2013). Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações. Revista de Cultura e Extensão da USP, (10), 63-72.).

A história dessa jovem menina se dá a partir de sua inserção nesse território, que ela compreende como um lugar que “(...) é esquecido e vem com o preconceito das pessoas. Eles têm esse tipo de fardo: se você tá com uma pessoa da Ponta da Praia 4 4 Bairro nobre da mesma cidade. ela não vai querer vir te visitar” (Entrevista com Marcia, p. 2). Ela cresceu ali com o pai, um irmão e três irmãs. Durante quase todo o período em que a acompanhamos, a jovem morou com o pai, que já era viúvo há alguns anos. Ele, inclusive, mantinha um pequeno comércio na rua onde se localiza a UNIFESP.

Conhecemos Marcia em uma das oficinas que realizamos em sua escola, via projeto de extensão, em 2015. À época, ela cursava o 1º ano do Ensino Médio. Eram oficinas acerca das temáticas de relações de gênero e relações raciais (Silva & Borba, 2018Silva, C. G., & Borba, P. L. O. (2018). Encontros com a diferença na formação de profissionais de saúde: juventudes, sexualidades e gêneros na escola. Saúde e Sociedade, 27, 1134-1146.), com destaque para uma sequência de atividades a partir do tema “violência contra a mulher”. O grupo de extensionistas exibiu, para duas turmas, uma de 1° ano e outra de 3° ano do Ensino Médio, o filme “Sonhos Roubados” (Tolomelli & Werneck, 2010Tolomelli, E. (Produção), & Werneck, S. (Direção). (2010). Sonhos Roubados [DVD]. Brasil: Cineluz.) como disparador para a discussão e posterior elaboração de um mural pelos/as estudantes.

Ela relata que foram naquelas oficinas os primeiros momentos em sua vida que sentiu ter direito à fala, percebendo que sua voz podia ser reconhecida, multiplicada e ouvida com cuidado e afeto. Ao longo das oficinas, estreitamos nossos vínculos de confiança e, a cada encontro, ela se expressava mais, permitindo e engendrando processos de reflexão entre as/os estudantes secundaristas e universitários.

Transcorridas essas oficinas, notamos a curiosidade das/os jovens em relação à Universidade. Assim, as/os convidamos para uma visita guiada e apresentamos os cursos, salas, biblioteca e espaço estudantil. Sempre na perspectiva de que aquele espaço também deveria ser compartilhado e aberto aos/às moradores/as do bairro e da cidade.

Durante a visita, Marcia relatou que seu sonho era cursar Psicologia e, nesse momento, a questionamos: Por que não na UNIFESP? Na universidade pública na rua da escola onde cresceu? Tão perto de casa? Em suas palavras, a resposta para essas indagações:

Eu vi a faculdade ser formada, era meu caminho da escola. Então, tipo, era “caraca, vai ter um negócio legal aqui!” (...) e aí foi, tipo, “a gente tem uma universidade do lado da escola!”. Mas foi só quando eu entrei aqui, quando eu vim conhecer junto com a extensão que, tipo, eu soube que tinha o curso que eu queria fazer e outros que eu nem sabia da existência e hoje quero fazer também. Mas, tipo, foi um processo de quando a gente veio e conheceu lugares e foi aquele negócio de encantamento. Eu nunca tinha visto uma universidade federal. E eu fiquei, tipo, “caraca isso aqui é público! Caraca eu posso entrar!” (Entrevista com Marcia, p. 3).

Marcia também relata que passou a se sentir mais segura e a expressar com mais frequência seus posicionamentos nas redes sociais, conquistando novos colegas e se aproximando de pessoas que, junto com ela, também demonstravam insatisfação com a realidade vivida em suas escolas e na sociedade.

Em uma rede social, o Facebook®, ocorreu uma situação que, sob nossa análise, marca uma das catarses que compõe sua construção de intelectual orgânica. A situação-chave ocorreu após uma estudante do ensino fundamental relatar à coordenação da escola que um menino de sua sala passou a mão em seu corpo. A direção do colégio proibiu o uso de calças leggings 5 5 Modelo de calça justo ao corpo e de uso, convencionalmente, feminino. pelas estudantes no espaço escolar, partindo do pressuposto que o fato era consequência da roupa utilizada pela estudante. Dessa maneira, a coordenadora da escola passou em todas as salas, de todos os períodos, para informar o fato e o posicionamento tomado pela gestão, convencida de que, com essa norma, a situação não se repetiria.

A norma posta foi lida por Marcia como mais uma forma de reprodução de machismo sob a égide de um falso moralismo impetrado pela gestão escolar. Essa ação expressava uma visão de mundo que culpabilizava a menina, não o menino que praticou o ato. Para agravar, submetia todas a uma norma que não problematizava a existência do ato violento, tampouco o corpo violentado. Frente a isso, Marcia publicou um posicionamento forte em sua página da rede social com o seguinte texto:

Hoje me ocorreu algo que toda as meninas se perguntaram a mesma coisa: vai ter textão? Sim, vai. Uma superior de nossa escola foi dar um recado “para as meninas”, o recado era para que não usássemos o shortinho curto senão não entrariam na escola. Okay, justo. Escola não é o lugar para esse tipo de roupa. Mas aconteceu que a superior resolveu complementar seu discurso causando uma revolta unânime na classe. Disse ela que as meninas ao usarem a famosa calça legging estariam dando liberdade aos meninos de olharem maldosamente, pois a calça “marca muito” o corpo da mulher. Disse também que se usarmos a legging para ir para a escola, e alguns meninos nos tocassem, não adiantaria nada, pois a escola não poderia fazer nada. Já que nós escolhemos esse tipo de calça, então, como ela mesma falou “estamos pedindo para que eles nos alisem”. Com esse comentário machista eu a perguntei se ela acha justo que a culpa fosse nossa, sendo que isso vem de atitudes dos meninos, ela simplesmente disse que eu não entendia de nada, que as mulheres deveriam se dar ao respeito. Pois bem, eu não me dou respeito, ele é meu por direito! A escola deveria ensinar aos garotos que NÃO SE PODE TOCAR NO CORPO DE NINGUÉM SEM PERMISSÃO, NÃO INTERESSA O QUE A PESSOA VISTA. Mas na verdade a escola está ensinando os garotos a julgarem mulheres que “merecem” ser abusadas. Achei um absurdo sim, vim reclamar sim. Não irei deixar de usar legging e se algum menino encostar em mim, eu chamo a polícia, já que a escola não pode fazer nada. Esse tipo de coisa me deixou atordoada, como a sociedade regride a cada avanço. Eu espero que ela tenha falado isso apenas na minha classe, pois meninos mais novos, ao escutar, podem sim achar que estão certos e que a culpa é nossa, e bom, a culpa não é nossa. Meu corpo, minhas regras sim. O recado não devia ter sido para garotas e sim, um recado para os garotos, para aprenderem a não tocarem onde não lhes convém (Trecho da postagem de Marcia).

Em um ato de coragem e força, também marcou a escola na postagem. Muito aconteceu depois do posicionamento da estudante: a situação repercutiu entre colegas, professores e direção, decorrendo, inclusive, na “expulsão” do projeto de extensão do espaço da escola, uma vez que, dentre as temáticas que o projeto trabalhava, estava a reflexão e crítica sobre a sociedade patriarcal e suas formas de reproduzir o machismo nas relações cotidianas.

Se, por um lado, esse episódio significou a expulsão da extensão daquela escola, por outro, foi com ele que Marcia reconheceu a potencialidade de sua voz, através do entendimento da necessidade de expor aquilo que há tempo a incomodava na forma como a dinâmica da escola, em especial da gestão, se dava, além das inúmeras reproduções do machismo no cotidiano daquela instituição. Partia, assim, da percepção de que as informações, reflexões e a desconstrução de normalidade precisavam chegar aos outros estudantes, o que tornou a jovem reconhecida no espaço escolar e culminou em sua inserção no grêmio estudantil, na vice-presidência, com a reativação daquele espaço.

No contexto do grêmio estudantil, Marcia aprofundou seus vínculos com algumas amigas que, em conjunto, ampliaram a consciência crítica sob suas próprias histórias, interseccionadas pelos marcadores sociais de classe social, gênero, raça-cor, território (Melo et al., 2020Melo, K. M. M., Malfitano, A. P. S., & Lopes, R. E. (2020). Os marcadores sociais da diferença: contribuições para a terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 1061-1071.) e pelas formas como se dinamizavam essas relações em uma sociedade que, aos poucos era entendida, como patriarcal, racista e capitalista. Nesse grupo de jovens meninas, apoiado por um único professor da escola, elas construíram diferentes possibilidades interventivas para iniciar um processo contra-hegemônico junto a outras jovens, em um espaço cercado por grades, em que as ideias também eram cerceadas.

A proposta iniciou-se com a realização de oficinas com estudantes do turno da manhã, bem similares às oficinas que Marcia havia vivenciado no projeto de extensão (Silva & Borba, 2018Silva, C. G., & Borba, P. L. O. (2018). Encontros com a diferença na formação de profissionais de saúde: juventudes, sexualidades e gêneros na escola. Saúde e Sociedade, 27, 1134-1146.), a fim de debater assuntos que o grêmio compreendia serem pertencentes à realidade da escola. O assunto eleito para discussão foi a exposição de fotos íntimas de meninas jovens na Internet e a relação desses episódios com casos de suicídio juvenil. Destaca-se a escolha da temática, ao revelar a capacidade de Marcia em captar as necessidades preeminentes do território escolar, a partir do processo de (auto)conhecimento que a jovem havia traçado no ano que se passara, bem como a catarse e sua construção enquanto intelectual orgânica.

Segundo a jovem, aquela oficina foi muito marcante por mostrar para outros jovens as situações que acontecem diariamente no espaço virtual e que envolvem a comunidade escolar, além de abrir espaço para o diálogo e a troca entre estudantes, avaliando uns com os outros as atitudes, posicionamentos e as formas de incidência das ações no outro, no coletivo e na sociedade. Essa oficina não se restringiu à escola onde Marcia estudava, também foram realizadas oficinas em outra escola da região central da cidade, a partir de uma parceria entre os grêmios.

Além da escola, o espaço da Universidade também passou a ser mais explorado pela jovem, tornando-se mais familiar e construindo sentimento de pertencimento. Alguns eventos para os quais estudantes da sua escola eram convidados foram realizados pelo Projeto de Extensão. Marcia estava sempre presente nesses eventos e se identificava cada vez mais, principalmente, pelas discussões e reflexões acerca do papel da mulher e das análises críticas a respeito de uma sociabilidade patriarcal, no horizonte de sua superação. Ela se lembra de dois eventos nessa direção: uma roda de conversa sobre a cultura do estupro, realizada após um caso bastante divulgado pela mídia acerca de uma jovem que fora estuprada por trinta e três homens (UOL, 2016UOL. (2016, Maio 27). 'Quando acordei, tinham 33 caras em cima de mim', diz menor estuprada no Rio. Recuperado em 31 de maio de 2023, em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/05/27/quando-acordei-tinham-33-caras-em-cima-de-mim-diz-menor-estuprada-no-rio.htm
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noti...
), como também uma Batalha de Rap e Funk6 6 A “Batalha da Silva: Rap e Funk promovendo a igualdade” foi um evento organizado pelo Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista’ em outubro de 2016 na UNIFESP, campus Baixada Santista, a fim de realizar um encontro entre jovens, universitários e secundaristas, utilizando o duelo de rimas para expressar o que pensavam sobre as temáticas: igualdade entre mulheres e homens; igualdade racial; fim da discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. .

No ano seguinte a esses acontecimentos, felizmente, a Extensão teve a possibilidade de retornar à escola de Marcia a partir de novas parcerias, via projeto de uma ONG junto à Secretaria Municipal de Educação de Santos, a Diretoria Regional de Ensino do Estado de São Paulo e a UNIFESP7 7 Projeto “Protagonismo e Cidadania: Uma Construção Permanente”, desenvolvido em Santos pela ONG Consciência pela Cidadania, em parceria com o Núcleo de Políticas Públicas Sociais e Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista’, ambos da UNIFESP. . Esse projeto, por sua vez, propôs-se a promover integração entre os grêmios estudantis e os conselhos das escolas públicas do município de Santos para, a partir disso, desenvolver ações em prol das comunidades escolares e seus respectivos territórios. Assim, foram reunidos cerca de 70 estudantes das escolas estaduais e municipais interessadas e iniciadas as oficinas de preparação e planejamento de ações para cada uma das cinco regiões8 8 Zona da Orla, Zona Intermediária, Zona dos Morros, Zona Noroeste e Área Continental. que compõem a cidade de Santos, criadas e pensadas pelos/as estudantes secundaristas (Borba et al., 2017Borba, P. L. O., Silva, C. G., Reis, B. C. S., Nobre, M. C., Romano, M. P., & Gatti, T. (2017). O processo de criação e desenvolvimento de oficinas com jovens: desafios formativos e inventivos. Revista do Projeto Protagonismo e Cidadania, 1, 49-51.).

Esse projeto fortaleceu muito o vínculo com Marcia, já que proporcionou acompanhamento semanal com o grupo de seu território, que envolvia sua escola e era composto pelas jovens que participavam do grêmio do qual fazia parte. Assim, passamos a construir um projeto a ser apresentado na finalização das oficinas, que produzisse algo significativo para o universo daquele território, daquelas jovens e daquela escola.

O processo de amadurecimento das atividades junto ao coletivo não se deu apenas na proposição e criação, foi também percebido na forma como o grupo era conduzido, na mediação de conflitos, na percepção e acolhimento das necessidades e demandas juvenis, bem como no aprendizado no manejo de situações que necessitam de articulação com diferentes instituições e pessoas (Pan, 2019Pan, L. C. (2019). Entrelaçando pontos - de fora para dentro, de dentro para fora: ação e formação da terapia ocupacional social na escola pública (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Dessa forma, o grupo passou por processos de reaproximação, reconhecimento, ressignificação e redescobrimento, desenvolvendo um processo formativo que já possuía raízes. A escolha das jovens para a ação final foi de reativar a Sala de Artes da escola e promover um Sarau de Arte e Poesia. Optou-se por modificar as estruturas daquela escola, de maneira a demonstrar o significativo sentimento de pertencimento e bem querer daquelas meninas em relação àquele espaço. A escolha, além de significativa para elas, traz o reconhecimento da importância da escola como espaço de convivência e sociabilidade.

Em paralelo à realização desse projeto, iniciamos o desenvolvimento desta pesquisa, da qual a jovem, para além de colaboradora, também passou a integrá-la como membra da equipe de pesquisadoras por meio de Iniciação Científica de Ensino Médio. Com isso, possibilitou-se sua maior aproximação das atividades do Projeto de Extensão, contribuindo com o desenvolvimento das oficinas enquanto jovem do Ensino Médio e pesquisadora, além de ter viabilizado aprendizados da ordem do fazer científico e, sobretudo, da participação no cotidiano universitário de maneira mais efetiva.

Em relação, especificamente, à pesquisa na qual Marcia se envolveu, ela acompanhou dois jovens escolhidos também por, em suas trajetórias de vida, terem ações em prol de um coletivo, na perspectiva de operarem como intelectuais orgânicos. Durante todos os acompanhamentos realizados em conjunto, após os encontros, debatíamos sobre as relações observadas nas falas e ações daqueles jovens e no aparato teórico acerca da construção desse intelectual orgânico. Foram nesses momentos que pudemos observar também os ganhos de profundidade de consciência crítica de Marcia, alinhados ao estabelecimento de uma relação orgânica com sua classe, de tal maneira que, para além de conhecer métodos científicos da realização das entrevistas e sua transcrição e sistematização, foi nesse processo que pôde redimensionar sua concepção de mundo e o contexto histórico-social da sociabilidade capitalista e, por fim, projetar-se frente a um novo sonho: entrar na universidade pública.

De todo modo, com todas dificuldades e complexidades advindas de um cotidiano que incluía a escola, o trabalho em uma loja de roupas e o trabalho doméstico no cuidado de seus sobrinhos, Marcia conseguiu finalizar o processo da iniciação científica. Findado o Ensino Médio, ingressou no Cursinho Popular Cardume9 9 Projeto do campus Baixada Santista da UNIFESP que oferece a jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social a oportunidade de se prepararem para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e ingressarem em universidades públicas e privadas. O projeto é gratuito e tem como metodologia a Educação Popular, em perspectiva freiriana. e, no ano seguinte, ingressou no curso de Serviço Social na Universidade pública, aquela do seu bairro, para alegria dela e de toda equipe da extensão.

Nessa equação, tantas vidas impactadas e transformadas coletivamente por Marcia. Tantos espaços coletivos, por essência, que impactaram sua vida. Por mais possibilidades de existência como essa jovem menina, por mais projetos e ações que dialoguem com e apoiem essas trajetórias.

Discussão

Essa pesquisa se desenhou no sentido de aprofundarmo-nos acerca das discussões sobre juventudes, a partir de uma perspectiva que tenha, verdadeiramente, o/a jovem como ponto central em suas vivências, relações, angústias e experiências e, ainda, apontando novos possíveis caminhos para que essas perspectivas sejam expandidas.

Escolhemos, a partir da questão que guiou a pesquisa, transitar pelas trajetórias de vida de jovens através de um ponto de partida: suas potencialidades, que se desdobram na forma pela qual enxergam o mundo e de, assim, colocarem-se e reconhecerem-se nele, além da transformação de si, de pares e, quiçá, de mundo. Passamos e tocamos na vida e trajetória dessas/es jovens, em especial, aqui, na vida da Marcia, muitas vezes carregadas de violências e violações de direitos sociais e humanos, como também por seus processos de dores e alegrias, o que demandou um movimento contínuo de construção de vínculo para que fosse permitido adentrar seus espaços de circulação, sejam eles mais privados-íntimos e/ou públicos, presenciais ou no âmbito da virtualidade.

Orientamo-nos em conhecer as experiências observadas durante os acompanhamentos da trajetória dessa jovem que, em um movimento contra-hegemônico, constituía-se enquanto intelectual orgânica (Gramsci, 2000Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) a partir de processos de transformação social, na direção da emancipação humana e da luta pela hegemonia de outro projeto societário, diferente daquele imposto pela classe dominante. Isso, baseado no campo empírico, deu-se paulatinamente por meio de sua ação multiplicadora ao organizar e coordenar oficinas para outros/as jovens, como também constituindo um crescimento intelectual no interior de uma universidade pública que, inicialmente, não era passível de ser acessada pela jovem Marcia.

Destaca-se, também, nesse processo, a reativação do grêmio escolar, contextualizada no interior de um movimento mais amplo, deflagrado em 2015, que ficou nacionalmente conhecido como “Ocupações” e se deu como forma de enfrentamento dos/as estudantes, apoiados pelos professores, contrários à proposta do governo do Estado de São Paulo de Reorganização do Ensino Médio. Tendo como mote o fechamento de inúmeras salas e escolas de ensino médio, a proposta dificultava o acesso dos/as estudantes, pois passariam a ficar em bairros mais distantes. Esse movimento fez com que jovens colocassem em questão o lugar dos grêmios estudantis e a articulação entre os próprios estudantes em prol da garantia do acesso à escola, mas que também avançou na discussão em termos da qualidade do ensino ofertado e do quanto as escolas estavam desconectadas do seu entorno e das demandas juvenis (Silveira & Groppo, 2019Silveira, I., & Groppo, L. A. (2019). As Ocupas e as Ocupações Secundaristas: feminismo, política e interseccionalidade. Revista Educação e Linguagens, 8(14), 24-48.).

Além disso, aponta-se a inserção da jovem no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC-EM). Infelizmente, há poucos estudos dedicados a avaliar o impacto dessa modalidade de programa de iniciação à pesquisa voltada a estudantes de Ensino Médio (Heck et al., 2012Heck, T. G., Maslinkiewicz, A., Sant’Helena, M. G., Riva, L., Lagranha, D., Senna, S. M., Dallacorte, V. L. C., Grangeiro, M. E., Curi, R., & Bittencourt, P. I. H. (2012). Iniciação científica no ensino médio: um modelo de aproximação da escola com a universidade por meio do método científico. Revista Brasileira de Pós-Graduação, 8(2), 447-465.; Oliveira & Bianchetti, 2019Oliveira, A., & Bianchetti, L. (2019). Estudantes do ensino médio e o ensino superior: explicitando o modus operandi dos bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio. Revista Brasileira de Estudos Pedagogicos, 100(255), 464-480.). Tanto a ideia desse programa, como sua existência, são preciosas no enunciado da aproximação dos/as jovens secundaristas com a universidade pública. Contudo, na esteira da desvalorização da ciência que vivemos no Brasil, de fato, esse programa acaba por não ser uma possibilidade para jovens advindos/as das classes populares, uma vez que o valor da bolsa de cem reais mensais não supre as necessidades de existência que eles e elas apresentam, elitizando um programa que, à princípio, deveria ser voltado a um público com maiores dificuldades de inserção nesse sistema.

Com a crescente participação de Marcia nas atividades do Projeto de Extensão, foi coexistindo um aprofundamento de leituras mais críticas de sua realidade, em especial ao que concernia às questões que atravessam o feminino, as violências e as juventudes, expressos na forma como se relacionava e se posicionava com seus/as colegas, suas colocações e falas. Como Jacinto (2017)Jacinto, A. G. (2017). Trabalho socioeducativo no Serviço Social à luz de Gramsci: o intelectual orgânico. Revista Katálysis, 20(1), 84-92. nos coloca: “[...] o movimento entre concepção de mundo e contexto histórico-social, procurando estimular formas organizativas que permitam que a ação revolucionária se desenvolva [...]” (Jacinto, 2017, pJacinto, A. G. (2017). Trabalho socioeducativo no Serviço Social à luz de Gramsci: o intelectual orgânico. Revista Katálysis, 20(1), 84-92.. 79). Essas falas passaram dos espaços “protegidos” das oficinas para o cotidiano escolar e, principalmente, para o espaço virtual.

Um elemento-chave para a leitura desse processo, de fato, foi a utilização do espaço virtual, em especial as redes sociais, como meio de expressão, explicitado na história que envolveu o uso das leggings pelas meninas. Nesse sentido, corroboramos Barreiro (2019)Barreiro, R. G. (2019). Entre redes: juventudes, ambientes virtuais e vidas entretidas (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. de que a realidade virtual marca e define os modos de vida, em especial os juvenis, e, com isso, impossibilita-se a separação entre realidade virtual e realidade presencial, sendo que uma e outra se retroalimentam a todo instante.

O espaço virtual também se destaca na relação da jovem com a escola, através da exposição de fotos e vídeos íntimos, popularmente conhecidos como “troca de nudes”, para temática de oficina a ser realizada por ela com outros/as jovens da escola. Tal exposição ganhou propulsão com o uso mais frequente dos recursos virtuais, acarretando diversas consequências, como a superexposição da intimidade dos/as jovens e o cyberbullying 10 10 Violência psicológica e sistemática entre pares que ocorre no ambiente virtual e se apoia em ferramentas tecnológicas de interação. . Alguns estudiosos têm se debruçado sobre essas temáticas, descrevendo um aumento significativo de sofrimento psicossocial entre jovens relacionado aos cuttings, ideações suicidas e o suicídio, em decorrência de serem vítimas desse tipo de prática e explicitando outras expressões de violência, agora pelos meios virtuais (Ferreira & Deslandes, 2018Ferreira, T. R. S. C., & Deslandes, S. F. (2018). Cyberbulling: conceituações, dinâmicas, personagens e implicações à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 23(10), 3369-3379.).

Toda a aproximação de Marcia com a Universidade, por meio dos diferentes projetos mencionados, colaborou para que ela perseguisse seu sonho, mas não só. Nesse bojo, também se faz muito presente seu ativismo político no interior da escola, do grêmio estudantil e nas redes sociais. Na perspectiva gramsciana, foram desses espaços e situações que decorreram as catarses, processos efetivos de transformação da realidade não só dos indivíduos, como também do coletivo (Gramsci, 2000Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), e, portanto, constituíram a intelectual orgânica, que após passar pelo processo de catarse, é capaz de fomentar processos catárticos no coletivo de sua classe (Gramsci, 1991Gramsci, A. (1991). Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.).

Distante de um discurso de protagonismo juvenil que pretende apenas manter um pensamento hegemônico que tem o adulto como figura central (Souza, 2006Souza, R. M. (2006). O discurso do protagonismo juvenil (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.), o movimento observado pela jovem nesta pesquisa, materializado nos resultados com a narrativa de vida, parece-nos ter se construído à margem dessa reprodução, nas fendas, para que as juventudes se fortaleçam. Aponta-se, assim, como alternativa diante da apropriação do enunciado do “protagonismo juvenil” pelas diferentes instituições — sejam elas ONGs, partidos políticos ou até mesmo o Estado, por meio das políticas públicas — intencionadas na cooptação da juventude em favor de um discurso que fortaleça seus aparelhos ideológicos e, assim, o pensamento hegemônico e a reprodução das relações sociais em favor da classe dominante (Boutin & Flach, 2016Boutin, A. C. B. D., & Flach, S. F. (2016). Juventude e participação social: concepções que orientam ações e políticas para os jovens brasileiros. EccoS. Revista Científica, (41), 189-205.).

É a partir de um discurso adultocêntrico, afirmado em uma perspectiva de “protagonismo”, que as juventudes permanecem como alvo da violência e à margem das políticas públicas, priorizando concepções que objetivam atenuar ou apaziguar as desigualdades, mas não superá-las (Boutin & Flach, 2016Boutin, A. C. B. D., & Flach, S. F. (2016). Juventude e participação social: concepções que orientam ações e políticas para os jovens brasileiros. EccoS. Revista Científica, (41), 189-205.). Constroem-se espaços forjados de ocupação desses jovens, sem participação efetiva dos sujeitos para validar aquilo que, verdadeiramente, faz sentido em suas vidas e trajetórias, em suas vontades, interesses, experiências e potencialidades (Souza, 2006Souza, R. M. (2006). O discurso do protagonismo juvenil (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Por outro lado, é possível, com a explicitação dessa trajetória juvenil e de forma a responder a pergunta central deste estudo, constituir evidências da possibilidade de criação de espaços que possam fomentar intelectuais orgânicos e processos catárticos em dois movimentos conjugados: ofertando experiências (ações e conteúdo) para que os/as jovens constituam seu próprio repertório de crítica em relação a sua dada realidade e mecanismos de enfrentá-la; apoiando ações que eles e elas possam desenvolver junto a seus pares, multiplicando saberes e compartilhando leituras de mundo.

Enfim, o compartilhamento de nossas trajetórias transformou Marcia e, igualmente, transformou-nos. Ao mesmo tempo, incidiu em outras tantas vidas que emergiam de espaços coletivos que ela adentrou: a Escola, o Grêmio Estudantil, a Sala de Artes, o Sarau, o Projeto de Extensão, o Cursinho Popular Cardume e, por fim, a Universidade. Em um movimento dialético: trânsito contínuo entre o coletivo e o individual, entre a potente capacidade de se transformar e transformar o outro, sendo o outro individual ou coletivo, presencial ou virtual.

Conclusão

Garantir e apoiar a existência de espaços de fala e escuta dessa jovem — e dos outros três que também integraram essa pesquisa — enquanto recurso metodológico promoveu a construção de narrativas não apenas com sua colaboração, mas em composição conjunta. Assim, possibilitou-se explorar para além de suas cicatrizes, mas, principalmente, as estratégias e fendas sobre a vivência de cada um/a, para que pudéssemos reconhecer, dessa forma, o quanto a relação do intelectual orgânico em Gramsci despontava nessa(s) trajetória(s).

Para isso, elegemos, enquanto experiência de metodologia, os acompanhamentos singulares e territoriais sustentados e amparados por um conjunto de referenciais que compõem a terapia ocupacional social. Isso nos proporcionou, efetivamente, uma maior e mais complexa compreensão desses/as jovens enquanto sujeitos sociais, partindo do pressuposto de que são eles(as) quem nos narram sua própria história através daquilo que realmente lhes é caro: colaboradores/as dos processos de análise e construção das narrativas - permitindo relembrar e refletir acerca de suas trajetórias. Ademais, para além de “narrar” e “contar”, essa premissa metodológica nos permitiu construir junto com os/as jovens mais espaços de sociabilidade, tendo como direção espaços onde se agenciasse um agir político e, dessa forma, conferisse mais instrumentos para que eles/elas pudessem enfrentar as diferentes vulnerabilidades que cercam suas vidas.

Nesse sentido, essa forma de executar a pesquisa, articulada intimamente à atividade extensionista, aciona nos pesquisadores/as uma preocupação no âmbito da intervenção. É nesse processo que a produção de conhecimento se enriquece tanto como a vida dos/as jovens, que seguem mais fortalecidos/as diante de todas as adversidades. Além dos/as pesquisadores/as, que se implicam mais eticamente comprometidos/as com essas vidas.

Assim, ressaltamos a importância da experiência com a extensão universitária na construção dessa análise, no que tange a metodologia da troca de pares, entre estudantes universitários e secundaristas. A partir dessa relação, fundada na perspectiva da horizontalidade e da troca de saberes, vivências e conhecimentos, é que se realizaram os vínculos criados e cultivados para que essa pesquisa se tornasse possível. É também nessa perspectiva e experiência que é possível visualizar essas/es jovens atores, jovens presentes, jovens enquanto sujeitos sociais. Além disso, destacamos, enquanto potencialidade da presente pesquisa, o escopo metodológico utilizado na radicalidade do que se compreende por “colaboração em pesquisa”. A jovem colaboradora não foi somente doadora de sua história para uma análise a posteriori, foi também coautora/coprodutora do conhecimento em voga. Construção e análise produzida conjunta e dialeticamente.

Assim, este trabalho propõe, com base em uma análise teórica de autores que fazem essa leitura, outra perspectiva de visualizar essas juventudes, de maneira que sejam sujeitos centrais da construção de seus espaços de interesse e transformação, visto que este estudo surge quando passamos a nos interessar pelas histórias de vida de jovens — pessoas, situações e contextos — que colaboraram para constituir esses sujeitos mais ativos socialmente, em uma perspectiva gramsciana, as sementes dos/as intelectuais orgânicos/as.

Em conclusão, projeta-se que este estudo possa oferecer referências para estratégias de fortalecimento das redes de jovens, bem como recoloque a escola como central e significativa para suas vidas e acumule condições para que juntos/as enfrentemos as vulnerabilidades que cercam o cotidiano das juventudes na construção de um protagonismo que, realmente, situe esses sujeitos no campo da intervenção concreta, possibilitando uma leitura que atribua a eles/as a condição de intelectuais, intelectuais orgânicos/as.

Assim, aponta-se enquanto limitação do estudo e questão de possível aprofundamento a apreensão do impacto das políticas de proteção social brasileiras dedicadas às juventudes no âmbito dessas experiências e de processos que se dão nas fendas, projetando-se que novas pesquisas possam ser produzidas e aprofundadas nessa perspectiva, construindo aportes — objetivos e subjetivos — para se elaborar novas políticas públicas, de outra Escola e de outra Universidade, que, dessa forma, reconheçam os/as jovens como sujeitos sociais detentores de sua história.

Agradecemos às juventudes, representadas pelas meninas e meninos que cruzaram nosso caminho ao longo dos anos no Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista’. Em especial às meninas da E.E. Visconde de São Leopoldo e ao(s) nosso(s) nós. Também agradecemos a toda equipe do Projeto, em especial, à professora Cristiane Gonçalves, uma das coordenadoras e idealizadoras do projeto em tela.

Agradecimentos

Agradecemos às juventudes, representadas pelas meninas e meninos que cruzaram nosso caminho ao longo dos anos no Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista’. Em especial às meninas da E.E. Visconde de São Leopoldo e ao(s) nosso(s) nós. Também agradecemos a toda equipe do Projeto, em especial, à professora Cristiane Gonçalves, uma das coordenadoras e idealizadoras do projeto em tela.

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    Este texto decorre de três pesquisas de Iniciação Científica, sendo duas delas associadas ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e a outra à Iniciação Científica de Ensino Médio (PIBIC-EM), na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), contando com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 2
    O material é parte de pesquisa e todos os procedimentos vigentes éticos para pesquisas envolvendo seres humanos foram cumpridos. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo sob Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 78051617.8.0000.5505.
  • 3
    Desenvolvido pelo Laboratório Interdisciplinar Ciências Humanas, Sociais e Saúde (LICHSS)/UNIFESP e METUIA/UNIFESP.
  • 4
    Bairro nobre da mesma cidade.
  • 5
    Modelo de calça justo ao corpo e de uso, convencionalmente, feminino.
  • 6
    A “Batalha da Silva: Rap e Funk promovendo a igualdade” foi um evento organizado pelo Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista’ em outubro de 2016 na UNIFESP, campus Baixada Santista, a fim de realizar um encontro entre jovens, universitários e secundaristas, utilizando o duelo de rimas para expressar o que pensavam sobre as temáticas: igualdade entre mulheres e homens; igualdade racial; fim da discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
  • 7
    Projeto “Protagonismo e Cidadania: Uma Construção Permanente”, desenvolvido em Santos pela ONG Consciência pela Cidadania, em parceria com o Núcleo de Políticas Públicas Sociais e Projeto de Extensão ‘Juventudes e Funk na Baixada Santista’, ambos da UNIFESP.
  • 8
    Zona da Orla, Zona Intermediária, Zona dos Morros, Zona Noroeste e Área Continental.
  • 9
    Projeto do campus Baixada Santista da UNIFESP que oferece a jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social a oportunidade de se prepararem para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e ingressarem em universidades públicas e privadas. O projeto é gratuito e tem como metodologia a Educação Popular, em perspectiva freiriana.
  • 10
    Violência psicológica e sistemática entre pares que ocorre no ambiente virtual e se apoia em ferramentas tecnológicas de interação.
  • Como citar: Reis, B. C., S., Lima, M. S. B., Nozabielli, S. R., & Borba, P. L. O. (2023). Trajetórias juvenis e a construção de intelectuais orgânicos/as. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31(spe), e3393. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO259833931
  • Fonte de Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Editado por

Editora Convidada

Profa. Dra. Beatriz Prado Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2022
  • Revisado
    19 Ago 2022
  • Aceito
    04 Dez 2022
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