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A produção do espaço urbano em Frecheirinha-CE: O polo produtor de peças íntimas no Sertão Cearense

Resumo

O artigo analisa o processo de produção do espaço urbano em Frecheirinha-CE, bem como os processos que auxiliam para a construção das materialidades espaciais pelo circuito espacial da produção têxtil no seguimento de peças íntimas, papel no processo de reestruturação produtiva; identificar os agentes envolvidos, analisando as articulações empreendidas entre eles nos círculos de cooperação do espaço; culminando com a organização o território em questão. Para compreender melhor o paradigma atual da produção têxtil e de peças íntimas precisamos desvincular nossos olhares aos moldes da produção tradicional. Localizada na região Noroeste do Estado do Ceará, cidade pequena de aproximadamente 13 mil habitantes, abriga mais de 30 fábricas de peças íntimas, além de uma comércio depende dessa atividade.

Palavras-chave
produção do espaço urbano; circuitos espaciais; reestruturação produtiva; indústria de peças intimas

Abstract

We will present an analysis of the production process of urban space in Frecheirinha-CE, as well as the processes that help to build spatial materialities through the spatial circuit of textile production following underwear, role in the productive restructuring process; identify the agents involved, analyzing the articulations undertaken between them in the space cooperation circles; culminating with the organization of the territory in question. To better understand the current paradigm of textile and underwear production, we need to detach our views from the molds of traditional production. Located in the Northwest region of the State of Ceará, a small town of approximately 13 thousand inhabitants, it houses more than 30 factories of intimate parts, in addition to a trade that depends on this activity.

Keywords:
production of urban space; spatial circuits; productive restructuring; underwear industry

Resumen

Presentaremos un análisis del proceso de producción del espacio urbano en Frecheirinha-CE, así como los procesos que ayudan a construir materialidades espaciales a través del circuito espacial de producción textil después de la ropa interior, papel en el proceso de reestructuración productiva; identificar a los agentes implicados, analizando las articulaciones emprendidas entre ellos en los círculos de cooperación espacial; culminando con la ordenación del territorio en cuestión. Para entender mejor el paradigma actual de la producción textil y de ropa interior, necesitamos desvincularnos de los moldes de la producción tradicional. Ubicada en la región Noroeste del Estado de Ceará, una pequeña ciudad de aproximadamente 13 mil habitantes, alberga más de 30 fábricas de partes íntimas, además de un comercio que depende de esa actividad.

Palabras clave:
producción de espacio urbano; circuitos espaciales; reestructuración productiva; industria de la ropa interior

Introdução

A Reestruturação Produtiva elege novos espaços e o surgimento de uma nova divisão territorial do trabalho, faz com que áreas periféricas sem tradições industriais aparecem como novos espaços da produção, a exemplo da cidade Frecheirinha-CE, lócus de nossa pesquisa, localizada na porção noroeste do Estado do Ceará, distante a 289 km de Fortaleza, liga-se a capital pela rodovia federal BR 222, a referida rodovia interliga a capital cearense a cidade de Marabá, no Pará passando pelos Estados do Piauí e Maranhão em uma extensão atual de 1811,6 km.

O município segundo dados do IBGE tem uma população estimada em 2020 de 14.134, dos quais quase a metade vive na sede municipal. Nesse espaço, temos arranjos produtivos voltados para a produção de peças íntimas, cama, mesa e banho, contanto com mais de 30 indústrias formais, e um grande contingente de trabalhadores informais, que vivem direta e indiretamente das ações proporcionadas pelas fábricas. Outro ponto importante são as atividades comerciais que são desenvolvidas e interligadas as fábricas. Herdadas no período colonial e colocado em teste nessa nova ordem econômica. Novos produtos precisam ser pensados sobre essa nova dinâmica produtiva. Na realidade, interessa vislumbrar, minimamente, a forma como o mundo se estrutura na história atual. Assim, Santos e Silveira (2001)SANTOS, M. & SILVEIRA, M. L. O Brasil território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. nos mostra como a tecnologia transforma o uso do território, e o período global auxilia nessa metamorfose.

Cujo entendimento deve passar por três tendências, que lhe são constitutivas - também chamadas de unicidades. Os autores fundamentam o desenvolvimento de suas ideias da seguinte forma:

A primeira dessas tendências é a unidade técnica, isto é, a planetarização de um sistema técnico que abrange todos os lugares.. A segunda trata-se da convergência dos momentos, ou seja, o conhecimento instantâneo dos eventos que nos possibilita a percepção da simultaneidade, cuja base material é a técnica da informação, culminando chamamos anteriormente de cognoscibilidade do planeta. . A terceira delas é a unicidade do motor ou a mais-valia tornada mundial, legitimada por um denso aparato normativo. Essas três unicidades são a base do fenômeno de globalização e das 57 transformações contemporâneas do espaço geográfico. (SANTOS; SILVEIRA, 2001SANTOS, M. & SILVEIRA, M. L. O Brasil território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 189).

Podemos então começar por compreender o sentido do Território para nossa pesquisa. O conceito de território tem sido discutido debatido, em especial entre os geógrafos diante das grandes transformações territoriais que têm acontecido na sociedade contemporânea. O território é cada vez mais analisado, em escalas diferenciadas, como até então não acontecia, da análise do microterritório à global, considerando-se os processos de fragmentação e centralização econômica. Aos aspectos econômicos, outros enfoques são acrescentados, como por exemplo: o social, o político, o antropológico, etc. O uso do território pode ser estudado através das relações sociais, econômicas políticas, culturais, etc. assim vamos compreender como essas relações interferem no território. Percebe-se, então, que o uso do território ocorre a partir das relações sociais. As modificações impostas pelos agentes envolvidos; reação que, por sua vez, influirá nas práticas sociais desses mesmos agentes. A pesquisa parte da ideia de o uso do território - espaço socialmente construído -ou seja analisa as relações no espaço construído em Frecheirinha através das indústrias de peças íntimas. Souza (1995, p. 78) apud Lira (2009)LIRA, Sonia Maria de O “desenvolvimento” do aglomerado de micro e pequenas indústrias de confecções do Agreste/PE : as suas inter-relações socioespaciais. - Recife, 2009.: É na Geografia que o território ganha uma amplitude diferenciada, já que o espaço geográfico é produzido a partir da dinâmica social, relacionada a interesses complexos.

Com a ideia de que o território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder, Souza deixa claro que é, essencialmente, a ação social, através de sua apropriação, que dá origem ao território social. Sem a relação de posse, de uso, não serão definidos limites, e consequentemente não haverá território. Assim os novos territórios produtivos, nos remete a ideia de espaços articulados com outros elementos, que alguns autores denominam de sistemas de ações que garantem a organização e estruturação de fixos e fluxos necessários à produção e à comercialização das confecções, segundo a racionalidade do capital.

O Circuito espacial em Frecheirinha

Para iniciarmos nossa investigação é necessário que compreendamos alguns conceitos importantes, neste caso o circuito espacial de produção surge para explicar a acumulação que se forma conforme cada etapa de produção, circulação, comércio e consumo (Santos, 2004SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo/ razão e emoção. São Paulo, HUCITEC, 2004.) até que a matéria-prima seja transformada em consumo ─ logo, em dinheiro e lucro para o agente que comanda o circuito da produção. O circuito espacial da produção em Frecheirinha e seu circuito de cooperação revela seu importante papel na constituição do lugar dentro de uma dinâmica, regional, nacional e até mundial.

Assim em suas subdivisões circuito superior e inferior, ambos com suas características distintas, revelam como funciona a dinâmica do capital e do trabalho, complementando-as dentro desse contexto. Assim, o circuito em questão, o de vestuário - seguimento peças íntimas acontece dessa forma; a produção é subdividida em etapas que vão sendo complementares com a finalidade de levar o produto ao consumidor final. Assim temos em Frecheirinha:

  1. Etapa da Produção: Acontece a concepção da peça, nesta etapa profissionais especialistas em desenho das peças criam seu desenho, escolhem o tecido, os detalhes, as cores, a forma de modelagem e qual será o tipo de costura, pensa-se na peça e sua finalidade. É na produção que temos ramificações dentro das indústrias que geram mais empregos.

  2. Etapa de distribuição: nessa fase a organização acontece de acordo com o público, e como está sendo veiculado o produto, quais locais serão lucrativos para serem colocados à venda, especialmente em Frecheirinha, temos lojas próprias, venda por atacado e varejo; entrega em domicílios (representantes) venda em lojas de multimarcas, redes varejistas, etc.

  3. Depois da distribuição do produto, a comercialização acontece através das necessidades de cada setor. O produto de peças íntimas são vendidos de várias formas, desde as lojas de grande poder aquisitivo, a venda porta-a-porta. Cada público e cada indústria captam as necessidades de mercado e vão organizando sua produção de acordo com as necessidades.

As pequenas indústrias veiculam seus produtos à venda nas feiras, e em especial a feira do Aprazível, que será descrita no capítulo seguinte. Em muitos casos concentram todas as etapas da produção em um único espaço, com poucas pessoas a frente, em muitos casos terceirizam a costura a pequenas oficinas, que assim geram renda a outras micro produtoras.

Geram na cidade atividades e materialidades características do circuito inferior. A confecção de peças íntimas possui característica marcante no quesito mãode-obra, pois nessa forma de produção, existe a necessidade de intensa mão-de-obra, exigido pelo fato da costura ser uma atividade delicada, única, com detalhes pensados que não agregam qualidade sendo produzidas mecanicamente.

Mesmo com a reestruturação produtiva, após 1990, esse tido de produção permanece com atividades bem tradicionais, acrescidas de tecnologia. Com a desconcentração industrial, o setor de vestuário e seus seguimentos, foram sendo atraídos para outros locais no território nacional, um desses territórios atrativo foi o Estado do Ceará. Assim, as possibilidades de transporte e comunicação de longa distância também possibilitam a fragmentação cada vez maior do circuito espacial de produção. Desconcentração industrial de algumas etapas da produção fragmentou pelo território, porém existem centros de comando dessas produções, assim observando onde estão sendo realizadas as etapas primitivas da produção e onde é realizado o comando financeiro, por exemplo.

Temos atividades dos circuitos espaciais da produção sendo feitas em circuitos inferiores e superiores, lugares que comandam nem sempre está concentrada a produção. A divisão territorial do trabalho expressa a especialização produtiva dos lugares em tarefas que agregam mais valor dentro dos circuitos espaciais de produção. No entanto, o comando dos circuitos está localizado em poucos lugares.

A fragmentação da produção, no ramo da costura dentro do circuito espacial da produção, acontece principalmente pelo preço pago a mão-de-obra, e os incentivos fiscais fornecidos pelos Estados que necessitam de industrias que empregam grandes números de pessoas, e em contrapartida as indústrias pagam um salário inferior. Concordamos com Lencioni, (1991LENCIONI, S. Reestruturação urbano-industrial: centralização do capital e desconcentração da metrópole de São Paulo - a indústria têxtil. Tese de doutorado. FFLCH-USP. São Paulo, 1991. 286p. p.15) que a reestruturação urbanoindustrial é condicionada pelos processos de concentração e centralização na reprodução do capital e sua manifestação se configura na desconcentração da metrópole (...)A outra face do processo de dispersão da produção são as formas de centralização do capital como associações de empresas de capital privado, absorções e fusões e a subcontratação. Assim a indústria de confecções, em especial o seguimento de peças íntimas vem se tornando assunto de grande relevância no mundo da moda, muitos investidores vêm pesquisando essa fatia do mercado.

Esse processo tardio foi percebido na Europa e Estados Unidos ainda na década de 1980, conforme destaca Silva (2013, p. 6) Citando Revista época (18/02/2008), afirma que o Brasil passa por processo semelhante ao ocorrido na Europa nos anos 1980, em que as grandes marcas da alta-costura, como Gucci, Armani e Louis Vuitton, passaram a ser compradas e controladas por grandes corporações, em geral conglomerados financeiros. Essas grifes foram compradas por corporações como a francesa LVMH, cujo valor de mercado está próximo de US$ 54 bilhões(EPOCA, 2008 APUD SILVA 2013, p. 6) seguindo a analise da revista a autora afirma:

O grupo é dono de mais de 50 marcas de luxo, entre elas Dior e Fendi. Seu principal rival no mundo é o grupo PPR, também francês, que cuida de marcas como Gucci e Balenciaga. No Brasil, foi criada em 2008 a holding Inbrands, com 50% do UBS Pactual (banco suíçobrasileiro), 42,5% de Alvarenga (sóciofundador da Ellus) e 7,5% de Breia (sócio da Ellus). Para criar a holding, o banco entrou com uma quantia estimada em R$ 100 milhões, enquanto Alvarenga e o sócio aportaram o patrimônio da empresa, que fatura R$ 200 milhões por ano . (EPOCA, 2008 APUD SILVA 2013, p. 6)

Podemos perceber que as pessoas que administram e gerenciam os circuitos da produção, buscam a valorização do capital, e esses preferem instalarem suas unidades em metrópoles. Deixando o chão-de-fábrica para áreas periféricas. Mesmo que dividam as etapas da produção, a inteligência das empresas necessita de lugares nos quais a racionalidade científica, a densidade comunicacional e de circulação e os serviços quaternários estejam presentes (consultorias jurídicas, de informática, logística, financeiras, agências de publicidade etc.); por isso as sedes de poder encontram-se em pouquíssimos lugares.

Circuitos Superiores e inferiores de produção. Em linhas gerais, o circuito espacial da produção de peças íntimas revela seu importante papel na dinâmica econômica regional cearense. Teoricamente, Santos (1979)SANTOS, M. O Espaço dividido. Rio de Janeiro; Francisco Alves, 1979, apresenta os circuitos espaciais de produção e os divide em circuitos superiores e inferiores, cada um tendo características únicas, em relação ao tipo de produção, consumo, pessoas envolvidas, capital investido e força de trabalho.

Os dois funcionam e são complementares. Frecheirinha, atualmente abriga indústrias especializadas na produção de peças íntimas, fornecendo sua produção para os mercados locais, regionais, nacionais e uma pequena fatia ao mercado internacional. Ela concentra a produção e distribuição, comércio e consumo dessas peças. Existe neste espaço uma especificidade, o circuito produtivo dessas peças, agrega características do circuito inferior, apesar de ser concentrador de sua produção.

Didaticamente, vamos mostrar o funcionamento desse circuito de confecções de peças íntimas, destacaremos as proximidades e distanciamentos entre os circuitos superiores e inferiores de produção. (Grandes indústrias e pequenas oficinas de costura). Faremos uso desse conceito para análise da dinâmica territorial dessa cidade e seus rebatimentos no território.

Segundo Santos (2004)SANTOS, M. O Espaço dividido. São Paulo: Edusp, 2004. o circuito superior de produção agrega grandes empresas de atuação a nível continental até mundial. Para o autor, o circuito superior está ligado às atividades mais modernas, aquelas de uso intenso de tecnologia e logística financeira.

Os produtos destinados a essa circuito superior, são consumidos por pessoas de classes mais elevadas. Já na outra ponta, o circuito inferior da produção, de maneira geral, são produtos produzidos por uma grande mão-de-obra, com baixos salários, e os consumidores dessa fatia são pessoas com o menor poder aquisitivo. Nesse circuito as pessoas buscam métodos de sobrevivência na dinâmica do capital, além de oferecer emprego, também possibilita o consumo a preços acessíveis. Assim a produção configura-se nesses circuitos, a partir de uma atividade produtiva inicial e compreende várias etapas do processo de transformação. Santos (1979)SANTOS, M. O Espaço dividido. Rio de Janeiro; Francisco Alves, 1979 nos mostra as etapas:

Estas etapas são: produção, distribuição, comércio e consumo. circuitos produtivos revela a situação relativa dos lugares, isto é, define, num dado momento, a função de uma respectiva fração do espaço na divisão do trabalho. Além disso, enfatiza a necessidade de associar a análise do circuito com o todo, pois ele em si não revela o espaço social, é mister incluir outras dinâmicas das instâncias sociais.

O setor têxtil nacional tem sido responsável pelo crescimento dos índices econômicos a nível mundial. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT, 2015ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÃO (ABIT).Relatório anual da produção têxtil . São Paulo, 2015. Disponível em: https://www.abit.org.br/ . Acesso em 11 de fevereio de 2017.
https://www.abit.org.br/...
), o Brasil é hoje o 7º maior produtor têxtil mundial e conta com mais de 30 mil empresas formais, participando com, aproximadamente, 4,4% do PIB nacional e com faturamento anual de US$ 30 bilhões (dados de 2015). A ABIT aponta que o setor têxtil é responsável pelo maior número de empregos gerados. Temos em média mais de 1,5 milhões de empregados ativos nesse setor, assim sua estrutura demonstra grande impacto na visa social e econômica do país. Dentro dessa dinâmica o setor de moda íntima vem recebendo especial destaque.

Conforme Vasconscelos e Holanda (2022), a cidade de Frecheirinha-CE, insere-se no processo de industrialização tardiamente em relação às políticas de planejamento para o Nordeste da década de 1960. Somente em meados dos anos de 1990, identifica-se neste espaço incentivos governamentais para o desenvolvimento da indústria, a partir daí tornase um importante espaço para incentivo e investimento de capital no Nordeste, circunscrito no circuito da moda intima. A autora afirma que a revista Pequenas e médias empresas do Sebrae (09/ 2014.) destaca a cidade como um importante centro da industria têxtil, isso nos remete para o debate diz respeito à localização da indústria e suas atividades, vinculada ao território.

Localizada as margens da BR 222 que faz a ligação com os Estados do Pará, Piauí e Maranhão certamente ajuda no escoamento da chegada da matéria prima e escoamento da mercadoria, ou seja, facilita circulação e consumo. A trajetória econômica do município durante muitos anos esteve ligada a extração de calcário e a agricultura de subsistência. Atualmente a atividade industrial voltada para a produção de peças íntimas é a grande impulsionadora da mudança na paisagem urbana da cidade de Freicheirinha

A troca dos arados da agricultura pelas máquinas de costura começou quando um morador de Frecheirinha decidiu montar a primeira fábrica, na década de 1990. Em pouco tempo, donas de casa e agricultores se reinventaram, ganharam uma nova profissão. De lá pra cá, foram surgindo outras fábricas e hoje a confecção representa 60% da economia local. A princípio os investimentos no circuito da moda íntima de Frecheirinha não foram incentivados diretamente pelo Governo Estadual, eles foram constituídos apenas com investimentos de seus proprietários. (Informação Verbal)2 2 Dados obtidos junto ao presidente da Associação das industriais de Confecções de Frecheirinha-CE, 2017 .

Frecheirinha com uma população no município, em 2020 de 14.l33, dos quais 58% residem na sede o município, é considerada uma cidade pequena. (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Estimativa populacional, Rio de Janeiro: IBGE, disponível emwww.ibge.gov.br, acesso em janeiro de 2022.
www.ibge.gov.br...
). Uma cidade que entra então na nova lógica de investimento que visa às economias locais, com valorização das potencialidades territoriais que emergem no lugar. Há cerca de vinte e cinco anos essa realidade vem sendo desenhada, com a chegada da primeira indústria de peças íntimas.

No imaginário das pessoas é uma nova oportunidade para geração de emprego e renda. Hoje se contabiliza vinte e duas empresas registradas que geram cerca de 4.000 empregos, contam ainda com mais de 30 pequenas oficinas que atendem as empresas com serviços diversos. A produção industrial, por sua vez, hoje representa a principal fonte de renda e ocupação na cidade, sobretudo da mão-deobra feminina, após visita de campo constatamos que a mão-de-obra masculina está crescendo.

A cidade se destaca como um importante centro produtor de lingerie de referenciada qualidade, exportada para vários mercados consumidores nacionais e internacionais. As mudanças produtivas e territoriais dessa cidade estão ligadas também às políticas de apoio ao desenvolvimento da Indústria e a interiorização dos investimentos oferecidos pelo Governo do Estado em anos mais recentes, com a finalidade de incentivar o crescimento da economia e integrar o território cearense nessa lógica da economia flexível e aberta aos mercados, muito embora os empresários estejam sempre a reivindicarem mais incentivos. Esse processo de industrialização no município pode ser observado de diferentes formas uma delas é o crescimento da população urbana da cidade, cresce numericamente a população urbana, com um pequeno descenso da população rural.

Mas é possível inferir que parte do crescimento da população urbana vem de outros municípios, pois a variação da população rural é pouca quando relacionada com a dinâmica populacional da cidade. E comum também identificar entre os novos trabalhadores da indústria pessoas que moram nos distritos e se deslocam diariamente para a cidade. Enfatizando o crescimento da população urbana em decorrência da chegada das indústrias.

A indústria de Peças Íntimas da cidade, nos últimos anos vem sendo internamente renovada, segundo entrevista fornecida pelo presidente da associação das Indústrias, a produção de peças íntimas primeiramente surge com a finalidade de atender a um mercado de feiras livres, inclusive a maior feira livre de roupas, fora da Região Metropolitana de Fortaleza dista a 30 km de Frecheirinha, a feira de Aprazível ainda representa importante local para a venda de peças íntimas produzidas em Frecheirinha

Hoje os proprietários das indústrias maiores, buscam se desvincularem dessa imagem da feira e vem focando sua produção para atender a um público de maior poder aquisitivo, destinando seus produtos para territórios fora do Ceará, algumas tem contrato de exclusividade com lojas de departamento como Renner e C & A. Algumas também se ligam diretamente ao mercado consumidor de varejo com construção de lojas de fábricas na cidade. Em entrevista com alguns proprietários de pequenas indústrias, os mesmos necessitam da feira para escoarem sua produção. Uma vez que seguem os passos das indústrias maiores. O circuito produtivo em Frecheirinha é destaque nacional, na edição de setembro de 2014 a Revista Pequena e Médias empresas, nos aponta a cidade como um importante local para se investir no Brasil. (VASCONCELOS; HOLANDA, 2022VASCONCELOS, M. R. E. G.; HOLANDA, V. C. C. A emergência de novos territórios da moda íntima no sertão noroeste do Ceará: um estudo de Frecheirinha. IN: BERNADELLI, V. L. Economia: mercado e relações de trabalho (Org). - Ponta Grossa - PR: Atena, 2022. Formato: PDF, p. 170)

Na reportagem, a cidade aparece como um elemento configurado dentro das estruturas do Capital e seus usos. Os principais pontos de investimento no território nordeste voltados a produção têxtil e de calcados. A revista destaca a importância da cidade de Frecheirinha na produção de moda íntima, seguimento que está presente na cidade a mais de vinte anos, levando crescimento econômico e social para a cidade.

A Produção de peças íntimas em Frecheirinha

As indústrias de peças íntimas em Frecheirinha, conta com 30 estabelecimentos industriais, de pequeno e médio porte, totalizando aproximadamente 2000 mil empregos (diretos e indiretos). Esses dados de 30 estabelecimentos contrastam com os dados do RAIS-CAGED, que identifica no território dessa cidade 197 estabelecimentos registrados, dos quais 156 são de seguimentos voltados para a produção de peças íntimas.

A produção de peças íntimas só foi descoberta a partir da visão empreendedora de duas pessoas: João Farias Viana e Maria da Conceição Furtado. Por volta de 1990, o então casal resolveu ir até a cidade vizinha, Sobral, comprar um conjunto de lingeries para estudar o produto. Naquela época Frecheirinha dependia somente da agricultura familiar e da produção de cal. Resolvemos comprar a peça, desmanchá-la e aprender como montava, lembra o empresário João Viana. Com uma produção no quintal de casa, com apenas três máquinas de costura e acumulando as funções de execução e administração, o casal conseguiu evoluir nos negócios e criar a primeira fábrica de Frecheirinha, a Di Pérola Lingerie. Era tudo feito no nosso quintal, não tinha mecânico, não tinha vendedor (Informação Verbal)3 3 Informação cedida por Jõao Viana, Residente e empreendedor de Freicheirinha, janeiro de 2017 .

Se desse problema na máquina, a gente tinha que ir até Fortaleza para consertar. Isso tinha um custo alto , diz Viana. Naquele tempo ainda, antes mesmo de começar, a então esposa de João nem sequer sabia costurar. Havia acabado de obter o diploma de Auxiliar de Enfermagem e seu negócio era saúde, não peças íntimas. Mas o negócio despontou.

Com a ajuda de dois moradores da região - seu Antônio Francisco e José Maria, na época caminhoneiros de Frecheirinha -, a lingerie da Di Pérola começou a chegar até as outras cidades e a marca começou a ficar conhecida. Cerca de seis anos depois da criação da marca pioneira e o surgimento de empresas como a D’Kary Lingerie e Brumarrie Lingerie, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) começou a atuar na capacitação e desenvolvimento dos pequenos negócios. Na época, foi criado o programa ―Competir, que, além do Sebrae, contou com apoio Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial no Ceará (Senai/CE) e da German Technical Cooperation Agency (GTZ).(Informação Verbal)4 4 Idem

O objetivo do Competir foi ajudar pequenas e microempresas de Frecheirinha e cidades vizinhas a se tornarem mais competitivas, aumentando a produtividade dos negócios, tornando a execução mais qualificada. Com o projeto, as pequenas confecções de fundo de quintal da cidade passaram por desenvolvimento da mão de obra. O Senai e o Instituto Euvaldo Lodi são executores das consultorias e cursos. O Sebrae subsidia até 80% do valor do projeto e o empresário entra com 20% dos custos para efetivar o curso ou consultoria. Primeiramente há a aplicação de questionário por um colaborador do Sebrae para coleta de informações que subsidiem a escolha das empresas participantes. Já a segunda etapa consiste em identificar o estágio atual das áreas foco abrangido pelo projeto e verificar se as empresas atendem aos prérequisitos definidos a ser realizada por consultor contratado. Há ainda consultorias e, por último, acontece a emissão de relatório técnico contendo as atividades desenvolvidas e os resultados alcançados em cada etapa, (Informação Verbal)5 5 Informação cedida pelo Representante do Sebrae na cidade de Freicheirinha, janeiro de 2017.

Atualmente, João Viana é responsável pela marca Hibisco Lingerie, Possui uma produção, em média, de 35 mil peças entre lingeries e roupas de dormir e emprega pelo menos 140 funcionários em sua fábrica, sem contar as vendedoras da sua loja própria. Já Maria da Conceição, além de administrar a Di Pérola, é funcionária pública e mantém um posto de combustível. (informação verbal)6 6 Informação cedida José Donato, Presidente da Associação dos produtores de peças íntimas de Frecheirinha, janeiro de 2017. Segundo o representante da Ascof, “até transformar-se em um polo de moda íntima, a tarefa não foi fácil”.

Com a maior parte dos moradores da região trabalhando na indústria da cal para a construção civil ou na agricultura, o aprendizado do corte e costura de calcinhas foi na marra, como é citado no ditado popular nordestino. As perspectivas em Frecheirinha eram mínimas, os jovens faziam 18 anos e iam para o Sul ou Sudeste tentar a vida por lá. O negócio era trabalhar na construção civil (Informação Verbal)7 7 Idem .

Por aqui, só sabiam cuidar do “cabo da enxada’, lembra o presidente da Associação dos Confeccionistas de Frecheirinha (Informação Verbal)8 8 Ibidem . Donato comenta ainda que a demanda por profissionais para a área confeccionista cresceu tanto que não há mais moradores ociosos. Em Frecheirinha tem emprego para todo mundo. As fábricas não param de crescer e a gente tem que buscar pessoas de outras cidades até. Só não trabalha quem não quer(Informação Verbal)9 9 Ibidem .

Fomos convidados a conhecer a dinâmica interna da fábrica Hibisco atua empreendimento do João Viana, atendendo a lógica do capital, temos um mix de tecnologia aliado ao chão-de-fábrica. Nesta fábrica colaboram cerca de 100 funcionários na linha de produção e mais 18 na parte administrativa (informação Verbal).10 10 Informação cedida pelo Gerente de Produção da Hibisco fabrica têxtil de Freicheirinha janeiro de 2017. Segundo o setor de produção da Hibisco, a fábrica preza pela longevidade dos empregados, eu mesmo estou aqui a 13 anos, comecei como estoquista é hoje sou gerente de produção ele nos apresentou as etapas de produção e nos contou como é a rotina dessa fábrica. (Informação Verbal)11 11 Idem

Conclusão

Atualmente, a economia de Frecheirinha é baseada na produção industrial, no comércio e na prestação de serviços, configurando-se como uma das maiores produtoras de peças íntimas do Estado do Ceará. Notadamente, nos últimos 30 anos esse espaço vem sendo transformado através dessa atividade. A combinação de fatores econômicos, políticos, sociais e apoio privado, leva ao crescimento da produção, aumenta a geração de empregos e renda, traz para a cidade inovação tecnológica. Dos 2.000 postos de empregos gerados na indústria no primeiro semestre de 2016 na cidade de Frecheirinha, mais 70% correspondiam aos trabalhadores da fábrica Diamantes, os demais estão divididos entre as demais indústrias, destacando-se Hisbisco, Hardy e Exitus.

A indústria de produção da moda intima chama atenção não somente pelo volume de emprego, mas pelos desdobramentos que vem provocando em outras atividades econômicos, a exemplo das lojas de fábricas espalhadas pelo centro comercial da Cidade que nos últimos anos se reestrutura. A cidade aos poucos vai deixando de ser refém do emprego público. A área rural do município vai também abrigando o trabalhador urbano que vende sua força de trabalho na cidade mas volta ao campo ao final de cada jornada de trabalho.

A cidade vai tento sua paisagem alterada todos os dias na abertura e fechamento das atividades das indústrias, é o vai vem de ônibus, topiques, motos e bicicletas, pois parte dos trabalhadores indústrias se deslocam dos municípios de Tianguá e Coreaú. O transporte desses trabalhadores sendo custeados por eles mesmos. Em média os salários pagos, aos profissionais, giram em torno de R$ 1200,00 mais benefícios por produção.

Na própria Lei Orgânica do município temos disposto no quarto capítulo que fala sobre a indústria, comércio e serviços, assim descritos: indústria, do comercio e Serviços. O art. 155 enfatiza que compete ao município estimular a produção agropecuária, industrial e serviços, no âmbito de seu território, em conformidade com o disposto no inciso VIII do artigo 7º da Constituição Federal, dando prioridade à pequena propriedade através de planos de apoio ao pequeno produtor que lhe garantam especialmente, assistência técnica e jurídica, escoamento de produção através da abertura e conservação de estradas municipais. (FREICHEIRINHA, 2008FEICHEIRINHA, Lei Organica municipal. Freicheirinha: PMF, 2008. Disponível em: https://www.frecheirinha.ce.gov.br/arquivos/156/LEI%20ORGANICA%20MUNICIPAL__2008_0000001.pdf acesso em janeiro de 2017.
https://www.frecheirinha.ce.gov.br/arqui...
).

No centro da cidade de Freicheirinha constata-se em torno de 14 lojas da fábrica que comercializam seus produtos em atacado e varejo. Algumas fábricas investem no seguimento de peças intimas e no comercio direto ao consumidor. Além de fabricarem os produtos, os comercializa ao consumidor final.

  • 2
    Dados obtidos junto ao presidente da Associação das industriais de Confecções de Frecheirinha-CE, 2017
  • 3
    Informação cedida por Jõao Viana, Residente e empreendedor de Freicheirinha, janeiro de 2017
  • 4
    Idem
  • 5
    Informação cedida pelo Representante do Sebrae na cidade de Freicheirinha, janeiro de 2017.
  • 6
    Informação cedida José Donato, Presidente da Associação dos produtores de peças íntimas de Frecheirinha, janeiro de 2017.
  • 7
    Idem
  • 8
    Ibidem
  • 9
    Ibidem
  • 10
    Informação cedida pelo Gerente de Produção da Hibisco fabrica têxtil de Freicheirinha janeiro de 2017.
  • 11
    Idem

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2023
  • Aceito
    30 Mar 2023
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