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Águas urbanas e dinâmicas sociambiental nos bairros Mamede Paes Mendonça e Marcela em Itabaiana/SE.

Resumo

A expansão urbana sem o acompanhamento de um planejamento sustentável é marca de vários centros urbanos brasileiros, bem como toda as implicações deste ato. O presente artigo analisa os impactos do crescimento desordenado da malha urbana de Itabaiana sobre a natureza principalmente no tocante aos recursos hídricos, com foco nos bairros Mamede Paes Mendonça e Marcela. Partindo desse pressuposto, é possível refletir acerca da expansão urbana desenfreada, com uma forte ação de impermeabilização dos solos, canalização de corpos hídricos, uso inadequado da drenagem urbana e descarte inapropriado dos efluentes. Com tais temas trabalhados, pode-se observar como a falta de planejamento ambiental vitimou e ainda vitima a saúde ambiental.

Palavras-chave
Drenagem Urbana; Águas urbanas; Socioambiental

Abstract

Urban expansion without accompanying sustainable planning is a hallmark of several Brazilian urban centers, as well as all the implications of this act. This article analyzes the impacts of the disorderly growth of the urban fabric of Itabaiana on nature, mainly with regard to water resources, focusing on the Mamede Paes Mendonça and Marcela neighborhoods. Based on this assumption, it is possible to reflect on the unbridled urban expansion, with a strong action of soil sealing, canalization of water bodies, inadequate use of urban drainage and inappropriate disposal of effluents. With such themes worked on, one can observe how the lack of environmental planning has victimized and still victimizes environmental health.

Keywords:
Urban Drainage; Urban waters; Socioenvironmental

Resumen

La expansión urbana sin acompañamiento de una planificación sostenible es un sello distintivo de varios centros urbanos brasileños, así como todas las implicaciones de este acto. Este artículo analiza los impactos del crecimiento desordenado del tejido urbano de Itabaiana sobre la naturaleza, principalmente en lo que se refiere a los recursos hídricos, con foco en los barrios Mamede Paes Mendonça y Marcela. Con base en este supuesto, es posible reflexionar sobre la expansión urbana desenfrenada, con una fuerte acción de sellado de suelos, canalización de cuerpos de agua, uso inadecuado del drenaje urbano e inadecuada disposición de efluentes. Con tales temas trabajados, se puede observar cómo la falta de planificación ambiental ha victimizado y victimiza la salud ambiental.

Palabras clave:
Drenaje Urbano; aguas urbanas; Socioambiental

Introdução

Na história da humanidade é evidente a importância da disponibilidade da água para o desenvolvimento das civilizações. Egito e Mesopotâmia são grandes exemplos de sociedades orientais que se desenvolveram a partir da proximidade de fontes de água, o povo egípcio cresceu as margens do famoso rio Nilo, como afirma o grego Heródoto: “O Egito é uma dádiva do Nilo”, esta máxima exalta de forma extremamente clara a importância do rio para tal civilização. A Mesopotâmia, por sua vez, se desenvolveu as margens dos rios Tigre e Eufrates, duas das mais famosas cidades da antiguidade exprimem a necessidade do homem pelo recurso da água.

Com o passar do tempo, a evolução das sociedades e o surgimento de grandes centros urbanos, as fontes de água assumem novos caráteres nas civilizações. Rios ganham novas “funções” além de ser fonte de água e para irrigação, tornam-se necessários para as mais variadas categorias de indústrias, assim como meios de locomoção de mercadorias, fonte de produção de energia, entre outros. Em contrapartida, os centros urbanos poluem suas fontes de água, seja com despejo de esgotos industriais e residenciais, retificação de canais, contaminação de aquíferos com uso indiscriminado de agrotóxicos, desmatamento de mata ciliar e das vegetações de encostas para construção de moradias, compactação e impermeabilização do solo, dentre outras formas. Tais alterações na natureza geram sérias consequências.

Atualmente, é cada vez mais corriqueiro encontrar notícias referentes a problemas ambientais nos centros urbanos. Com tal situação, torna-se uma tarefa difícil implantar o conceito de drenagem urbana, visto que para a implantação deste é necessário planejamento urbano articulado e bem projetado, na realidade tal planejamento é inexistente, tardio ou até apenas lembrado em situações pontuais. Como afirma Pompêo:

Pode-se dizer que a drenagem é lembrada em três situações: quando é executada a pavimentação de vias públicas, durante as enchentes, e durante o breve momento que dura a especulação de causas e soluções para tais inconvenientes. [...] Além disso, raramente existe distinção entre os sistemas de drenagem pluvial e de esgotos domésticos [...]. (POMPÊO, 2000POMPÊO, Cesar Augusto. Drenagem Urbana Sustentável. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 5, n.1, p.15-23, 2000., p. 18).

Toda essa questão envolvendo a drenagem urbana reflete na problemática das águas urbanas, visto que esta envolve desde a própria drenagem, até a gestão de sólidos e as consequências geradas para o homem e a natureza. Como é pontuado por Tucci: “As águas urbanas englobam o sistema de abastecimento de água e esgotos sanitários, a drenagem urbana e as inundações ribeirinhas, a gestão dos sólidos totais, tendo como metas a saúde e conservação ambiental” (TUCCI, 2008TUCCI, Carlos E. M. Águas Urbanas. Revista Estudos Avançados, v.22, n.63, pág. 97112, 2008., p. 100).

Este artigo almeja analisar problemas hidrológicos nos centros urbanos, tendo como o foco a análise do município de Itabaiana. Itabaiana está situada entre duas bacias hidrográficas, a bacia hidrográfica do rio Vaza Barris e a bacia hidrográfica do rio Sergipe.

Mapa 1
Bacias hidrográficas e área da sede municipal.

Itabaiana é uma das principais cidades do estado de Sergipe, nos últimos dez anos passou por um forte crescimento no âmbito populacional e urbano, segundo dados do IBGE em 2010 a população era de 86.967 pessoas, segundo estimativas em 2021 a população estava em 96.839 habitantes.

Na última década, a expansão urbana foi expressiva na cidade e como na maioria dos centros urbanos, foi desordenada e sem um acompanhamento de planejamento ambiental. Partindo deste pressuposto, será debatido em específico, questões relacionadas a dois bairros da cidade: Mamede Paes Mendonça e Marcela, o primeiro bairro é atualmente um dos maiores bairros da cidade e é um dos que mais representam o crescimento urbano desenfreado sem o acompanhamento de uma infraestrutura urbana sustentável.

O segundo bairro é conhecido por abrigar uma das localidades mais conhecidas da cidade: o Açude da Marcela. Sendo que este, é o claro de reflexo de como a cidade cresceu sem nenhum tipo de planejamento para gestão de esgoto sanitário e drenagem urbana, pois o açude que primordialmente foi criado tendo como base e foco amenizar questões de seca, atualmente é o destino do esgotamento da cidade, seja ele residencial ou industrial. A partir do estudo destes dois bairros, poderá ser visto toda a problemática envolvendo as águas urbanas e o crescimento urbano descontrolado sem uma visão de desenvolvimento socioambiental.

Este trabalho é resultado de pesquisa de iniciação científica, realizada no ano 2021/2022/UFS. Para a consecução desse, foram realizadas coleta e seleção de referencial teórico sobre os seguintes temas: Drenagem Urbana, Planejamento Ambiental. Análises de documentos disponibilizados pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), Superintendência de Recursos Hídricos de Sergipe (SRH), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do estado. Foram realizadas visitas à Prefeitura Municipal, Secretaria de Obras, Urbanismo e Infraestrutura, e a Biblioteca Municipal, foi feita entrevista com um dos engenheiros da Secretaria de Obras, acerca da temática do sistema de canalização da cidade, além da realização de trabalhos de campo para reconhecimento da área de pesquisa e levantamento notícias na mídia sobre o desenvolvimento e problemáticas ocorrentes nos bairros.

Bairro Mamede Paes Mendonça: breve histórico e aspectos socioeconômicos

O bairro Mamede Paes Mendonça surgiu conforme o crescimento da própria cidade, a porção do bairro nas imediações da Avenida Percílio Andrade por estar numa região próxima ao centro era/é uma localidade que dispõem de uma boa infraestrutura, além de ser um ponto atrativo para instalações comerciais.

Até cerca do ano de 2010, era nítido observar que a medida em que se adentrava no bairro a qualidade da infraestrutura do local diminuía, podendo-se observar inúmeras ruas sem esgotamento sanitário ou pavimentação, o que obviamente deixava a população mais exposta a doenças. Além disso, é curioso analisar a existência de muitos terrenos para venda na localidade, nos anos de 2010.

Com o surgimento dos primeiros arruamentos do Loteamento Santa Mônica (fomentando pela Construtora e Incorporadora Santa Mônica), início por volta de 2010, a região tornou-se um atrativo para a população. Atualmente, 10 anos depois, o bairro Mamede é um dos mais populosos de Itabaiana e consequentemente com esse crescimento houve a necessidade de melhorias no quesito de infraestrutura na localidade. Como afirmam CARVALHO E COSTA:

O Bairro Mamede Paes Mendonça, localizado na porção norte da cidade, também possui boa infraestrutura, tanto na área que fica mais ao centro da cidade como na área do Loteamento São João, onde, nos últimos anos, o poder municipal impôs infraestrutura e esgotamento sanitário. Nesse bairro, o valor imobiliário varia de R$15.000,00 a R$700.000,00, tendo casos de maior valorização em decorrência de pontos fixos, como grandes distribuidoras. (CARVALHO; COSTA, 2021CARVALHO, Diana Mendonça de; COSTA, José Aloízio da. Expansão e valorização imobiliária na cidade de Itabaiana/SE (2000-2020). Geopauta, v.5, n.2, p. 1-27, 2021., p. 21)

A partir desse maior desenvolvimento no interior do bairro e do loteamento Santa Mônica, as ruas ganharam pavimentação e esgotamento sanitário, a Avenida Antônio Cornélio da Fonseca, principal via para o Loteamento Sta. Mônica, recebeu pavimentação, construção de canteiros centrais e iluminação. É interessante que ao usar o Google Maps, é comprovado a evolução da realidade na localidade e muitas vezes é impossível de usar o artifício “street view” em algumas ruas, visto que na época de coleta das imagens as vias não existiam ainda. Dados do último censo do IBGE de 2010IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/painel/?nivel=st. Acesso em: 16 de dez. 2021
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, traz um número em torno de 10.489 habitantes no bairro, atualmente é bastante claro que a localidade apresenta um maior número de contingente populacional.

O bairro Mamede Paes Mendonça pela sua característica principal ser a presença de residências, não existe uma atividade econômica desenvolvida em específico. Existe variados tipos pontos comerciais, no decorrer da Avenida Percílio Andrade a qual além de ser uma rua importante da cidade, é também uma via direta para saída do município em direção a outros municípios como: Moita Bonita, Malhador, entre outros. Nesta Avenida encontram-se restaurantes, oficinas, mercearias, madeireiras, etc. Na Avenida Antônio Cornélio da Fonseca, via direta ao Loteamento Santa Mônica, encontram-se pontos comerciais como padarias, mercearias e lanchonetes.

Nas áreas mais internas do bairro encontram-se bares, mercearias, padarias, lanchonetes, lojas de roupa, igrejas evangélicas e uma igreja católica (é comum na cidade, bairros maiores possuírem igrejas, neste caso é a Igreja Nossa Senhora das Graças). É importante ressaltar que a maioria dos pontos comerciais citados, principalmente as mercearias, padarias e lojas não são de grande porte, tendo em vista que seu foco é a população desta localidade diferentemente de lojas comerciais no centro.

Bairro Marcela: breve histórico e aspectos socioeconômicos

A história de origem do bairro Marcela é uma perspectiva bastante diferente se comparada com o bairro anterior, já que o bairro a ser debatido era um povoado, o qual foi agregado a malha de bairros da cidade. Este bairro abriga um local de grande importância para o desenvolvimento de Itabaiana: o Açude da Marcela, assim como também evidencia a oposição trazida entre o desenvolvimento urbano e a principal função do açude (fonte de água para a cidade em momentos de seca).

Na década de 50, o então prefeito Euclides Paes Mendonça, visando enfrentar problemas relacionados a seca e almejando uma modernização da agricultura da região lutou para a construção do açude, o problema de escassez de água era extremamente presente na realidade itabaianense, o que se tornava um grande empecilho para o desenvolvimento da cidade e da própria agricultura na região, por conta disso a ideia da criação de um açude foi bem recebida pela população.

O órgão responsável pela construção do açude foi o DNOCS, o qual tinha como foco obras de combate à seca como criação de represas, açudes e perfurações de poços artesianos, o açude foi criado com o represamento do Riacho Marcela, a obra durou cerca de 6 anos sendo inaugurada por volta de 1958. Com a presença dessa oferta de água, os camponeses que viviam nas redondezas desenvolveram a sua produção usando de mais recursos como fertilizantes, insumos, corretivos e uma maior mecanização do preparo do solo. Com esse amplo desenvolvimento, a região do Açude da Marcela tornou-se a principal área irrigada do Agreste Sergipano.

Nas décadas de 70, 80 e meados 90, a atividade de piscicultura também teve um amplo desenvolvimento, sendo a produção comercializada por todo estado. No início da década de 80, inicia-se o processo que levou a degradação do açude, a canalização da rede de esgoto da cidade para ser despejado diretamente no local sem nenhum tratamento. Nos anos de 1990, houve a implantação de cerâmicas nas proximidades da região, sendo que os dejetos também tinham como destino as águas do açude, juntamente com o uso indiscriminado de agrotóxicos e insumos agrícolas pelos produtores locais. Por volta do ano de 1994, a região extremamente produtiva começa a evidenciar o resultado de toda poluição descartada de forma irregular e consequentemente a produtividade começa a decair. Com tal situação, houve um forte êxodo por conta da perca da produtividade da região.

No ano de 2006, com a criação do Plano Diretor Municipal, o Povoado Marcela deixa de ser da zona rural e torna-se bairro Marcela, este não é dotado de grande população, comparado a outros bairros da cidade, segundo dados do último censo do IBGE de 2010IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/painel/?nivel=st. Acesso em: 16 de dez. 2021
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apenas cerca de 80 pessoas habitavam a localidade. Porém, com a forte expansão urbana na cidade e o surgimento do Loteamento Santa Mônica, o qual tem uma parte localizado atualmente no bairro Marcela, a localidade denota um maior contingente populacional.

É preciso ressaltar, que a localidade ainda é marcada por presenças de pequenas propriedades que produzem hortaliças como: alface, coentro, pimentão entre outros. Estes produtos são comercializados na cidade e em todo estado e são irrigados com água diretamente do açude, existe também a atividade de pesca ainda desenvolvida na região do açude. No bairro também há a presença de cerâmicas, portanto esse conjunto de atividades caracterizam as principais páticas econômicas desenvolvidas no bairro.

Hidrodinâmica e questões ambientais

O perfil de crescimento urbano de Itabaiana seguiu o padrão da grande maioria dos centros urbanos, expansão desordenada e heterogênea acompanhada com pouca atenção dada ao respeito e planejamento ambiental. Partindo destes aspectos, o crescimento da malha urbana caracteriza uma forte ação de impermeabilização dos solos, supressão e canalização de corpos hídricos, uso da drenagem urbana atrelada ao despejo de esgoto e descarte inadequado dos efluentes sem tratamento, toda essa desarmonia entre sociedade e natureza leva a cidade ao caos como afirma Tucci, “o desenvolvimento urbano tem produzido um ciclo de contaminação, gerado pelos efluentes da população urbana, que são o esgoto doméstico/industrial e o esgoto pluvial.” (TUCCI, 2008TUCCI, Carlos E. M. Águas Urbanas. Revista Estudos Avançados, v.22, n.63, pág. 97112, 2008., p. 103).

A área abrangida nesta pesquisa, bairros Mamede Paes Mendonça e Marcela, se constituem como parte do percurso e deságue dos dois canais existentes que tem como destino o Açude da Marcela. Os pequenos riachos, com a expansão urbana foram canalizados e tornou-se o destino de grande parte do esgoto da cidade, assim como também fazem parte do sistema drenagem urbana. Com a realização de trabalho de campo, foi possível ver a realidade dos canais, bem como das localidades do entorno. Tais cenários estarão dispostos a seguir com os mapas 2 e 3 com seus respectivos quadros.

Mapa 2
Pontos observados no trabalho de campo- Itabaiana -2022

Mapa 3
Pontos observados no trabalho de campo- Itabaiana 2022

Quadro 1
Observações feitas no primeiro canal observado.
Quadro 2
Observações feitas no primeiro canal observado- Itabaiana -2022

A partir da visualização e análise dos canais, alguns pontos devem ser enaltecidos e refletidos. Primeiramente, é preciso expor o grau de violência que o crescimento urbano denota sobre o meio natural, o ato de canalizar e aterrar os cursos d’água é o claro retrato da sociedade que vê aspectos naturais como empecilhos e barreiras para a “prosperidade” do urbano. Como afirma Ross acerca da atuação humana, “[...] é cada vez mais significativa a ação humana, que, ao se apropriar do território e de seus recursos naturais, causa grandes alterações na paisagem natural com um ritmo muito mais intenso que aquele que normalmente a natureza imprime” (ROSS, 1993, p. 2).

Para além disso, “Os processos de urbanização provocam a impermeabilização do solo, decorrente principalmente da compactação do material superficial para construção dos arruamentos e das moradias.” (BRAGA, 2016BRAGA, Júlia Oliveira. Alagamentos e Inundações em áreas urbanas: Estudo de caso na cidade de Santa Maria - DF. 33 pp. Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasília, 2016., p. 27). A impermeabilização do solo une-se a canalização como “combo”, visto que com este ato o solo perde seu “poder” de atuação em absorver cargas de água, como advindas de chuvas, limitando assim ao escoamento da água apenas por sistemas de drenagem como bocas de lobo, as quais são ligadas aos canais.

Outro ponto a ser considerado, é justamente a drenagem urbana. Esta, deveria ser um dos pontos a ser trabalhado com o planejamento sustentável aliado a expansão da malha urbana, porém, a drenagem é atrelada ao esgotamento sanitário contaminando a água proveniente da chuva, como afirma Pompêo: “[...] raramente existe distinção entre os sistemas de drenagem pluvial e de esgotos domésticos” (POMPÊO, 2000POMPÊO, Cesar Augusto. Drenagem Urbana Sustentável. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 5, n.1, p.15-23, 2000., p. 18). Acerca da drenagem urbana, Brasil também afirma:

Em termos de sistema de drenagem urbana, observa-se mais frequentemente impactos ambientais e sociais relacionados ao: encurtamento dos canais, alteração da morfologia natural desses rios, desequilíbrio do ciclo hidrológico, enchentes e doenças de veiculação hídrica. Impactos estes que comprometem tanto quantidade como qualidade da água. (BRASIL, 2016, p. 54)

E mesmo fazendo essa “confusão” entre drenagem e esgotamento, a implantação destas redes chega de forma heterogênea e tardia em algumas localidades, como trazido no histórico do bairro Mamede Paes Mendonça.

Diante da situação anteriormente exposta, é pertinente ressaltar que a drenagem urbana, se bem planejada, poderia servir como uma segurança de disponibilidade de água para a localidade e é extremamente importante trazer esta reflexão para a cidade de Itabaiana. Como já relatado, o Açude da Marcela foi criado com a intenção de ser uma segurança hídrica para a sociedade itabaianense em momentos de seca, caso houvesse o planejamento sustentável acompanhando a expansão urbana, o sistema de coleta de água pluvial poderia ser facilmente ligado ao açude e este continuaria com seu propósito mantido.

Outra problemática recorrente nos canais analisados, foi o descarte de lixo dentro do próprio canal. Em trechos que o canal é exposto, foi extremamente corriqueiro a presença de lixo e vegetação na rede, algumas localidades inclusive não davam para enxergar o canal por conta da quantidade de resíduos e a vegetação. O lixo encontrado era principalmente de origem doméstico, porém em um ponto também havia a presença de entulho de construção e durante a própria coleta de dados no campo foi presenciado o despejo de entulho na determinada localidade.

A presença do lixo em uma localidade em que corre esgoto ao ar livre, é extremamente propício para a proliferação de animais como ratos, escorpiões, baratas e mosquitos, sendo este último vetor de muitas doenças como, a dengue que é uma enfermidade comum em determinadas épocas do ano em todo país. Como afirma Braga, “A presença do lixo também ocasiona outros problemas à população e ao meio ambiente local, como a proliferação de doenças pela água contaminada [...]” (BRAGA, 2016BRAGA, Júlia Oliveira. Alagamentos e Inundações em áreas urbanas: Estudo de caso na cidade de Santa Maria - DF. 33 pp. Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasília, 2016., p. 23). Em um dado momento no trabalho de campo, uma residente que tem como vizinho o canal, fez a seguinte indagação: “Você tá tirando foto, vão endireitar esse esgoto é?”. A pergunta pode parecer simples, mas, na verdade, revela o desejo/sonho da moradora de ver de alguma forma uma ação que resolva a situação do canal na localidade, certamente pelo mesmo ser vetor de doenças e animais perigosos, exalar mau cheiro e não agregar muita valorização do espaço.

Para além desta situação, em momentos de chuvas torrenciais os canais podem não suportar tamanha vazão de água e partindo desse pressuposto, pode-se trazer duas situações diferentes no referente ao transbordo das águas. Em locais que o canal é totalmente fechado e aterrado no solo urbano, a vazão da água chega a superar a capacidade da rede provocando os alagamentos e em determinadas situações, inclusive já ocorrida na cidade, o próprio asfalto/pavimento da rua pode ceder por conta da vazão da água do canal, precisando assim, ser reconstruída toda a pavimentação da via local.

Outra situação no que diz respeito aos alagamentos, é atrelada ao descarte de resíduos, os quais comprometem e dificultam a passagem do volume d’água pelo canal provocando o transbordo das águas, tais situações podem gerar perdas materiais e até perdas humanitárias.

Mapeamento e Reconstrução Hidrográfica

Com a execução do trabalho de campo e a coleta de dados e coordenadas, foi possível mapear e reconstruir os cursos de água que foram transformados em canais de despejo de esgoto, como afirma Bem: “Em meio ao processo de expansão do tecido urbano, os sistemas hídricos, que tem suas nascentes nessas áreas são contaminados, poluídos ou até dizimados [...]” (BEM, 2009BEM, Danilo de Andrade. Renaturalização de Corpos Hídricos. 2009. 72 pp. Monografia. Faculdade de Tecnologia de São Paulo, São Paulo, 2009., p. 48). Essa questão pode ser observada no mapa 4 da reconstrução hidrográfica dos canais analisados.

Mapa 4
Reconstituição dos canais analisados- Itabaiana-2022

A partir da reconstituição e com as imagens acima, fica mais claro e evidente refletir a maneira que o centro urbano cresce e suprime a natureza. Ao percorrer ambos os canais analisados e os mapas acima demonstram a construção de casas e arruamentos sobre os canais escondendo-os e suprimindo-os. Porém, também é possível fazer uma análise de como a especulação imobiliária das localidades interferem na forma de representação espacial dos sistemas.

O canal 1, tem sua nascente no bairro Rotary já no limite com o Centro, sendo este o bairro que grande parte do canal percorre até chegar no Mamede Paes Mendonça e o sistema de canalização acabar. Estas localidades compreendem importantes vias e pontos comerciais do solo urbano, desde supermercados, lojas de móveis, utensílios, roupas, madeireiras, etc. Neste percurso, são pequenos os sinais que um canal passa pela localidade, um leigo ou uma pessoa que não conhece a cidade e não tem noção de seu histórico de alagamentos e obras de esgotamento (como ocorreu recentemente), facilmente passa por estas localidades e não imagina que logo abaixo da pavimentação da via e das próprias construções percorre um sistema canalizado.

Já o canal 2, sua nascente encontra-se no bairro Porto, percorre o Mamede Paes Mendonça até chegar seu final no bairro Marcela. Ao acompanhar o percurso do sistema canalizado e consequentemente adentrar principalmente nos bairros Mamede Paes Mendonça e Marcela foi possível verificar uma realidade bem distinta do primeiro canal, já que em muitas localidades o sistema canalizado encontra-se exposto a céu aberto e na sua rota final que compreende uma avenida pertencente ao Loteamento Santa Mônica, o canal volta a ser totalmente aterrado.

Com esta situação, observa-se o poder da valorização do local, espaços que tem uma alta influência na circulação do capital na cidade o sistema canalizado deve estar escondido, já em localidades residenciais de uma população com poder aquisitivo menor “pode-se” deixar o canal exposto.

Considerações Finais

O desenvolvimento urbano na cidade de Itabaiana segue o mesmo padrão da maioria dos centros brasileiros, o crescimento da malha urbana sem o devido planejamento sustentável. Os recortes históricos são fundamentais para poder haver o entendimento das problemáticas atuais, visto que esta abordagem retrata como a cidade num contexto geral e os dois bairros, em específico, apresentados tidos como periféricos tornaram-se foco de umas das localidades que mais cresce na cidade em 10 anos sem o devido acompanhamento de uma boa infraestrutura urbano-ambiental.

A falta desta infraestrutura vitimou e ainda vitima a saúde ambiental, com pequenos rios e riachos sendo canalizados e cimentados, a persistência no erro de associação de drenagem urbana ser parte do esgotamento sanitário, falta de local para tratamento de esgoto. Tais fatores, são encontrados na cidade e além disso tem como principal vítima um local que poderia ser solução para momentos de seca: o Açude da Marcela, o qual recebe altas cargas poluidoras.

Com os aspectos tratados, pode-se observar como a expansão da malha urbana é brutal com a natureza sem um planeamento sustentável urbano. Ademais, como a própria atitude de canalizar e aterrar os canais trazem consequências justamente para o urbano, a exemplo dos alagamentos, ou então como pode prejudicar a vivência de moradores que convivem com os sistemas canalizados.

Este artigo explorou uma temática pouco trabalhada em relação à cidade de Itabaiana, além de expor problemáticas do “progresso” urbano, trouxe as consequências da falta de cuidado com a natureza. Outrossim, apresentou dados sobre cidade que, talvez, até os próprios habitantes não conheciam: a existência de riachos, os quais foram canalizados e deram lugar a um sistema de canais do esgoto que perpassa bairros como Centro, Rotary e Porto. Este produto, também serve para trazer reflexão a todos, desde cidadãos até o poder público em relação a estes sistemas de canalização, denotando a necessidade do descarte de resíduos sólidos de forma adequada, a utilização de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), o possível desenvolvimento de um projeto de recuperação do Açude da Marcela, o cuidado ao diferenciar-se drenagem urbana e esgotamento sanitário, para que assim realmente possa haver um desenvolvimento urbano, tanto no aspecto humano, quanto no ambiental.

Agradecimentos

O presente artigo é resultado da pesquisa financiada em 2021/2022 pela COPES/UFS, com o título: Águas urbanas e dinâmica sociambiental nos bairros Mamede Paes Mendonça e Marcela em Itabaiana/SE.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2022
  • Aceito
    28 Mar 2023
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