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Estratégias de enfrentamento em pacientes com dor neuropática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor crônica neuropática tem origem multifatorial e apresenta diversas estratégias de enfrentamento. O objetivo deste estudo foi identificar, analisar as diversas estratégias de enfrentamento de dor crônica neuropática, relacioná-las com as características sociodemográficas, a intensidade de dor e a alexitimia.

MÉTODOS:

Estudo descritivo e transversal em que participaram 61 pacientes com dor neuropática que foram atendidos na Clínica da Dor no período de agosto a dezembro de 2017. Para a coleta de dados dos pacientes com dor neuropática foram utilizados os instrumentos: entrevista semiestruturada, o questionário sobre dor neuropática Douleur Neuropathique 4 Questions, a Escala de Alexitimia e a Escala Modos de Enfrentamento de Problemas.

RESULTADOS:

Dos 61 pacientes com dor neuropática, a maioria era mulher, com idade média de 50,67±13,12 anos, baixa escolaridade, com companheiro, doenças como a causa principal da dor, atitudes positivas no enfrentamento da dor neuropática apesar dos problemas físicos como as principais mudanças após a dor.

CONCLUSÃO:

Os resultados do presente estudo permitiram concluir que as estratégias de enfrentamento dos pacientes com dor neuropática, de acordo com a aplicação da Escala de Alexitimia e a Escala Modos de Enfrentamento de Problemas, que os maiores escores foram nas práticas religiosas, suporte social e focalização no problema. A alexitimia deste grupo foi maior, especialmente no subgrupo dos homens com dor neuropática crônica.

Descritores:
Dor; Dor crônica; Enfretamento; Estratégias de enfrentamento

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic neuropathic pain has a multifactorial origin and several coping strategies. The objective of this study was to identify, analyze the different coping strategies for chronic neuropathic pain, relate them with sociodemographic characteristics, pain intensity, and alexithymia.

METHODS:

A descriptive and cross-sectional study involving 61 patients with neuropathic pain who attended the Pain Clinic from August to December 2017. The instruments used to collect the data of patients with neuropathic pain were a semi-structured interview, the Douleur Neuropathique 4 Questions questionnaire, the Alexithymia Scale, and the Problems Coping Mode Scale.

RESULTS:

Of the 61 patients with neuropathic pain, the majority were female, with a mean age of 50.67±13.12 years, low schooling, with a spouse, with diseases as the leading cause of pain, positive attitudes to cope with neuropathic pain despite the physical problems such as major changes after pain.

CONCLUSION:

The results of the present study allowed us to conclude that the coping strategies of patients with neuropathic pain, according to the application of the Alexithymia Scale and the Problems Coping Mode Scale, that the highest scores were in religious practices, social support and focus on the problem. The alexithymia of this group was higher, especially in the subgroup of men with chronic neuropathic pain.

Keywords:
Chronic pain; Coping; Coping strategies; Pain

INTRODUÇÃO

A dor causa impactos negativos na vida de um indivíduo, tornando‐se um dos maiores desafios para os profissionais da área de saúde. De acordo com a International Association for the Study of Pain (IASP), a dor é definida como uma experiência sensorial ou emocional desagradável, associada à uma lesão tecidual real ou potencial11 Merskey H, Bogduk N. Classification of chronic pain. 2nd ed. Seattle: IASP Press; 1994..

A dor é classificada em dois tipos: aguda, que surge de uma lesão ou ameaça para o tecido não neural. Geralmente é causada por uma inflamação, infecção, lesões, entre outros; e a dor crônica (DC), com duração superior a três meses ou que persiste após o tempo de cicatrização habitual e não responde aos tratamentos comuns22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.083, de 02 de outubro de 2012. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dor Crônica. Diário Oficial da União. Brasilia, DF, de 03 de outubro de 2012. Seção 1:54-58..

A DC pode ser subdivida em nociceptiva, dor crônica neuropática (DCN) e dor crônica mista. A dor nociceptiva ocorre por ativação fisiológica de receptores de dor e está relacionada à lesão de tecidos ósseos, musculares ou ligamentares. Comumente responde bem ao tratamento sintomático com analgésicos ou anti-inflamatórios não esteroides (AINES). A DCN é causada por uma lesão ou doença do sistema somatossensorial e afeta 7 a 10% da população33 Almeida FC, Castilho AC, Cesarino CB, Ribeiro RC, Martins MR. Correlation between neuropathic pain and quality of life. BrJP. 2018;1(4):349-53..

No tratamento da DCN, o desafio acontece quando as terapias não surtem o efeito esperado e há um sofrimento psicológico, causado pela insatisfação do plano terapêutico, levando o indivíduo a procurar por estratégias farmacológicas que geram maior gasto financeiro, podendo levar a uma futura internação33 Almeida FC, Castilho AC, Cesarino CB, Ribeiro RC, Martins MR. Correlation between neuropathic pain and quality of life. BrJP. 2018;1(4):349-53..

Nesse contexto, quando se trata de dor, há muitas variáveis a se considerar. Todavia, nota-se na literatura nacional e internacional dificuldade na utilização dos instrumentos para a avaliação de DCN, bem como a comparação de qual método de tratamento é o mais indicado44 Oliveira RM, da Silva LM. Chronic pain related to AIDS: perspective of nurses and doctors. Rev Bras Enferm. 2014; 67(1):54-61..

A dor é uma problemática que permeia os serviços de saúde sendo um importante fator para o deslocamento do paciente a um centro de referência de saúde55 Organização Pan Americana de Saúde. Governos devem intensificar esforços para o combate às doenças crônicas não transmissíveis. Disponível em:https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5495.Acesso em : 12 de dezembro de 2018.
https://www.paho.org/bra/index.php?optio...
. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) as Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) são as principais causas de mortalidade e incapacidades no Brasil, impactando o paciente, a família, os serviços de saúde e economia devido a faltas e aposentadoria precoce55 Organização Pan Americana de Saúde. Governos devem intensificar esforços para o combate às doenças crônicas não transmissíveis. Disponível em:https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5495.Acesso em : 12 de dezembro de 2018.
https://www.paho.org/bra/index.php?optio...
,66 Cardoso MG, Weinstock JG, Sardá Júnior J. Adesão ao tratamento da dor neuropática. Rev Dor. 2016;17(Suppl 1):S107-9..

Um dos maiores agentes das DCNT é a DC, que se encontra presente em pacientes com diabetes mellitus tipo 2, pacientes em tratamento de câncer, lesões traumáticas e que já tiveram acidente vascular cerebral77 Dermanovic Dobrota V, Hrabac P, Skegro D, Smiljanic R, Dobrota S, Prkacin I, et al. The impact of neuropathic pain and other comorbidities on the quality of life in patients with diabetes. Health Qual Life Outcomes. 2014;12:171.. O insucesso no tratamento da DCN com os fármacos rotineiros possui um tempo maior de duração, sendo que muitas vezes essa dor se torna uma própria doença. Esses indivíduos, juntamente com os profissionais, procuram diversos meios para a redução da dor66 Cardoso MG, Weinstock JG, Sardá Júnior J. Adesão ao tratamento da dor neuropática. Rev Dor. 2016;17(Suppl 1):S107-9..

Diante desse quadro, este estudo objetivou identificar e analisar as diversas formas de estratégias de enfrentamento da DCN, relacioná-las com as características sociodemográficas, a intensidade de dor e a alexitimia.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, de abordagem quantitativa, que foi realizado no Ambulatório da Clínica da Dor da Fundação Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto. Participaram deste estudo 61 pacientes com diagnóstico médico de DCN, que foram atendidos na Clínica da Dor no período de agosto a dezembro de 2017. Ao avaliar a lista de frequência dos pacientes com DCN na Clínica da Dor dos quatro últimos meses, obteve-se uma média mensal de 26 pessoas. Para o cálculo amostral, os parâmetros utilizados foram nível de confiança de 95%, erro de 8% e prevalência esperada de 10%. A seleção dos participantes foi realizada por meio de amostragem aleatória simples, obtendo-se 61 pacientes.

Foram utilizados quatro instrumentos de coleta de dados: a entrevista semiestruturada (dados sociodemográficos e clínicos); o questionário Douleur Neuropathique 4 Questions (DN4) (rastreio da DN)88 Santos JG, Brito JO, de Andrade DC, Kaziyama VM, Ferreira KA, Souza I, et al. Translation to Portuguese and validation of the Douleur Neuropathique 4 questionnaire. J Pain. 2011;11(5):484-90.; a Escala de Alexitimia (TAS)99 Yoshida EMP. Toronto alexithymia scale-TAS: precisão e validade da versão em português. Psicol Teor Pratic. 2000;2(1):59-74. (mensura as dificuldade para identificar e descrever os sentimentos) e a Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP)1010 Seidl EM, Tróccoli BT, Zannon CL. Análise fatorial de uma medida de estratégias de enfrentamento. Psic: Teor e Pesq. 2001;17(3):225-34. (analisa estratégias de enfrentamento).

O questionário sobre dor DN488 Santos JG, Brito JO, de Andrade DC, Kaziyama VM, Ferreira KA, Souza I, et al. Translation to Portuguese and validation of the Douleur Neuropathique 4 questionnaire. J Pain. 2011;11(5):484-90., originalmente em francês, foi devidamente traduzido e validado para o português e utilizado para identificar os pacientes com dor não neuropática e neuropática. O questionário é composto por 10 itens subdivididos em duas partes: descritores sensoriais (sete itens) e sinais referentes ao exame sensorial (três itens). A presença de DN foi considerada a variável dependente e necessária para atingir um escore de pelo menos 4 em 10, enquanto a dor não neuropática apresentou escores menores que 4 em 10.

A TAS99 Yoshida EMP. Toronto alexithymia scale-TAS: precisão e validade da versão em português. Psicol Teor Pratic. 2000;2(1):59-74. é um instrumento de autorrelato, com 26 itens, idealizado para mensurar o grau de alexitimia. Os itens são respondidos em escala de tipo Likert de cinco pontos, variando entre 1 (discordo inteiramente) e 5 (concordo plenamente). Os escores totais variam entre 26 e 130, sendo que nas pesquisas internacionais, para escores acima de 74 (inclusive) o sujeito é considerado alexitímico, e menores de 62 (inclusive) é considerado não alexitímico. Para valores intermediários, (entre 63 e 73) nada se pode afirmar.

As estratégias de enfrentamento utilizadas frente a um evento estressor geral, ou a um evento estressor relacionado à saúde, podem ser mensuradas utilizando-se a EMEP, adaptada para a população brasileira por Seidl, Tróccoli e Zannon1010 Seidl EM, Tróccoli BT, Zannon CL. Análise fatorial de uma medida de estratégias de enfrentamento. Psic: Teor e Pesq. 2001;17(3):225-34.. É composta por 45 questões objetivas, 18 focalizadas no problema, 15 focalizadas na emoção, sete na busca de prática religiosa/pensamento fantasioso e cinco na busca de suporte social. No final da escala houve também uma questão subjetiva, destinada a identificar alguma outra estratégia de enfrentamento que não tenha constado nas questões anteriores. As respostas foram classificadas de acordo com a escala Likert de cinco pontos: 1- eu nunca faço isso; 2- eu faço isso pouco; 3- eu faço isso às vezes; 4- eu faço isso muito; e 5- eu sempre faço isso, escores mais altos indicaram maior frequência de utilização da estratégia de enfrentamento. Os itens são divididos em quatro fatores: fator 1: enfrentamento focalizado no problema; fator 2: enfrentamento focalizado na emoção; fator 3: enfrentamento centrado na busca de práticas religiosas e pensamento fantasioso; fator 4: enfrentamento baseado na busca por suporte social.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), sob o nº CAAE: 62298816.0.0000.5415. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE).

Análise estatística

Os dados foram transferidos para uma planilha eletrônica no programa Microsoft Excel e para a análise estatística foram utilizados os testes de Análise de Variância (ANOVA) e de comparação múltipla de Tukey. O nível de significância de p<0,05 foi adotado para os resultados obtidos.

RESULTADOS

A tabela 1 mostra o percentual das variáveis de caracterização sociodemográfica e clínica dos 61 pacientes com DCN avaliada no estudo, em que a maioria dos pacientes era do sexo feminino (35; 57,38%), com ensino fundamental (36; 59,02%), com companheiro (37; 61,67%), tinha a doença como a causa da dor (24; 39,34%), relatando problemas físicos como as principais mudanças após a dor (35; 57,38%) e com atitude positiva em relação à dor neuropática (42; 68,85%).

Tabela 1
Percentual das variáveis de caracterização sociodemográfica e clínica dos pacientes com dor neuropática da Clínica da Dor. São José do Rio Preto/SP, 2017

A idade média dos pacientes avaliados foi de 50,67±13,12 anos e mediana de 51,00 anos. O coeficiente de variação (CV) dessa distribuição foi de 25,9%. A idade mínima observada foi de 21,0 anos e a máxima de 74,0 anos.

Todos os pacientes tiveram confirmados a DN pelo DN4, ao considerar os aspectos envolvidos nesse questionário. A intensidade da dor foi de 5,1±1,2 e os descritores sensoriais mais prevalentes foram formigamento (52%) e queimação (28%). Quanto aos sinais físicos referentes à sensibilidade, a hipoestesia ao toque foi a predominante (62%).

Com relação à faixa etária (p=0,049) e a forma como os pacientes lidam com a dor (p=0,007) houve diferenças significativas nos escores da DN. Quanto à faixa etária, os pacientes com idade até 59 anos apresentaram escore significativamente superior de DN com relação aos pacientes com 60 anos ou mais, ou seja, o escore de DN foi superior para os adultos quando comparado ao escore dos idosos. Em relação à atitude que os pacientes apresentaram em relação à dor, os pacientes com atitudes negativas tiveram escore significativamente superior de DN em relação aos pacientes com atitudes positivas em relação à dor.

De acordo com a TAS, em média, os pacientes apresentaram-se alexitímicos, pois o escore médio foi superior a 74 pontos, evidenciando que os pacientes com DCN apresentam dificuldades significativas em expressar suas emoções, sentimentos e sensações corporais. Houve diferenças significativas quanto ao sexo (p=0,034) e às mudanças após a dor (p=0,040). O escore médio de alexitimia dos homens foi significativamente superior em relação ao escore das mulheres, e os problemas físicos foram responsáveis por determinar maior alexitimia nos pacientes com DCN (Tabela 2).

Tabela 2
Estatísticas descritivas dos escores de alexitimia para os pacientes com dor neuropática

Os resultados da aplicação da EMEP para os pacientes com DCN tiveram o fator 2 (focalização na emoção) o menor escore quando comparado aos demais fatores, pressupondo que os pacientes com DCN não focalizam tanto na emoção para sobrepor o problema da dor (Tabela 3).

Tabela 3
Estatísticas descritivas dos escores da EMEP de pacientes com dor neuropática. São José do Rio Preto/SP, 2017

Como somente o fator 2 apresentou diferença significativa, o escore desse fator foi avaliado de acordo com as variáveis de caracterização amostral (Tabela 4).

Tabela 4
Estatísticas descritivas dos escores do fator 2 (focalização na emoção) de acordo com a EMEP para os pacientes com dor neuropática. São José do Rio Preto/SP, 2017

De acordo com a análise do fator 2 em relação às variáveis de caracterização, não houve casos de existência de diferenças significativas, pressupondo que as variáveis avaliadas não influenciaram na focalização da emoção para lidar com a dor neuropática.

DISCUSSÃO

Dos 61 pacientes com DCN, em sua maioria, possuía baixa escolaridade, com companheiro, doenças como a causa principal da dor, enfrentamento da DCN com atitudes positivas apesar dos problemas físicos como as principais mudanças após a dor. Outro ponto que foi observado é que a maioria era do sexo feminino. Esse resultado vai ao encontro de outros estudos, onde a maioria afetada pela DC eram mulheres quando comparada com os homens. Além disso, o sexo feminino foi mais frequente em faltas e procura médica. No presente estudo, a idade média foi de 50,67±13,12 anos. Já a população do instituto que afirmaram sofrer de DC teve mediana de 35,5 anos, mostrando que a DC está afetando cada vez mais a população adulta jovem1111 Posso I, Palmeira C, Vieira E. Epidemiology of neuropathic pain. Rev Dor. 2016;17(Suppl 1):11-4.,1212.Vasconcelos F. Dor crônica em trabalhadores de uma instituição de ensino do Tocantins: prevalência e fatores associados [dissertação de mestrado]. Universidade Federal do Tocantins; 2017..

Quando cruzadas as variáveis, não foram observadas diferenças significantes com relação ao enfrentamento desses pacientes quanto ao sexo, estado conjugal, escolaridade, causa da dor e mudanças após a dor.

Apesar disso, houve diferença estatisticamente significante com relação à faixa etária e a forma de lidar com a dor. Esses resultados diferem dos resultados do estudo1313 Lami MJ, Martínez MP, Miró E, Sánchez AI, Guzmán MA. Catastrophizing, acceptance, and coping as mediators between pain and emotional distress and disability in fibromyalgia. J Clin Psychol Med Settings. 2018; 25(1):80-92. que avaliou os pacientes com DCN decorrente de lesão medular traumática, realizado em duas instituições no município de São Paulo, em que a maioria era do sexo masculino, com idade entre 30 e 39 anos. Esse estudo observou resultados semelhantes aos achados da presente pesquisa em que os pacientes avaliados com DCN não tiveram diferenças significantes em relação ao estado conjugal, escolaridade, sexo, causa da dor e mudanças após a dor.

No que se refere à faixa etária, este estudo detectou que jovens e adultos apresentaram maior escore de DCN quando relacionados com os idosos, que têm melhor atitude em relação à dor, possivelmente por acreditarem que esse sintoma seja natural ao processo fisiológico do envelhecimento e comorbidades crônicas associadas. Dessa forma é mais desafiador de se obter resultados reais, quando avaliado esse item, podendo gerar resultados errôneos, e prejudicando uma abordagem terapêutica adequada1414 Oliveira CH, Martins EA, Montezeli JH, Souza TG, Dellaroza MS. Understanding the experience of older people with chronic pain: the light of Callista Roy's theory. Ciênc Cuid Saúde. 2017;16(1):1-9..

Em um estudo realizado com pacientes do Canadá, Dinamarca, Índia e Taiwan1515 Muere A, Tripp DA, Nickel JC, Kelly KL, Mayer R, Pontari M, et al. Depression and coping behaviors are key factors in understanding pain in interstitial cystitis/bladder pain syndrome. Pain Manag Nurs. 2018;19(5):497-505. foi observado que os indivíduos que possuíam maior depressão e catastrofização apresentavam maior intensidade de dor e comorbidades, corroborando os resultados encontrados no presente estudo, em que indivíduos que tendem a um pensamento negativo sentem maior intensidade de dor auxiliando, dessa forma, o desenvolvimento de depressão e ansiedade1515 Muere A, Tripp DA, Nickel JC, Kelly KL, Mayer R, Pontari M, et al. Depression and coping behaviors are key factors in understanding pain in interstitial cystitis/bladder pain syndrome. Pain Manag Nurs. 2018;19(5):497-505..

O presente estudo observou que a maioria dos homens com DCN tinha alexitimia, ou seja, podem ter maior dificuldade em externar suas emoções e sentimentos corporais para outras pessoas quando comparados com as mulheres. Em relação às mudanças após a dor, os problemas físicos foram relevantes estatisticamente quando comparados com os emocionais. Tendo isso em vista, a alexitimia apresentou relação significativa com o fator 3, que são as práticas religiosas/pensamento fantasioso. Os resultados do presente estudo discordam da pesquisa com pacientes renais crônicos em tratamento de hemodiálise, que apresentaram ausência de alexitimia, podendo ser justificado pelo apoio psicológico contínuo durante o seu tratamento1616 Vides MC, Martins MR. Bone pain assessment in patients with chronic kidney disease undergoing hemodialysis. Rev Dor. 2017;18(3):245-9..

Se tratando de alexitimia, foi observada maior prevalência no sexo masculino. Corroborando os presentes resultados, foi realizada uma pesquisa1717 Freire L. Alexitimia: dificuldade de expressão ou ausência de sentimento? Uma análise teórica. Psic: Teor e Pesq. 2010;26(1):15-24. na Universidade do Porto, em Portugal, que observou maior pontuação nos homens com maior dificuldade em descrever sentimentos, evidenciando a Teoria Alexitímica Normativa Masculina. Essa teoria defende que os homens, em sua infância, são desencorajados a expressarem e falarem de seus sentimentos e emoções. Com isso, é notado um maior escore para mudanças físicas após a dor nesses pacientes, afirmando o processo de criação social do homem.

Muitos têm prejuízo na parte psicossocial, e por meio da espiritualidade conseguem ter pensamentos e sentimentos positivos, enfrentam com maior facilidade as situações difíceis e conseguem olhar melhor as situações do dia a dia1818 Taylor J, Huelbes S, Albu S, Gómez-Soriano J, Peñacoba C, Poole HM. Neuropathic pain intensity, unpleasantness, coping strategies, and psychosocial factors after spinal cord injury: an exploratory longitudinal study during the first year. Pain Med. 2012;13(11):1457-68..

Uma pesquisa longitudinal sobre as estratégias de enfrentamento da dor em pacientes durante o primeiro ano após lesão medular observou que os fatores psicossociais e as estratégias de enfrentamento à dor apresentaram correlação com a intensidade da dor e o desconforto, ou seja, que a dor atrapalha sua vida e apresenta impacto negativo1919 Pereira TB, Rodrigues VL. As estratégias de coping na promoção à saúde mental de pacientes oncológicos: uma revisão bibliográfica. Rev Psicol Saúde. 2016;8(1):24-31..

O enfrentamento focado na emoção refere-se à tentativa das pessoas em regular a resposta emocional que foi gerada pela situação estressante da dor e geralmente é utilizado quando um problema é incontrolável e algumas estratégias comportamentais ou cognitivas podem ser utilizadas como: uso excessivo de álcool, tabaco, drogas, excesso de exercícios físicos, fuga, minimização do problema, distanciamento e atenção seletiva2020 Borges MS, Santos MB, Pinheiro TG. Social representations about religion and spirituality. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):609-16..

No presente estudo, a aplicação da EMEP nos 61 pacientes com DCN obteve os maiores escores nas práticas religiosas, suporte social e focalização no problema.

No quesito práticas religiosas, os resultados estão de acordo com estudo que observou que a incorporação da espiritualidade apresenta relevância e reconhecimento como indicador de saúde, na busca da promoção de um cuidado integral e por retratar o perfil já conhecido dos brasileiros relacionados à religiosidade2020 Borges MS, Santos MB, Pinheiro TG. Social representations about religion and spirituality. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):609-16.. Também foram encontrados resultados semelhantes na pesquisa sobre enfrentamento da dor, em que a religiosidade e a espiritualidade mostraram-se associadas ao controle do estresse envolvido no processo da dor2121 Rizzardi CD, Teixeira MJ, Siqueira SR. Espiritualidade e religiosidade no enfrentamento da dor. Mundo da Saúde. 2010;34(4):483-7..

O suporte social teve o segundo maior escore pelos pacientes com DCN e indicou a busca por apoio no sistema de saúde, evidenciando a importância da qualidade e disponibilidade do setor da saúde para ajudar tais pacientes. Um estudo de revisão sobre os fatores psicossociais, intrapsíquicos, psiquiátricos e psicocomportamentais que influenciam a natureza, gravidade, e persistência da dor neuropática verificou que o apoio social é um importante componente de controle e gerenciamento da participação ativa dos pacientes em seus cuidados de saúde em relação à dor2222 Van Der Lugt CM1, Rollman A, Naeije M, Lobbezoo F, Visscher CM. Social support in chronic pain: development and preliminary psychometric assessment of a new instrument. J Oral Rehabil. 2012;39(4):270-6..

A focalização no problema foi o terceiro maior escore, sendo que esse fator indica a parcela de racionalidade dos pacientes que focam em compreender o problema. Uma pesquisa de revisão bibliográfica destaca que a DCN é um grave problema de saúde pública mundial, sendo considerada uma doença crônica cuja gestão no controle da DCN, ainda é inadequada2323 Perissinotti DM, Portnoi AG. Aspectos psicocomportamentais e psicossociais dos portadores de dor neuropática. Rev Dor. 2016;17(Suppl 1):S79-84..

Em contrapartida, o fator da focalização na emoção foi o que apresentou menor escore, pressupondo que os pacientes com DCN não utilizam a emoção para sobrepor o problema da dor, sendo esse fator o único que apresentou diferença significativa, tendo sido avaliado de acordo com as variáveis de caracterização amostral.

Pode-se afirmar que essas são práticas com grande enfoque cultural, corroborando os livros e pesquisas realizados por David Le Breton, um antropólogo e sociólogo francês que dedicou uma parte de seus estudos para a dor. Ele chegou à conclusão que a dor é íntima de cada um, porém, sua base geralmente está em cultura, sociedade, relacionamentos e educação, não passando assim do vínculo social. Está presente assim, tanto na expressão corporal como na impressão que cada indivíduo possui2424 Fonseca PR, Gatto BE, Tondato VA. Neuropatia dolorosa pós-traumática e pós-operatória. Rev Dor. 2016;17(Suppl 1):S59-62..

Alguns pesquisadores destacam que a estratégia de enfrentamento da DC mais utilizada é a atividade religiosa, sendo que o estresse ocorrente pode ser controlado por meio da atuação no hipotálamo-pituitária-adrenocortical2525 Andrade MR. Dor Crônica na Atenção Primária - Um Problema de Saúde Pública [Trabalho de Conclusão de Curso]. Juiz de Fora (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2014.. É também comprovada a melhora nos indicadores de saúde mental, como também melhor adaptação ao estresse e maior encorajamento no dia a dia com a prática religiosa2626 Siqueira D, Costa B, Figueiredo A. Coping e qualidade de vida em pacientes em lista de espera para transplante renal. Acta Paul Enferm. 2017;30(6):582-9.. Entretanto, não foi comprovado o efeito fisiológico das práticas religiosas em seus sintomas físicos no controle da dor2727 Aquarone RL. Dor neuropática: implicações na qualidade de vida de pessoas com lesão medular [Dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2013..

Em relação à DC, outro estudo realizado com 281 pacientes observou a associação de estratégias de enfrentamento da dor e medidas de humor em relação ao funcionamento da saúde2828 Baastrup S, Schultz R, Brødsgaard I, Moore R, Jensen T, Vase Toft L et al. A comparison of coping strategies in patients with fibromyalgia, chronic neuropathic pain, and pain-free controls. Scand J Psychol. 2016;57(6):516-22..

Há uma busca por programas psicoeducativos coordenados por psicólogos por meio de textos, palestras, demonstrações, treinamentos, técnicas de relaxamento, solução de problemas, incentivando e criando estratégia de enfrentamento da dor2929 Pinheiro R, Uchida R, Mathias L, Perez M, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9..

Sendo assim, os profissionais de saúde necessitam desenvolver assistência de forma holística, valorizando não apenas a religiosidade, mas também a espiritualidade do paciente, independente de credo ou convicções religiosas, podendo assim contribuir com o seu bem-estar, enfrentamento de doenças e melhoria da qualidade de vida3030 Menezes TM. Dimensão espiritual do cuidado na saúde e enfermagem. Rev Baiana Enferm. 2017:31(2):e22522..

CONCLUSÃO

Esta pesquisa encontrou relação entre a alexitimia e a dor neuropática crônica. A prevalência desse fenômeno foi maior entre os homens. Qual é a natureza dessa complexa relação, como atuariam os fatores predisponentes e desencadeantes do fenômeno alexitimia são questões que necessitam de novas investigações. Os maiores escores de estratégias de enfrentamento dos pacientes com dor crônica neuropática, de acordo com a aplicação da EMEP, foram nas práticas religiosas, suporte social e focalização no problema. Com isso, pode-se concluir que esses fatores são importantes no que tange esse embate entre corpo e mente do ser, auxiliando no processo de maior qualidade de vida física e mental.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2018
  • Aceito
    04 Jul 2019
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