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Dor nas costas em adolescentes: prevalência e fatores associados

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Dor nas costas é uma das dores mais comuns do ser humano. Afeta a saúde e a qualidade de vida, podendo ser incapacitante. Doenças detectadas na adolescência e mal manejadas podem se agravar na vida adulta. O objetivo deste estudo foi estimar a prevalência, fatores associados e características de dor nas costas em adolescentes da cidade de São Paulo.

MÉTODOS:

Estudo transversal de base populacional - Inquérito de Saúde da Capital 2015, com 539 adolescentes de ambos os sexos e entre 15 e 19 anos. As informações foram coletadas por meio de entrevistas domiciliares e os participantes foram selecionados a partir de amostragem probabilística. Frequências, teste do Qui-quadrado e análise de regressão logística foram utilizados na análise. O nível de significância adotado foi 5%.

RESULTADOS:

A prevalência estimada de dor nas costas em adolescentes da cidade de São Paulo foi de 22,4%. Dor nas costas em adolescentes apresentou fatores associados com: tontura (OR 3,1), transtorno mental comum (OR 2,4), insônia (OR 2,6) e realizar atividades físicas domésticas (OR 1,8). Na busca por alívio da dor, 46,6% dos adolescentes não fazem nada, 17,3% buscam automedicação e 8,9% usam fármaco prescrito.

CONCLUSÃO:

Entender a dor nas costas como um problema de saúde pública obriga a pensar em estratégias que permitam compreender origens, fatores associados e estratégias de enfrentamento que podem influenciar novas formas de priorizar e organizar a atenção à saúde.

Descritores:
Adolescente; Dor lombar; Dor nas costas; Estudos transversais; Prevalência

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Back pain is one of the most common pain in humans. It impacts the health and quality of life and can be disabling. Diseases detected in adolescence and poorly managed may get worse in adulthood. The objective of this study is to estimate the prevalence, the associated factors and the characteristics of back pain in adolescents living in the city of São Paulo.

METHODS:

A cross-sectional population-based study - Health Survey in São Paulo (2015) with 539 adolescents of both genders between 15 and 19 years old was used. The information was collected through home interviews and the participants were selected by probabilistic sampling. Frequencies, Chi-square test, and logistic regression analysis were used in this analysis. The level of significance was 5%.

RESULTS:

The estimated prevalence of back pain in adolescents in the city of São Paulo was 22.4%. Back pain in adolescents had the following associated factors: dizziness (OR 3.1), common mental disorder (OR 2.4), insomnia (OR 2.6) and perform household chores (OR 1.8). To relieve the pain, 46.6% of adolescents do nothing, 17.3% use self-medication and 8.9% use prescribed medication.

CONCLUSION:

Acknowledging back pain as a public health problem requires strategies that allow us to learn the origins, associated factors and coping strategies that may influence new ways of prioritizing and organizing healthcare.

Keywords:
Adolescent; Back pain; Cross-sectional studies; Low back pain; Prevalence

INTRODUÇÃO

A dor nas costas é conhecida como uma das principais causas de incapacidade11 Duthey B. Low Back Pain. Geneve: WHO; 2013. [cited 2018 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/medicines/areas/priority_medicines/BP6_24LBP.pdf.
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para o trabalho e atividades cotidianas. Sua origem, em parte, se refere ao uso do corpo humano, que se inicia na infância, mas que começa a apresentar seus sinais de uso (ou de mau uso) de forma mais intensa na adolescência. Há indicativo de que uma intervenção mais precoce nesse problema traria resultados mais efetivos para a vida adulta.

Existem poucos estudos sobre dor nas costas, apesar de ser um problema de saúde frequente na população mundial. Swain et al.22 Swain MS, Henschke N, Kamper SJ, Gobina I, Ottová-Jordan V, Maher CG. An international survey of pain in adolescents. BMC Public Health. 2014;14:447., em revisão sistemática de adolescentes (9 a 17 anos), estimou a prevalência mundial de dor nas costas em 37%. Em estudos locais no Brasil, as prevalências encontradas de dor nas costas foram: em adultos nas cidades de Campinas-SP, 30,6%33 Iguti AM, Bastos TF, Barros MB. [Back pain in adults: a population-based study in Campinas, São Paulo State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2015;31(12):2546-58. Portuguese. e Pelotas-RS, 63,1%44 Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em adultos do Sul do Brasil: estudo de base populacional. Rev Bras Fisioter. 2011;15(1):31-6., e em adolescentes (10 a 17 anos), em Uruguaiana-RS, 16,1%55 Graup S, Araújo Bergmann ML, Bergmann GG. Prevalence of nonspecific lumbar pain and associated factors among adolescents in Uruguaiana, state of Rio Grande do Sul. Rev Bras Ortop. 2014;49(6):661-7..

“Dor nas costas” é um termo amplo, utilizado de forma coloquial33 Iguti AM, Bastos TF, Barros MB. [Back pain in adults: a population-based study in Campinas, São Paulo State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2015;31(12):2546-58. Portuguese.. Sua importância se baseia na elevada prevalência mundial, no impacto na qualidade de vida das pessoas, e em seu potencial de incapacitação para o trabalho. Dada a amplitude do termo, vários estudos preferem tratar apenas de dor lombar. Neste estudo será utilizado o termo “dor nas costas”, considerando-o como o agrupamento dos termos cervicalgia, dorsalgia e lombalgia.

O objetivo deste estudo foi estimar a prevalência, fatores associados e características relacionadas à dor nas costas em adolescentes da cidade de São Paulo em 2015.

MÉTODOS

Foram analisados os dados do Inquérito de Saúde no Município de São Paulo 2015 (ISA-Capital 2015), estudo transversal de base populacional, com coleta de dados realizada entre setembro de 2014 e dezembro de 2015.

O ISA-Capital 2015 é um estudo constituído de amostra composta por pessoas com idade a partir de 12 anos, residentes em domicílios particulares permanentes, em área urbana da cidade de São Paulo, que é a maior cidade e compõe a maior e mais complexa região metropolitana do Brasil. Neste estudo foi utilizada amostragem probabilística estratificada, com sorteio em dois estágios: (1) setores censitários; e (2) domicílios66 São Paulo (SP) Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. Boletim ISA Capital 2015, nº 0, 2017: Aspectos metodológicos e produção de análises. São Paulo: CEInfo; 2017, 32 p. [cited 2018 Oct 28]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ISA_2015_MA.pdf.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
,77 São Paulo (SP). Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. ISA Capital - Inquérito de Saúde no Município de São Paulo, 2014. São Paulo: CEInfo; 2014. [cited 2018 Oct 28]. Available from: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/isacapitalsp/questionario_isacapital-completo.pdf.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
.

A prevalência refere-se à população do estudo ISA-Capital 2015, que considerou somente a população com domicílio em área urbana, 9.349.890 habitantes66 São Paulo (SP) Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. Boletim ISA Capital 2015, nº 0, 2017: Aspectos metodológicos e produção de análises. São Paulo: CEInfo; 2017, 32 p. [cited 2018 Oct 28]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ISA_2015_MA.pdf.
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Os domínios do estudo foram constituídos por: (a) regiões e (b) entrevistados nas faixas etárias de 12 a 19 anos, 60 anos ou mais, e sexo e idade na faixa de 20 a 59 anos por sexo (masculino e feminino). Para fins de inferência estatística, cada indivíduo da amostra foi associado a um peso amostral. O peso final foi calculado conforme três componentes: (1) peso de delineamento, que leva em conta as frações de amostragem das duas etapas de sorteio; (2) ajuste de não respostas; e (3) pós-estratificação, que ajusta a distribuição da amostra por sexo, faixa etária e região de residência, de acordo com a distribuição da população no município e conforme estimativa populacional66 São Paulo (SP) Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. Boletim ISA Capital 2015, nº 0, 2017: Aspectos metodológicos e produção de análises. São Paulo: CEInfo; 2017, 32 p. [cited 2018 Oct 28]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ISA_2015_MA.pdf.
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Para este estudo foram selecionados 539 (98,4%) entrevistados, amostra composta por adolescentes com idades entre 15 e 19 anos, parte do estrato de faixa etária de 12 a 19 anos do ISA-Capital 2015. Os adolescentes de 12 a 14 anos foram retirados da amostra porque as questões relacionadas ao Self Report Questionnaire (SRQ), parte integrante do ISA-Capital 2015, não foram aplicados em menores de 15 anos.

Foi considerada a seguinte variável dependente:

1. dor nas costas.

Foram consideradas as seguintes variáveis independentes:

2. Variáveis sociodemográficas: sexo, idade, raça/cor e escolaridade;

3. Variáveis relacionadas a condições de saúde e estilo de vida: estado nutricional88 São Paulo (SP). Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. Boletim ISA Capital 2015, nº 6, 2017: Estado nutricional da população da cidade de São Paulo. São Paulo: CEInfo; 2017, 83 p. [cited 2018 Nov 3]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ISA_2015_EN.pdf.
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; tabagismo, uso de álcool e atividade física recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Fisicamente ativos são aqueles que atenderam à recomendação da OMS de praticar atividade física, de intensidade leve ou moderada por pelo menos 150 minutos semanais ou atividades de intensidade vigorosa por pelo menos 75 minutos semanais99 São Paulo (SP). Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. Boletim ISA Capital 2015, nº 18, 2018: Atividade física na cidade de São Paulo. SãoPaulo: CEInfo; 2018, 38 p. [cited 2018 Nov 3]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ISA_2015_AF.pdf.
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.

4. Variáveis relacionadas às doenças crônicas e aos sintomas: consideradas e testadas todas as autorreferidas.

5. Variáveis relacionadas ao quadro emocional, aqueles que responderam ‘sim’ para oito ou mais questões do Bloco E do ISA-Capital 2015, composto por questões do Self Report Questionnaire 20 (SRQ20), instrumento com 20 questões para Transtorno Mental Comum (TCM) podendo ser utilizada na atenção básica, revalidado por Gonçalves, Stein e Kapczinski1010 Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. [Performance of the Self-Reporting Questionnaire as a psychiatric screening questionnaire: a comparative study with Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR]. Cad Saude Publica. 2008;24(2):380-90. Portuguese..

6. Características da dor nas costas: localização, frequência, intensidade e atitudes para alívio da dor.

Para a análise de inquéritos baseados em delineamentos complexos utilizou-se o módulo survey do programa STATA14, que permitiu incorporar os pesos distintos.

A análise foi construída por um modelo de regressão logística para testar a associação isolada entre as variáveis dependentes (dor nas costas) e cada independente, além de analisar as que entraram no modelo final.

Todos os participantes, ou respectivos responsáveis, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) no qual foram explicados os objetivos da pesquisa e as informações que seriam solicitadas, sendo garantida a confidencialidade das informações obtidas. O protocolo da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Parecer 1.420.473 (2015).

Análise estatística

As prevalências entre variáveis categóricas foram quantificadas pelo teste Qui-quadrado de Pearson (p), aquelas selecionadas para o modelo foram as que obtiveram p<0,20. No modelo final, após testes de seleção, manteve-se no modelo somente variáveis com p<0,05. As associações entre variáveis foram medidas por Odds Ratio (OR). O ajuste do modelo de regressão foi avaliado pelo teste de Archer e Lemeshow1111 Archer KJ, Lemeshow S. Goodness-of-fit test for a logistic regression model fitted using survey sample data. Stata J. 2006;6(1):97-105..

RESULTADOS

Dos 554 adolescentes (de 15 a 19 anos) entrevistados no ISA-Capital 2015, identificou-se como população estudada 539 (98,4%) que responderam a todas as variáveis deste estudo.

Dos 539 adolescentes entrevistados, 50,5% eram do sexo masculino e 49,5% do sexo feminino, portanto a proporção foi bastante aproximada. A distribuição das idades desta amostra apresentou diferenças entre 17,0 e 22,1%, aqui também com proporções aproximadas. Todas as demais variáveis de caracterização desta população apresentaram-se homogêneas (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil demográfico dos adolescentes de residentes na cidade de São Paulo em 2015

Quando se estudou a população que se identificou como tendo problemas relacionados à dor nas costas - que neste estudo abrange as dores lombar, cervical e dorsal - foi possível verificar diferenças de prevalência significativas entre o sexo feminino 28,1% (IC95% 22,6 - 34,2) e o sexo masculino 16,8% (IC95% 12,2 - 22,7), significando que meninas têm quase o dobro de dor nas costas que os meninos (Tabela 2).

Tabela 2
Adolescentes com dor nas costas: prevalência das caracterizações demográfica e estilo de vida de residentes na cidade de São Paulo, 2015

Também foi possível verificar a existência de diferenças significativas entre autopercepção de saúde. Verificou-se que aqueles com autopercepção de saúde ‘não boa’ apresentaram prevalência de 36,4% (IC95% 28,6 - 45,0), enquanto 19,0% (IC95% 14,9 - 23,9) tinham autopercepção de saúde ‘boa’, como seria de se esperar. O que chamou a atenção foi justamente os 19,0% de adolescentes que reconhecendo-se com problemas de dores nas costas, ainda assim identificavam-se com autopercepção de saúde ‘boa’ (Tabela 3).

Tabela 3
Adolescentes com dor nas costas: prevalência das caracterizações de estilo de vida e problemas de saúde autorreferidos em residentes na cidade de São Paulo, 2015

Quanto aos sintomas, doenças e outros problemas de saúde, os adolescentes com problemas de dores nas costas apresentam prevalência maior de fatores associados como cefaleia 33,3% (IC95% 27,0 - 40,3), ansiedade 34,1% (IC95% 21,9 - 49,1), sinusite 34,7% (IC95% 24,2 - 46,8), insônia 46,4% (IC95% 36,0 - 57,1), TMC 49,0% (IC95% 38,6 - 59,4) e tontura 49,9% (IC95% 37,3 - 62,4). Significou que do total de adolescentes entrevistados, pelo menos um terço refere comorbidades (Tabela 3).

A prevalência estimada de dor nas costas entre os adolescentes da cidade de São Paulo, com idades entre 15 e 19 anos foi de 22,4% (IC95% 18,4 - 26,9) (Tabela 4).

Tabela 4
Prevalências e distribuição das características da dor nas costas referida de adolescentes residentes na cidade de São Paulo, 2015

As características da dor nas costas, para os adolescentes, apresentaram-se relacionadas a maior identificação com a localização da dor na região lombar 42,9% (IC95% 34,5 - 51,8). Quanto à frequência da dor, identificou-se que 58,2% referiram ter dores nas costas pelo menos 2 vezes por semana (41,0% têm dores alguns dias da semana e 17,2% têm todos os dias). Sobre a intensidade da dor sentida, 21,8% relataram ter dor intensa ou insuportável e 62,3% informaram que essa dor sentida não é limitante para a realização de suas atividades cotidianas. Atitudes na busca por alívio da dor nas costas: o uso de fármaco foi referido por 26,5% (8,9% fármaco prescrito e 17,6% automedicação). Outras práticas não farmacológicas referidas foram: 11,2% fazem repouso, 9,6% fazem atividades físicas e 46,6% afirmam que não fazem nada (Tabela 4).

Da análise univariada foram selecionadas as variáveis: sexo (Tabela 2), estado nutricional e atividades físicas relacionadas ao trabalho doméstico (Tabela 3), além de caracterização de situação de saúde: sinusite, ansiedade, cefaleia, insônia, tontura e TMC (Tabela 3).

Para o modelo de regressão logística, as variáveis independentes associadas à dor nas costas foram: tontura (OR 3,1), TMC (OR 2,4), insônia (OR 2,6) e fazer atividades físicas relacionadas ao trabalho doméstico (OR 1,8) (Tabela 5).

Tabela 5
Análise de regressão logística para adolescentes com dor nas costas residentes na cidade de São Paulo em 2015

Para verificar a capacidade preditiva do modelo de regressão logística foi aplicado o teste de Archer e Lemeshow1111 Archer KJ, Lemeshow S. Goodness-of-fit test for a logistic regression model fitted using survey sample data. Stata J. 2006;6(1):97-105., que indicou 96,4% de chance de um adolescente apresentar dor nas costas na presença desses fatores.

DISCUSSÃO

O estudo de O’Sullivan et al.1212 O'Sullivan P, Smith A, Beales D, Straker L. Understanding adolescent low back pain from a multidimensional perspective: implications for management. J Orthop Sport Phys Ther. 2017;47(10):741-51. reconheceu que a dor nas costas - dores lombar, cervical e dorsal - em adolescentes é multifatorial, podendo ser por fatores biológicos, psicológicos, físicos, anatômicos, de estilo de vida e comorbidades.

Swain et al.22 Swain MS, Henschke N, Kamper SJ, Gobina I, Ottová-Jordan V, Maher CG. An international survey of pain in adolescents. BMC Public Health. 2014;14:447., em estudo com dados de 28 países, estimou a prevalência mundial de dor nas costas em adolescentes (9 a 17 anos) em 37%, sendo a menor prevalência na Polônia (27,7%) e a maior na República Tcheca (50,5%). Neste estudo, a prevalência estimada de dor nas costas em adolescentes (15 a 19 anos) da cidade de São Paulo, Brasil, é de 22,4% (IC95% 18,4 - 26,9), resultado abaixo em relação a outros países.

A associação entre TCM e dor e dor nas costas foi encontrada em diferentes estudos1212 O'Sullivan P, Smith A, Beales D, Straker L. Understanding adolescent low back pain from a multidimensional perspective: implications for management. J Orthop Sport Phys Ther. 2017;47(10):741-51.,1313 Rees CS, Smith AJ, O'Sullivan PB, Kendall GE, Straker LM. Back and neck pain are related to mental health problems in adolescence. BMC Public Health. 2011;11:382-90.. No presente estudo também se identificou importante associação entre TCM e dor nas costas em adolescentes da cidade de São Paulo (OR 2,4 IC95% 1,4 - 4,4). Viana et al.1414 Viana MC, Lim CCW, Pereira FG, Aguillar-Gaxiola, Alonso J, Bruffaerts R, et al. Previous mental disorders and subsequent onset of chronic back or neck pain: findings from 19 countries. J Pain. 2018;19(1):99-110. concluíram em seu estudo que indivíduos com TMC correm maior risco de desenvolver dor nas costas, o que pode significar que a experiência de dor física e o emocional em adolescentes podem não ser independentes, salientando a importância da detecção de tais associações.

A tontura como principal associação com dor nas costas em adolescentes da cidade de São Paulo não tem sido apresentada como fator associado quando se estuda dor nas costas, apesar de ter sido encontrado neste estudo. Em estudo aproximado, Janssens et al.1515 Janssens KAM, Rosmalen JGM, Ormel J, Verhulst FC, Hunfeld JAM, Mancl LA, et al. Pubertal status predicts back pain, overtiredness, and dizziness in American and Dutch adolescents. Pediatrics. 2011;128(3):553-9. publicou sobre adolescentes americanos e holandeses, no qual identificou associação entre atraso no período puberal com dor nas costas, cansaço excessivo e, também, tontura. Neste estudo, a associação aparece simultaneamente, porém não é possível confirmar a associação direta.

Insônia é uma incapacidade de dormir adequadamente, portanto sintoma de má qualidade do sono. Auvinen et al.1616 Auvinen JP, Tammelin TH, Taimela SP, Zitting PJ, Järvelin MR, Taanila AM, et al. Is insufficient quantity and quality of sleep a risk factor for neck, shoulder and low back pain? A longitudinal study among adolescents. Eur Spine J. 2010;19(4):641-9. e Dey, Jorm e Mackinnon1717 Dey M, Jorm AF, Mackinnon AJ. Cross-sectional time trends in psychological and somatic health complaints among adolescents: a structural equation modelling analysis of 'Health Behaviour in School-aged Children' data from Switzerland. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2015;50(8):1189-98. encontraram associação entre má qualidade do sono e dor nas costas. Nesses estudos há importante associação entre dor nas costas e insônia (OR 2,6 - IC95% 1,6 - 4,3). É difícil identificar a origem dessa associação; se a dor nas costas leva à má qualidade do sono (insônia), ou se a insônia contribui para ter dor nas costas.

O problema de saúde relacionado à dor nas costas refere-se, em parte, ao uso e desuso do corpo humano. Foi identificada a associação entre dor nas costas em adolescentes da cidade de São Paulo e a realização de atividade física doméstica, (OR 1,8 - IC95% 1,1 - 2,9). Porém, a classificação relacionada ao bloco Atividade Física do ISA-Capital 2015 apresentou somente resultados relacionados ao cumprimento, ou não, de recomendações da OMS99 São Paulo (SP). Secretaria Municipal da Saúde. Coordenação de Epidemiologia e Informação - CEInfo. Boletim ISA Capital 2015, nº 18, 2018: Atividade física na cidade de São Paulo. SãoPaulo: CEInfo; 2018, 38 p. [cited 2018 Nov 3]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ISA_2015_AF.pdf.
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, o que tornou-se um importante limitador deste estudo, uma vez que tal classificação não apresenta faixa que permita reconhecer o excesso, por parte dos adolescentes, em relação à realização de tais atividades físicas.

Como o estudo se refere a adolescentes, um fator contemporâneo de conhecimento comum relacionado à intensa atividade física no trabalho doméstico, identificado com posturas corporais inadequadas e frequentes, é o uso intenso de novas tecnologias nessa faixa etária. Sjolie1818 Sjolie AN. Associations between activities and low back pain in adolescents. Scand J Med Sci Sport. 2004;14(6):352-9. demonstrou existir associação entre atividade excessiva de lazer e dor nas costas. Noll et al.1919 Noll M, Candotti CT, Rosa BN, Loss JF. Back pain prevalence and associated factors in children and adolescents: an epidemiological population study. Rev Saude Publica. 2016;50. pii: S0034-89102016000100219., em estudo com adolescentes, identificaram uma associação entre diferentes posturas e usos do corpo (uso de computadores, tempo diário gasto assistindo televisão, estudando na cama, postura sentada para escrever e modo de carregar mochila) com dor nas costas. Neste estudo, não foi possível identificar tais associações uma vez que as classificações relacionadas ao uso intenso e/ou inadequado de tecnologias não faz parte dos dados disponíveis no ISA-Capital 2015.

Por fim, Hestbaek et al.2020 Hestbaek L, Leboeuf-Yde C, Kyvik KO, Manniche C. The course of low back pain from adolescence to adulthood: eight-year follow-up of 9600 twins. Spine. 2006;31(4):468-72. mostraram que houve correlação entre dor lombar diagnosticada na infância/adolescência e permanência do problema na idade adulta, e sugerem que o foco de prevenção, tratamento e pesquisas relacionadas a problemas de dor nas costas deveria ser em crianças e adolescentes. Os resultados deste estudo coadunam tal conclusão.

Complementarmente, identificou-se que a dor nas costas geralmente são tratadas com analgésicos, mas há outros tratamentos que incluem fisioterapia, exercícios físicos e manipulação da coluna vertebral11 Duthey B. Low Back Pain. Geneve: WHO; 2013. [cited 2018 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/medicines/areas/priority_medicines/BP6_24LBP.pdf.
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. A automedicação tem sido considerada um importante problema de saúde pública. Pardo et al.2121 Pardo IM, Jozala DR, Carioca AL, Nascimento SR, Santucci VC. Automedicação: prática frequente na adolescência? Estudo em uma amostra de estudantes do ensino médio de Sorocaba. Rev Fac Cienc Med Sorocaba. 2013;15(2):11-5. relacionam a automedicação como principal busca de alívio para enfrentar problemas relacionados à dor. Arrais et al.2222 Arrais PS, Fernandes ME, Pizzol TD, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, et al. Prevalence of self-medication in Brazil and associated factors. Rev Saude Publica. 2016; 50(Suppl 2):13s. English, Portuguese. estimam a prevalência da automedicação no Brasil em 16,1%. No presente estudo, a automedicação utilizada na busca por alívio da dor nas costas foi referida por 17,6% dos adolescentes.

Shipton2323 Shipton EA. Physical therapy approaches in the treatment of low back pain. Pain Ther. 2018;7(2):127-37. alerta que o tratamento não farmacológico para enfrentar o problema de dor nas costas é importante porque melhora a função do corpo e diminui a incapacidade. Neste estudo, aproximadamente um quarto (24,8%) dos adolescentes da cidade de São Paulo que referiram ter dor nas costas, referiram fazer uso de outros mecanismos não farmacológicos para aliviá-la, tais como massagem (4,0%), atividade física (9,6%) e repouso (11,2%).

CONCLUSÃO

Entender a dor nas costas como um problema de saúde pública nos obriga a pensar em estratégias que permitam compreender origens, fatores associados e estratégias de enfrentamento que podem influenciar novas formas de priorizar e organizar a atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) e em serviços de saúde complementares no país.

Assim, os quatro fatores (tontura, transtorno metal comum, insônia e atividade física doméstica) associados à dor nas costas devem ser considerados para o diagnóstico, tratamento e para o adequado manuseio clínico.

Por fim, é importante destacar que doenças detectadas e mal manuseadas na adolescência podem se agravar na vida adulta.

  • Fontes de fomento: O ISA-Capital 2015 foi financiado pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (Processo 0.235.936-0, de 2013).

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2019
  • Aceito
    17 Set 2019
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