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Efeitos da compressa fria versus quente sobre a dor em universitárias com dismenorreia primária

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dismenorreia é a queixa ginecológica mais comum em mulheres jovens, e diversos recursos terapêuticos visando a redução da dor vêm sendo testados. O objetivo deste estudo foi verificar a influência de compressas frias ou quentes sobre a intensidade da dor e o limiar de tolerância de dor à pressão em mulheres com dismenorreia primária.

MÉTODOS:

Estudo clínico randomizado simples encoberto envolvendo 40 jovens divididas em dois grupos: compressa quente ou compressa fria, aplicadas por 20 minutos nas regiões do abdômen inferior e lombar. O limiar de tolerância de dor à pressão foi avaliado por algometria nos músculos vasto medial, glúteo máximo, paravertebrais lombares e ligamentos L4-L5 e L5-S1. A intensidade da dor foi avaliada pela escala analógica visual.

RESULTADOS:

Não foram observadas alterações significantes imediatamente após a aplicação das compressas, nem tampouco 30 minutos após a aplicação no que concerne aos limiares de tolerância de dor à pressão. A comparação da variação do efeito das intervenções não revelou diferenças entre os grupos de intervenção, tanto em relação aos limiares de tolerância de dor à pressão, quanto em relação à escala analógica visual. Entretanto, ambos os grupos apresentaram redução significante na escala analógica visual logo após a aplicação e depois de 30 minutos do término em relação ao momento anterior à intervenção. Apesar disso, logo após a aplicação da compressa, bem como 30 minutos após o término, o grupo que usou compressa fria exibiu maior redução da intensidade da dor (p=0,002 e p=0,004, respectivamente).

CONCLUSÃO:

Compressas frias ou quentes não provocaram alterações no limiar de tolerância de dor à pressão, porém, a percepção da dor foi menor após a aplicação do tratamento, especialmente no grupo que fez uso da compressa fria.

Descritores:
Dismenorreia; Mensuração da dor; Modalidades de fisioterapia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Dysmenorrhea is the most common gynecological complaint among young women. Several therapeutic resources have been studied, aiming at reducing pain. The objective of this study was to identify the influence of cold or hot compresses on pain intensity and pressure pain tolerance thresholds in women with primary dysmenorrhea.

METHODS:

A single-blind randomized clinical study involving 40 young women divided into two groups: hot compress or cold compress, applied for 20 minutes on the lower abdomen and lower back regions. Pressure pain tolerance thresholds were evaluated by algometry in the vastus medialis, gluteus maximus, lumbar paravertebral muscles and supraspinatus ligaments L4-L5 and L5-S1. Pain intensity was assessed by the visual analog scale.

RESULTS:

No significant changes in pressure pain tolerance thresholds were observed immediately after the application of the compresses, nor 30 minutes later. The comparison of the variation in the effect of changes showed no differences between the intervention groups, either regarding the pressure pain tolerance thresholds or the visual analog scale. However, both groups had a significant reduction in the visual analog scale right after the application and 30 minutes after the end of the intervention. Nevertheless, right after the use of the compresses, as well as 30 minutes after its end, the group that received the cold compress had a more significant reduction in pain intensity (p=0.002 and p=0.004, respectively).

CONCLUSION:

Cold or hot compresses did not produce changes in pressure pain tolerance thresholds. However, pain perception was lower after this treatment, especially in the group using cold compresses.

Keywords:
Dysmenorrhea; Pain measurement; Physical therapy modalities

INTRODUÇÃO

A dismenorreia é considerada a queixa ginecológica mais comum em mulheres jovens, e atinge cerca de 60-80% da população feminina. É caracterizada por dor no baixo ventre, podendo ser acompanhada por náuseas, vômitos, cefaleia, tonturas e desmaios11 Burnett M, Lemyre M. Primary dysmenorrhea consensus guideline. J Obstet Gynaecol Can. 2017;39(7):585-95.,22 Okusanya BO, Garba KK, Okome GB, Ohiosimuan O. Menstrual pain and associated factors amongst undergraduates of Ambrose Alli University Ekpoma, Edo State, Nigeria. Niger J Med. 2009;18(4):409-12.. Cerca de 8 a 18% desta população relata desconfortos intensos, levando ao absenteísmo nas diversas atividades habituais durante o período da dor33 Osayande AS, Mehulic S. Diagnosis and initial management of dysmenorrhea. Am Fam Physician. 2014;89(5):341-6..

A dismenorreia pode ser classificada em relação à intensidade como leve, moderada ou intensa, e em relação à etiologia como primária ou funcional, e secundária ou orgânica11 Burnett M, Lemyre M. Primary dysmenorrhea consensus guideline. J Obstet Gynaecol Can. 2017;39(7):585-95.,44 Proctor ML, Farquhar CM. Diagnosis and management of dysmenorrhoea. BMJ. 2006; 332(7550): 1134-8..

Alguns recursos têm sido empregados para o tratamento da dismenorreia. O uso de plantas medicinais parece ser eficaz para o tratamento dessa disfunção55 Sanogo R. Medicinal plants traditionally used in Mali for dysmenorrhea. Afr J Tradit Complement Altern Med. 2011;8(5):90-6.. Recursos como ioga, acupuntura e acupressão também têm sido utilizados para tratar a dor menstrual66 Abaraogu UO, Tabansi-Ochuogu CS. As acupressure decreases pain, acupuncture may improve some aspects of quality of life for women with primary dysmenorrhea: a systematic review with meta-analysis. J Acupunct Meridian Stud. 2015;8(5):220-8.,77 Yang NY, Kim SD. Effects of a yoga program on menstrual cramps and menstrual distress in undergraduate students with primary dysmenorrhea: a single-blind, randomized controlled trial. J Altern Complement Med. 2016;22(9):732-8.. Já foi demonstrado que a combinação de estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e termoterapia produz alívio da dor aguda em mulheres com dismenorreia primária moderada ou intensa88 Lee B, Hong SH, Kim K, Kang WC, No JH, Lee JR, et al. Efficacy of the device combining high-frequency transcutaneous electrical nerve stimulation and thermotherapy for relieving primary dysmenorrhea: a randomized, single-blind, placebo-controlled trial. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2015;194:58-63.. Ainda, o uso de fármacos também apresenta eficácia no seu tratamento99 Patel JC, Patel PB, Acharya H, Nakum K, Tripathi CB. Efficacy and safety of lornoxicam vs ibuprofen in primary dysmenorrhea: a randomized, double-blind, double dummy, active-controlled, crossover study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2015;188:118-23..

Dentre os recursos fisioterapêuticos disponíveis para analgesia, a termoterapia é uma opção comumente utilizada para o tratamento da dismenorreia1010 Gerzson LR, Padilha JF, Braz MM, Gasparetto A. Physiotherapy in primary dysmenorrhea: literature review. Rev Dor. 2014;15(4):290-5.. A aplicação de frio ou calor por meio de compressas é um recurso prático e de baixo custo no seu tratamento1010 Gerzson LR, Padilha JF, Braz MM, Gasparetto A. Physiotherapy in primary dysmenorrhea: literature review. Rev Dor. 2014;15(4):290-5.. Um estudo1111 Araújo IM, Leitão TC, Ventura PL. Comparative study of the efficacy of heat and cold to treat primary dysmenorrhea. Rev Dor. 2010;11(3):218-21. comparou grupos de 10 participantes submetidos à compressa fria ou quente aplicadas no baixo ventre, um a dois dias antes do período menstrual, e durante o período menstrual. Os autores verificaram, por meio da escala analógica visual (EAV) e do questionário McGill, que as voluntárias que realizaram o tratamento com compressa fria apresentaram maior satisfação com o método e maior redução da dor em relação às que fizeram uso do calor.

Como ainda existem poucos estudos sobre o uso recursos não farmacológicos e de baixo custo para a diminuição da dor durante o período folicular, são necessários estudos que avaliem a eficácia das opções disponíveis para essa finalidade1010 Gerzson LR, Padilha JF, Braz MM, Gasparetto A. Physiotherapy in primary dysmenorrhea: literature review. Rev Dor. 2014;15(4):290-5..

O objetivo deste estudo foi verificar a influência de uma única sessão de compressas frias versus compressas quentes sobre a intensidade da dor e o limiar de tolerância de dor à pressão (LTDP) em mulheres com dismenorreia primária. 

MÉTODOS

Por contato direto, foram recrutadas 111 universitárias matriculadas no ensino superior de uma instituição privada de ensino situada na cidade de São Paulo. Todas elas receberam esclarecimentos sobre a pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) elaborado de acordo com as recomendações estabelecidas na resolução 466 do Conselho Nacional de Saúde e na Declaração de Helsinki.

Os critérios de inclusão foram: idade entre 18 e 30 anos, capacidade de deambulação independente e presença de dismenorreia primária. Os critérios de exclusão foram grávidas, tabagistas, ter filhos, histórico de doenças uterinas e uso de contraceptivos hormonais.

As voluntárias foram submetidas a uma avaliação individual em ambiente reservado para a coleta dos dados demográficos, idade, sexo, etnia, escolaridade, peso, estatura e intensidade da dor.

A intensidade da dor foi avaliada por meio da EAV1212 Hawker GA, Mian S, Kendzerska T, French M. Measures of adult pain: Visual Analog Scale for Pain (VAS Pain), Numeric Rating Scale for Pain (NRS Pain), McGill Pain Questionnaire (MPQ), Short-Form McGill Pain Questionnaire (SF-MPQ), Chronic Pain Grade Scale (CPGS), Short Form-36 Bodily Pain Scale (SF-36 BPS), and Measure of Intermittent and Constant Osteoarthritis Pain (ICOAP). Arthritis Care Res. 2011;63(Suppl 11):S240-52.. Trata-se de uma reta de zero a 10cm traçada sobre um papel, onde em uma das extremidades está escrito “sem dor” (ponto zero) e na outra extremidade está escrito “máximo de dor” (ponto 10). Foi solicitado que cada participante marcasse sobre a reta um traço indicando seu nível de desconforto. Quanto mais próximo da origem fosse a marcação (zero cm) menor seria a intensidade da dor percebida. Por outro lado, quanto mais próximo do final da reta (10 cm) maior a intensidade da dor.

Foram selecionadas para participar do estudo 65 mulheres com histórico de dismenorreia primária e dor pela EAV acima de 4 na fase folicular. Contudo, 15 não manifestaram interesse em participar, 4 estavam tomando fármacos e 6 desistiram de participar antes da avaliação. A amostra final foi composta por 40 mulheres, divididas aleatoriamente por meio de sorteio simples em dois grupos: compressa quente (CQ- n=22) ou compressa fria (CF-n=18).

As participantes também foram avaliadas quanto ao LTDP, que mensura o quanto de pressão um indivíduo suporta em determinado ponto corporal, através da algometria. Para tal foi usado o algômetro Wagner Force Dial (FDK/FDN SERIES Push Pull Force Gaga, GREENWICH CT, USA). O dispositivo de mão contém uma extremidade de borracha de 1cm de diâmetro. A pressão foi aplicada a uma velocidade constante de 1kg/seg até o nível em que foi relatado dor ou desconforto pela voluntária. A leitura é expressa em kg/cm22 Okusanya BO, Garba KK, Okome GB, Ohiosimuan O. Menstrual pain and associated factors amongst undergraduates of Ambrose Alli University Ekpoma, Edo State, Nigeria. Niger J Med. 2009;18(4):409-12.. Durante a avaliação, a voluntária foi orientada para dizer “pare” tão logo a sensação de pressão passasse de desagradável para dolorosa. O teste foi interrompido tão logo a voluntária indicou o início da dor e a quantidade final de força aplicada foi registrada.

Para avaliar os LTDP, a algometria foi aplicada em seis pontos musculares pré-definidos, identificados a seguir:

  • PLD: paravertebral lombar direito, PLE: paravertebral lombar esquerdo. Nessa avaliação, o indivíduo permaneceu em decúbito ventral com os membros inferiores em extensão1313 Alfieri FM, Bernardo KM, Pinto YS, Silva NC, Portes LA. Pain tolerance and cardiorespiratory fitness in women with dismenorrhea. Rev Dor. 2017;18(4):311-5..

  • LS: ligamento supraespinhoso L4-L5, L5-S1. O indivíduo permaneceu em decúbito lateral com os membros inferiores em extensão1414 Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(2):327-36..

  • GMD: glúteo médio direito; GME: glúteo médio esquerdo. Para essa avaliação, o indivíduo permaneceu em decúbito lateral com os membros inferiores em extensão, conforme descrito previamente na literatura1414 Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(2):327-36..

As voluntárias foram avaliadas em relação à EAV e aos LTDP, antes, logo após a aplicação da compressa e 30 minutos após seu término.

As participantes receberam orientações quanto aos procedimentos do estudo: deveriam estar menstruadas, não poderiam ter feito ou estar fazendo uso de fármaco ou qualquer outro tipo de método para alívio da dor, e usar roupa confortável no momento da intervenção.

Ambos os grupos receberam as aplicações no dia em que referiram maior pico de dor. As compressas foram dispostas no abdômen inferior e na região lombar por 20 minutos. A voluntária foi posicionada em decúbito lateral e foi colocada uma toalha fina sobre os locais de aplicação a fim de evitar queimaduras e melhorar a fixação das compressas no local. As bolsas quentes eram de borracha sintética e foram aquecidas com água fervida a ponto de ebulição, numa chaleira elétrica. As bolsas frias eram de plástico contendo gel à base de celulose vegetal, e eram mantidas no congelador e retiradas no momento da aplicação.

Este estudo foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP-SP), parecer número 2.141.655 de 2017.

Análise estatística

Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS v.24 para Windows e expressos como médias e desvios padrão. Os dados demográficos foram tratados com estatística descritiva e a comparação entre os grupos foi feita pelo teste t de Student para amostras independentes. A comparação entre as intervenções foi feita pela Análise de Variância a dois fatores (two-way ANOVA), e para comparar a variação no efeito das intervenções (delta). O teste t de Student foi empregado para amostras independentes. Em todos os casos, o nível de significância a estabelecido foi de 5%.

RESULTADOS

A tabela 1 mostra os dados demográficos das pacientes. Os grupos se mostraram homogêneos em relação à idade, peso, estatura, índice de massa corporal (IMC), temperatura e percepção de dor na EAV.

Tabela 1
Dados demográficos

Em relação à algometria, não foram observadas modificações significantes imediatamente após a aplicação dos tratamentos, nem tampouco trinta minutos depois de finalizada a aplicação (Tabela 2).

Tabela 2
Limiares de tolerância de dor à pressão antes, após e 30 minutos depois das intervenções

A comparação da variação do efeito das intervenções (delta entre os momentos imediatamente após e antes, e entre 30 minutos após e antes) não revelou diferenças significantes entre os dois grupos de intervenção, tanto em relação aos limiares de tolerância de dor à pressão, quanto em relação à percepção de dor.

Em relação à intensidade da dor (EAV), ambos os grupos apresentaram redução nessa variável logo após a aplicação e depois de 30 minutos do seu término em relação ao momento anterior à intervenção. Essas diferenças foram estatisticamente significantes (Tabela 3).

Tabela 3
Evolução da intensidade da dor

A comparação entre os grupos em cada um dos três momentos avaliados revelou que não houve diferença entre eles na percepção de dor avaliada pela EAV antes da intervenção (p=0,17). Porém, tanto após quanto 30 minutos após a intervenção, o GF exibiu maior redução da percepção de dor do que o CQ (p= 0,002 e p=0,004 respectivamente).

DISCUSSÃO

O presente estudo assemelha-se com a pesquisa1111 Araújo IM, Leitão TC, Ventura PL. Comparative study of the efficacy of heat and cold to treat primary dysmenorrhea. Rev Dor. 2010;11(3):218-21., na qual foi verificada a eficácia do calor e do frio no tratamento da dismenorreia primária. Os autores incluíram 20 mulheres, divididas em 2 grupos: grupo A composto por 10 voluntárias tratadas com calor usando bolsa de gel térmico aquecida, e grupo B composto também por 10 voluntárias tratadas com frio usando bolsa de gel térmico resfriada no congelador. Ambas as técnicas foram aplicadas durante 20 minutos na região do baixo ventre, um a dois dias antes do início da menstruação. No presente estudo, a aplicação da compressa foi semelhante ao estudo supracitado na duração e local de aplicação das compressas, porém diverge na quantidade de sessões. Os referidos autores realizaram três sessões, um a dois dias antes do início da menstruação, e verificaram que a compressa fria é mais eficaz do que a quente para o alívio da dor menstrual.

O estudo avaliou as voluntárias com a EAV e também avaliou a dor com uma medida direta, a algometria. Entretanto, apenas pela EAV foi possível verificar uma melhoria significativa, como já demonstrado por outros autores1111 Araújo IM, Leitão TC, Ventura PL. Comparative study of the efficacy of heat and cold to treat primary dysmenorrhea. Rev Dor. 2010;11(3):218-21.. E os dados corroboram esses autores1111 Araújo IM, Leitão TC, Ventura PL. Comparative study of the efficacy of heat and cold to treat primary dysmenorrhea. Rev Dor. 2010;11(3):218-21. no sentido que a compressa fria é mais eficaz do que a compressa quente para o alívio da dor menstrual. Outro estudo1515 Low J, Reed A. Eletroterapia Explicada: princípios e prática. São Paulo: Manole; 2001. evidenciou que o efeito da aplicação de gelo sobre a pele tem uma atuação direta nos neurônios e receptores de dor, reduzindo a velocidade e o número de impulsos nervosos. A velocidade desse efeito se deve à sua ação no mecanismo de comporta da dor, levando à liberação de endorfinas e encefalinas, substâncias calmantes da dor.

Contudo, embora o frio tenha mostrado melhores resultados em relação ao grupo CQ, este último também obteve benefícios em relação à diminuição da percepção da intensidade da dor. Essa diminuição provavelmente ocorreu pelo fato de que o calor pode reduzir a tensão muscular, o que daria momentaneamente a sensação de diminuição da dor, além de atuar também no controle da dor por meio da teoria das comportas semelhantemente à TENS, ou ainda alterando os limiares de dor centrais, ou por meio de uma sensação de bem-estar1616 Akin MD, Weingand KW, Hengehold DA, Goodale MB, Hinkle RT, Smith RP. Continuous low-level topical heat in the treatment of dysmenorrhea. Obstet Gynecol. 2001;97(3):343-9.. Ao realizar uma revisão sobre tratamentos da fisioterapia na dismenorreia, um estudo1010 Gerzson LR, Padilha JF, Braz MM, Gasparetto A. Physiotherapy in primary dysmenorrhea: literature review. Rev Dor. 2014;15(4):290-5. afirmou que a termoterapia, seja por frio ou calor, é um tratamento recorrente para essa disfunção. Os autores acrescentam que ambos são capazes de eliminar ou diminuir a dor de maneira prática e econômica.

Mostrando ainda a efetividade de meios terapêuticos como tratamento, um estudo1717 Chaudhuri A, Singh A, Dhaliwal L. A randomised controlled trial of exercise and hot water bottle in the management of dysmenorrhoea in school girls of Chandigarh, India Indian J Physiol Pharmacol. 2013;57(2):114-22. estimou a prevalência de dismenorreia primária em escolares e comparou o impacto do exercício e da bolsa de água quente na ocorrência e gravidade dos sintomas. O estudo concluiu que tanto o exercício quanto a bolsa de água quente levaram à melhora significativa na gravidade da dor e no sofrimento menstrual nos grupos estudados. Os indivíduos de ambos os grupos mostraram uma clara mudança de graus moderados e intensos para grau leve de dor. Embora a mudança fosse evidente após o primeiro mês de intervenção, tornou-se mais proeminente no final do terceiro mês em ambos os grupos.

Em relação às opções de tratamentos não farmacológicos para a dismenorreia, um estudo reporta que intervenções como terapia comportamental, uso de ervas medicinais, eletroestimulação cutânea, uso tópico de calor, dentre outras, ainda foram pouco estudados e carecem de estudos de boa qualidade a fim de confirmar ou não a efetividade de tais recursos1818 Ryan SA. The treatment of dysmenorrhea. Pediatr Clin North Am. 2017;64(2):331-42.. Essa afirmação vai ao encontro de revisão sistemática e meta-análise que reporta que embora o calor venha sendo utilizado para o tratamento da dismenorreia, rigorosos estudos com qualidade devem ser realizados para prover evidências mais robustas sobre esse recurso1919 Jo J, Lee SH. Heat therapy for primary dysmenorrhea: a systematic review and meta-analysis of its effect on pain relief and quality of life. Sci Rep. 2018;8(1):16252..

No presente estudo, para a investigação do comportamento da dor aguda, foram utilizadas a EAV e a algometria. Provavelmente não tenham sido observadas mudanças significantes em relação à algometria após ambas as intervenções devido ao fato de o tempo ter sido curto para promover alteração nos LTDP, ou ainda, é possível que a não significância em relação ao LTDP tenha ocorrido por conta da realização de apenas uma sessão de aplicação da compressa, no momento crítico de dor.

Este estudo possui algumas limitações, tais como a inexistência de um grupo controle. Também não houve um exame específico para comprovar a presença de dismenorreia. Como a percepção da intensidade da dor é uma medida subjetiva, os dados dessa variável foram coletados por autorrelatos das participantes da pesquisa. Ainda, como a dor pode ter etiologia multifatorial, a homogeneização das mulheres em relação ao nível de atividade física, estilo de vida, e variáveis de origem emocional talvez pudesse trazer novas informações sobre esta temática.

Um ponto forte deste estudo reside no fato de que as avaliações foram realizadas por um mesmo avaliador que desconhecia o tratamento ao qual a voluntária tinha sido submetida. A aplicação das compressas foi feita por profissional devidamente treinada e acostumada com esse tipo de atendimento, e a aplicação das compressas foi monitorada individualmente, evitando assim que o tempo ou a forma de aplicação fosse diferente entre as voluntárias.

CONCLUSÃO

A aplicação de compressas frias ou quentes não provocou alterações no limiar de tolerância de dor à pressão em mulheres com dismenorreia primária. Entretanto, imediatamente após a aplicação das compressas e depois de 30 minutos após o término da intervenção, ambos os grupos apresentaram redução do desconforto causado pela dor. Contudo, o grupo CF exibiu maior redução na intensidade da dor em relação ao grupo que usou a CQ.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2019
  • Aceito
    11 Dez 2019
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