Acessibilidade / Reportar erro

Analgesia pós-operatória em cirurgia cardíaca pelo bloqueio do plano eretor da espinha. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A persistência da dor na região torácica no pós-operatório é muito comum com analgesia convencional realizada apenas com opioides, o que prolonga a recuperação, aumentando os gastos e a morbidade. O bloqueio do plano eretor da espinha é uma técnica promissora no controle analgésico no pós-operatório das cirurgias cardíacas. O objetivo deste estudo foi descrever um caso em que o bloqueio do plano eretor da espinha propiciou adequado controle analgésico pós-operatório.

RELATO DO CASO:

Paciente do sexo masculino, 61 anos, submetido à cirurgia cardíaca eletiva de aneurismectomia do ventrículo esquerdo e revascularização do miocárdio. No primeiro dia de pós-operatório apresentou dor de intensidade 8 pela escala analógica visual em hemitórax esquerdo. Foi submetido ao bloqueio do plano eretor da espinha com cateter locado em T5 guiado por ultrassom com agulha Tuohy 17G e injeção de 20mL de ropivacaína a 0,5%, propiciando importante diminuição e melhora da expansibilidade pulmonar.

CONCLUSÃO:

O bloqueio do plano eretor da espinha promoveu analgesia adequada, sendo considerado como uma boa opção terapêutica.

Descritores:
Analgesia; Cirurgia torácica; Dor pós-operatória; Tratamento de substituição de opioides

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Persistence of pain in the postoperative thoracic region is very common with conventional analgesia performed only with opioids, which prolongs recovery, increasing costs and morbidity. Erector spinae plane blockage is a promising technique for the analgesic control in the postoperative period of cardiac surgeries. The purpose of this study was to describe a case in which erector spinae plane blockage provided adequate postoperative analgesic control.

CASE REPORT:

A 61-year-old male patient submitted to elective cardiac surgery for left ventricular aneurysmectomy and coronary artery bypass grafting. On the first postoperative day presented pain of intensity 8 on the visual analog scale in the left hemithorax. The patient underwent erector spinae plane blockage with a catheter located at T5 guided by ultrasound with a 17G Tuohy needle and injection of 20mL of 0.5% ropivacaine providing important decrease and improvement of pulmonary expansibility.

CONCLUSION:

Erector spinae plane blockage provided adequate analgesia and was considered a good therapeutic option.

Keywords:
Analgesia; Opiate substitution treatment; Pain postoperative; Thoracic surgery

INTRODUÇÃO

A crise dos opioides tem obrigado a reconsiderar as opções analgésicas, maximizando a analgesia multimodal e as técnicas regionais, com melhorias na tecnologia de imagem por ultrassom para propiciar analgesia perioperatória11 Bugada D, Ghisi D, Mariano ER. Continuous regional anesthesia: a review of perioperative outcome benefits. Minerva Anestesiol. 2017;83(10):1089-100.. A dor torácica pós-cirúrgica dificulta a recuperação e pode aumentar o risco de morbidade perioperatória, assim, é importante tratá-la adequadamente, se possível diminuindo o uso dos opioides11 Bugada D, Ghisi D, Mariano ER. Continuous regional anesthesia: a review of perioperative outcome benefits. Minerva Anestesiol. 2017;83(10):1089-100.

2 Barros GF, Silva CS, Granado FB, Costa PT, Límaco RP, Gardenghi G. Respiratory muscle training in patients submitted to coronary arterial bypass graft. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):483-90.
-33 Brown CR, Chen Z, Khurshan F, Groeneveld PW, Desai ND. Development of persistent opioid use after cardiac surgery. JAMA Cardiol. 2020;17(6):e201445..

A dor na parede torácica causada pelo acesso cirúrgico e no local dos drenos torácicos pode se cronificar se a dor aguda for inadequadamente tratada. Uma alternativa para o controle da dor torácica pós-operatória é o bloqueio do plano eretor da espinha guiado por ultrassom (BPEE), associado ao controle farmacológico convencional11 Bugada D, Ghisi D, Mariano ER. Continuous regional anesthesia: a review of perioperative outcome benefits. Minerva Anestesiol. 2017;83(10):1089-100..

O objetivo deste estudo foi relatar um caso de controle analgésico em pós-operatório de cirurgia cardíaca com BPEE na unidade de terapia intensiva. O relato de caso foi aprovado pelo comitê de ética do Hospital de Urgências de Goiânia, sob o CAAE 10217013.20000.0030.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 61 anos, hipertenso, tabagista, com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio, portador de insuficiência coronariana e aneurisma da parede inferior do ventrículo esquerdo. Foi submetido à cirurgia cardíaca eletiva de aneurismectomia do ventrículo esquerdo e revascularização do miocárdio com ponte mamária em coronária descendente anterior e pontes de safena em coronária direita, em coronária diagonalis e coronária diagonal.

No intraoperatório recebeu 40µg de sufentanil, sendo 20µg na indução, 1h antes da esternotomia, fase de maior estímulo doloroso. No primeiro dia de pós-operatório apresentou dor de intensidade 8 pela escala analógica visual (EAV) em hemitórax esquerdo, pior no local de inserção do dreno torácico, com respiração superficial e aumento da área dolorosa em região ínfero-lateral do tórax esquerdo, a despeito do uso de analgesia com morfina intravenosa, impedindo a fisioterapia. Devido à intensidade da dor mesmo com dose elevada de morfina, foi realizado o BPEE com cateter locado em T5 guiado por ultrassom com agulha Tuohy 17G (Figura 1) e injeção de 20mL de ropivacaína a 0,5% antes da sessão de fisioterapia. Após 30 minutos, a intensidade da dor avaliada pela EAV diminuiu para 2, com duração de cerca de 8 horas, sendo feita nova dose de 20mL de ropivacaína a 0,5%, apresentando melhora importante da dor, que diminuiu para 1 pela EAV, com melhora da expansibilidade pulmonar (Figura 2).

Figura 1
Bloqueio do plano eretor da espinha com imagem de ultrassom da agulha, do processo transverso da vértebra (PTV), dos músculos espinhais e da disseminação do anestésico local (AL)

Figura 2
Radiografias de tórax evidenciando a expansibilidade pulmonar após a realização do bloqueio do plano eretor da espinha

Após 12h foi realizada a terceira e última injeção de ropivacaína, uma vez que após a terceira dose de ropivacaína o dreno de tórax foi retirado. Paciente evoluiu bem, permanecendo três dias na Unidade de Terapia Intensiva, sem necessidade de intubação orotraqueal, com melhora importante da expansibilidade pulmonar evidenciada por radiografia de tórax após a realização de ventilação não invasiva e melhor controle analgésico.

DISCUSSÃO

O BPEE guiado por ultrassom promoveu analgesia adequada, possibilitando a realização com maior eficiência das sessões de fisioterapia e melhorando a expansibilidade do tórax. Apenas três intervenções foram necessárias para permitir controle adequado da dor até a retirada do dreno torácico.

O controle adequado da dor pós-operatória é fundamental para recuperação plena do paciente, evitando a cronificação da dor, melhorando a satisfação do paciente, contribuindo para menor tempo de internação, com redução do risco de infecção e complicações pulmonares22 Barros GF, Silva CS, Granado FB, Costa PT, Límaco RP, Gardenghi G. Respiratory muscle training in patients submitted to coronary arterial bypass graft. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):483-90.,55 Nachiyunde B, Lam L. The efficacy of different modes of analgesia in postoperative pain management and early mobilization in postoperative cardiac surgical patients: a systematic review. Ann Card Anaesth. 2018;21(4):363-70.. No pós-operatório das cirurgias cardiovasculares, o controle da dor torácica pode se tornar um grande desafio. O uso de altas doses de opioides nem sempre é efetivo para um bom controle analgésico e, além disso, pode gerar dependência química, o que confere maior morbidade e gastos33 Brown CR, Chen Z, Khurshan F, Groeneveld PW, Desai ND. Development of persistent opioid use after cardiac surgery. JAMA Cardiol. 2020;17(6):e201445..

A persistência da dor na região torácica devido a uma analgesia ineficaz pode limitar a expansibilidade pulmonar, dessa forma diminuindo a capacidade ventilatória, associando-se a incapacidade funcional, o que dificulta o desmame da ventilação mecânica11 Bugada D, Ghisi D, Mariano ER. Continuous regional anesthesia: a review of perioperative outcome benefits. Minerva Anestesiol. 2017;83(10):1089-100.,22 Barros GF, Silva CS, Granado FB, Costa PT, Límaco RP, Gardenghi G. Respiratory muscle training in patients submitted to coronary arterial bypass graft. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):483-90.. Novas abordagens no controle analgésico dessas cirurgias são importantes para o pós-operatório mais confortável e seguro, possibilitando redução no tempo de ventilação mecânica com melhora da expansão pulmonar55 Nachiyunde B, Lam L. The efficacy of different modes of analgesia in postoperative pain management and early mobilization in postoperative cardiac surgical patients: a systematic review. Ann Card Anaesth. 2018;21(4):363-70..

O BPEE com cateter foi inicialmente utilizado para analgesia de fraturas de múltiplas costelas e controle de dor herpética refratária e apresentou bons resultados no controle analgésico44 Aydin T, Balaban O, Ahiskalioglu A, Alici HA, Acar A. Ultrasound-guided erector spinae plane block for the management of herpes zoster pain: observational study. Cureus. 2019;11(10):e5891.. Essa técnica tem a vantagem de não invadir o neuroeixo, não apresentando contraindicações pela anticoagulação, sendo uma opção promissora no controle da dor pós-operatória das cirurgias cardiovasculares66 Borges DG, Lopes LM, Doca LP, Costa PRRM, Ruzi RA, Mandim BLS. Bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block). Rev Med Minas Gerais. 2019;29(Suppl 11):S16-S19..

O BPEE age pela difusão do anestésico local nos espaços paravertebrais e intercostais. Dependendo do nível de injeção, a difusão pelo espaço paravertebral na direção cefálico-caudal proporciona analgesia de C7-T2 a L4-5, podendo bloquear os nervos espinhais torácicos44 Aydin T, Balaban O, Ahiskalioglu A, Alici HA, Acar A. Ultrasound-guided erector spinae plane block for the management of herpes zoster pain: observational study. Cureus. 2019;11(10):e5891., havendo evidências de que o local de ação dos fármacos é nos ramos dorsal e ventral dos nervos espinhais55 Nachiyunde B, Lam L. The efficacy of different modes of analgesia in postoperative pain management and early mobilization in postoperative cardiac surgical patients: a systematic review. Ann Card Anaesth. 2018;21(4):363-70.,66 Borges DG, Lopes LM, Doca LP, Costa PRRM, Ruzi RA, Mandim BLS. Bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block). Rev Med Minas Gerais. 2019;29(Suppl 11):S16-S19..

O uso do BPEE no tratamento da dor torácica de origem neuropática é recente66 Borges DG, Lopes LM, Doca LP, Costa PRRM, Ruzi RA, Mandim BLS. Bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block). Rev Med Minas Gerais. 2019;29(Suppl 11):S16-S19.,77 Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7.. As complicações relacionadas ao BPEE são raras, e por ser técnica guiada por ultrassonografia, o risco de pneumotórax é diminuído. Complicações raras são a diminuição transitória da força motora quando o anestésico local se difunde para o plexo lombar, quando o bloqueio é realizado nas áreas torácica inferior ou lombar e toxicidade sistêmica do anestésico local, que pode ocorrer com o uso de altos volumes que se disseminam para os espaços paravertebral e intercostal, assim como para músculos ricamente vascularizados66 Borges DG, Lopes LM, Doca LP, Costa PRRM, Ruzi RA, Mandim BLS. Bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block). Rev Med Minas Gerais. 2019;29(Suppl 11):S16-S19..

Nas cirurgias torácicas, a dor pós-operatória é intensa pela esternotomia, retração de costelas, incisão dos músculos da parede do tórax e os drenos, podendo causar inúmeras complicações caso a dor não seja tratada adequadamente77 Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7.

8 Tsui BCH, Fonseca A, Munshey F, McFadyen G, Caruso TJ. The erector spinae plane (ESP) block: a pooled review of 242 cases. J Clin Anesth. 2019;53:29-34.
-99 Romero A, Garcia JEL, Joshi GP. The state of the art in preventing post-thoracotomy pain. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2013; 25(2):116-24.. Para analgesia após cirurgia torácica aberta, há vários relatos e séries de casos com uso bem-sucedido de cateteres para analgesia de toracotomia póstero-lateral99 Romero A, Garcia JEL, Joshi GP. The state of the art in preventing post-thoracotomy pain. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2013; 25(2):116-24..

Em ensaio clínico randomizado1010 Ciftci B, Ekinci M, Celik EC, Tukac IC, Bayrak Y, Atalay YO. Efficacy of an ultrasound-guided erector spinae plane block for postoperative analgesia management after video-assisted thoracic surgery: a prospective randomized study. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;34(2):444-9. comparou-se o consumo de opioides e intensidade de dor após bloqueios de injeção única com grupo de controle tratado de maneira convencional. Houve menor consumo de opioides e menor percepção dolorosa no grupo submetido ao bloqueio, além de menores taxas de náusea ou prurido1010 Ciftci B, Ekinci M, Celik EC, Tukac IC, Bayrak Y, Atalay YO. Efficacy of an ultrasound-guided erector spinae plane block for postoperative analgesia management after video-assisted thoracic surgery: a prospective randomized study. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;34(2):444-9.. Os autores ressaltam que o BPEE atua de maneira adequada como poupador de opioides adequado para pacientes submetidos à cirurgia torácica1010 Ciftci B, Ekinci M, Celik EC, Tukac IC, Bayrak Y, Atalay YO. Efficacy of an ultrasound-guided erector spinae plane block for postoperative analgesia management after video-assisted thoracic surgery: a prospective randomized study. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;34(2):444-9..

Ensaios clínicos randomizados sobre o BPEE guiado por ultrassom são necessários para que se verifique o potencial do BPEE no tratamento da dor pós-operatória de cirurgia cardíaca.

CONCLUSÃO

Este relato evidenciou adequado controle da dor torácica no pós-operatório de cirurgia cardíaca pelo BPEE, possibilitando adequada fisioterapia e melhor recuperação do paciente.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Bugada D, Ghisi D, Mariano ER. Continuous regional anesthesia: a review of perioperative outcome benefits. Minerva Anestesiol. 2017;83(10):1089-100.
  • 2
    Barros GF, Silva CS, Granado FB, Costa PT, Límaco RP, Gardenghi G. Respiratory muscle training in patients submitted to coronary arterial bypass graft. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):483-90.
  • 3
    Brown CR, Chen Z, Khurshan F, Groeneveld PW, Desai ND. Development of persistent opioid use after cardiac surgery. JAMA Cardiol. 2020;17(6):e201445.
  • 4
    Aydin T, Balaban O, Ahiskalioglu A, Alici HA, Acar A. Ultrasound-guided erector spinae plane block for the management of herpes zoster pain: observational study. Cureus. 2019;11(10):e5891.
  • 5
    Nachiyunde B, Lam L. The efficacy of different modes of analgesia in postoperative pain management and early mobilization in postoperative cardiac surgical patients: a systematic review. Ann Card Anaesth. 2018;21(4):363-70.
  • 6
    Borges DG, Lopes LM, Doca LP, Costa PRRM, Ruzi RA, Mandim BLS. Bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block). Rev Med Minas Gerais. 2019;29(Suppl 11):S16-S19.
  • 7
    Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7.
  • 8
    Tsui BCH, Fonseca A, Munshey F, McFadyen G, Caruso TJ. The erector spinae plane (ESP) block: a pooled review of 242 cases. J Clin Anesth. 2019;53:29-34.
  • 9
    Romero A, Garcia JEL, Joshi GP. The state of the art in preventing post-thoracotomy pain. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2013; 25(2):116-24.
  • 10
    Ciftci B, Ekinci M, Celik EC, Tukac IC, Bayrak Y, Atalay YO. Efficacy of an ultrasound-guided erector spinae plane block for postoperative analgesia management after video-assisted thoracic surgery: a prospective randomized study. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;34(2):444-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2020
  • Aceito
    04 Ago 2021
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br