Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação de um instrumento on-line para educação em dor por profissionais de saúde e pacientes com dor musculoesquelética

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

As intervenções educativas via Internet apresentam potencial para facilitar o acesso a informações adequadas para as pessoas com dor. O objetivo deste estudo foi avaliar a opinião de profissionais de saúde e a percepção da compreensão da dor e a modificação de comportamento de pacientes com dor musculoesquelética relacionadas ao instrumento on-line Caminho da Recuperação.

MÉTODOS:

Participaram do estudo profissionais de saúde e pacientes com dor musculoesquelética selecionados pela Internet. Os profissionais julgaram a qualidade do conteúdo do instrumento considerando os conceitos da educação em dor com base em neurociência usando uma escala Likert. As pessoas com dor utilizaram uma escala de 11 pontos (quanto maior o valor, maior a percepção) para avaliar o quanto o instrumento contribuiu para mudança. Os dados foram apresentados por meio da análise descritiva.

RESULTADOS:

Participaram 81 profissionais de saúde e 170 pessoas com dor. Para as pessoas com dor musculoesquelética a percepção do entendimento sobre a dor apresentou o maior valor médio (6,7/10) e o retorno para a atividade física o menor valor médio (5,2/10).

CONCLUSÃO:

O instrumento foi avaliado como excelente por profissionais de saúde em todos os itens. As pessoas com dor perceberam maior mudança para o entendimento da dor, o comportamento e os pensamentos negativos. As menores percepções ocorreram para retorno à atividade diária, aos exercícios e melhora dos relacionamentos.

Descritores:
Dor; Dor crônica; Educação em pacientes; Educação em saúde; Internet; Intervenção remota

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Educational interventions delivered over the Internet have the potential to facilitate access to precise information for people with pain. The aim of this study was to evaluate the opinion of health care professionals and the perception of pain comprehension and the behavior modification of patients with musculoskeletal pain related to the on-line resource "Caminho da Recuperação" (Path of Recovery).

METHODS:

Health care professionals and patients with musculoskeletal pain were selected through the Internet. The professionals judged the quality of the instrument's content considering the concepts of pain education based on neuroscience using a Likert scale. People with pain used an 11-point scale (the higher the value, the greater the perception) to evaluate how the on-line resource contributed to change. Data was presented through descriptive analysis.

RESULTS:

The samples were composed of 81 health care professionals and 170 individuals with pain. In the group composed of people with musculoskeletal pain, the perception of the pain comprehension presented the highest mean value (6.7 / 10) and the return to physical activity the lowest mean value (5.2 / 10).

CONCLUSION:

The on-line resource was rated as excellent by health care professionals in all items. People with pain have noticed a greater shift towards comprehending pain, behavior and negative thoughts. The lowest perceptions occurred in terms of return to daily activity, exercises and improving relationships.

Keywords:
Chronic pain; Health education; Internet; Pain; Patient education; Remote intervention

INTRODUÇÃO

A dor crônica (DC) pode ser considerada um problema de saúde pública com repercussões econômicas e representa um dos principais motivos para a procura dos serviços de saúde11 Henschke N, Kamper SJ, Maher CG. The epidemiology and economic consequences of pain. In: Mayo Clinic Proceedings. Elsevier; 2015.139-47p.,22 Vos T, Barber RM, Bell B, Bertozzi-Villa A, Biryukov S, Bolliger I, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800.. A dor musculoesquelética (DME) acomete pessoas em todas as faixas etárias e contribui para altos níveis de incapacidade22 Vos T, Barber RM, Bell B, Bertozzi-Villa A, Biryukov S, Bolliger I, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800.,33 Mills SEE, Nicolson KP, Smith BH. Chronic pain: a review of its epidemiology and associated factors in population-based studies. Br J Anaesth. 2019;123(2):e273-e283.. No Brasil, a DME crônica é uma das principais causas de aposentadoria por invalidez44 Meziat Filho N, Silva GA. Disability pension from back pain among social security beneficiaries, Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(3):494-502.. Na maioria dos casos, não é possível estabelecer uma causa única, pois a dor é uma experiência individual influenciada não somente por fatores biológicos, mas também por fatores cognitivos, emocionais, comportamentais, ambientais e sociais55 O'Sullivan P. It's time for change with the management of non-specific chronic low back pain. Br J Sports Med. 2012;46(4):224-7..

Em 2015, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) reconheceu a necessidade de ampliar o acesso a serviços especializados e a disponibilidade de informações de automanejo adequadas para pessoas que sofrem com DC66 Nicholas MK. Expanding patients' access to help in managing their chronic pain. Pain. 2015;23(1-8):1-8.. Isto inclui estratégias educativas como a Educação com base em Neurociência da Dor (END)66 Nicholas MK. Expanding patients' access to help in managing their chronic pain. Pain. 2015;23(1-8):1-8., que tem como objetivo reduzir o valor de ameaça provocado pela dor, os pensamentos catastróficos relacionados à dor e o medo relacionado à dor, aumentar a autoeficácia e contribuir para o desenvolvimento de estratégias comportamentais de enfrentamento adequadas66 Nicholas MK. Expanding patients' access to help in managing their chronic pain. Pain. 2015;23(1-8):1-8.. Apesar dos benefícios clínicos relatados na literatura, a END ainda está limitada a serviços especializados para tratamento da dor, sendo necessário aumentar o acesso das pessoas com dor a esses serviços especializados. Uma das maneiras de entregar este conteúdo e aumentar o acesso para as pessoas que sofrem com dor é a utilização de intervenções de forma remota. As intervenções que utilizam a Internet, conhecidas como e-health, contribuem para diminuir barreiras geográficas, diferenças econômicas e estão disponíveis 24h, todos os dias da semana77 McGuire BE, Henderson EM, McGrath PJ. Translating e-pain research into patient care. Pain. 2017;158(2):190-3..

As intervenções educativas e de automanejo para pessoas com DME via internet podem ser um recurso para indivíduos com DC. Estudos88 Eccleston C, Fisher E, Craig L, Duggan GB, Rosser BA, Keogh E. Psychological therapies (Internet-delivered) for the management of chronic pain in adults. Vol. 2014, Cochrane Database Syst Rev. 2014;2014(2):CD010152. destacaram que as intervenções comportamentais via internet foram efetivas para a redução da dor, incapacidade, sintomas de depressão e de ansiedade para condições de DC em adultos. Apesar das evidências atuais, as iniciativas para o desenvolvimento e entrega on-line são escassas no Brasil. O grupo Pesquisa em Dor desenvolveu um instrumento on-line gratuito para facilitar o acesso às informações sobre a dor, assim como estratégias comportamentais e de enfrentamento99 Reis FJJ, Bengaly AGC, Valentim JCP, Santos LC, Martins EF, O'Keeffe M, et al. An E-Pain intervention to spread modern pain education in Brazil. Braz J Phys Ther. 2017;21(5):305-6.. Essa ferramenta foi elaborada por uma equipe composta por fisioterapeutas, psicólogos e estudantes de fisioterapia e se concentra em pontos específicos relacionados à experiência de dor como aceitação, conhecimento sobre a neurofisiologia da dor, higiene do sono, estresse e as emoções negativas, estratégias de enfrentamento, prática de exercícios, comunicação efetiva e como lidar com o aumento dos sintomas.

Este estudo teve como objetivo avaliar a opinião de profissionais de saúde e a percepção da compreensão da dor e a modificação de comportamento de pacientes com dor musculoesquelética relacionadas ao instrumento on-line Caminho da Recuperação.

MÉTODOS

Estudo observacional do tipo transversal que seguiu as recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology1010 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Int J Surg. 2014;12(12):1495-9.. A coleta dos dados ocorreu entre março e agosto de 2019.

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de saúde e pessoas com queixas de DME de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos. O recrutamento dos participantes de ambos os grupos ocorreu por chamadas nas redes sociais como Facebook e Instagram. Os profissionais de saúde deveriam declarar que estavam regularmente registrados em seu conselho profissional e que prestavam cuidados de saúde para pessoas com DME na sua prática clínica. O grupo de pacientes foi composto por pessoas com queixas de DME como dor em músculos, ossos, ligamentos ou articulações. Os participantes de ambos os grupos deveriam ter letramento digital adequado para o acesso ao portal e para preenchimento de um questionário on-line. As respostas incompletas e aquelas que não estavam de acordo com a pergunta foram excluídas. Todos os objetivos e procedimentos da pesquisa foram apresentados aos participantes que, ao concordarem em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os participantes foram convidados a explorar o conteúdo do instrumento on-line disponível no portal do grupo Pesquisa em Dor (www.pesquisaemdor.com.br) e, em seguida, responder um questionário que continha perguntas comuns para ambos os grupos, como os dados de identificação e questões sociodemográficas. Em seguida, o formulário era direcionado para perguntas específicas para os profissionais de saúde ou para as pessoas com DME crônica.

O questionário dos profissionais de saúde teve como objetivo coletar os dados profissionais, a opinião sobre a avaliação do site, incluindo as questões referentes à apresentação do recurso, e o conteúdo das informações. A primeira parte do instrumento foi composta por seis questões relacionadas ao exercício profissional como área de atuação, tempo de profissão, local de trabalho e a familiarização com os conceitos de END. A segunda parte do questionário incluiu 16 perguntas sobre a avaliação da qualidade do conteúdo das informações do instrumento on-line, como: a qualidade do portal, conteúdo e qualidade das informações fornecidas, contato com os autores. Esses itens foram avaliados utilizando uma escala Likert graduada em excelente (5), bom (4), regular (3), ruim (1) e pobre (0)1111 Lins TH, Marin HF. Avaliação de website sobre assistência de enfermagem na sala de recuperação pós-anestésica. Acta Paul Enferm. 2012;25(1):109-15..

O questionário aplicado para as pessoas com dor teve como objetivo caracterizar a dor e verificar a percepção de quanto a intervenção on-line contribuiu para a compreensão da dor, automanejo dos sintomas e modificação de comportamento. O instrumento foi composto por um total de 23 questões. A primeira seção é destinada às questões relacionadas à caracterização da dor, como o tempo de duração, localização, intensidade e questões referente a fatores emocionais, cognitivos e de estilo de vida como ansiedade, estresse, depressão, catastrofização, cinesiofobia, sono, estilo de vida, influência da dor nas suas atividades de vida diária. A segunda, às questões relacionadas a percepção da influência do Caminho da Recuperação no enfrentamento da dor e dos fatores emocionais e comportamentais associados.

A avaliação dos fatores psicossociais relacionados à dor foi realizada pelo Brief Screening Questionnaire (BSQ)1212 Kent P, Mirkhil S, Keating J, Buchbinder R, Manniche C, Albert HB. The concurrent validity of brief screening questions for anxiety, depression, social isolation, catastrophization, and fear of movement in people with low back pain. Clin J Pain. 2014;30(6):479-89., que abrange a avaliação da presença de sintomas de depressão (Durante o último mês você ficou incomodado por sentir-se para baixo, deprimido ou sem esperança? Durante o mês passado você ficou frequentemente incomodado por pouco interesse ou prazer em fazer as coisas?), isolamento social (Você se sente isolado da sociedade?), ansiedade (Você se sente ansioso?), estresse (Você se sente estressado?), cinesiofobia (A atividade física pode me prejudicar. Eu não deveria fazer atividades físicas, pois poderá tornar minha dor pior) e catastrofização (Quando eu sinto dor, é terrível e penso que isso nunca vai melhorar. Quando sinto dor, penso que não vou aguentar mais)1313 Vaegter HB, Handberg G, Kent P. Brief psychological screening questions can be useful for ruling out psychological conditions in patients with chronic pain. Clin J Pain. 2018;34(2):113-21.. O instrumento é formado por nove itens, sendo um item para ansiedade, dois itens para cinesiofobia, um para estresse, um para isolamento social, dois para catastrofização e dois para depressão1212 Kent P, Mirkhil S, Keating J, Buchbinder R, Manniche C, Albert HB. The concurrent validity of brief screening questions for anxiety, depression, social isolation, catastrophization, and fear of movement in people with low back pain. Clin J Pain. 2014;30(6):479-89.,1313 Vaegter HB, Handberg G, Kent P. Brief psychological screening questions can be useful for ruling out psychological conditions in patients with chronic pain. Clin J Pain. 2018;34(2):113-21..

O BSQ apresenta, respectivamente, sensibilidade e especificidade de 80,0 a 78,3% para o domínio ansiedade, 73,3 a 94,7% para o domínio depressão, 81,5 a 81,0% para isolamento social, 88,0 a 91,0% para catastrofização e 86,7 a 93,4% para cinesiofobia1212 Kent P, Mirkhil S, Keating J, Buchbinder R, Manniche C, Albert HB. The concurrent validity of brief screening questions for anxiety, depression, social isolation, catastrophization, and fear of movement in people with low back pain. Clin J Pain. 2014;30(6):479-89.. Para o domínio estresse foi apresentada sensibilidade de 71,2% e especificidade de 70,6%1414 Vaegter HB, Madsen AB, Handberg G, Graven-Nielsen T. Kinesiophobia is associated with pain intensity but not pain sensitivity before and after exercise: an explorative analysis. Physiotherapy. 2018;104(2):187-93.. As questões e a validação do instrumento breve foram realizadas a partir da comparação dos domínios isolados com questionários padrões de referência para cada avaliação. Em cada pergunta pode ser atribuída uma resposta entre zero e 10. O zero representa "nunca ou de modo nenhum", aumentado gradativamente até 10, o qual representa "sempre ou bastante". Para cada domínio foi estabelecido um ponto de corte a partir da análise realizada na curva ROC na validação do questionário, sendo o valor 5 para a caracterização da ansiedade, 4 isolamento social, 8 depressão, 4 catastrofização, 8,5 cinesiofobia1212 Kent P, Mirkhil S, Keating J, Buchbinder R, Manniche C, Albert HB. The concurrent validity of brief screening questions for anxiety, depression, social isolation, catastrophization, and fear of movement in people with low back pain. Clin J Pain. 2014;30(6):479-89. e 7 estresse1414 Vaegter HB, Madsen AB, Handberg G, Graven-Nielsen T. Kinesiophobia is associated with pain intensity but not pain sensitivity before and after exercise: an explorative analysis. Physiotherapy. 2018;104(2):187-93..

A avaliação de como o instrumento on-line contribuiu para a compreensão da dor, automanejo dos sintomas e modificação de comportamento foi composta por 7 questões. Os participantes foram orientados a indicar a sua percepção em uma escala de zero a 10 sendo que quanto maior o valor, maior a percepção que o instrumento contribuiu nesses aspectos.

O protocolo de pesquisa foi previamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) (CAAE: 51506015.4.0000.5268).

Análise estatística

Os dados foram processados e codificados em uma planilha eletrônica do Microsoft Office Excel, versão 2013 para Windows e analisados com uso do Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20 para Mac. Os resultados são apresentados de forma descritiva de acordo com as análises de frequência, tendência central e dispersão.

RESULTADOS

Participaram do estudo 81 profissionais de saúde, sendo 47 (58,0%) do sexo masculino e 34 (42%) do feminino. A maioria tinha somente graduação (n=61; 75,3%), sendo 78 (96,2%) fisioterapeutas, 2 (2,4%) enfermeiros e 1 (1,2%) psicólogo. 32 tinham mais de 10 anos de exercício de profissão (39,5%), 22 (27,2%) tinham de seis a 10 anos e 27 (33,3%) até cinco anos. Em relação aos conceitos, o treinamento em END e em terapia cognitivo comportamental, 64 (79,0%) afirmaram estar familiarizados com os conceitos, 29 (35,8%) relataram ter recebido algum treinamento em END e 21 (25,9%) receberam treinamento para aplicar a terapia cognitivo comportamental em pessoas com DC. A avaliação da intervenção on-line pelos profissionais está disposta na tabela 1.

Tabela 1
Avaliação da intervenção on-line pelos profissionais de saúde (n=81)

No total, 177 indivíduos com dor responderam ao questionário. Sete precisaram ser excluídos devido aos questionários estarem incompletos ou conter resposta incoerente com a pergunta. Entre os 170 participantes, 127 (74%) eram do sexo feminino e 43 (25,3%) do masculino, a maioria da região sudeste do Brasil (n=110; 64%), seguida da região sul (n=22;12,9%) e centro-oeste (n=16; 9,4%). Quanto ao grau de escolaridade, tinham pós-graduação (n=72; 42%), graduação (n=64; 37,6%), segundo grau (n=32; 18%) e primeiro grau (n=2; 1,2%). 147 (86,6%) participantes relataram sentir dor por mais de três meses.

A área do corpo com maior índice de dor foi a coluna (n=118; 69%), seguida dos membros inferiores (n=74; 43%) e membros superiores (n=61; 35%). A intensidade média de dor foi de 5,2±2,62. Em relação a fatores psicossociais, a média dos sintomas de ansiedade foi de 6,3±2,72, dos sintomas de depressão, que inclui as questões "no último mês, você se sentiu frequentemente triste, deprimido ou teve um sentimento de falta de esperança" e "durante o último mês, você se sentiu incomodado ou teve pouco interesse ou prazer em fazer" foi de 5,07±3,58 e 6,14±3,0, respectivamente. A média da percepção de estresse foi de 6,30±0,87, a média do medo relacionado ao movimento foi de 2,63 ±3,14 e a média dos pensamentos catastróficos relacionados a dor foi de 5,07±0,84 (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da dor e dos fatores psicossociais envolvidos na experiência da dor dos participantes com dor musculoesquelética

A tabela 3 apresenta a avaliação de como o instrumento on-line contribuiu para a compreensão da dor, automanejo dos sintomas e modificação de comportamento. Os maiores valores médios foram para as perguntas relacionadas ao entendimento da dor (média = 6,7±2,78), mudança de comportamento (média = 6,6±2,70) e pensamentos negativos (média = 6,1±3,09).

Tabela 3
Avaliação da percepção de como o "instrumento on-line contribuiu para a compreensão da dor, automanejo dos sintomas e modificação de comportamento

DISCUSSÃO

Para os profissionais de saúde, a maior parte dos itens foi avaliada como excelente e nenhum dos itens foi considerado pobre. Pela percepção dos pacientes sobre a utilidade do instrumento, os itens relacionados à compreensão da dor, melhora do comportamento frente à dor e os pensamentos negativos foram os que apresentaram melhores resultados. Já os itens relacionados ao retorno para as atividades do dia a dia, nível de atividade física e relação com as pessoas foram os itens com a pontuação mais baixa.

Apesar dos resultados terem sido considerados de acordo com os conceitos da END e as estratégias de automanejo por parte dos profissionais, a amostra de profissionais foi composta majoritariamente por fisioterapeutas, porque apesar da END não ser exclusiva de nenhuma das profissões da área da saúde, os fisioterapeutas parecem estar mais familiarizados e aplicam a END com maior frequência na sua prática clínica1515 Louw A, Zimney K, Puentedura EJ, Diener I, Adriaan Louw PT, Kory Zimney PT, et al. The efficacy of pain neuroscience education on musculoskeletal pain: A systematic review of the literature. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):332-55.. Já em relação aos pacientes, a percepção em relação ao conteúdo mostrou que o instrumento on-line contribuiu principalmente para melhor entendimento da dor, melhora do comportamento e melhora dos pensamentos negativos. Curiosamente, apesar de os participantes terem julgado que o instrumento ajudou a modificar o comportamento, isso não pareceu ser suficiente para que eles percebessem mudança efetiva com retorno às atividades do dia a dia e atividades físicas. É possível que essa mudança de comportamento percebida esteja mais relacionada com a compreensão da experiência dolorosa, uma vez que o item sobre "o quanto o instrumento ajudou a entender a dor?" foi o que apresentou maior média. De fato, a literatura apresenta evidência de que os conceitos de END devem ser acompanhados de estratégias de exposição às atividades para as modificações nos níveis de incapacidade e no estilo de vida1616 Caneiro JP, Roos EM, Barton CJ, O'Sullivan K, Kent P, Lin I, et al. It is time to move beyond 'body region silos' to manage musculoskeletal pain: five actions to change clinical practice. Br J Sports Med. 2020;54(8):438-9.

17 Wood L, Hendrick P. A systematic review and meta-analysis of pain neuroscience education for chronic low back pain: short-and long-term outcomes of pain and disability. Eur J Pain. 2018;23(2):234-49.
-1818 Watson JA, Ryan CG, Cooper L, Ellington D, Whittle R, Lavender M, et al. Pain neuroscience education for adults with chronic musculoskeletal pain: a mixed-methods systematic review and meta-analysis. J Pain. 2019;20(10):1140.e1-1140.e22..

A evidência de benefício da utilização de recursos on-line e os seus efeitos sobre os desfechos clínicos já são relatados na literatura. O estudo1919 Eccleston C, Palermo TM, Williams A, Lewandowski A, Morley S. Psychological therapies for the management of chronic and recurrent pain in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev. 2009;2(2):CD003968. avaliou a eficácia das terapias psicológicas oferecidas pela Internet e encontrou pequeno tamanho do efeito (SMD = -0,37, IC 95% = -0,59 a -0,15) para o alívio da dor, melhora pós-tratamento nos níveis de incapacidade com tamanho de efeito moderado (SMD=-0,50, IC 95%=-0,79 a -0,20) e tamanho de efeito pequeno para sintomas de depressão e ansiedade (SMD=-0,19, IC 95%=-0,35 a -0,04; SMD=-0,28, IC 95% =-0,49 a -0,06, respectivamente). Outros estudos também encontraram efeitos semelhantes para intensidade da dor2020 Bender JL, Radhakrishnan A, Diorio C, Englesakis M, Jadad AR. Can pain be managed through the Internet? A systematic review of randomized controlled trials. Pain. 2011;152(8):1740-50.

21 Cuijpers P, van Straten A, Andersson G. Internet-administered cognitive behavior therapy for health problems: a systematic review. J Behav Med. 2008;31(2):169-77.
-2222 Macea DD, Gajos K, Calil YAD, Fregni F. The efficacy of web-based cognitive behavioral interventions for chronic pain: a systematic review and meta-analysis. J Pain. 2010;11(10):917-29. e incapacidade2020 Bender JL, Radhakrishnan A, Diorio C, Englesakis M, Jadad AR. Can pain be managed through the Internet? A systematic review of randomized controlled trials. Pain. 2011;152(8):1740-50..

Até o momento, não há estudos no Brasil sobre a avaliação de instrumento on-line para pessoas com dor considerando as informações e os conceitos da END. O instrumento é uma ferramenta gratuita que está disponível para o acesso e pode contribuir como recurso para auxiliar o profissional na sua prática clínica. A disponibilidade de ferramentas de fácil acesso e alta disponibilidade pode auxiliar os profissionais e pacientes em diversas situações. Um exemplo atual foi a necessidade de estratégias remotas para o atendimento das pessoas com dor durante a pandemia do SARS-CoV-2. Assim, o instrumento se torna uma intervenção promissora2323 Fioratti I, Reis FJ, Fernandes LG, Saragiotto BT. A pandemia de COVID-19 e a regulamentação do atendimento remoto no Brasil: novas oportunidades às pessoas com dor crônica. BrJP. 2020;3(2):193-4.,2424 Eccleston C, Blyth FM, Dear BF, Fisher EA, Keefe FJ, Lynch ME, et al. Managing patients with chronic pain during the COVID-19 outbreak: considerations for the rapid introduction of remotely supported (eHealth) pain management services. Pain. 2020;161(5):889-93..

O estudo apresenta limitações, pois não foi possível controlar a frequência ou a duração do acesso dos participantes com dor. Também não foi possível saber se estes pacientes receberam auxílio de algum profissional ou se utilizaram o recurso de modo independente ou se estavam recebendo algum tipo de tratamento para a dor que possa ter influenciado os resultados. A maior parte dos participantes com DME apresentava alta escolaridade em nível de graduação ou pós-graduação. É possível que em pessoas com escolaridade mais baixa os resultados sejam diferentes. Outro fator a ser considerado é que o grupo de profissionais de saúde foi composto majoritariamente por fisioterapeutas, sendo necessário explorar a percepção de outros profissionais de saúde.

Existem algumas lacunas para a prática clínica que precisam ser exploradas em estudos futuros. Este estudo não teve como objetivo testar a efetividade da intervenção. Assim, é necessário que o instrumento on-line seja testado em ensaio clínico como estratégia remota e sejam utilizados desfechos clínicos como intensidade de dor, incapacidade, autoeficácia e outros. Outro ponto que ainda carece de esclarecimento é a necessidade de suporte de um profissional para o uso de recursos on-line de automanejo da dor. Estudos com intervenções on-line baseadas na terapia cognitivo comportamental para distúrbios da saúde mental e transtornos de humor apresentam resultados conflitantes sobre a necessidade ou não do profissional de saúde na utilização de recursos on-line2525 Andersson G, Titov N. Advantages and limitations of Internet-based interventions for common mental disorders. World Psychiatry. 2014;13(1):4-11.. No entanto, isso ainda não está claro para pessoas com dor. Assim, é importante que se identifique o grau de suporte necessário, sem supervisão, com supervisão limitada e com supervisão de intervenções on-line para dor no Brasil em estudos futuros. Outros pontos que ainda precisam ser esclarecidos são a usabilidade e as barreiras que os pacientes podem enfrentar ao utilizar este tipo de recurso, assim como as diferenças nos desfechos comparando níveis de escolaridade e condições socioeconômicas.

CONCLUSÃO

O instrumento on-line foi avaliado como excelente por profissionais de saúde em todos os itens. Para os pacientes, o instrumento contribuiu para o entendimento, o comportamento e a mudança dos pensamentos negativos relacionados à dor. No entanto, os itens relacionados ao retorno à atividade diária, aos exercícios e melhora dos relacionamentos apresentaram menor pontuação.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Henschke N, Kamper SJ, Maher CG. The epidemiology and economic consequences of pain. In: Mayo Clinic Proceedings. Elsevier; 2015.139-47p.
  • 2
    Vos T, Barber RM, Bell B, Bertozzi-Villa A, Biryukov S, Bolliger I, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800.
  • 3
    Mills SEE, Nicolson KP, Smith BH. Chronic pain: a review of its epidemiology and associated factors in population-based studies. Br J Anaesth. 2019;123(2):e273-e283.
  • 4
    Meziat Filho N, Silva GA. Disability pension from back pain among social security beneficiaries, Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(3):494-502.
  • 5
    O'Sullivan P. It's time for change with the management of non-specific chronic low back pain. Br J Sports Med. 2012;46(4):224-7.
  • 6
    Nicholas MK. Expanding patients' access to help in managing their chronic pain. Pain. 2015;23(1-8):1-8.
  • 7
    McGuire BE, Henderson EM, McGrath PJ. Translating e-pain research into patient care. Pain. 2017;158(2):190-3.
  • 8
    Eccleston C, Fisher E, Craig L, Duggan GB, Rosser BA, Keogh E. Psychological therapies (Internet-delivered) for the management of chronic pain in adults. Vol. 2014, Cochrane Database Syst Rev. 2014;2014(2):CD010152.
  • 9
    Reis FJJ, Bengaly AGC, Valentim JCP, Santos LC, Martins EF, O'Keeffe M, et al. An E-Pain intervention to spread modern pain education in Brazil. Braz J Phys Ther. 2017;21(5):305-6.
  • 10
    von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Int J Surg. 2014;12(12):1495-9.
  • 11
    Lins TH, Marin HF. Avaliação de website sobre assistência de enfermagem na sala de recuperação pós-anestésica. Acta Paul Enferm. 2012;25(1):109-15.
  • 12
    Kent P, Mirkhil S, Keating J, Buchbinder R, Manniche C, Albert HB. The concurrent validity of brief screening questions for anxiety, depression, social isolation, catastrophization, and fear of movement in people with low back pain. Clin J Pain. 2014;30(6):479-89.
  • 13
    Vaegter HB, Handberg G, Kent P. Brief psychological screening questions can be useful for ruling out psychological conditions in patients with chronic pain. Clin J Pain. 2018;34(2):113-21.
  • 14
    Vaegter HB, Madsen AB, Handberg G, Graven-Nielsen T. Kinesiophobia is associated with pain intensity but not pain sensitivity before and after exercise: an explorative analysis. Physiotherapy. 2018;104(2):187-93.
  • 15
    Louw A, Zimney K, Puentedura EJ, Diener I, Adriaan Louw PT, Kory Zimney PT, et al. The efficacy of pain neuroscience education on musculoskeletal pain: A systematic review of the literature. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):332-55.
  • 16
    Caneiro JP, Roos EM, Barton CJ, O'Sullivan K, Kent P, Lin I, et al. It is time to move beyond 'body region silos' to manage musculoskeletal pain: five actions to change clinical practice. Br J Sports Med. 2020;54(8):438-9.
  • 17
    Wood L, Hendrick P. A systematic review and meta-analysis of pain neuroscience education for chronic low back pain: short-and long-term outcomes of pain and disability. Eur J Pain. 2018;23(2):234-49.
  • 18
    Watson JA, Ryan CG, Cooper L, Ellington D, Whittle R, Lavender M, et al. Pain neuroscience education for adults with chronic musculoskeletal pain: a mixed-methods systematic review and meta-analysis. J Pain. 2019;20(10):1140.e1-1140.e22.
  • 19
    Eccleston C, Palermo TM, Williams A, Lewandowski A, Morley S. Psychological therapies for the management of chronic and recurrent pain in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev. 2009;2(2):CD003968.
  • 20
    Bender JL, Radhakrishnan A, Diorio C, Englesakis M, Jadad AR. Can pain be managed through the Internet? A systematic review of randomized controlled trials. Pain. 2011;152(8):1740-50.
  • 21
    Cuijpers P, van Straten A, Andersson G. Internet-administered cognitive behavior therapy for health problems: a systematic review. J Behav Med. 2008;31(2):169-77.
  • 22
    Macea DD, Gajos K, Calil YAD, Fregni F. The efficacy of web-based cognitive behavioral interventions for chronic pain: a systematic review and meta-analysis. J Pain. 2010;11(10):917-29.
  • 23
    Fioratti I, Reis FJ, Fernandes LG, Saragiotto BT. A pandemia de COVID-19 e a regulamentação do atendimento remoto no Brasil: novas oportunidades às pessoas com dor crônica. BrJP. 2020;3(2):193-4.
  • 24
    Eccleston C, Blyth FM, Dear BF, Fisher EA, Keefe FJ, Lynch ME, et al. Managing patients with chronic pain during the COVID-19 outbreak: considerations for the rapid introduction of remotely supported (eHealth) pain management services. Pain. 2020;161(5):889-93.
  • 25
    Andersson G, Titov N. Advantages and limitations of Internet-based interventions for common mental disorders. World Psychiatry. 2014;13(1):4-11.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2020
  • Aceito
    15 Mar 2021
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br