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Implantação de protocolo para tratamento farmacológico da dor na criança hospitalizada

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O objetivo deste estudo foi descrever o processo de implantação de protocolo para tratamento da dor na criança hospitalizada, contribuindo com a padronização de estratégias de avaliação e alívio da dor infantil.

MÉTODOS:

Pesquisa Convergente Assistencial norteada pelo Knowledge Translation em unidade pediátrica de um hospital universitário do sul do Brasil. Interação de grupos de convergência com 66 profissionais das equipes médica, de enfermagem e de fisioterapia para a elaboração de estratégias motivacionais para participação do processo de construção coletiva e manutenção do conhecimento sobre dor.

RESULTADOS:

Foram desenvolvidas estratégias com a criação do logotipo #criançasemdor, distribuição de kit personalizado com escalas para avaliação da dor, folder ilustrativo, escalas de dor para as enfermarias, discussões de casos clínicos e criação de página informativa em rede social. Como produtos técnico-científicos, foram elaborados o quadro farmacológico e o Procedimento Operacional Padrão.

CONCLUSÃO:

O processo de construção coletiva favoreceu o envolvimento dos profissionais às estratégias adotadas, fundamentais para que as mudanças possam ser incorporadas na prática. Além disso, o Knowledge Translation demonstrou ser uma ferramenta útil para a melhoria da assistência à criança hospitalizada.

Descritores:
Criança; Dor; Enfermagem pediátrica; Equipe de assistência ao paciente; Manejo da dor.

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The objective of this study was to describe the process of implementing a protocol for treating pain in hospitalized children, seeking to contribute to the standardization of strategies for the assessment and relief of child pain.

METHODS:

Convergent Care Research guided by Knowledge Translation in a pediatric unit of a university hospital in southern Brazil. In interaction with convergence groups with 66 professionals members of the medical, nursing and physiotherapy teams, elaborated motivational strategies for the participation in the collective construction process and maintenance of knowledge about pain.

RESULTS:

The following strategies were developed: creation of the #criançasemdor (#childrenwithoutpain) logo, distribution of a personalized kit with scales for pain assessment, illustrative folder, pain scales for the wards' clipboards, discussions of clinical cases and creation of an informative page on social network. As technical-scientific products, a pharmacological framework and a Standard Operating Procedure were prepared.

CONCLUSION:

The collective construction process favored the involvement of professionals in the adopted strategies, which is fundamental for the changes to be incorporated into practice. In addition, Knowledge Translation has proven to be a useful tool for improving care for hospitalized children.

Keywords:
Child; Pain; Pain management; Patient care team; Pediatric nursing.

INTRODUÇÃO

A dor é reconhecida pela criança hospitalizada como experiência traumática, que pode ser minimizada por estratégias profissionais adequadas11 Costa T, Rossato LM, Bueno M, Secco IL, Sposito NPB, Harrison D, et al. Nurses' knowledge and practices regarding pain management in newborns. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03210.. Seu tratamento depende de ações complexas que envolvem identificação e quantificação conforme o desenvolvimento cognitivo, aplicação de terapêuticas não farmacológicas, uso de fármacos analgésicos seguros e reavaliação constante. Essas ações são desafiadoras e demandam treinamento e qualificação de equipe multiprofissional para a prevenção e controle da dor22 Peirce D, Brown J, Corkish V, Lane M, Wison S. Instrument validation process: a case study using the Paediatric Pain Knowledge and Attitudes Questionnaire. J Clin Nurs. 2016;25(11-12):1566-75.

3 Bice AA, Gunther M, Wyatt T. Increasing nursing treatment for pediatric procedural pain. Pain Manag Nurs. 2014;15(1):365-79.
-44 Faccioli SC, Tacla MT, Rossetto EG, Collet N. O manejo da dor pediátrica e a percepção da equipe de enfermagem à luz do Modelo Sócio Comunicativo da Dor. BrJP. 2020;3(1):37-41..

A dor não tratada ou subtratada pode gerar repercussões na vida do recém-nascido (RN)55 Sposito NPB, Rossato LM, Bueno M, Kimura AF, Costa T, Guedes DMB. Assessment and management of pain in newborns hospitalized in a Neonatal Intensive Care Unit: a cross-sectional study. Rev Lat Am Enfermagem. 2017;12(25):e2931. e da criança devido aos efeitos deletérios sobre o sistema nervoso, nas dimensões cognitivas, emocionais e motoras do desenvolvimento cerebral66 Friedrichsdorf SJ, Giordano J, Desai Dakoji K, Warmuth A, Daughtry C, Schulz CA. Chronic pain in children and adolescents: diagnosis and treatment of primary pain disorders in head, abdomen, muscles and joints. Children (Basel). 2016;3(4):42.,77 Valeri BO, Holsti L, Linhares MB. Neonatal pain and development outcomes in children born preterm: a systematic review. Clin J Pain. 2015;31(4):355-62.. O estímulo álgico precoce pode causar maior sensibilidade à dor durante o desenvolvimento infantil88 Anand KJ, Coskun V, Thrivikraman KV, Nemeroff CB, Plotsky PM. Long-term behavioral effects of repetitive pain in neonatal rat pups. Physiol Behav. 1999;66(4):627-37., evolução para dor crônica ou interferência negativa da criança no contexto social ou mesmo familiar99 Anand KS, Grunau RE, Oberlandeer TF. Developmental character and long-term consequences of pain in infants and children. Child Adoles Psych Clin North Am. 1997;6(4):703-24..

A ausência de avaliações por escalas adequadas para a idade e desenvolvimento infantis e sub-registros em prontuários hospitalares revelam que os profissionais de saúde têm dificuldades para identificação e tratamento apropriados, com subnotificação e desconsideração da dor, mesmo durante e após procedimentos potencialmente dolorosos1010 Candido LK, Tacla MTGM. Assessment and characterization of pain in children: the use of quality indicators. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):526-32.,1111 Linhares MBM, Oliveira NCAC, Doca FNP, Marinez FE, Carlotti APP, Finley GA. Assessment and management of pediatric pain based on the opinions of health professionals. Psychol Neurosci. 2014;7(1):43-53.. Muitas inseguranças e dificuldades decorrem de mitos e práticas não recomendadas pela literatura, que devem ser mais bem explorados e elucidados para preservar o bem-estar durante a hospitalização44 Faccioli SC, Tacla MT, Rossetto EG, Collet N. O manejo da dor pediátrica e a percepção da equipe de enfermagem à luz do Modelo Sócio Comunicativo da Dor. BrJP. 2020;3(1):37-41.,1010 Candido LK, Tacla MTGM. Assessment and characterization of pain in children: the use of quality indicators. Rev Enferm UERJ. 2015;23(4):526-32.,1111 Linhares MBM, Oliveira NCAC, Doca FNP, Marinez FE, Carlotti APP, Finley GA. Assessment and management of pediatric pain based on the opinions of health professionals. Psychol Neurosci. 2014;7(1):43-53..

A hipótese da pesquisa foi que a implantação de um protocolo para tratamento sistematizado da dor em Unidade Pediátrica (UP) baseado em evidências científicas poderia contribuir para padronizar estratégias de avaliação e alívio, aprimorando a atuação dos profissionais para tomarem conduta adequada e segura na dor infantil.

O objetivo desta pesquisa foi descrever o processo de implantação de protocolo para tratamento farmacológico da dor da criança hospitalizada.

MÉTODOS

Estudo desenvolvido em uma UP de hospital universitário público, de nível terciário, do sul do Brasil, que dispõe de 20 leitos de diversas especialidades médicas para crianças de zero a 12 anos incompletos. Os dados foram coletados de março a junho de 2018 por 66 profissionais pediatras, cirurgiões pediátricos, ortopedistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas envolvidos na assistência direta ao paciente. Esses profissionais foram informados sobre os objetivos da pesquisa, procedimentos de coleta de dados, sigilo no tratamento das informações, possíveis riscos e possibilidade de interromper a participação a qualquer momento, sem qualquer prejuízo, assinando, também, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O referencial teórico adotado foi o Knowledge Translation (KT), proposto pelo Canadian Institutes of Health Research, para o processo de implantação de protocolo de tratamento farmacológico da dor infantil, definido como um processo dinâmico e interativo que inclui síntese, difusão, intercâmbio e aplicação eticamente sólida de conhecimento para melhorar a assistência, fornecer serviços e produtos mais eficazes e fortalecer o sistema de saúde1212 Canadian Institutes of Health Research. Guide to Knowledge Translation at CIHR: Integrated and End of Grant Approaches. 2012.. A Síntese é a etapa em que se realiza contextualização e concentração de conhecimentos disponíveis sobre o tema. A Difusão é a fase de identificação do público receptor do conhecimento sintetizado. O Intercâmbio ou Troca é um processo interativo e colaborativo que busca a resolução dos problemas entre pesquisadores e usuários finais das evidências. A Aplicação do conhecimento objetiva melhorias à saúde sob preceitos éticos e valores sociais e legais1313 Oelke ND, Lima MADS, Acosta AM. Knowledge Translation: translating research into policy and practice. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):113-7.. Dessa forma, o conceito, ainda sem tradução padronizada na língua portuguesa, engloba criação e aplicação do conhecimento em benefício da sociedade, direcionando resultados de estudos científicos para melhoria de práticas assistenciais1313 Oelke ND, Lima MADS, Acosta AM. Knowledge Translation: translating research into policy and practice. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):113-7..

Foi criado o grupo de liderança, denominado gestores do KT, com representantes multiprofissionais considerados supervisores/líderes, composto por 2 médicos e 3 enfermeiros, com objetivo de estabelecer metas, treinamentos e padronizações terapêuticas para alívio da dor na criança, conforme demandas do setor, e de monitorar e avaliar o uso dos conhecimentos adquiridos durante e após o processo de implantação do protocolo de tratamento da dor infantil.

Para desenvolvimento desse marco teórico, foi escolhido o modelo "Conhecimento-para-Ação", composto por dois ciclos: criação de conhecimento (ciclo 1) e criação de ação (ciclo 2). Aquele é responsável pela síntese e refinamento do conhecimento, enquanto este pelas fases necessárias à sua aplicação1313 Oelke ND, Lima MADS, Acosta AM. Knowledge Translation: translating research into policy and practice. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):113-7..

Como referencial metodológico, a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA) fez a articulação entre pesquisa e prática para introdução de inovações teorizadas na assistência à saúde a partir da imersão do pesquisador na situação local1414 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. O método da pesquisa convergente assistencial e sua aplicação na prática de enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2017;26(4):e1450017.. A PCA busca transformação e efetivação de novas práticas, balizadas pelo conhecimento teórico-científico, a serem implementadas no serviço de saúde investigado, tendo como objetivo o envolvimento dos profissionais de saúde1414 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. O método da pesquisa convergente assistencial e sua aplicação na prática de enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2017;26(4):e1450017..

Grupos de convergência sobre o tratamento da dor na criança hospitalizada foram implantados em todos os turnos de trabalho. Profissionais que não atuavam diretamente no cuidado ou que estavam afastados durante o período da coleta dos dados foram excluídos. Esses grupos tinham como objetivo desenvolver pesquisa em consonância à prática assistencial clínica e à educação em saúde de modo a encorajar a participação na discussão e construção progressiva de conhecimentos em grupo1515 Lawrence J, Alcock D, McGrath P, Kay J, MacMurray SB, Dulberg C. The development of a tool to assess neonatal pain. Neonatal Netw. 1993;12(6):59-66.. Os encontros foram coordenados pela pesquisadora principal e ocorreram durante o expediente de trabalho em horários e datas preestabelecidos. Foram realizados até quatro encontros com cada grupo, com duração de 45 a 60 minutos cada.

A explicação sobre os objetivos da pesquisa aconteceu no dia do primeiro grupo de convergência, quando foi entregue um kit para cada profissional, composto por porta-crachá retrátil e caneta personalizados com o logotipo #criançasemdor, e um cartão para crachá plastificado com a Neonatal Infant Pain Scale (NIPS)1515 Lawrence J, Alcock D, McGrath P, Kay J, MacMurray SB, Dulberg C. The development of a tool to assess neonatal pain. Neonatal Netw. 1993;12(6):59-66. e a Escala de Faces de Claro (EFC)1616 Rossato LM, Angelo M. Utilizando instrumentos para avaliação da percepção de dor em pré-escolares face a procedimento doloroso. Rev Esc Enferm USP. 1999;33(3):236-49., escalas adotadas na UP desde 2007. O logotipo #criançasemdor foi criado do software online Logomaker 1717 LogoMaker. c2004. Available from: https://www.logomaker.com/pt/
https://www.logomaker.com/pt/...
(Figura 1) com objetivo de dar identidade visual à proposta interventiva.

Figura 1.
Logotipo #criançasemdor

O porta-crachá retrátil seguiu as normas do Centro de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do hospital, contendo as escalas para mensuração da dor permitindo a extensão de até 60 cm para a avaliação da dor pela criança. Assim, o profissional sempre teria os materiais necessários para avaliação da dor de fácil acesso e de forma lúdica, incentivando frequentes reavaliações.

A NIPS foi escolhida por ser indicada para RN, lactentes e crianças incapazes de autorrelatar a dor. É um instrumento multidimensional baseado em cinco indicadores comportamentais e um fisiológico diante do estímulo doloroso, sobretudo da dor aguda1818 Ge X, Tao JR, Wang J, Pan SM, Wang YW. Bayesian estimation on diagnostic performance of Face, Legs, Activity, Cry, and Consolability and Neonatal Infant Pain Scale for infant pain assessment in the absence of a gold standard. Paediatr Anaesth. 2015;25(8):834-9.

19 de Melo GM, Lélis AL, de Moura AF, Cardoso MV, da Silva VM. Pain assessment scales in newborns: integrative review. Rev Paul Pediatr. 2014;32(4):395-402.
-2020 Erkut Z, Yildiz S. The effect of swaddling on pain, vital signs and crying duration during hell lance in newborns. Pain Manag Nurs. 2017;18(5):328-36.. São considerados expressão facial, choro, estado de excitação ou consciência, movimentação de braços e pernas e padrão respiratório2020 Erkut Z, Yildiz S. The effect of swaddling on pain, vital signs and crying duration during hell lance in newborns. Pain Manag Nurs. 2017;18(5):328-36.. A pontuação varia de zero a sete, sendo: zero, ausência de dor; um e dois pontos, dor fraca ou leve; três a cinco pontos, dor moderada; e seis a sete pontos, dor intensa1919 de Melo GM, Lélis AL, de Moura AF, Cardoso MV, da Silva VM. Pain assessment scales in newborns: integrative review. Rev Paul Pediatr. 2014;32(4):395-402.,2020 Erkut Z, Yildiz S. The effect of swaddling on pain, vital signs and crying duration during hell lance in newborns. Pain Manag Nurs. 2017;18(5):328-36.. A EFC foi adotada para crianças com idade igual ou superior a três anos e utiliza o personagem Cebolinha, muito conhecido pelo público infantil, de criação do cartunista brasileiro Maurício de Sousa1616 Rossato LM, Angelo M. Utilizando instrumentos para avaliação da percepção de dor em pré-escolares face a procedimento doloroso. Rev Esc Enferm USP. 1999;33(3):236-49.. É composta por cinco diferentes expressões faciais: sem dor, dor leve, moderada, intensa e insuportável, com pontuação de zero a quatro, respectivamente. Além do caráter lúdico, essa ferramenta adaptada à cultura brasileira possibilita identificação da dor pela própria criança1616 Rossato LM, Angelo M. Utilizando instrumentos para avaliação da percepção de dor em pré-escolares face a procedimento doloroso. Rev Esc Enferm USP. 1999;33(3):236-49..

Nas reuniões dos grupos convergentes foram usados materiais científicos atualizados, nacionais e internacionais de abrangência multiprofissional, sobre identificação, avaliação e tratamento da dor na criança. Esses materiais foram impressos e deixados no setor em local de fácil visibilidade. Aulas expositivas com auxílio de recurso audiovisual foram ministradas para proporcionar reflexão sobre práticas realizadas não baseadas em evidências científicas. Na discussão foram analisados os tópicos conceito da dor2121 International Association for the Study of Pain. [Internet]. IASP Terminology; c1994-. Available from: https://www.iasp-pain.org/Education/Content.aspx?ItemNumber=1698&navItemNumber=576#Pain
https://www.iasp-pain.org/Education/Cont...
, dor como 5º sinal vital2222 Lisboa LV, Lisboa JÁ, Sá KN. Pain relief to legitimate human rights. Rev Dor. 2016;17(1):57-60., classificação da dor em aguda e crônica, características da dor, efeitos da dor não tratada, resposta do estresse à dor, direito legal da criança e do adolescente para o alívio da dor2121 International Association for the Study of Pain. [Internet]. IASP Terminology; c1994-. Available from: https://www.iasp-pain.org/Education/Content.aspx?ItemNumber=1698&navItemNumber=576#Pain
https://www.iasp-pain.org/Education/Cont...
,2222 Lisboa LV, Lisboa JÁ, Sá KN. Pain relief to legitimate human rights. Rev Dor. 2016;17(1):57-60., apresentação das escalas avaliativas da dor infantil NIPS1515 Lawrence J, Alcock D, McGrath P, Kay J, MacMurray SB, Dulberg C. The development of a tool to assess neonatal pain. Neonatal Netw. 1993;12(6):59-66. e de Faces1616 Rossato LM, Angelo M. Utilizando instrumentos para avaliação da percepção de dor em pré-escolares face a procedimento doloroso. Rev Esc Enferm USP. 1999;33(3):236-49. e orientações sobre como e quando aplicá-las, tratamento farmacológico e medidas não farmacológicas utilizadas pelas equipes sem necessidade de prescrição pelo profissional médico. Também foi distribuído um folder ilustrativo que continha as informações direcionadas à prática, e que ressaltava a importância da anotação da intensidade da dor, assim como os momentos em que devia ser avaliada.

Nos encontros subsequentes, as equipes foram capacitadas pela análise de oito casos clínicos com os perfis das crianças assistidas na UP, que continham informações sobre anamnese, exame físico, presença de dispositivos e procedimentos dolorosos, manifestações comportamentais frente ao quadro álgico e apoio farmacológico para alívio da dor. O debate e a análise crítica das situações-problema partiram dos questionamentos: 1. Neste caso, você acredita que há presença ou potencial para a criança sentir dor? 2. O que você identificou para chegar a essa conclusão? 3. Após identificar a presença de dor, qual escala de avaliação de intensidade da dor você deve utilizar? 4. Em quais momentos se deve avaliar a dor? 5. Como tratar essa dor? 6. Como deve ser realizada a anotação sobre a dor?

Foi criada em rede social a página informativa #criançasemdor para compartilhar informações científicas, reportagens e materiais utilizados nas capacitações. Nela, os profissionais de saúde eram estimulados a debater assuntos comuns à prática profissional, além de facilidades e dificuldades advindas dos grupos convergentes, moderados pela pesquisadora principal. Também se tornou meio de divulgação de eventos científicos sobre o tema.

RESULTADOS

Foram sistematizadas as condutas farmacológicas na UP para tratamento da dor partindo de evidências científicas2323 American Academy of Pediatrics. [Internet]. Available from: www.aap.org
www.aap.org...

24 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. 2018. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/bulario-eletronico1,
http://portal.anvisa.gov.br/bulario-elet...
-2525 World Health Organization. WHO Guidelines on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses. 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/pdf/Bookshelf_NBK138354.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK13...
, sendo elaborados três quadros farmacológicos (Tabelas 1, 2 e 3), com fármacos adaptados à realidade nacional e ao hospital. Também foram utilizadas as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) para nortear a farmacoterapia analgésica, que estabelece a estratégia conhecida como escada analgésica2525 World Health Organization. WHO Guidelines on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses. 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/pdf/Bookshelf_NBK138354.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK13...
. Essa sequência terapêutica fornece orientações para analgesia adequada considerando a idade da criança e a intensidade da dor, leve ou moderada a forte. Para as crianças com dor leve, é recomendado paracetamol, ibuprofeno e cetoprofeno como primeira opção; já em crianças com dor moderada a forte, é recomendado o opioide2525 World Health Organization. WHO Guidelines on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses. 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/pdf/Bookshelf_NBK138354.pdf
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.

Tabela 1
Tratamento farmacológico da dor na criança hospitalizada: analgésicos e sedativos2323 American Academy of Pediatrics. [Internet]. Available from: www.aap.org
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24 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. 2018. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/bulario-eletronico1,
http://portal.anvisa.gov.br/bulario-elet...
-2525 World Health Organization. WHO Guidelines on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses. 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/pdf/Bookshelf_NBK138354.pdf
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Tabela 2
Intervalo e indicação de analgésicos e sedativos para tratamento farmacológico da dor na criança hospitalizada2323 American Academy of Pediatrics. [Internet]. Available from: www.aap.org
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24 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. 2018. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/bulario-eletronico1,
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-2525 World Health Organization. WHO Guidelines on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses. 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/pdf/Bookshelf_NBK138354.pdf
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Tabela 3
Intervalo e indicação de antagonistas para tratamento farmacológico da dor na criança hospitalizada2323 American Academy of Pediatrics. [Internet]. Available from: www.aap.org
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24 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. 2018. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/bulario-eletronico1,
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-2525 World Health Organization. WHO Guidelines on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses. 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/pdf/Bookshelf_NBK138354.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK13...

As tabelas impressas em formato banner foram fixadas na sala de procedimentos da UP, local em que foram realizadas intervenções invasivas de diversos níveis de complexidade, inclusive intubação orotraqueal e reanimação cardiopulmonar, e no ambiente em que são realizadas as prescrições médicas, permitindo fácil acesso às opções terapêuticas para tratamento da dor, doses e indicações de acordo com situações específicas. A fácil visualização proporciona lembretes diários sobre a proposta para o combate à dor da criança hospitalizada.

Foi elaborado o Procedimento Operacional Padrão (POP) Sistematização do Manejo da Dor na Criança Hospitalizada, instrumento gerencial imprescindível para processos educativos de assistência e segurança ao paciente (Tabela 4). Nele constam cuidados de qualidade embasados em evidências científicas adaptados à realidade local com atribuições à equipe multiprofissional2626 Sales CB, Bernardes A, Gabriel CS, Brito MFP, Moura AA, Zanetti ACB. Standard Operational Protocols in professional nursing practice: use, weaknesses and potentialities. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):126-34.. O POP aborda tópicos como conceito, finalidade, profissionais responsáveis pela execução, indicação e orientações de como aplicar as escalas de avaliação da dor na criança, momentos de avaliação da dor, tratamento farmacológico e não-farmacológico e orientações de como e quando realizar anotação da dor pelos profissionais.

Tabela 4
Procedimento operacional padrão

Com as estratégias para o aprimoramento individual e coletivo, e com a instrumentalização dos profissionais por meio do banner e do POP, houve melhora na assistência à criança com dor. O profissional prescritor, médico, recebeu condutas guiadas pela avaliação quantitativa da dor e conhecimento pormenorizado das opções terapêuticas. O profissional de enfermagem recebeu subsídios para reconhecimento precoce da nocicepção e suas repercussões para a criança com dor e maior segurança na administração dos fármacos. O fisioterapeuta também recebeu subsídios para reconhecimento precoce da nocicepção e suas repercussões para a criança, assim como informações para a escolha de módulos de atividade física mais adequados para a criança que experimenta a dor.

DISCUSSÃO

O processo de construção coletiva do conhecimento foi executado a partir da interação entre pesquisadora principal e atores/público-alvo para reprodução e consolidação na prática assistencial1212 Canadian Institutes of Health Research. Guide to Knowledge Translation at CIHR: Integrated and End of Grant Approaches. 2012.,2626 Sales CB, Bernardes A, Gabriel CS, Brito MFP, Moura AA, Zanetti ACB. Standard Operational Protocols in professional nursing practice: use, weaknesses and potentialities. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):126-34.. As propriedades elementares do KT foram respeitadas e aplicadas com eficácia da intervenção, tendo em vista os interesses e necessidades dos participantes para tomadas de decisões profissionais sobre o tema1212 Canadian Institutes of Health Research. Guide to Knowledge Translation at CIHR: Integrated and End of Grant Approaches. 2012.,1313 Oelke ND, Lima MADS, Acosta AM. Knowledge Translation: translating research into policy and practice. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):113-7..

A figura da pesquisadora principal como facilitadora foi imprescindível para reconhecimento, aplicabilidade e condução do processo da pesquisa pela equipe de saúde, permitindo relações de referência e confiança necessárias para o êxito da proposta2727 Abreu DMF, Santos EM, Cardoso GCP, Artmann E. Usos e influências de uma avaliação: translação de conhecimento? Saúde Debate. 2017;41(n. spe):302-16.. Os atributos de competência, responsabilidade, domínio científico sobre o tema, comunicação efetiva, escuta ativa e abordagem e proximidade com os profissionais da equipe multiprofissional de saúde são essenciais para estabelecer parcerias, mobilizar os atores envolvidos e motivar o processo de transferência e incorporação dos conhecimentos1313 Oelke ND, Lima MADS, Acosta AM. Knowledge Translation: translating research into policy and practice. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):113-7.,2727 Abreu DMF, Santos EM, Cardoso GCP, Artmann E. Usos e influências de uma avaliação: translação de conhecimento? Saúde Debate. 2017;41(n. spe):302-16..

O processo de construção coletiva envolveu os profissionais nas estratégias adotadas, com sucesso na implantação do protocolo para tratamento da dor da criança hospitalizada, uma vez que as soluções frente às barreiras institucionais foram construídas junto à equipe, respeitando experiências, reflexões e conselhos sobre práticas assistenciais. O método permitiu transformação de ações empíricas para aquelas embasadas em evidências científicas, desmitificando condutas que não favoreciam o cuidado infantil.

A complexidade do KT mostrou-se essencial na consolidação das mudanças. Resultados positivos advêm de dedicação e cumprimento rigoroso e respeitoso das etapas propostas no processo1212 Canadian Institutes of Health Research. Guide to Knowledge Translation at CIHR: Integrated and End of Grant Approaches. 2012.. É uma ferramenta útil para gerir revoluções assistenciais que dependem de muitos atributos das relações humanas2828 Lorenzini E, Banner D, Plamondon K, Oelke N. Um chamado à knowledge translation na pesquisa em enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20190104.. A interligação da evidência científica com a assistência à criança com dor foi alcançada como resultado final do processo metodológico.

A seleção, criação e elaboração dos diferentes tipos de estratégias motivacionais preconizadas pelo KT a partir do grupo gestor, em concomitância à integração da equipe multidisciplinar, representaram as principais potencialidades desta pesquisa. Apesar do impacto na prática assistencial, a sustentabilidade dessas transformações provocadas representa a principal limitação do estudo. Cabe aos integrantes da pesquisa envolvimento e interesse em participar de forma assídua no processo de construção coletiva do conhecimento, bem como plica-lo cotidianamente no cenário assistencial, conscientes da importância das condutas profissionais embasadas em evidências científicas2626 Sales CB, Bernardes A, Gabriel CS, Brito MFP, Moura AA, Zanetti ACB. Standard Operational Protocols in professional nursing practice: use, weaknesses and potentialities. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):126-34..

CONCLUSÃO

A implantação do protocolo para tratamento da dor infantil foi baseada no referencial teórico KT, que possibilita usar a mesma estratégia em qualquer UP respeitando suas peculiaridades para que mais crianças possam, quando internados em hospital, ter adequado alívio da dor, reduzindo traumas e efeitos negativos no seu desenvolvimento.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2020
  • Aceito
    06 Abr 2021
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