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Pessoas com amputação e relato de dor musculoesquelética apresentam redução da atividade elétrica das ondas cerebrais Alpha: estudo transversal

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A amputação acarreta quadros clínicos associados, como a dor musculoesquelética (DME), que causa sofrimento e interfere na vida do paciente. Por isso, o desenvolvimento de métodos diagnósticos para mensurar essas alterações são incentivados, como a eletroencefalografia quantitativa (EEGq). O objetivo deste estudo foi comparar o padrão eletroencefalográfico das ondas cerebrais Alpha (8-12 Hz) em pessoas com amputação com DME não relacionada à dor no membro fantasma e sem DME.

MÉTODOS:

Estudo realizado entre janeiro e fevereiro de 2022, com 20 pessoas com amputação divididas igualmente em dois grupos (Grupo Controle e Grupo com relato de DME não relacionada ao segmento amputado). Avaliou-se intensidade e interferência da dor (Inventário Breve de Dor), presença de sinais e sintomas de sensibilização central (SC) (Inventário de SC) e a EEGq (avaliados com olhos abertos) com análise espectral para medir a amplitude da onda Alpha, standardized Low Resolution brain electromagnetic Tomography (sLORETA) para identificar o local de geração diferencial da referida onda e Phase-Amplitude Coupling (PAC) para identificar sua interação com ondas rápidas.

RESULTADOS:

As pessoas com amputação e relato de DME apresentaram baixa gravidade e interferência de dor. Não se identificou diferença entre os indivíduos em relação a presença de sinais e sintomas associados à SC. Quanto à atividade elétrica, o Grupo Dor apresentou menor amplitude da onda Alpha em relação ao Grupo Controle (p=0,01), especificamente na região parieto-occipital.

CONCLUSÃO:

Pessoas com amputação e relato de DME não relacionada ao membro fantasma apresentaram atividade elétrica (ativação) reduzida da onda cerebral Alpha no córtex sensorial.

Descritores:
Amputados; Dor musculoesquelética; Eletroence-falografia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Amputation causes associated clinical conditions, such as musculoskeletal pain (MSP), which causes sufering and interferes in the patient’s life. Therefore, the development of diagnostic methods to measure these changes are encouraged, such as quantitative electroencephalography (qEEG). The aim of the study was to compare the electroencephalographic pattern of Alpha brain waves (8-12 Hz) in individuals with amputation with MSP unrelated to phantom limb pain and without MSP.

METHODS:

Study conducted between January and February 2022, with 20 people with amputations divided equally into two groups (Control Group and with MSP report not related to the amputated segment). Pain intensity and interference were evaluated (Brief Pain Inventory), as well as the presence of central sensitization (CS) signs and symptoms (CS inventory) and qEEG (assessed with eyes open) with spectral analysis to measure the amplitude of the Alpha wave, standardized Low Resolution brain electromagnetic Tomography (sLORETA) to identify the differential generation site of said wave and Phase-Amplitude Coupling (PAC) to identify its interaction with fast waves.

RESULTS:

People with amputation and MSP reported mild pain severity and interference. No diference was identifed between individuals regarding the presence of signs and symptoms associated with CS. Regarding electrical activity, the Pain Group had lower Alpha wave amplitude compared to the Control Group (p=0.01), specifically in the parieto-occipital region.

CONCLUSION:

People with amputation and reported MSP unrelated to the phantom limb had reduced electrical activity (activation) of the Alpha brain wave in the sensory cortex.

Keywords:
Amputees; Electroencephalography; Musculoskeletal pain

INTRODUÇÃO

A amputação é conceituada como retirada total ou parcial de um membro, sendo este o tratamento para diversas condições clínicas graves11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à pessoa amputada / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas [Diretriz Online]. 1nd ed. 1 reimp. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. 1-38p. [Acesso em 05 fev 2022]. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_pessoa_amputada.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
, como acidentes de trânsito ou trabalho, câncer e diabetes mellitus22 Barbosa BMB, Monteiro RA, Sparano L F, Bareiro RFN, Passos ADC, Engel EE. Incidence and causes of lower-limb amputations in the city of Ribeirão Preto from 1985 to 2008: evaluation of the medical records from 3,274 cases. Rev Bras Epidemiol. 2016;19(2):317-25.. Em 2019, no Brasil, observou-se incidência de 5,06 a 27,15 amputações por 100.000 habitantes33 Ministério Da Saúde. Portal da Saúde. TabNet DataSUS [acesso em 20 fev 2022]. NORDIC SEMICONDUCTOR. nRF24LE1: Ultra-low Power Wireless System On-ChipSolution. ReVision, n. August, 2010. Disponível em: 1. <http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02>.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
, sendo predominante no sexo masculino e, portanto, deve ser considerada como um problema de saúde pública nacional44 Spichler D, Miranda J F, Spichler ES, Franco LJ. Major lower extremity amputations related to peripheral arterial disease and diabetes mellitus in the city of Rio de Janeiro. J Vasc Bras. 2004;3(2):111-22.. As pessoas com amputações podem sofrer mudanças funcionais, psicológicas e sociais55 Ostler C, Ellis-Hill C, Donovan-Hall M. Expectations of rehabilitation following lower limb amputation: a qualitative study. Disabil Rehabil. 2014;36(14):1169-75., acarretando quadros clínicos de depressão, estresse, isolamento social, distúrbios do sono e dor66 Gozaydinoglu S, Hosbay Z, Durmaz H. Body image perception, compliance with a prosthesis and cognitive performance in transfemoral amputees. Acta Orthop Traumatol Turc. 2019;53(3):221-5..

A dor é uma experiência que, até mesmo em intensidade baixa ou moderada, pode evocar sofrimento extremo, interferindo na vida e nos relacionamentos diários77 Siler S, Borneman T, Ferrell B. Pain and sufering. seminars in oncology nursing. 2019;35(3):310-4.,88 Silva AL, Smaidi K, Pires MHR, Pires OC. Prevalence of chronic pain and associated factors among medical students. Rev Dor. 2017;18(2):108-11.. As pessoas com amputações podem apresentar dor no membro fantasma, dor no membro remanescente ou dor musculoesquelética (DME) em outras regiões corporais99 Ephraim PL, Wegener ST, MacKenzie EJ, Dillingham TR, Pezzin LE. Phantom pain, residual limb pain, and back pain in amputees: results of a national survey. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(10):1910-9.. Além disso, é relevante considerar na avaliação clínica a condição envolvida dos pacientes, como a causa (exemplo: diabetes, trauma, dentre outros), o local de amputação (desarticulação ou transóssea) e a presença de DME pré-amputação, pois contribui para o relato de dor1010 Stankevicius A, Wallwork SB, Summers SJ, Hordacre B, Stanton TR. Prevalence and incidence of phantom limb pain, phantom limb sensations and telescoping in amputees: A systematic rapid review. Eur J Pain. 2021;25(1):23-38.. Em indivíduos com amputações, o risco de DME autorreferida aumenta e o uso de prótese parece não prevenir esse episódio. Após amputação, o membro residual recebe maiores cargas, apresentando movimentos compensatórios e transferência de funções, o que pode gerar dor musculoesquelética em outras regiões do corpo99 Ephraim PL, Wegener ST, MacKenzie EJ, Dillingham TR, Pezzin LE. Phantom pain, residual limb pain, and back pain in amputees: results of a national survey. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(10):1910-9.,1111 Ostlie K, Franklin RJ, Skjeldal OH, Skrondal A, Magnus P. Musculoskeletal pain and overuse syndromes in adult acquired major upper-limb amputees. Arch Phys Med Rehabil. 2011;92(12):1967-73.e1..

A ciência e a tecnologia têm avançado nos últimos anos, desenvolvendo métodos diagnósticos, como a eletroencefalografia (EEG), voltados à avaliação e reabilitação de pessoas com amputações1212 Idowu O P, Ilesanmi AE, Li X, Samuel OW, Fang P, Li G. An integrated deep learning model for motor intention recognition of multi-class EEG Signals in upper limb amputees. Computer Methods and Programs in Biomedicine. 2021;206:106121., 1313 Li X, Samuel OW, Zhang X, Wang H, Fang P, Li G. A motion-classification strategy based on sEMG-EEG signal combination for upper-limb amputees. J Neuroeng Rehabil. 2017;14(1):2., 1414 Hasan SMS, Siddiquee MR, Atri R, Ramon R, Marquez JS, Bai O. Prediction of gait intention from pre-movement EEG signals: a feasibility study. J Neuroeng Rehabil. 2020;17:50(1):1-16., 1515 Abiri R, Borhani S, Sellers E W, Jiang Y, Zhao X. A comprehensive review of EEG-based brain-computer interface paradigms. J Neural Eng. 2019;16(1):011001..

A EEG registra ondas cerebrais, tais como a Alpha (8-12 Hz), a qual está relacionada ao controle da dor, estímulo sensorial e memória de trabalho; a Beta (13-15 Hz), onda de trabalho envolvida no ritmo sensório-motor, memória de reconhecimento e tarefas (motoras e cognitivas); Teta (4-7 Hz), relacionada à consolidação da memória e estados iniciais do sono; Delta (1-4 Hz), relacionada ao sono; e Gama (33-44 Hz), que tem envolvimento com o processamento de informação atencional, percepção consciente e memória de longo prazo1616 Gonçalves O F, Boggio PS. Neuromodulação autorregulatória: princípios e prática. São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2016.,1717 Santos-Júnior FFU, Santana JR. A relação entre memória e aprendizado motor e o perfil de ondas cerebrais. In: Vasconcelos JG, Xavier AR. Pesquisas Pós-Doutorais em História e Memória da Educação. Fortaleza: Imprece, 2018:37-48..

O cérebro possui capacidade de se reorganizar após mudanças, assim como na amputação, que gera alterações nas funções cerebrais por meio do fenômeno chamado plasticidade cerebral pós-amputação, o qual pode estar restrito a um remapeamento local1818 Stankevicius A, Wallwork SB, Summers SJ, Hordacre B, Stanton TR. Prevalence and incidence of phantom limb pain, phantom limb sensations and telescoping in amputees: A systematic rapid review. Eur J Pain. 2021;25:23-38. ou em diversas regiões corticais1919 Bao BB, Zhu HY, Wei H F, Li J, Wang ZB, Li YH, Hua XY, Zheng MX, Zheng XY. Altered intra- and inter-network brain functional connectivity in upper-limb amputees revealed through independent component analysis. Neural Regen Res. 2022;17(12):2725-9., apresentando manifestações clínicas, como alterações emocionais e cognitivas, além da dor2020 Makin TR, Flor H. Brain (re)organisation following amputation: Implications for phantom limb pain. Neuroimage. 2020;218:116943.. Estudos com o objetivo de investigar sobre os locais que apresentam essas alterações de atividades cerebrais em pessoas com amputação elegem a eletroencefalografia quantitativa (EEGq) como o melhor instrumento avaliativo por possuir imagem temporal com maior qualidade2121 Lyu Y, Guo X, Wang Z, Tong S. Resting-state EEG network change in alpha and beta bands after upper limb amputation. Annu Int Conf IEEE Eng Med Biol Soc. 2016;2016:49-52.. A EEG, tecnologia que faz investigação temporal e espacial através de imagens, auxilia na compreensão da atividade elétrica de estruturas encefálicas que participam do processamento e percepção da dor2222 Wiech K, Preissl H, Birbaumer N. Neuroimaging of chronic pain: phantom limb and musculoskeletal pain. Scand J Rheumatol Suppl. 2000;113:13-8.. No que se refere à dor, a EEG pode ser usada para diagnóstico e tratamento2323 Fitzgibbon BM, Enticott PG, Giummarra MJ, Tomson RH, Georgiou-Karistianis N, Bradshaw JL. Atypical electrophysiological activity during pain observation in amputees who experience synaesthetic pain. Soc Cogn Afect Neurosci. 2012;7(3):357-68.,2424 Vase L, Egsgaard LL, Nikolajsen L, Svensson P, Jensen TS, Arendt-Nielsen L. Pain catastrophizing and cortical responses in amputees with varying levels of phantom limb pain: a high-density EEG brain-mapping study. Exp Brain Res. 2012;218(3):407-17.. Entretanto, ainda existe na literatura uma lacuna de como pessoas com amputação apresentam sua função encefálica em condições de DME, que não estejam relacionadas ao segmento corporal amputado, conhecida como a dor no membro fantasma. Este pode ser um aspecto importante para o suporte no desenvolvimento de novas tecnologias para essa população, especialmente quando já se sabe que pessoas com amputação apresentam alterações na conectividade cerebral, indicando plasticidade1919 Bao BB, Zhu HY, Wei H F, Li J, Wang ZB, Li YH, Hua XY, Zheng MX, Zheng XY. Altered intra- and inter-network brain functional connectivity in upper-limb amputees revealed through independent component analysis. Neural Regen Res. 2022;17(12):2725-9.. Portanto, o objetivo do presente estudo foi comparar o padrão eletroencefalográfico das ondas Alpha em pessoas com amputação com e sem DME não relacionada à dor no membro fantasma.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal comparativo, com base em estratégia de análise secundária de dados quantitativos, realizada de acordo com as diretrizes delineadas pelo STrengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), podendo ser acessada em: https://www.strobe-statement.org/2525 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Revista de Saúde Pública [online]. 2010;44(3):559-565..

O estudo foi realizado no Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Dell (Ceará-Brasil) no período de janeiro a fevereiro de 2022, mediante aprovação do Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará com o parecer nº 5.136.501, sob o protocolo CAAE 51751021.4.0000.5534. Os voluntários assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participarem do estudo.

Os indivíduos que entraram na amostra foram selecionados por conveniência e contatados por telefone em clínicas, projetos sociais e universidades do estado do Ceará. A população era composta por pessoas que apresentavam amputação do tipo unilateral de membro inferior por trauma, acidentes, tiro por arma de fogo e câncer. Foram incluídos 20 indivíduos adultos, entre 18 e 50 anos, altura 1,55 a 1,75 m, peso máximo de ±100 kg de ambos os sexos, saudáveis, sem doenças vasculares associadas (por exemplo: distúrbios de coagulação e diabetes descompensada) e com pressão arterial classificada como normotensão (120/80 mmHg ou até ≤139/89 mmHg)2626 Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016;107(3):Suppl. 3:1-103..

Os participantes foram divididos em dois grupos, Grupo Controle (n=10), composto por pessoas com amputação, mas sem relato de DME e o Grupo Dor (n=10), composto de pessoas com amputação e com relato de DME, em uma amostra de conveniência. A dor no membro fantasma não foi considerada DME para o presente estudo e ambos os grupos tinham participantes com relato de dor no membro fantasma. Além disso, o período de amputação deveria ser de, no mínimo, um ano. Para os que estavam plenamente protetizados, o processo deveria ter sido finalizado no mínimo há seis meses. Como critérios de exclusão, considerou-se amputados com pressão arterial com valores ≥140/90 mmHg, classificados com hipertensão2626 Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016;107(3):Suppl. 3:1-103., alterações vasculares (histórico de tromboembolismo pulmonar ou venoso, ruptura de aneurisma há menos de 1 ano) e/ou distúrbios cognitivos (Alzheimer e/ou Parkinson em fase avançada) que limitassem, de modo decisivo, suas respostas aos questionários aplicados, assim como síndrome do pânico, crises de ansiedade ou depressão no decorrer da avaliação, ou indivíduos com prejuízos relevantes na fala que impossibilitem sua comunicação/compreensão plena durante os testes com EEGq.

Aspectos sociodemográficos

Para coleta de informações pessoais, foi utilizado um formulário para anamnese com perguntas para conhecer o perfil dos respondentes contendo dados como nome, sexo, idade, informações sobre tempo, causa e lado de amputação, peso, altura e índice de massa corpórea (IMC). Para a classificação do estado antropométrico dos voluntários, foram adotados os pontos de corte para IMC: IMC <18,5 kg/m2 (baixo peso); IMC >18,5 até 24,9 kg/m2 (eutrofa); IMC ≥25 até 29,9 kg/m2 (sobrepeso); e IMC >30,0 kg/m2 (obesidade). Os participantes foram questionados sobre relato de DME na última semana em áreas corporais. Vale salientar que, para este estudo, o fator de temporalidade da dor e, por consequência, sua classificação (aguda ou crônica) não foi abordado, considerando, por fim, a dor de forma ampla. Além disso, foi perguntado se o voluntário sentia dor no membro fantasma.

Inventário Breve de Dor (Brief Pain Inventory - BPI)

O BPI consiste em nove itens dispostos em duas dimensões: intensidade da dor (itens 3 a 6) e interferência da dor (impacto) na vida do paciente (itens 9a à 9g). O BPI solicita que os pacientes classifquem sua intensidade da dor e a interferência da dor (com atividades gerais, humor, capacidade de caminhar, trabalho normal, relacionamentos com outras pessoas, sono e prazer da vida) em uma escala de 11 pontos, variando de 0 (sem dor / sem interferência) a 10 (pior dor possível). Uma pontuação alta representa alta intensidade ou interferência da dor. Este instrumento apresenta duas dimensões, intensidade da dor e interferência da dor, com α de Cronbach de 0,91 e 0,87, respectivamente2727 Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11..

Inventário de Sensibilização Central (Central Sensitization Inventory Brazilian Portuguese - CSI-BP)

O CSI-BP permite a identificação e o rastreamento de sinais e sintomas associados com a sensibilização central (SC) e é dividido em duas partes: A e B. A parte A contém 25 perguntas relacionadas aos sintomas de saúde atual. Cada item é medido com cinco opções de resposta, com a seguinte escala de classificação numérica: nunca (0), raramente (1), às vezes (2), frequentemente (3) e sempre (4). A pontuação é cumulativa e varia de 0 a 100. A parte B é utilizada para identificar outros distúrbios diagnosticados que podem indicar um sinal adicional a SC, porém esta parte não recebe pontuação, podendo ser usada para análise qualitativa2828 Kregel J, Vuijk PJ, Descheemaeker F, Keizer D, Van Der Noord R, Nijs J, et al. The Dutch Central Sensitization Inventory (CSI). Factor Analysis, Discriminative Power, and Test-Retest Reliability. Clin J Pain. 2016;32(7):624-30..

Este inventário foi validado e adaptado para língua portuguesa do Brasil e mostra o perfil de precisão usando um ponto de corte de 35, sensibilidade de 0,98 e especificidade de 0,9 com uma Area Under the Curve (AUC) de 0,8 (IC 95% - 0,76-0,86). Esses achados mostraram que, de acordo com este ponto de corte, o CSI-BP foi classificado corretamente em mais de 90% daqueles que apresentaram sinais e sintomas de SC2929 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, et al. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22.. Ressalta-se que neste estudo se utilizou para análise de dados somente a parte A deste inventário.

Eletroencefalografia quantitativa (EEGq)

Estratégia para aquisição de dados

O exame foi realizado com o participante sentado em uma poltrona confortável, de frente para uma parede branca e orientado a permanecer nessas condições durante 10 minutos realizando o mínimo de movimento. Foi então colocada uma touca de material Neoprene, com 24 eletrodos de prata 950 acoplados e dispostos em áreas específicas de acordo com o sistema internacional 10-203030 Montenegro MA, Cendes F, Guerreiro MM, Guerreiro CAM. EEG na prática clínica. 3nd ed. Rio de Janeiro: Tieme Revinter Publicações; 2018. 424p.. Para viabilizar a condução dos sinais elétricos cerebrais do escalpo até os eletrodos, utilizou-se um gel de carbopol (2%). Os dados eletroencefálicos de cada participante foram coletados pelo período total de 10 minutos, e após a coleta foi retirada a touca e encerrado o experimento para o referido participante.

O aparelho de EEGq utilizado para realizar a gravação do mapeamento cerebral foi um amplificador da iCelera® (São Paulo, São Paulo, Brasil), modelo iBlue 52 (taxa de amostragem de 512 e 12bits). Para a coleta de dados, foi usado o software iCelera®. As configurações do EEGq selecionadas para coleta dos dados foram 20 canais de montagem média, aterramento e rede em modo padrão, com fltro banda de passagem de 0,5 Hz a 50 Hz. Posteriormente, os dados foram processados e exportados pelo software iCelera® em arquivos no modelo Formato Europeu de Dados (EDF). Todas as análises do EEGq foram realizadas com os olhos abertos (OA) dos avaliados, mimetizando a condição de indivíduo acordado, de modo habitual. Condições com olhos fechados (simulando sono) ou executando tarefas específicas (como leituras, por exemplo) não foram avaliadas.

Análise dos dados de EEGq:

Após coleta de dados no software da iCelera®, foi realizada inspeção visual em todos os dados, utilizando o software Biolucida® (BioNeuro & Lucida, Fortaleza, Ceará, Brasil) versão beta. Nesta aplicação, utilizou-se montagem laplaciana para melhorar a qualidade do traçado e corrigir a polaridade do EEGq3131 Kayser J, Tenke CE. Issues and considerations for using the scalp surface Laplacian in EEG/ERP research: A tutorial review. Int J Psychophysiol. 2015;97(3):189-209. de modo automatizado dentro do sistema Biolucida® (BioNeuro & Lucida). Ao utilizar a montagem laplaciana, os eletrodos passam a apresentar a mesma polaridade em todos os pontos em relação ao eletrodo tido como referência. Este fato proporciona dados com menor interferência. Além disso, implementou-se o algoritmo de análise de componentes independentes ICA (MaxICA) e, com isso, foi realizada a remoção de artefatos registrados, como contrações musculares involuntárias, movimentos oculares entre outros.

Posteriormente, realizou-se ainda uma nova inspeção visual para eventuais necessidades de cortes manuais de artefatos que persistiram no sinal. Os dados foram padronizados pelo tempo de 500 segundos e foi utilizado um fltro passa banda de 1,5 Hz – 50 Hz. Em seguida, o software extraiu tabelas de dados de qEEG, frequência dominante e frequência média em cada um dos 20 eletrodos registrados. As frequências das ondas cerebrais analisadas foram: Alpha 1 (8-10 Hz), Apha 2 (10-12mHz) e onda Alpha total (8-12 Hz).

Ao selecionar o arquivo EDF com o pré-processamento, os dados foram inseridos no sistema BRAINSTORM®3232 Tadel F, Baillet S, Mosher JC, Pantazis D, Leahy RM. Brainstorm: a user-friendly application for MEG/EEG analysis. Comput Intell Neurosci. 2011;2011:879716:1-13. (Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos) para realização dos cálculos de grupos (gerando um dado de cada grupo). Após esta etapa, foi conduzida a geração do arquivo Acoplamento fase-amplitude (Phase-Amplitude Coupling - PAC)3333 Samiee S, Donoghue T, Tadel F, Baillet S. Phase-Amplitude Coupling [acesso em 05 fev 2022]. Disponível em : https://neuroimage.usc.edu/brainstorm/Tutorials/TutPac.
https://neuroimage.usc.edu/brainstorm/Tu...
dos grupos e o Arquivo sLORETA (standardized Low Resolution brain electromagnetic Tomography) (Loreta Padronizada)3434 Pascual-Marqui RD. Standardized low-resolution brain electromagnetic tomography (sLORETA): technical details. Methods Find Exp Clin Pharmacol. 2002;24(Suppl D:5-12):1-16. dos grupos, com uma análise apenas do canal Pz (região parietal central do cérebro), pois foi a região mais ativa na análise topográfica. A análise do PAC foi conduzida por um acoplamento entre a onda Gamma (acima de 30 Hz) e uma faixa correspondente às ondas Teta (4-8 Hz)/Alpha (8-12 Hz). Por intermédio desses dados, as comparações entre as informações dos grupos com amputados foram realizadas no próprio sistema Brainstorm®3232 Tadel F, Baillet S, Mosher JC, Pantazis D, Leahy RM. Brainstorm: a user-friendly application for MEG/EEG analysis. Comput Intell Neurosci. 2011;2011:879716:1-13..

Análise estatística

Os dados foram descritos como média e desvio padrão ou como frequência absoluta e percentual, de acordo com os tipos de dados a serem apresentados. Previamente a comparação entre os grupos, um teste de normalidade de Shapiro-Wilk foi conduzido e as ondas alpha não apresentaram distribuição normal. Foram considerados todos os 20 canais de cada grupo com 10 pessoas para a obtenção da resposta de Alpha, o que totalizou 200 pontos mensurados em cada grupo. Esses dados foram comparados com o teste de Mann-Whitney por meio do software estatístico Graphpad Prism 9.0 para MAC OS X e a significância estatística foi definida com p<0,05.

RESULTADOS

Participaram do estudo um total de 20 indivíduos com amputação de membro inferior, sendo 10 pessoas no Grupo DME e 10 no Grupo Controle (ausência de dor). As características sociodemográficas estão apresentadas na Tabela 1. O Grupo Controle foi composto por 9 (90%) indivíduos do sexo masculino, com média de idade de 37 anos com IMC classificado como sobrepeso. A presença de dor no membro fantasma foi relatado por 6 (60%) pessoas deste grupo. Já no Grupo Dor, 5 participantes (50%) eram do sexo masculino, com média de idade de 35 anos e com eutrofa no seu IMC. A dor no membro fantasma neste grupo foi identificada em 9 (90%) participantes. Com relação à prática de atividade física e à frequência semanal dessa atividade, foram observadas respostas similares em ambos os grupos.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e avaliativa dos pessoas com amputação (n=20).

Na medida de SC por meio do CSI-BP, indivíduos que sentiam DME apresentaram média do escore total de 23,40 (7,32) (de 0 a 100 pontos) e o Grupo Controle apresentou pontuação média de 15,8 (10,26) como escore total, de modo que não houve diferença entre os grupos em relação a presença de sinais e sintomas de SC (p=0,07). Nenhum indivíduo apresentou diagnóstico de condições clínicas, sugeridas no CSI-BP parte B, que pudessem potencializar a SC.

Os domínios de gravidade e intensidade da dor identificados com o uso do questionário BPI no grupo de pessoas com dor foram caracterizados como de forma leve. Salienta-se que a DME identificada na amostra não era relacionada à dor no membro fantasma, pois ambos os grupos apresentavam relatos de dor no membro fantasma (Tabela 1). Além disso, quando questionados sobre áreas corporais acometidas, os indivíduos afirmaram, predominantemente, sentir DME em regiões como quadris/coxas, pescoço e parte inferior das costas.

A análise das ondas cerebrais Alpha (8-12 Hz) em todo o cérebro analisado mostrou que o grupo controle apresentou atividade elétrica média de 48,02 µV (12,87), enquanto o Grupo Dor apresentou atividade elétrica média de 44,44 µV (12,03), com diferença de 7,5% de atividade total da onda Alpha entre os grupos (p=0,01). Na comparação entre os grupos, foi identificado ainda o local da redução da onda Alpha, na região posterior do encéfalo (lobo occipital), à direita do cérebro, do grupo com dor. Ainda, de modo descritivo, os locais de geração da onda Alpha no encéfalo podem ser observados na Figura 1, enquanto a distribuição topográfica dessa mesma onda no cérebro pode ser observada na Figura 2.

Figura 1
Eletroencefalografia quantitativa das atividades cerebrais da Onda Alpha dos grupos: (A) sem dor e (B) com Dor (C) diferença entre os grupos: redução da onda Alpha na região posterior à direita do cérebro de pessoas com amputação com dor musculoesquelética em relação as pessoas do Grupo Controle. As setas com numeração 1 indicam maior a geração de Alpha, já as setas com numeração 2 sugerem menor a geração de Alpha.

Figura 2
Análise topográfica cerebral por EEGq das atividades elétricas da onda Alpha das pessoas com amputação: (A) sem dor, (B) com dor, (C) diferença entre os grupos: redução na região occipital. A seta indica distribuição topográfica da redução da onda cerebral Alpha entre os grupos.

Em uma análise de acoplamento de duas frequências diferentes de ondas cerebrais (PAC), observou-se no Grupo Controle um acoplamento da frequência Gamma (34 Hz) com Teta (4 Hz). Já no Grupo Dor, observaram-se valores maiores para Gamma (38 Hz) com Teta (4 Hz). Além disso, o Grupo Controle apresenta maior força de acoplamento em Pz (34 Hz) em relação ao Grupo Dor (37 Hz) (Figura 3).

DISCUSSÃO

Este estudo investigou a atividade da onda cerebral Alpha em pessoas com amputação com e sem sintomas de DME. Os resultados mostraram redução da amplitude da onda cerebral Alpha em indivíduos amputados que relataram ter DME, o que pode inferir redução do número de neurônios recrutados realizando potenciais de ação, especificamente na frequência de 8-12 Hz, na região avaliada. Esse achado possui relevância clínica ampla, uma vez que a onda Alpha está relacionada a diversas funções cerebrais, como processamento cognitivo, controle emocional e funções integrativas3535 Melo HM, Nascimento LM, Mello VO, Takase E. Infuência do ritmo Alfa (8-12Hz) no tempo de reação em uma tarefa de controle inibitório. Rev Neuropsicol Latinoam. 2017;9(2):33-43., além de possuir papel específico na regulação dos processos sensório-motores3636 Babiloni C, Del Percio C, Arendt-Nielsen L, Soricelli A, Romani GL, Rossini PM, Capotosto P. Cortical EEG alpha rhythms reflect task-specific somatosensory and motor interactions in humans. Clin Neurophysiol. 2014;125(10):1936-45.. A intensidade de estímulo doloroso já foi associada na literatura a mudanças na onda Alpha em áreas sensório-motoras3737 Nickel MM, May ES, Tiemann L, Schmidt P, Postorino M, Ta Dinh S, Gross J, Ploner M. Brain oscillations diferentially encode noxious stimulus intensity and pain intensity. Neuroimage. 2017;148:141-7.,3838 Lim M, Kim JS, Kim DJ, Chung CK. Increased low- and high-frequency oscillatory activity in the prefrontal cortex of fibromyalgia patients. Front Hum Neurosci. 2016;10:111. em indivíduos saudáveis e com fibromialgia. Já em pessoas com amputação, estudos encontraram alteração de conectividade e aumento do coeficiente de agrupamento da banda Alpha, sinalizando sincronização e conexões funcionais mais fortes, o que pode estar relacionado à percepção sensorial ou à própria dor no membro fantasma2121 Lyu Y, Guo X, Wang Z, Tong S. Resting-state EEG network change in alpha and beta bands after upper limb amputation. Annu Int Conf IEEE Eng Med Biol Soc. 2016;2016:49-52..

Figura 3
Acoplamento fase-amplitude (EG Phase-Amplitude Coupling - PAC) em Pz. (A) Grupo Controle. (B) Grupo de pessoas amputados com dor musculoesquelética.

No presente estudo, também foi realizada análise topográfica, ou seja, mapeamento cerebral, que mostrou a região occipital como local onde ocorreu a maior parte da diminuição da onda Alpha no grupo com DME, fato este que pode ser relacionado a uma regulação deste ritmo oscilatório via neurotransmissores e neuromoduladores como GABA (Gamma-AminoButyric Acid), bloqueadores de glutamato e potenciadores de serotonina3939 Lozano-Soldevilla D. On the physiological modulation and potential mechanisms underlying parieto-occipital Alpha oscillations. Front Comput Neurosci. 2018;12:23.. Além disso, a EEGq viabiliza o mapeamento das ondas cerebrais, inclusive em pessoas amputadas2323 Fitzgibbon BM, Enticott PG, Giummarra MJ, Tomson RH, Georgiou-Karistianis N, Bradshaw JL. Atypical electrophysiological activity during pain observation in amputees who experience synaesthetic pain. Soc Cogn Afect Neurosci. 2012;7(3):357-68. que experimentaram dor sinestésica (dor sentida quando observam dor em outra pessoa), e apresentaram diminuição na atividade elétrica cerebral nas ondas Tetha e Alpha, podendo indicar uma alteração no processamento de controle inibitório, o que facilitaria a experiência sinestésica da dor observada. Ressalta-se que no presente estudo os dois grupos com pessoas com amputação trouxeram relatos de dor no membro fantasma, porém na análise essa dor não apresentou relação com a DME, descartando, a priori, a relação da dor no membro fantasma com os achados.

Essa redução de Alpha observada em pessoas com amputação e relato de dor também está de acordo com dados preexistentes na literatura para população com DME de um modo geral3636 Babiloni C, Del Percio C, Arendt-Nielsen L, Soricelli A, Romani GL, Rossini PM, Capotosto P. Cortical EEG alpha rhythms reflect task-specific somatosensory and motor interactions in humans. Clin Neurophysiol. 2014;125(10):1936-45.. Além disso, alterações na onda Alpha também já foram relacionadas a outras condições clínicas, como disfunção cognitiva4040 Tomaidou MA, Blythe JS, Houtman SJ, Veldhuijzen DS, van Laarhoven AIM, Evers AWM. Temporal structure of brain oscillations predicts learned nocebo responses to pain. Sci Rep. 2021;11(1):9807. e pacientes com dor crônica4141 Camferman D, Moseley GL, Gertz K, Pettet MW, Jensen M P. Waking EEG cortical markers of chronic pain and sleepiness. Pain Med. 2017;18(10):1921-31.. Vale salientar que já é possível associar condições de dor crônica com adaptações na função somatossensorial encefálica4242 De Ridder D, Vanneste S, Smith M, Adhia D. Pain and the triple network model. Front Neurol. 2022;13:757241.. Por outro lado, considerando que a dor crônica apresenta elevada prevalência na população brasileira4343 Aguiar D P, Souza C P, Barbosa WJ, Santos-Júnior F F, Oliveira AS. Prevalência de dor crônica no Brasil: revisão sistemática. BrJP. 2021;4(3):257-67., utilizar estratégias de tratamento que são respaldadas pela literatura para a dor crônica e que também parecem aumentar a atividade das ondas Alpha tem se mostrado um caminho seguro a ser seguido. Dentre essas estratégias, podemos listar o treinamento com neurofeedback4444 Patel K, Henshaw J, Sutherland H, Taylor JR, Casson AJ, Lopez-Diaz K, Brown CA, Jones AKP, Sivan M, Trujillo-Barreto NJ. Using EEG Alpha States to understand learning during Alpha neurofeedback training for chronic pain. Front Neurosci. 2021;14:620666., exercícios4545 Merege CAA, Alves CRR, Sepúlveda CA, Costa AS, Lancha-Junior AH, Gualano B. Infuência do exercício físico na cognição: uma atualização sobre mecanismos fisiológicos. Rev Bras Med Esporte. 2014;20(3):237-41., meditação4646 Toutain TGLO, Rosário R, Mendes CMC, Sena E P. Alfa no estado alterado de consciência: meditação raja yoga. Rev Ciênc Méd Biol. 2019;18(1):38-43. e técnicas manuais miofasciais4747 Nakano H, Kodama T, Ueda T, Mori I, Tani T, Murata S. Efect of hand and foot massage therapy on psychological factors and EEG activity in elderly people requiring long-term care: a randomized cross-over study. Brain Sci. 2019;9(3):54.. A ideia de que existe relação entre o padrão elétrico cerebral e a dor ganha força quando se constatou que parte dessas intervenções podem ser encontradas em diretrizes para tratamento de dor4848 Chronic pain (primary and secondary) in over 16s: assessment of all chronic pain and management of chronic primary pain. London: National Institute for Health and Care Excellence (NICE); 2021;PMID:33939353:1-36.,4949 Geneen LJ, Moore RA, Clarke C, Martin D, Colvin LA, Smith BH. Physical activity and exercise for chronic pain in adults: an overview of Cochrane Reviews. Cochrane Database Syst Rev. 2017;1(1):CD011279:1-68..

Outro ponto observado no presente estudo foi o acoplamento da frequência da onda Teta com a onda Gamma. A onda Alpha não apresentou acoplamento com a onda Gamma nesta análise. Quando realizada a comparação entre os grupos, o acoplamento, ou seja, a junção de duas frequências de ondas cerebrais trabalhando para executar uma função, apresentou-se com ondas Gamma mais rápidas no grupo com DME.

O aumento de Gamma já foi relacionado com a sinalização de informações nociceptivas percebidas pelo cérebro para áreas corticais de processamento doloroso e com respostas comportamentais oriundas da dor5050 Ploner M, Sorg C, Gross J. Brain rhythms of pain. Trends Cogn Sci. 2017;21(2):100-10., ambos estes aspectos podem ser evidenciados em PZ, local avaliado no presente estudo. Este aumento das respostas oscilatórias de Gamma com frequências mais elevadas também tem sido associado a estímulos dolorosos5151 Liu CC, Chien JH, Kim JH, Chuang YF, Cheng DT, Anderson WS, Lenz FA. Cross-frequency coupling in deep brain structures upon processing the painful sensory inputs. Neuroscience. 2015;303:412-21., já que esta frequência, junto à frequência da onda Teta, está envolvida no processamento da dor5252 Wang J, Li D, Li X, Liu FY, Xing GG, Cai J, et al. Phase-amplitude coupling between θ and γ oscillations during nociception in rat electroencephalography. Neurosci Lett. 2011;499(2):84-7., o que reforça a perspectiva de repetição deste mesmo padrão em pessoas com amputação e relato de dor, apesar das alterações de conectividade cerebral já descritas na literatura2121 Lyu Y, Guo X, Wang Z, Tong S. Resting-state EEG network change in alpha and beta bands after upper limb amputation. Annu Int Conf IEEE Eng Med Biol Soc. 2016;2016:49-52..

Pontos fortes e limitações do estudo

O presente estudo traz perspectivas de se utilizar a EEGq como método de rastreamento e mapeamento da atividade elétrica das ondas cerebrais em pacientes amputados com DME não relacionada ao membro fantasma. Para o conhecimento dos autores, este é o primeiro estudo que analisou a atividade elétrica cerebral de pessoas com amputação visando DME que podem fazer parte do cotidiano dessa população e que têm impacto em suas atividades e, até mesmo, na participação social. Além disso, o presente estudo mostra a viabilidade para acompanhamento da dor da população estudada por meio da EEGq, o que pode abrir espaço para estudos longitudinais. Como limitação, ressalta-se o tamanho amostral pequeno para a representatividade desta população, mesmo ele sendo similar a outro estudo com EEGq2323 Fitzgibbon BM, Enticott PG, Giummarra MJ, Tomson RH, Georgiou-Karistianis N, Bradshaw JL. Atypical electrophysiological activity during pain observation in amputees who experience synaesthetic pain. Soc Cogn Afect Neurosci. 2012;7(3):357-68., o que pode restringir extrapolações dos resultados.

CONCLUSÃO

No presente estudo, quando se comparou a atividade elétrica cerebral da onda Alpha entre os grupos, as pessoas com amputação e relato de DME apresentaram um padrão elétrico com menor amplitude (menor ativação) da onda Alpha em relação a amputados sem dor. Também foi observado que essa redução de Alpha ocorreu especificamente na região parieto-occipital (relacionada a aspectos sensoriais). Além disso, foi observado um acoplamento de Teta com frequências maiores de Gamma no grupo com dor, sugerindo maior conectividade do Grupo Dor.

  • Fontes de fomento: Os autores declaram o apoio financeiro para o desenvolvimento deste estudo pela Dell Computers® e sua realização na Dell LEAD - Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Dell, no âmbito do projeto intitulado “Tecnologias para acessibilidade de empregos na Indústria Eletrônica Brasileira”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2022
  • Aceito
    29 Ago 2022
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