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Autorregulação e conforto materno ao recém-nascido em posição canguru versus sacarose submetidos a punções de calcâneo: ensaio clínico randomizado

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Autorregulação é a habilidade de controlar as funções mentais, satisfazendo necessidades físicas, sociais e emocionais. O objetivo deste estudo foi comparar ações de autorregulação em recém-nascidos submetidos à posição canguru ou a sacarose 25% para analgesia durante duas punções de calcâneo, nas primeiras horas de vida, e descrever as ações de conforto oferecidas pelas mães aos filhos na posição canguru.

MÉTODOS:

Ensaio clínico de equivalência randomizado, com recém-nascidos submetidos a duas punções de calcâneo e suas mães. O grupo posição canguru permaneceu em contato materno por três minutos antes, durante e três minutos após as punções. O grupo sacarose recebeu sacarose oral 25% dois minutos antes das punções e permaneceu em berço comum, sem manipulação. As ações de autorregulação e conforto materno foram analisadas microanaliticamente nas duas punções (18 fases de coleta de dados). As porcentagens de duração das ações de autor-regulação/conforto foram comparadas entre as fases intragrupo e entre grupos.

RESULTADOS:

A amostra foi composta por 80 recém-nascidos (40 por grupo) e 40 mães (grupo posição canguru). Sugar dedos/punho/língua foi a única ação de autorregulação que diferiu estatisticamente nas duas punções (p<0,001), sendo maior no grupo sacarose. No grupo posição canguru, as mães ofereceram ações de conforto ao filho em todas as fases da coleta, especialmente embalar e acariciar.

CONCLUSÃO:

Foram observadas ações de autorregulação dos recém-nascidos em todas as fases da coleta em ambos os grupos, como sugar e levar mão à boca. No grupo posição canguru, houve ações de conforto materno, especialmente abraçar e acariciar.

Descritores:
Dor neonatal; Manejo da dor; Posição canguru; Regulação emocional

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Self-regulation is the ability to control mental functions, satisfying physical, social and emotional needs. The objective of this study was to compare self-regulatory actions in newborns submitted to kangaroo position or 25% sucrose for analgesia during two heel punctures in the first hours of life, and to describe the comfort actions offered by mothers to their infants in kangaroo position.

METHODS:

Randomized equivalence clinical trial with newborns submitted to two heel punctures and their mothers. The kangaroo position group remained in contact with the mother for three minutes before, during and three minutes after the punctures. The sucrose group received 25% sucrose orally two minutes before the punctures and remained in a common crib, without manipulation. The self-regulation actions and maternal comfort were microanalytically analyzed in the two punctures (18 data collection phases). The percentages of self-regulation/comfort actions duration were compared between intragroup and between groups.

RESULTS:

The sample consisted of 80 newborns (40 per group) and 40 mothers (kangaroo position group). Sucking fingers/fist/tongue was the only self-regulation action that statistically differed in the two punctures (p<0.001), being higher in the sucrose group. In the kangaroo position group, mothers offered comfort actions to the child at all stages of collection, especially rocking and caressing.

CONCLUSION:

Self-regulation actions of the newborns were observed in all phases of collection in both groups, such as sucking and taking hand to mouth. In the kangaroo position group, there were maternal comfort actions, especially hugging and caressing.

Keywords:
Emotional regulation; Kangaroo-mother; Neonatal pain; Pain Management

DESTAQUES

Autorregulação neonatal em dor aguda nas primeiras horas de vida.

Conforto materno ao recém-nascido em dor aguda.

Análise microlítica das imagens, possibilitando compreensão detalhada do fenômeno observado.

INTRODUÇÃO

Logo após o nascimento, os recém-nascidos (RN) são expostos a procedimentos desconfortáveis ou dolorosos, tais como a punção de calcâneo, que pode ocorrer de forma repetida11 Wight NE. Academy of Breastfeeding Medicine. ABM Clinical Protocol #1: Guidelines for Glucose Monitoring and Treatment of Hypoglycemia in Therm and Late Preterm Neonates, Revised 2021. Breastfeed Med. 2021;16(5):353-65.. A repetição do procedimento doloroso pode afetar o padrão de resposta à dor, levando a comportamentos como hiperalgesia22 Taddio A, Shah V, Atenafu E, Katz J. Influence of repeated painful procedures and sucrose analgesia on the development of hyperalgesia in newborn infants. Pain. 2009;144(1):43-8., alodinia, aprendizagem por associação de estímulos e antecipação de eventos dolorosos33 Chimello JT, Gaspardo CM, Cugler TS, Martinez FE, Linhares MB. Pain reactivity and recovery in preterm neonates: Latency, magnitude, and duration of behavioral responses. Early Hum Dev. 2009;85(5):313-8.. Tais comportamentos podem continuar ao longo da vida, se não forem tratados44 Williams MD, Lascelles BDX. Early neonatal pain-a review of clinical and experimental implications on painful conditions later in life. Front Pediatr. 2020;7;8:30.. Desta forma, a dor precisa ser adequadamente avaliada, prevenida e tratada, sendo essencial o treinamento dos profissionais quanto à sua avaliação e manejo55 Committee On Fetus and Newborn and Section on Anesthesiology and Pain Medicine. Prevention and Management of Procedural Pain in the Neonate: An Update. Pediatrics. 2016 [cited 2022 Jan 9] 137(2). Available from: https://publications.aap.org/pediatrics/article/137/2/e20154271/52762/Prevention-and-Management-of-Procedural-Pain-in
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Dentre as várias formas de prevenção e tratamento da dor neonatal em procedimentos dolorosos únicos, destaca-se a sacarose oral e a posição canguru, também denominada contato pele a pele66 Mangat AK, Oei JL, Chen K, Quah-Smith I, Schmölzer GM. A review of non-pharmacological treatments for pain management in newborn infants. Children. 2018;5(10):130.. No entanto, ainda são necessários estudos para avaliar a efetividade da posição canguru em procedimentos repetidos.

A dor aguda é um evento estressante e como tal, pode desencadear ações do RN para se autorregular. Essas ações podem ser as mesmas que os fetos já realizam intraútero (mão no rosto/boca, ou sugar, por exemplo) ou podem ser ensinadas ou induzidas pelo contato com os pais/cuidadores77 Rosanbalm KD, Murray DW. Promoting Self-Regulation in Early Childhood: A Practice Brief. OPRE Brief #2017-79. 2017. Washington, DC: Office of Planning, Research, and Evaluation, Administration for Children and Families, US. Department of Health and Human Services. [cited 2021 November 14]. Available from: https://fpg.unc.edu/sites/fpg.unc.edu/files/resources/reports-and-policy-briefs/Promoting-Self-RegulationIntheFirstFiveYears.pdf
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A autorregulação é uma habilidade que todos os seres vivos precisam desenvolver, trata-se de controlar suas funções mentais, satisfazendo suas necessidades físicas, sociais e emocionais77 Rosanbalm KD, Murray DW. Promoting Self-Regulation in Early Childhood: A Practice Brief. OPRE Brief #2017-79. 2017. Washington, DC: Office of Planning, Research, and Evaluation, Administration for Children and Families, US. Department of Health and Human Services. [cited 2021 November 14]. Available from: https://fpg.unc.edu/sites/fpg.unc.edu/files/resources/reports-and-policy-briefs/Promoting-Self-RegulationIntheFirstFiveYears.pdf
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, a fim de obter equilíbrio e bem-estar durante e após eventos estressantes. A capacidade de autorregular amadurece com o crescimento e desenvolvimento da criança, especialmente com a aquisição de habilidades básicas para ser autônoma, sendo essencial durante eventos estressantes ou dolorosos77 Rosanbalm KD, Murray DW. Promoting Self-Regulation in Early Childhood: A Practice Brief. OPRE Brief #2017-79. 2017. Washington, DC: Office of Planning, Research, and Evaluation, Administration for Children and Families, US. Department of Health and Human Services. [cited 2021 November 14]. Available from: https://fpg.unc.edu/sites/fpg.unc.edu/files/resources/reports-and-policy-briefs/Promoting-Self-RegulationIntheFirstFiveYears.pdf
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Assim, a autorregulação do RN e o conforto materno durante procedimentos dolorosos pode ser uma forma de suporte e tratamento da dor neonatal. Esta pesquisa optou por estudar o comportamento de autorregulação do RN e o conforto oferecido por suas mães (posição canguru), durante duas punções de calcâneo repetidas, pois não foram identificados estudos que observassem essa interação em situações de dor neonatal ao se utilizar a posição canguru e a sacarose como intervenções de alívio da dor.

A posição canguru possibilita o contato íntimo entre mãe e filho, facilitando a interação desse binômio88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atencão a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru : manual técnico – 3rd ed. – Brasilia: Ministério da Saúde, 2017.340 p:il.. Assim, na posição canguru, o RN pode contar não somente com suas próprias ações para se autorregular, mas também com ações maternas que promovam seu conforto, tais como conversar, balançar, beijar, acariciar ou oferecer sucção não nutritiva99 Warnock F. An ethogram of neonatal distress behavior in response to acute pain (newborn male circumcision). Infant Behav Dev. 2003;26(3):398-420..

A sacarose foi adotada como controle positivo, por ser utilizada como tratamento padrão na analgesia neonatal no hospital que foi o campo de coleta de dados1010 Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Protocolo de triagem e manejo da hipoglicemia em RN a termo e pré-termo tardios (≥ 34 <37 sem) durante as primeiras 24 horas de vida. Ribeirão Preto: Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, 2013.. Trata-se de uma solução adocicada que, ao ser administrada de forma oral, estimula os receptores gustativos das papilas linguais, ativando a liberação de endorfinas pelo hipotálamo1111 Johnston CC, Stremler R, Horton L, Friedman A. Effect of repeated doses of sucrose during heel stick procedure in preterm neonates. Biol Neonate. 1999;75(3):160-6, além de promover ações de autorregulação, como sugar a língua.

Dessa forma, os objetivos do presente estudo foram comparar as respostas de autorregulação entre RN submetidos à posição canguru ou à administração de sacarose 25% no tratamento da dor decorrente de duas punções de calcâneo nas primeiras horas de vida, bem como descrever as ações de conforto oferecidas pelas mães aos RN submetidos à posição canguru durante o procedimento doloroso.

MÉTODOS

Trata-se de um ensaio clínico randomizado controlado de equivalência, realizado de junho a dezembro de 2013, no alojamento conjunto de um hospital público universitário do estado de São Paulo, Brasil, o qual foi guiado pelas normas CONSORT1212 Schulz KF, Altman DG, Moher D; CONSORT Group. CONSORT 2010 Statement: updated guidelines for reporting parallel group randomized trials. Open Med. 2010;4(1):e60-8..

Este estudo faz parte de um projeto de pesquisa maior no qual a dor neonatal foi avaliada de foma ampla, utilizando-se a mímica facial, a mensuração da frequência cardíaca, do choro, as ações de autorregulação do RN e as ações de conforto oferecidas pela mãe durante o procedimento doloroso. Neste estudo, apresentam-se os resultados referentes à autorregulação e ao conforto materno.

Foi avaliado o uso de sacarose 25% (controle positivo/tratamento padrão) e da posição canguru (novo tratamento) como tratamentos terapêuticos para a dor aguda em RN que foram submetidos a duas punções de calcâneo.

No hospital utilizado como campo de coleta de dados, a sacarose 25% é utilizada unicamente para analgesia neonatal, produzida na farmácia de manipulação da própria instituição e administrada de acordo com um protocolo institucional1010 Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Protocolo de triagem e manejo da hipoglicemia em RN a termo e pré-termo tardios (≥ 34 <37 sem) durante as primeiras 24 horas de vida. Ribeirão Preto: Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, 2013.; e a posição canguru é utilizada para o contato entre mãe e filho logo após o parto (contato pele a pele precoce), nas unidades neonatais.

A população do estudo contou com 80 RN com idade gestacional ≥ 36 semanas, que necessitaram de, pelo menos, duas punções de calcâneo no período de internação, os quais foram alocados em dois grupos: 40 no grupo posição canguru e 40 no grupo sacarose 25%. Os RN foram selecionados pelos pesquisadores no momento de sua internação no alojamento conjunto. Assim, todos os RN que nasceram no hospital durante o período de coleta de dados foram avaliados quanto aos critérios de inclusão e exclusão. Também foram avaliados os critérios de inclusão e exclusão das mães. Foram convidados a participar do estudo todos os binômios que atendiam aos critérios de inclusão e não apresentavam critérios de exclusão. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelas mães, procedeu-se a randomização, por meio da abertura do envelope em que constava o tratamento para o alívio da dor (Posição Canguru ou Sacarose) a ser recebido pelo RN.

O cálculo da amostra foi realizado no programa Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 21, baseando-se nos dados de um estudo piloto com 10 RN (cinco em cada grupo), em que foram consideradas duas coletas de dados idênticas. Adotou-se um desvio padrão da duração da mímica facial (medida pelo Newborn Facial Coding System - NFCS) e a razão entre o número de indivíduos em comparação foi igual a um (Ensaio Clínico de Equivalência), resultando em 40 RN por grupo (amostra probabilística), um tamanho de efeito 0,145; alfa de 0,5, poder de 0,95 e significância (p) de 0,05. Optou-se por realizar o cálculo amostrai levando em consideração a NFCS por ser uma escala validada para avaliar a dor aguda neonatal88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atencão a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru : manual técnico – 3rd ed. – Brasilia: Ministério da Saúde, 2017.340 p:il., sendo esse o desfecho principal do estudo que gerou este artigo.

Os critérios de inclusão dos RN foram a idade gestacional ≥ 36 semanas, serem nascidos no hospital campo de coleta de dados, receberem pelo menos duas punções de calcâneos repetidas e sucessivas (com intervalo de três horas), apresentarem Apgar ≥ 7 no 5º minuto de nascimento, e que estavam clinicamente estáveis com frequência cardíaca entre 93 e 154 bpm1212 Schulz KF, Altman DG, Moher D; CONSORT Group. CONSORT 2010 Statement: updated guidelines for reporting parallel group randomized trials. Open Med. 2010;4(1):e60-8. no momento da seleção. Todas as mães incluídas no estudo estavam estáveis clinicamente e aptas para realizar a posição canguru durante a coleta de dados.

Foram excluídos os RN classificados como pequenos para a idade gestacional, que apresentaram anomalias congênitas ou neurológicas, que receberam diagnóstico clínico de asfixia ou trauma durante o parto e que apresentaram dificuldade de deglutição. Também foram excluídos casos de uso de opioide pelo RN ou pela mãe antes ou após o parto, as mães que utilizaram drogas ilícitas durante a gestação, as que tinham um irmão gêmeo participando do estudo, além das mães que apresentaram indisponibilidade para realizar a posição canguru e casos de admissão no alojamento conjunto com mais 12 horas de vida.

A randomização simples para os grupos de tratamento foi realizada por um estatístico, usando o software R: Development Core Team® (2012), sendo criada uma sequência aleatória de 100 binômios, alocados em envelopes opacos e selados, os quais foram abertos após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela mãe. A figura 1 apresenta os participantes do estudo.

Figura 1
Participantes do estudo.

A coleta de dados ocorreu quando os RN tinham entre três e 18 horas de vida e estavam com suas mães em alojamento conjunto, em quartos com outros binômios.

Os dados foram coletados da mesma forma nas duas punções de calcâneo, sendo cada uma dividida em nove fases (basal, tratamento, antissepsia, T0, T15, T30, T60, T120 e T180 - segundos), totalizando 18 fases de coleta de dados (nove na primeira e nove na segunda punção de calcâneo; descritas na tabela 1).

Tabela 1
Descrição da duração e dos procedimentos realizados em cada uma das fases da coleta de dados.

No período entre as punções de calcâneos, os RN se mantiveram no alojamento conjunto com as mães, foram amamentados, foi realizada troca de fraldas e receberam outros procedimentos dolorosos, conforme necessidade.

VARIÁVEIS MENSURADAS

Caracterização da amostra

Os RN foram caracterizados em relação às seguintes variáveis: sexo, peso ao nascimento, idade gestacional, tipo de parto, fármacos utilizados no parto, contato pele a pele em sala de parto, procedimentos invasivos anteriores ao início da coleta de dados e aqueles realizados no intervalo entre as duas coletas (tipo de procedimento e analgesia utilizada). A mães do grupo posição canguru foram caracterizadas quanto a idade e estado civil.

Comportamentos de conforto neonatal

Por meio das imagens obtidas, foram observadas as ações de autorregulação realizadas pelos RN e as ações de conforto materno oferecidas pelas suas mães (grupo posição canguru). As imagens foram codificadas continuamente, segundo a segundo, conforme o método de observação sistemática microanalítica77 Rosanbalm KD, Murray DW. Promoting Self-Regulation in Early Childhood: A Practice Brief. OPRE Brief #2017-79. 2017. Washington, DC: Office of Planning, Research, and Evaluation, Administration for Children and Families, US. Department of Health and Human Services. [cited 2021 November 14]. Available from: https://fpg.unc.edu/sites/fpg.unc.edu/files/resources/reports-and-policy-briefs/Promoting-Self-RegulationIntheFirstFiveYears.pdf
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Observou-se a presença ou a ausência das seguintes ações de autorregulação realizadas pelos RN77 Rosanbalm KD, Murray DW. Promoting Self-Regulation in Early Childhood: A Practice Brief. OPRE Brief #2017-79. 2017. Washington, DC: Office of Planning, Research, and Evaluation, Administration for Children and Families, US. Department of Health and Human Services. [cited 2021 November 14]. Available from: https://fpg.unc.edu/sites/fpg.unc.edu/files/resources/reports-and-policy-briefs/Promoting-Self-RegulationIntheFirstFiveYears.pdf
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,99 Warnock F. An ethogram of neonatal distress behavior in response to acute pain (newborn male circumcision). Infant Behav Dev. 2003;26(3):398-420.,1515 Costa R, Figueiredo B, Thendais I, Conde A, Pacheco A, Theixeira C. Brazelton Neonatal Behavioral Assessment Scale: A psychometric study in a Portuguese sample. Infant Behav Dev. 2010;33(4):510-7.:

  • mover as mãos à boca: levar uma ou as duas mãos à boca ou região perioral.

  • sugar dedos, mão/punho ou língua: sucção dos dedos, mão/punho ou língua.

  • reflexo de busca: há leve movimentação da cabeça, abertura da boca e protrusão da língua na tentativa de abocanhar algo.

  • atenção às vozes e face materna: prestar atenção às vocalizações e/ou face da mãe. Esta ação foi observada apenas no grupo posição canguru, pois apenas os RN deste grupo poderiam interagir com suas mães.

Tanto os RN do grupo sacarose quanto do grupo posição canguru foram posicionados com as mãos livres e próximas à face para realizar as ações citadas, caso desejassem. As ações de conforto oferecidas pela mãe ao RN foram codificadas apenas no grupo posição canguru. No grupo sacarose, como era objetivo avaliar o efeito da sacarose isoladamente, solicitou-se às mães que não interagissem com seus filhos durante a coleta de dados.

Assim, observou-se a presença ou a ausência das seguintes ações de conforto oferecidas pela mãe do grupo posição canguru para confortar o RN, adaptadas da literatura médica99 Warnock F. An ethogram of neonatal distress behavior in response to acute pain (newborn male circumcision). Infant Behav Dev. 2003;26(3):398-420.:

  • conversar: mãe apresenta vocalização verbal e não verbal (arrulhar, ex. “Oh, oh, oh...” “woo... woo...”, “hmm...” ou silenciar “shi... shi...”).

  • balançar: mãe embala o RN.

  • beijar: mãe beija o RN.

  • acariciar: mãe toca o RN de forma suave ou firme, afagando ou dando tapinhas. O movimento pode ser leve e longo ou firme e curto, repetitivo ou não.

  • abraçar: mãe abraça o bebê de forma que ele fique envolvido pelo abraço materno.

  • oferecer sucção não nutritiva ao RN: mãe oferece o seu dedo para o RN sugar ou o ajuda/estimula a sugar o próprio dedo ou mão.

Análise estatística

A fim de verificar a homogeneidade entre os grupos, as variáveis comportamentais e demográficas neonatais (sexo, peso ao nascimento, duração do trabalho de parto, idade gestacional, tipo de parto, medicações utilizadas no parto, contato pele a pele em sala de parto), as comparações entre os grupos sacarose e posição canguru foram realizadas com a utilização do teste Qui-quadrado ou o Exato de Fisher para as variáveis categóricas, do teste t para amostras independentes e do teste Mann-Whitney para as variáveis contínuas.

Foi calculado o percentual da duração das ações de autorregulação e conforto materno na primeira e segunda coleta de dados, utilizando a fórmula: [duração da ação/tempo total de duração das fases x 100]99 Warnock F. An ethogram of neonatal distress behavior in response to acute pain (newborn male circumcision). Infant Behav Dev. 2003;26(3):398-420..

As porcentagens de duração das ações de autorregulação do RN e das ações de conforto oferecidas pela mãe foram comparadas a partir das fases da coleta em cada grupo por meio do teste de Freedman (comparações intragrupos); para a comparação entre os grupos, foi utilizado o teste de Mann-Whitney (comparações entre grupos).

Em todo o estudo, foi adotado o nível de significância de 5%. As análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS®.

RESULTADOS

Durante o período de coleta de dados, nasceram 598 RN no hospital campo de coleta de dados. Desses, 80 foram recrutados para participar da pesquisa e randomizados entre os grupos.

No grupo posição canguru, foi excluído um RN de parte das análises da fase T180 na primeira punção de calcâneo e no grupo sacarose foi excluído um RN de parte das análises da fase T180 na segunda punção de calcâneo. Ambas as exclusões ocorreram pelo término da gravação das imagens antes de se completarem os 60 segundos dessa fase, ou seja, não houve a disponibilidade de dados dos 60 segundos desta fase, porém os dados disponíveis foram analisados. Os grupos foram homogêneos, não apresentando diferenças significativas entre as variáveis demográficas, apresentadas na tabela 2.

Tabela 2
Características neonatais dos participantes dos grupos posição canguru e sacarose.

As mães participantes do grupo posição canguru tinham média de idade de 30±5 anos, 34 (85%) eram casadas ou com união estável e seis (15%) eram solteiras.

Os grupos posição canguru e sacarose não apresentaram diferenças significativas (p=l,00) no número de punções recebidas para realização do exame na primeira ou na segunda punção de calcâneo.

Antes do início da coleta de dados, todos os RN receberam duas punções musculares (vitamina K e vacina contra hepatite B); 62,5% no grupo posição canguru e 57,5% no grupo sacarose receberam aspiração de vias aéreas ao nascimento; e 52,5% no grupo posição canguru e 42,5% no grupo sacarose foram submetidos a duas punções de calcâneo.

No entanto, não houve diferença significativa em relação à quantidade de qualquer um dos procedimentos dolorosos: aspiração das vias aéreas (p=0,64), punções de calcâneo (p=0,40) e intramusculares.

No intervalo entre as punções de calcâneo, cinco (6,2%) RN foram submetidos a procedimentos dolorosos, sendo três (7,5%) do grupo posição canguru e dois (5,0%) do grupo sacarose. No grupo posição canguru, um RN foi submetido a punção venosa, um a punção arterial e outro a aspiração das vias aéreas superiores. Já no grupo sacarose, um RN recebeu uma punção venosa e outro foi submetido a lavagem gástrica.

Destaca-se que os RN não receberam nenhum tipo de analgesia para os procedimentos dolorosos a que foram submetidos antes do início da coleta de dados ou no intervalo entre a primeira e segunda punção de calcâneo.

Autorregulação do recém-nascido durante o procedimento doloroso

O grupo sacarose apresentou maior duração de ações de autorregulação como sugar dedos/punho/língua do que o grupo posição canguru (p<0,05), nas fases: tratamento, antissepsia e T30 nas duas punções de calcâneo; T15 na primeira punção de calcâneo; e T0 na segunda punção de calcâneo (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição e comparação (p) da porcentagem média e desvio padrão da duração das ações de autorregulação agrupadas em cada fase nos grupos posição canguru e sacarose, na primeira e segunda punção de calcâneo.

Levar a mão à boca foi a ação que apresentou maior porcentagem média de duração em ambos os grupos, no entanto não houve diferenças significativas entre os grupos em nenhuma das fases da coleta de dados.

Na comparação intragrupo, ou seja, nas comparações entre as fases das coletas na primeira e na segunda punção de calcâneo, no grupo posição canguru, os RN apresentaram aumento significativo da porcentagem de duração das ações de autorregulação ao longo das coletas de dados: levar mãos à boca (p=0,01), sugar dedos, punho e língua (p<0,001) e reflexo de busca (p=0,04), exceto na atenção à face e voz materna (p=0,512).

Os RN do grupo sacarose apresentaram aumento significativo da porcentagem de duração das seguintes ações de autorregulação ao longo das fases da coleta de dados: sugar dedos, punho e língua (p<0,001) e reflexo de busca (p=0,01); levar mãos à boca não apresentou alterações significativas nas análises intragrupo (p=0,85).

Ações de conforto oferecidas pela mãe ao recém-nascido

Na tabela 4, constam os resultados das ações de conforto realizadas pelas mães do grupo posição canguru em todas as fases da coleta de dados. As ações com maior porcentagem média de duração foram abraçar (porcentagem média variando de 25,20 a 45,00) e acariciar (porcentagem média variando de 7,10 a 30,35, maioria acima de 22%) em todas as fases da primeira e segunda coleta de dados.

Tabela 4
Distribuição da porcentagem média e desvio padrão da duração das ações de conforto realizadas pelas mães no grupo posição canguru de acordo com as fases da coleta de dados.

A sucção não nutritiva foi ofertada pelas mães apenas na segunda punção de calcâneo e por pouco tempo nas fases: antissepsia, tratamento (2,50%) e T60 (0,20). O beijo também foi uma ação pouco frequente, atingindo percentual médio máximo de 3,00 na fase T15 da segunda punção.

A porcentagem média do ato de conversar variou de 0,53 a 12.3; já o ato de balançar variou de 4,33 a 13,71.

Na análise de todas as fases da coleta de dados, conversar com o RN apresentou alteração significativa intragrupo, sendo mais presente na fase T0 (p=0,046), ou seja, no momento da punção de calcâneo as mães conversaram mais com seus filhos.

No entanto, ao comparar as ações maternas entre as duas punções de calcâneo, constatou-se que nenhuma delas apresentou diferença estatisticamente significativa: abraçar (p=0,060), acariciar (p=0,426), conversar (p=0,549), balançar (p=0,426), beijar (p=0,492) e oferecer sucção não nutritiva (p=0,269).

DISCUSSÃO

Os RN manifestaram ações de autorregulação quando expostos à dor aguda nos dois grupos. As ações predominantes foram sugar e levar a mão à boca. O grupo sacarose apresentou maior duração da ação de sugar dedos/punho/língua no momento da dor aguda (T0) e nos primeiros 15 segundos após a dor aguda (T15) (p<0,05). Foi observado o aumento da duração das ações de autorregulação ao longo das fases da coleta de dados nos dois grupos. No grupo posição canguru as mães realizaram todas as ações de conforto analisadas, predominando ações de abraçar e acariciar. Conversar com o filho foi mais presente na fase da dor aguda (T0) (p=0,046). No entanto, não houve alterações significativas na duração das ações de conforto entre as duas punções.

O aumento das ações de autorregulação dos RN observado em ambos os grupos ao longo das 18 fases da coleta de dados pode ser atribuído à maior capacidade de se autorregular diante das duas punções de calcâneo.

Nas análises entre grupos, observa-se que a sacarose favoreceu mais a porcentagem de duração da ação de sugar dedos/punho/língua do que a posição canguru. Esse fato pode estar relacionado ao sabor adocicado da sacarose e ao consequente estímulo à sucção, especialmente da língua. O reflexo de busca e a sucção são reflexos primitivos, desenvolvidos durante a gestação, os quais estão relacionados à alimentação1616 Sohn M, Ahn Y, Lee S. Assessment of primitive reflexes in high-risk newborns. J Clin Med Res. 2011;3(6):285-90.. Como o RN associa a sucção à saciedade e conforto proporcionados pela nutrição (satisfação de uma necessidade humana básica), a sucção durante um estímulo doloroso pode favorecer a autorregulação.

No entanto, a sucção de língua/ mãos ou punho pode se tornar um evento nocivo, pois se ocorre de forma indiscriminada, pode contribuir para o desenvolvimento anormal das arcadas dentárias1616 Sohn M, Ahn Y, Lee S. Assessment of primitive reflexes in high-risk newborns. J Clin Med Res. 2011;3(6):285-90.. Assim, são necessários outros estudos que avaliem as consequências, em longo prazo, do uso repetido da sucção não nutritiva ou de soluções adocicadas que estimulam a sucção.

Outra questão apontada quanto ao uso da sacarose se refere à dose utilizada e à forma de administração. Estudos atuais apontam que doses menores de sacarose 24% (mínimo de 0,1 ml) são efetivas para promover analgesia em neonatos em procedimentos únicos. No entanto, ainda não há consenso sobre a forma de administrar a sacarose (ex. seringa, conta-gotas ou associada à sucção não nutritiva)1818 Stevens B, Yamada J, Ohlsson A, Haliburton S, Shorkey A. Sucrose for analgesia in newborn infants undergoing painful procedures. Cochrane Database Syst Rev. 2016;(7):CD001069..

Assim, são necessários outros estudos que avaliem a autorregulação do RN exposto à dor aguda repetida, utilizando-se doses menores de sacarose e outras formas de administração, como, por exemplo, associada à sucção não nutritiva.

As análises intragrupos mostraram que tanto a posição canguru quanto a sacarose favoreceram as ações autorregulatórias de reflexo de busca e de sugar dedos, punho e língua. No entanto, na posição canguru, os RN também apresentaram alterações significativas da ação levar mãos à boca.

Embora as ações de conforto materno não tenham apresentado alterações ao longo da coleta de dados, percebe-se que as mães confortaram seus filhos durante as duas punções de calcâneo, sendo que essas ações estiveram mais presentes no momento de dor aguda (T0) e no início da recuperação (T15 e T30). Assim, os resultados deste estudo apontam que a posição canguru possibilita que o RN realize mais ações de autorregulação.

Os efeitos imediatos da posição canguru na analgesia neonatal podem ser atribuídos a um conjunto de ações que proporcionam a autorregulação do RN, como a posição prona, contenção, toque gentil, autoconsolo, maior oportunidade de sucção, estímulo à amamentação, envolvimento com os pais no cuidado, contenção e colo88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atencão a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru : manual técnico – 3rd ed. – Brasilia: Ministério da Saúde, 2017.340 p:il.. A longo prazo, a posição canguru também tem possibilitado efeitos benéficos, especialmente para os prematuros, tais como redução de sequelas cognitivas e de déficit na coordenação motora1919 Charpak N, Thessier R, Ruiz JG, Hernandez JT, Uriza F, Villegas J, Nadeau L, Mercier C, Maheu F, Marin J, Cortes D, Gallego JM, Maldonado D. Twenty-year follow-up of kangaroo mother care versus traditional care. Pediatrics. 2017;139(1):e20162063..

Este estudo considerou importante que o binômio tenha realizado a posição canguru previamente, de forma livre e sem estar associado a procedimentos dolorosos no RN, a fim de possibilitar que tanto a mãe quanto o RN se conheçam, fortaleçam o vínculo afetivo e que a mãe se torne mais apta a apoiar o filho em situações dolorosas.

Neste sentido, as evidências sobre humanização no nascimento apontam que a prática do contato pele a pele (posição canguru) nos primeiros minutos de vida proporciona melhor adaptação do RN ao ambiente extrauterino e o vínculo entre o binômio88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atencão a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru : manual técnico – 3rd ed. – Brasilia: Ministério da Saúde, 2017.340 p:il.. Ademais, no nascimento, recomenda-se orientar as gestantes e parturientes quanto aos procedimentos, evitar a separação do binômio, postergar os procedimentos neonatais de rotina, minimizar as intervenções e favorecer o contato pele a pele precoce, sempre que possível, independente do tipo de parto88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atencão a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru : manual técnico – 3rd ed. – Brasilia: Ministério da Saúde, 2017.340 p:il.,2020 Holztrattner, JS, Gouveia HG, Moraes MG, Carlotto FD, Klein BE, Coelho DF. Early skin-to-skin contact in a child friendly hospital: perceptions of the obstetric nurses. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42:e20190474 –.

No entanto, na caracterização da amostra, observa-se baixa adesão ao contato pele a pele em sala de parto, fato que pode estar relacionado ao elevado número de cesarianas, consoante com os resultados de outro estudo2121 Ayres, LFA, Elisabeth RC, Passos CM, Lima VD, Prado MRMC, Beirigo BA. Fatores associados ao contato pele a pele imediato em uma maternidade. Escola Anna Nery. 2021;25(2):e20200116..

Embora as equipes cirúrgicas ainda tenham receio e dificuldade em aderir ao contato pele a pele logo após o nascimento, há estudos mostrando ser possível manter a assepsia cirúrgica juntamente ao contato pele a pele entre mãe e filho na primeira meia hora de vida2222 Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Contato Pele a Pele na Cesárea. Rio de Janeiro, 30 ago. 2021. 22 p.. Assim, torna-se necessário treinar as equipes obstétricas para a recepção do RN e discutir sobre as possíveis formas de garantir que seja estabelecido o contato pele a pele em casos de cesariana.

No presente estudo, verifica-se também a falta de analgesia nos procedimentos dolorosos que antecederam a coleta de dados, sendo a punção muscular para a vacinação contra hepatite B um dos procedimentos realizados em todos os RN e sem analgesia. Esse procedimento poderia ter sido postergado até que fosse possível realizar a posição canguru ou a amamentação em sala de parto, a fim de proporcionar analgesia adequada2323 Moura ZSC, Matozinhos FP, Araújo LA, Oliveira ASC, Silva TPR. Amamentação como protocolo de alívio da dor no momento da vacinação em recém-nascidos. Res Soc Dev. 2021;10(3): e40710313550..

Os RN do grupo posição canguru apresentavam necessidade de mamar no final da fase recuperação (T30-T180). Desta forma, acredita-se que estudos envolvendo a amamentação e a posição canguru possam apresentar melhores resultados quanto à autorregulação e analgesia neonatal.

A amamentação tem se mostrado efetiva para analgesia neonatal em procedimentos como a vacinação2323 Moura ZSC, Matozinhos FP, Araújo LA, Oliveira ASC, Silva TPR. Amamentação como protocolo de alívio da dor no momento da vacinação em recém-nascidos. Res Soc Dev. 2021;10(3): e40710313550.. No entanto, na impossibilidade de estabelecer amamentação efetiva no primeiro dia de vida, sugere-se a posição canguru.

Neste sentido, os RN que permaneceram no colo materno durante procedimentos dolorosos apresentaram mais ações de sugar as mãos do que aqueles que mamaram durante o procedimento. Isto mostra que os RN privados da sucção no seio materno utilizaram a sucção da mão como mecanismo de se autorregular diante da dor aguda1818 Stevens B, Yamada J, Ohlsson A, Haliburton S, Shorkey A. Sucrose for analgesia in newborn infants undergoing painful procedures. Cochrane Database Syst Rev. 2016;(7):CD001069., da mesma forma que o observado no presente estudo.

No grupo posição canguru, o fato da ação de atenção à face materna não ter aumentado ao longo das fases da coleta de dados pode ser atribuído aos períodos de inatividade do RN nas primeiras horas de vida.

Em relação ao conforto oferecido pelas mães aos RN, os fatos de estarem sendo filmadas e de a coleta de dados ter sido realizada no período pós-parto podem ter inibido algumas mães de se expressarem. Cabe ressaltar que as mães foram orientadas a serem livres para agir com o filho conforme sentissem vontade durante a coleta de dados, desde que permanecessem em posição canguru.

Ainda não há consenso se as ações de conforto materno diminuem a dor do RN, porém o toque maternal, balançar, abraçar, estimular sucção do seio, embalar, conversar e o contato visual têm sido estudados amplamente2525 Pillai Riddell RR, Racine NM, Turcotte K, Uman LS, Horton RE, Din Osmun L, Ahola Kohut S, Hillgrove Stuart J, Stevens B, Gerwitz-Stern A. Non-pharmacological management of infant and young child procedural pain. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(10):CD006275., no entanto são escassos estudos que relacionem a interação mãe/filho em momentos de dor aguda.

A literatura médica sugere que o incentivo às ações para confortar o filho e a manutenção da privacidade no momento da posição canguru possam facilitar a promoção do vínculo entre o binômio no momento de dor aguda do RN. Ademais, a fadiga materna pós-parto pode ter afetado sua interação com o RN. A fadiga materna é um fenômeno complexo que inclui sentimentos de cansaço, exaustão física e falta de motivação2626 Tsuchiya M, Mori E, Sakajo A, Iwata H, Maehara K, Tamakoshi K. Cross-sectional and longitudinal validation of a 13-item fatigue scale among Japanese postpartum mothers. Int J Nurs Pract. 2016;22(Suppl 1):5-13..

Esses sintomas podem ser amenizados por um cuidado voltado ao binômio, incluindo a participação dos pais e familiares no suporte aos cuidados da mãe (alimentação, repouso, higiene) e RN (amamentação, higiene e procedimentos dolorosos). Assim, recebendo apoio e cuidados adequados, a mãe pode se mostrar mais preparada para confortar o bebê no pós-parto.

Estudos já mostraram que os RN são indivíduos dependentes para atingir sua maturidade física, emocional e social, porém os reflexos primitivos e o forte desejo de luta pela sobrevivência os fazem ser resilientes e buscarem formas para conquistar tudo o que precisam para viver2727 Nugent KJ, Petrauskas BJ, Brazelton TB. The newborn as a person: enabling healthy infant development worldwide. 1ed. John Wiley & Sons Inc, 2009..

Nesse sentido, observa-se que estudos nas áreas da medicina e psicologia conquistaram grandes avanços para entender os mecanismos de desenvolvimento cerebral e a influência das emoções na vida dos RN, de suas famílias e de toda a sociedade que presta cuidado ao neonato. Porém, os enfermeiros precisam continuar se apropriando desses saberes para que possam implementar cuidados voltados para o desenvolvimento do RN a partir da autonomia apresentada, especialmente, pelo binômio mãe-filho.

Por outro lado, é necessário considerar as dificuldades, limitações de espaço, profissionais treinados e o tempo necessário para implementar medidas de autorregulação/conforto do RN, tendo em conta o apoio da família. Apesar disso, observa-se o aumento do interesse e disponibilidade dos profissionais da saúde para oferecer cuidados de forma mais humanizada2020 Holztrattner, JS, Gouveia HG, Moraes MG, Carlotto FD, Klein BE, Coelho DF. Early skin-to-skin contact in a child friendly hospital: perceptions of the obstetric nurses. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42:e20190474 –.

Há também uma crescente valorização da educação em saúde por meio de diversas formas de tecnologias, visando sempre a promoção da conscientização das famílias para o cuidado neonatal, levando em consideração os desafios enfrentados pela equipe no ambiente de trabalho2525 Pillai Riddell RR, Racine NM, Turcotte K, Uman LS, Horton RE, Din Osmun L, Ahola Kohut S, Hillgrove Stuart J, Stevens B, Gerwitz-Stern A. Non-pharmacological management of infant and young child procedural pain. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(10):CD006275.. Essas inciativas precisam ser incorporadas nos diferentes serviços de saúde, a fim de se alcançar uma assistência humanizada e atraumática.

Como limitação deste estudo, foi apontada a impossibilidade de mascarar o investigador e codificadores durante a análise de dados, devido à posição adotada pelo RN no grupo posição canguru e à falta de um quarto privado designado para a coleta de dados.

A análise das ações de autorregulação/autoconforto em momento de dor aguda do RN, associada aos tratamentos propostos (sacarose e posição canguru) foi o principal ponto forte deste estudo, o que caracteriza uma inovação no conhecimento sobre analgesia neonatal. A análise microlítica dos dados permitiu que os pesquisadores observassem o momento exato em que as ações de autorregulação/autoconforto iniciaram e finalizaram, o que mostra a necessidade de promoção da autorregulação da dor neonatal no momento em que ocorre a dor aguda.

Em termos de implicações para a prática, o presente estudo recomenda a implementação da posição canguru ou da sacarose como métodos não farmacológicos para alívio da dor aguda em RN em até duas punções de calcâneo repetidas e sucessivas, priorizando, sempre que possível, a posição canguru.

A educação em saúde para as mães/familiares com foco no ensino sobre as respostas de dor do bebê e ações de conforto neonatal, podem promover a oferta de conforto no momento de dor aguda do RN.

Este estudo sugere novas pesquisas que possam avaliar o uso da posição canguru como analgesia a longo prazo, de forma a avaliar a adaptação comportamental do RN diante de estímulos dolorosos repetidos e variados, bem como sua relação com o limiar de dor.

CONCLUSÃO

Este estudo concluiu que tanto a posição canguru (três minutos antes, durante e três minutos após o procedimento doloroso) como a sacarose administrada dois minutos antes do procedimento doloroso) promovem a autorregulação do RN submetido à dor aguda, sendo constatada diferença significava apenas na sucção de mão/punho/língua, favorável ao grupo sacarose.

Porém, a posição canguru possibilita que a mãe promova ações de conforto e a autonomia do RN, além de facilitar a amamentação logo após o procedimento doloroso, o que pode colaborar com o conforto e estabilidade do RN.

Dessa forma, sugere-se novos estudos, que possam evidenciar o comportamento de autorregulação/conforto do RN quando submetido a outros procedimentos dolorosos e que possam envolver os membros da família na promoção do alívio da dor e regulação neonatal.

AGRADECIMENTOS

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo financiamento da pesquisa (Processo n° 2012/01938-0).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2022
  • Aceito
    25 Out 2022
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