Mecanismos de exercícios de alongamento muscular para redução de dor lombar: revisão narrativa

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Exercícios de alongamento estão presentes em programas de treinamento físico e reabilitação muscular. Dentro do contexto da reabilitação de indivíduos com dor na região lombar (lombalgia), ainda existe uma lacuna sobre os mecanismos pelos quais esses exercícios reduzem dor e incapacidade nesses pacientes. O objetivo deste estudo foi descrever os possíveis mecanismos pelos quais o exercício de alongamento pode reduzir dor em indivíduos com lombalgia crônica.

CONTEÚDO:

A dor na região lombar é uma das dores mais incapacitantes quando se trata de limitações para as funções no cotidiano. Por isso, é necessário investigar alternativas que possam proporcionar o seu alívio nesses pacientes. Considerando que a causa da lombalgia crônica não específica é multifatorial, o tratamento desta doença ocorre principalmente na tentativa de reduzir a sensação dolorosa. Como alternativa, o treinamento da flexibilidade por meio de exercícios de alongamento pode agir reduzindo a dor lombar por gerarem alterações biomecânicas e sensoriais que resultam em efeito analgésico. Adicionalmente, ainda é possível que esses dois efeitos possam atuar em conjunto para explicar a redução da dor lombar após a realização de exercícios de alongamento.

CONCLUSÃO:

Existe suporte teórico na literatura para sustentar a realização dos exercícios de alongamento como estratégia não farmacológica para o tratamento da dor lombar crônica. Mecanismos biomecânicos e neurofisiológicos poderiam ser apontados para explicar tais benefícios.

Descritores:
Dor; Dor lombar; Exercícios de alongamento muscular

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Stretching exercises are present in physical training and muscle rehabilitation programs. Within the context of rehabilitation of patients with low back pain (lombalgy), there is still a gap about the mechanisms that these exercises should reduce pain and disability in these patients. The aim of this study was to investigate what are the possible mechanisms through which muscle stretching exercise could reduce pain in individuals with chronic low back pain.CONTENTS: Pain in the lumbar region is one of the most disabling pains when it comes to limitations for daily functions, so it’s necessary to investigate alternatives that provide relief for these patients. As the cause of non-specific chronic low back pain is multifactorial, the treatment of the pathology occurs mainly to reduce the sensation of pain. As an alternative, the flexibility training through stretching exercises can be efficient because they generate biomechanical and sensory changes, which would result in an analgesic effect. Additionally, it’s still possible that these two effects occur together to explain the reduction in low back pain after performing stretching exercises.

CONCLUSION:

There is theoretical basis in the literature to support the performance of stretching exercises as a non-pharmacological strategy for the treatment of chronic low back pain. Biomechanical and neurophysiological mechanisms can be pointed out to explain these benefits.

Keywords:
Low back pain; Muscle stretching exercises; Pain

INTRODUÇÃO

A dor é conceituada como uma experiência sensitiva e emocional desagradável que pode estar ou não associada a uma lesão real nos tecidos¹. É de caráter subjetivo e individual, visto que envolve aspectos sensitivos, culturais e influência do meio, sendo a lombalgia uma das mais comuns². Apesar da etiologia multifatorial, terapias físicas que resultam em efeitos analgésicos, como exercício de alongamento, poderiam ser alternativas viáveis como tratamento não farmacológico para redução da intensidade da dor em indivíduos com lombalgia³ através de mecanismos biomecânicos e neurofisiológicos⁴, além de melhorar a postura corporal, distúrbios musculoesqueléticos e dor muscular³.

A lombalgia provoca absenteísmo e incapacidade, dor e limitações no dia a dia⁵. Pode afetar entre 60 e 80% da população no mundo, sendo comum que as pessoas experimentem este episódio de dor em algum momento da vida⁶. A maior parte dos casos de dor na região lombar, cerca de 85%, não apresenta um fator causal único e facilmente identificável, sendo considerada inespecífica e com repercussões psicossociais atreladas ao quadro clínico³,⁵,⁶.

As alterações no tecido conjuntivo que envolve tendões, ligamentos e fáscias musculares causadas por fatores que influenciam diretamente a amplitude de movimento (ADM) de uma articulação (envelhecimento, trabalho, imobilizações, lesões, distúrbios do metabolismo ou deficiências nutricionais) podem predispor um indivíduo à dor lombar (DL)⁷,⁸. Adicionalmente, baixos níveis de flexibilidade das estruturas passivas musculares (tendões, ligamentos e fáscias), podem estar associados à lombalgia⁹.

Nas condições de dor na região lombar, os músculos tornam-se espasmódicos mesmo em repouso e o acúmulo de metabólicos pode ocasionar irritação nas terminações nervosas da região, gerando espasmo reflexo e aumento de dor⁵,⁶. O tratamento para dor lombar crônica (DLC) pode ser realizado por meio de exercícios físicos, fármacos, injeções, tratamento fisioterapêutico e, em último caso, intervenção cirúrgica¹⁰,¹¹. No que se refere à utilização de exercícios físicos, apesar da carência de ensaios clínicos, há suporte teórico para sugerir a realização de exercícios de alongamentos como uma alternativa eficaz no tratamento da DLC³-⁶,¹².

Apesar da existência de estudos mostrando os efeitos positivos de exercícios de alongamento na DL¹³-¹⁸, a maioria combinou tais exercícios com outras intervenções terapêuticas¹⁴-¹⁶, sendo poucos os que avaliaram somente o exercício de alongamento¹⁷,¹⁸. Dentro deste contexto, estudos são necessários para revisar as evidências teóricas disponíveis sobre os mecanismos fisiológicos que poderiam explicar como o exercício de alongamento, exclusivamente, poderia reduzir a DL. Tais informações poderiam auxiliar profissionais da saúde na adequada utilização dessa estratégia não farmacológica de tratamento da lombalgia. No entanto, no melhor do conhecimento, não foram encontrados estudos que realizaram essa análise.

O objetivo deste estudo foi analisar os mecanismos que podem explicar como os exercícios de alongamentos poderiam reduzir a intensidade DL.

CONTEÚDO

Dor lombar

A experiência dolorosa é multidimensional, com diferenças na sensação, qualidade e/ou intensidade, podendo ser influenciada por aspectos afetivos e emocionais do indivíduo. Também é proposta como mecanismo de proteção, visto que é um alerta de lesão tecidual, fazendo com que o indivíduo reaja a determinado estímulo doloroso²,³,⁶. A dor pode ser avaliada por estratégias uni e multidimensionais¹⁹. Para a primeira possibilidade, a análise é feita a partir de escalonamento ou valores medidos por instrumentos unidimensionais, mensurando a intensidade da dor, como a escala numérica de dor¹⁹,²⁰. Por outro lado, a avaliação multidimensional busca investigar outros aspectos relacionados à dor, como seu significado e/ou influência na vida de um indivíduo, com a participação da equipe multiprofissional¹⁹,²⁰. A avaliação adequada da sensação dolorosa é fundamental para proceder da melhor forma possível no diagnóstico, prognóstico, planejamento e controle da dor²⁰.

A dor pode ser dividida, principalmente, em aguda ou crônica. A primeira está diretamente ligada à lesão tecidual em resposta a defesa do organismo, com duração menor de seis semanas e regredindo com a cicatrização tecidual⁶. Já a dor crônica tem origem multifatorial, persiste por tempo superior a 12 semanas e requer abordagem multidisciplinar no tratamento⁶. Neste aspecto, alguns fatores levam a cronificação de dor aguda para a crônica, como baixo nível de atividade física, envelhecimento, má postura no trabalho e esforço repetitivo.

Neste contexto, as diferentes etiologias também resultam em diferentes estratégias de tratamento. Na dor aguda, busca-se recuperação tecidual e alívio da dor, além do tratamento conservador para a melhora do processo inflamatório⁶,²¹. Em contrapartida, na dor crônica, o objetivo do tratamento é focado nos aspectos psicossociais, fisiológicos e culturais, redução da tensão muscular e da fadiga, assim como a incapacidade que foi gerada nesse indivíduo²⁰,²¹. Assim, os resultados provenientes dos exercícios de alongamento na redução da dor, alteração da rigidez das estruturas passivas e aumento da flexibilidade fazem com que a sua utilização seja promissora enquanto estratégia de tratamento não farmacológico da lombalgia.

Flexibilidade, alongamento e lombalgia

A flexibilidade é uma capacidade física importante para a aptidão física relacionada à saúde, podendo estar diretamente ligada à postura corporal e distúrbios musculoesqueléticos⁴,²². Essa capacidade física pode ser avaliada por meio da amplitude máxima de movimento (ADM_máx) atingida por uma ou mais articulações e é comumente treinada em exercícios de alongamento²². Tais exercícios podem ser realizados com diferentes organizações possíveis quanto às técnicas de alongamento utilizadas, principalmente passivo-estático²², passivo-dinâmico²³, ativo dinâmico²⁴ e de facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP)²⁵.

Nesse sentido, como parece não haver superioridade dos efeitos de uma técnica de alongamento em detrimento da outra²⁶,²⁷, os mecanismos abordados no presente estudo serão aqueles que são amplamente utilizados para explicar os efeitos dos exercícios de alongamento na ADM_máx e que estão relacionados a modificações biomecânicas e/ou sensoriais⁴,²².

Embora os mecanismos responsáveis pelo aumento da ADM_máx e consequente melhora da flexibilidade não estejam claramente elucidados, duas principais abordagens são propostas⁴ e podem ser analisadas quanto aos efeitos benéficos na DL. Uma aponta para alterações nas propriedades biomecânicas da unidade músculo tendão (UMT), como redução da rigidez passiva (RP)⁴,²². Outra abordagem sugere modificações na tolerância ao alongamento, proveniente de uma alteração na percepção de dor pelo indivíduo⁴. Em conjunto, essas duas abordagens podem contribuir para explicar os benefícios dos exercícios de alongamento na redução da intensidade da dor na lombalgia.

Dentro de uma perspectiva biomecânica, a flexibilidade de uma articulação também é determinada pela resistência causada pelos tecidos que a envolvem²⁸ e pode ser reduzida devido a encurtamento adaptativo dos tecidos moles²⁹,³⁰. Este encurtamento pode ser causado por imobilizações, sedentarismo e processo de envelhecimento do colágeno, que leva a menor elasticidade das fáscias próximas à coluna²⁹.

Uma das estruturas básicas dos tecidos é o colágeno, que perde a sua elasticidade com o envelhecimento³⁰. Dentro da matriz do colágeno, há aumento na formação de cross-links, afetando a biomecânica dos discos, predispondo as falhas mecânicas com aumento da viscosidade e redução na elasticidade do tecido³⁰. Portanto, a redução da elasticidade da fáscia, que pode afetar a ADM alcançada pela articulação, estaria relacionada à tensão muscular e DL por gerar uma compressão das raízes nervosas³,⁵,⁹.

Dentro desse contexto, a partir de uma abordagem biomecânica, realizar exercícios de alongamento poderia agir reduzindo a tensão muscular sobre as raízes nervosas, minimizando a DL. Estudos tem mostrado redução da rigidez passiva muscular²² na resistência da UMT ao alongamento³¹ e aumento da ADM_máx⁴,²²,³¹. A redução da rigidez passiva poderia ser resultado da deformação elástica gerada pela carga mecânica do exercício de alongamento nas estruturas da UMT, como proteínas intrasarcoméricas não contráteis; tecido conjuntivo intramuscular, principalmente o perimísio; e matriz extracelular³⁰. Ainda, é proposto que, cronicamente, o alongamento muscular reduziria a quantidade de cross-links nas fibras de colágeno, aumentando a elasticidade do tecido passivo³¹-³³. Em conjunto, esses efeitos biomecânicos poderiam indiretamente explicar como os exercícios de alongamento reduziriam a DL³⁴,³⁵.

Além da abordagem biomecânica, a abordagem sensorial⁴ poderia auxiliar no entendimento do efeito analgésico do exercício de alongamento na DL. Apesar desse efeito ainda não ser completamente explicado, é sugerido que a tensão mecânica estimularia terminações nervosas livres sensíveis a estímulos mecânicos³⁶,³⁷. Esses, transmitidos por vias aferentes de grosso calibre e maior velocidade de condução em relação às vias aferentes nociceptivas, chegariam primeiro ao corno posterior da medula, na substância gelatinosa, gerando inibição pré-sináptica, mecanismo conhecido como teoria da comporta³⁸. Estimulada pelo impulso nervoso dos mecanoceptores, a substância gelatinosa modularia a transmissão sináptica do impulso nervoso entre as fibras aferentes periféricas e as centrais, agindo como um sistema de comporta, reduzindo a passagem do estímulo doloroso³⁸.

Além disso, o alongamento da UMT também poderia alongar fibras nervosas, reduzindo a fibrose e a adesão entre o tecido conjuntivo circundante e os tecidos neurais, permitindo melhor deslizamento intrafascicular³⁸ e bombeamento/lavagem de fluido intraneural, facilitando o fluxo axoplasmático, minimizando a deposição de sensibilizantes químicos, resultando em alívio da dor³⁹-⁴¹. Conjuntamente, esses mecanismos neurofisiológicos poderiam explicar como o exercício de alongamento agiria reduzindo a DL e permitindo melhora da função⁴².

Dessa maneira, os exercícios de alongamento poderiam diminuir a DL por meio de mecanismos biomecânicos e neurofisiológicos, os quais também precisam ser analisados em conjunto, pois alterações biomecânicas nas propriedades musculares podem influenciar na quantidade de tensão que é transmitida aos tecidos nervosos e receptores sensórios pelo tecido conectivo⁴³. Assim, uma UMT menos rígida transmitiria menos tensão às demais estruturas nervosas, fazendo com que maiores ADM articulares possam ser atingidas sem sensação dolorosa⁴³.

No entanto, a prescrição do exercício de alongamento precisa ser adequadamente organizada, pois estudos anteriores mostraram que os efeitos do exercício de alongamento nas variáveis biomecânicas dependem, por exemplo, da técnica utilizada²² e da duração realizada⁴⁴. Assim sendo, o presente estudo apresentou como foco a análise dos mecanismos e a plausibilidade biológica para o uso do exercício de alongamento em pacientes com DLC. Com base nos mecanismos aqui identificados, estudos clínicos randomizados devem ser realizados, sobretudo com tamanho amostral adequado, definição do tipo de alongamento empregado e consistência interna adequada.

CONCLUSÃO

Existe suporte teórico para propor que a realização de exercícios de alongamento pode reduzir a intensidade de dor por meio de alterações biomecânicas e neurofisiológicas. Tal efeito é fundamental para que os indivíduos possam retornar às suas atividades funcionais e laborais.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Aos grupos de pesquisa em Genética e Esportes (GENES) e Exercício Físico: Saúde e Desempenho Humano (ExeF: SDH) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Fev 2022
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2022

Histórico

• Recebido
  22 Nov 2020
• Aceito
  22 Dez 2021