Acessibilidade / Reportar erro

Bloqueio do plano dos músculos eretores da espinha no manejo de dor pós-abordagens cirúrgicas torácicas por complicações da COVID-19. Relato de casos

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O bloqueio do plano dos músculos eretores da espinha é um bloqueio do plano interfascial usado como ferramenta para manejo de dor consequente a procedimentos cirúrgicos torácicos e abdominais descrito na literatura desde 2016 e amplamente utilizado na prática clínica. No contexto da pandemia causada pelo Sars-CoV-2, foram observadas múltiplas complicações pulmonares decorrentes de pneumonia viral grave e insuficiência respiratória que demandaram abordagens cirúrgicas para sua investigação e/ou tratamento. O objetivo deste estudo foi apresentar uma série de três casos de pacientes acometidos pela COVID-19 que tiveram complicações pulmonares pela infecção ou exacerbação de doença pulmonar prévia causada pelo novo coronavírus, nos quais o recurso do bloqueio do plano fascial contínuo foi utilizado para manejo de dor pós-operatória com sucesso.

RELATO DOS CASOS:

Foram apresentados três casos de pacientes acometidos pelo COVID-19 em sua forma de pneumonia viral, para os quais houve necessidade de cirurgia torácica diagnóstica ou terapêutica, e que foram submetidos ao bloqueio do plano dos músculos eretores da espinha para manejo da dor perioperatória.

CONCLUSÃO:

O uso de cateter com infusão contínua de anestésico local foi útil para a diminuição dos resgates analgésicos e manutenção de boa analgesia pós-operatória sem evidência de efeitos adversos nos pacientes apresentados, possibilitando ainda a aceleração da recuperação pós-operatória e um melhor desfecho para os pacientes.

Descritores:
Anestesia por condução; Cirurgia torácica vídeoassistida; Dor aguda; Infecções por coronavírus; Relato de caso

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Erector spinae plane block is an interfascial plane block used as a tool for management of pain resulting from thoracic and abdominal surgical procedures described in the literature since 2016 and widely used in clinical practice. In the context of the pandemic caused by Sars-CoV-2, multiple pulmonary complications arising from severe viral pneumonia and respiratory failure that required surgical approaches for their investigation and/or treatment were observed. The present study’s objective was to present a series of three cases of patients affected by COVID-19 who had pulmonary complications due to infection or exacerbation of previous pulmonary diseases caused by the new coronavirus, in which the continuous fascial plane block was successfully used for postoperative pain management.

CASE REPORTS:

Three cases of patients with COVID-19 viral pneumonia requiring diagnostic or therapeutic thoracic surgery who underwent erector spinae plane block for perioperative pain management were presented.

CONCLUSION:

The use of a catheter with continuous infusion of local anesthetic was useful for reducing analgesic rescue and maintaining good postoperative analgesia with no evidence of adverse effects in the presented patients, also allowing acceleration of postoperative recovery and a better outcome for the patients.

Keywords:
Acute pain; Case reports; Conduction anesthesia; Coronavirus Infections; Video-assisted thoracic surgery

INTRODUÇÃO

A analgesia para pacientes submetidos à cirurgia torácica é frequentemente objeto de discussão dada a alta incidência de dor nessa população. Atualmente, os principais guidelines de analgesia para o período pós-operatório de cirurgias torácicas envolve o uso de analgesia multimodal e bloqueios regionais ou do neuroeixo11 Batchelor TJP, Rasburn NJ, Abdelnour-Berchtold E, Brunelli A, Cerfolio RJ, Gonzalez M, et al. Guidelines for enhanced recovery after lung surgery: recommendations of the Enhanced Recovery After Surgery (ERAS®) Society and the European Society of Thoracic Surgeons (ESTS). Eur J Cardiothorac Surg. 2019;55(1):91-115..

O bloqueio do plano dos músculos eretores da espinha (ESPb) é citado como opção de analgesia regional para controle de dor pós-operatória em diferentes técnicas de cirurgias torácicas22 Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7.,33 Balaban O, Aydin T, Yaman M. Is ultrasound guided erector spinae plane block sufficient for surgical anesthesia in minor surgery at thoracal region? J Clin Anesth. 2018;47(1):7-8.,44 Chanowski EJP, Horn JL, Boyd JH, Tsui BCH, Brodt JL. Opioid-free ultra-fast-track on-pump coronary artery bypass grafting using erector spinae plane catheters. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;33(7):1988-90.. Descrito em 2016, trata-se de infiltração de anestéscio local no plano interfascial da musculatura eretora da espinha em topografia paravertebral com o objetivo de bloqueio da inervação da região torácica e abdominal alta, com possíveis componentes somático e autonômico55 Chin KJ, Malhas L, Perlas A. The erector spinae plane block provides visceral abdominal analgesia in bariatric surgery: a report of 3 cases. Reg Anesth Pain Med. 2017;42(3):372-6..

No contexto da pandemia causada pelo Sars-CoV-2, muitos pacientes desenvolveram complicações pulmonares decorrentes de pneumonia viral, sendo necessária intervenção cirúrgica em região torácica para procedimentos diagnósticos ou terapêuticos. Em alguns casos, tais pacientes foram submetidos a cirurgias de alto potencial doloroso, somando-se às complicações fisiológicas resultantes da COVID-19.

O objetivo deste estudo foi apresentar uma série de três casos de pacientes que desenvolveram COVID-19 em sua forma de pneumonia viral, para os quais houve necessidade de cirurgia torácica diagnóstica ou terapêutica e que foram submetidos ao ESPb para manejo da dor perioperatória.

RELATO DOS CASOS

O CAse REport (CARE) Checklist foi utilizado para elaboração deste manuscrito no intuito de aumentar acurácia, transparência e utilidade de relatos de casos66 Riley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE guidelines for case reports: explanation and elaboration document. J Clin Epidemiol. 2017;89:218-35.,77 Gagnier JJ, Kienle G, Altman DG, Moher D, Sox H, Riley DS, CARE Group. The CARE Guidelines: Consensus-based Clinical Case Reporting Guideline Development. Glob Adv Health Med. 2013;2(5):38-43..

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 73 anos, previamente hipertenso, apresentou início de sintomas gripais, evoluindo com dispneia e internação em hospital terciário por quadro de insuficiência respiratória aguda, com necessidade de intubação orotraqueal.

Durante a internação, o paciente apresentou como complicação embolia pulmonar bilateral por trombose venosa profunda de veia poplítea direita, associada a infarto pulmonar extenso à direita. Evoluiu com fístula broncopleural e pneumotórax à direita, com colocação de dreno pigtail em parede anterior, que somente evoluiu satisfatoriamente após aspiração contínua, porém sem expansão pulmonar. Foi submetido a esvaziamento do espaço pleural por toracoscopia videoassistida (VATS) direita e drenagem pleural anterior com dreno 28 french (Fr) e posterior com dreno 38 Fr. A Equipe de Controle da Dor foi solicitada para avaliar o caso. No primeiro dia de pós-operatório, o paciente apresentava-se com dor intensa em hemitórax direito, ventilatório-dependente, em queimação com irradiação por todo hemitórax a partir da região axilar, com piora à respiração profunda e ao tossir.

Na prescrição, constava uso de morfina 4 mg endovenosa (EV), se necessário, metadona 10 mg via oral uma vez por dia, paracetamol via oral 2 g por dia e dipirona via oral 8 g por dia. Foi introduzida pregabalina via oral 75 mg por dia e foi realizado ESPb à direita com passagem de cateter local. Foi iniciada bomba de analgesia controlada pelo paciente (ACP), com ropivacaína a 0,2%, com infusão contínua de 7 mL por hora (h), bolus de 5 mL, intervalo mínimo de 30 minutos e limite em 4 h de 17 mL.

O paciente evoluiu com relato de melhora significativa da dor, com dor de zero/10 em escala numérica de avaliação (EN) em repouso e dor 2/10 quando mobilizado no leito (sentar-se e deambular), sem outras queixas. Nos dias subsequentes, houve redução do consumo de opioide e o uso do cateter foi cessado no 5º dia após sua implantação. O paciente manteve-se sem queixas álgicas até a alta hospitalar, 20 dias após a cirurgia.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 70 anos, hipertenso, com diagnóstico de diabetes mellitus e doença renal crônica, tipo 2, ex-tabagista, admitido em hospital terciário com diagnóstico confirmado de COVID-19 já no 30º dia de sintomas.

Apresentava-se com quadro de dispneia aos moderados/grandes esforços, associado a tosse e evoluiu com taquidispneia, murmúrios vesiculares abolidos à direita e uso de cateter nasal 3 L/min.

Foi realizada toracocentese de alívio com saída de 2 litros de líquido sero-hemático, com melhora dos sintomas. Houve passagem de dreno pigtail sem drenagem efetiva e indicada decorticação, desbridamento pleural e toracocentese por VATS.

No pós-operatório imediato, o paciente apresentou dor EN 10/10, sendo indicado ESPb à direita com passagem de cateter local e infusão de solução de ropivacaína a 0,2% em ACP com infusão de 4 mL/h; bolus de 5 mL, com intervalo de 30 minutos, limite de 4 horas de 60 mL. Foi também prescrita gabapentina 900 mg/dia, dipirona 4 g/dia intravenosa e tramadol 100 mg 6/6 horas intravenoso, se necessário. O paciente evoluiu com dor discreta (EN:2/10) em hemitórax direito em respiração profunda, sem dor em mobilização e sem necessidade de uso de opioide.

Evoluiu com introdução de ciclobenzaprina 5 mg uma vez ao dia para queixa de dor miofascial, pelo decúbito. No 8º dia de pós-operatório, foi interrompido o uso do cateter (pelo rompimento deste no encaixe com o filtro bacteriostático) e iniciado desmame de gabapentina, sem queixas álgicas. O paciente teve alta hospitalar três semanas após a cirurgia, apenas com uso eventual de dipirona.

Caso 3

Paciente do sexo masculino, 53 anos, hipertenso, obeso, com diagnóstico de COVID-19, com necessidade de intubação orotraqueal no 12º dia de sintomas além do uso de bloqueador neuromuscular em infusão contínua, posicionamento em prona e óxido nítrico (NO). Evoluiu com ventilação mecânica por tempo prolongado sendo submetido à traqueostomia.

Desenvolveu pneumonia necrotizante, com necessidade de realização de cirurgia torácica, sendo indicada segmentectomia apical direita por VATS e toracotomia. Em seguida, foi feita drenagem fechada com dreno de tórax 38 Fr. No intraoperatório, foi realizada a passagem de cateter em plano dos músculos eretores da espinha à direita. O paciente foi encaminhado à unidade de terapia intensiva com infusão contínua de solução de ropivacaína a 0,2% a uma velocidade de 6 mL/h, com orientação para bolus manual pela equipe médica de 6 mL, caso fosse necessário. No primeiro dia de pós-operatório, houve relato da equipe de enfermagem que o cateter havia sido perdido. Durante nova visita da equipe de dor, após dose-teste com 10mL de lidocaína a 1% e alívio de 50% da dor, foi constatada viabilidade do cateter e sua fixação efetiva em 13cm na marca da pele.

Após desmame de ventilação mecânica, o paciente evoluiu consciente e orientado, sem queixas de dor durante repouso ou mobilização e cooperativo para reabilitação respiratória. Não houve necessidade de uso de opioides de horário ou resgate, mantendo-se apenas o uso de dipirona 8 g/dia intravenosa e a infusão de anestésico local através do cateter. No 5º dia de pós-operatório, apresentou quebra do cateter interfascial. Em seguida, o cateter e o dreno de tórax foram retirados no mesmo dia, sem queixas de dor.

Após tratamento fisioterapêutico para recuperação motora e respiratória, o paciente evoluiu com oclusão da traqueostomia e decanulação com sucesso e teve alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial 51 dias após o procedimento cirúrgico, sem queixas álgicas.

DISCUSSÃO

Inicialmente descrito por Forero et al.22 Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7. para o tratamento de dor torácica de padrão neuropático, o ESPb é um bloqueio de plano fascial. Os músculos eretores da espinha compreendem uma série de músculos que se estendem ao longo da região cervical, torácica e lombar. Esses músculos estão localizados no sulco lateral da coluna vertebral e incluem o iliocostal, espinhal e dorsal longo.

Na versão deste bloqueio utilizada nos pacientes descritos, o paciente é posicionado em decúbito dorsal lateral ou em posição sentada inclinado para frente, sendo exposta a parede torácica posterior. O procedimento é realizado sob técnica asséptica. Um transdutor de ultrassom linear de alta frequência é colocado em orientação longitudinal sobre a linha mediana da coluna, na altura de T4-T6, com o objetivo de identificação do processo espinhoso da vértebra. Uma vez identificado, desliza-se o transdutor lateralmente em direção ao lado a ser bloqueado até ser identificado o processo transverso da vértebra, referência anatômica do bloqueio. A agulha de bloqueio é inserida na pele em plano com os feixes do transdutor de ultrassom em direção ao processo transverso espinhal, orientação céfalocaudal, até ser estabelecido contato. A agulha é então retraída em poucas frações de milímetros, apenas para ser perdido o contato dela com a superfície óssea, e o anestésico local de escolha é infundido no plano fascial. É observada a formação de um bolsão interfascial entre o processo transverso vertebral e os músculos eretores da espinha.

Estudos indicam que seu provável local de ação ocorra nos ramos dorsais e ventrais dos nervos espinhais, além de abranger a cadeia simpática em topografia torácica22 Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7.,55 Chin KJ, Malhas L, Perlas A. The erector spinae plane block provides visceral abdominal analgesia in bariatric surgery: a report of 3 cases. Reg Anesth Pain Med. 2017;42(3):372-6.. Há evidência de que, durante o ESPb, o volume injetado distribui-se por vários dermátomos adjacentes em parede torácica anterior, lateral e posterior66 Riley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE guidelines for case reports: explanation and elaboration document. J Clin Epidemiol. 2017;89:218-35.. A hipótese é de que as mudanças de pressão intratorácica em um modelo vivo permitiriam a dispersão para o espaço paravertebral, evento não passível de ser observado em cadáveres55 Chin KJ, Malhas L, Perlas A. The erector spinae plane block provides visceral abdominal analgesia in bariatric surgery: a report of 3 cases. Reg Anesth Pain Med. 2017;42(3):372-6.. Outro mecanismo potencial descrito é a disseminação peridural do anestésico local77 Gagnier JJ, Kienle G, Altman DG, Moher D, Sox H, Riley DS, CARE Group. The CARE Guidelines: Consensus-based Clinical Case Reporting Guideline Development. Glob Adv Health Med. 2013;2(5):38-43..

Atualmente, a aplicação do ESPb já se estendeu para além da cirurgia torácica e diversas abordagens têm sido descritas. Há relatos que mostram sua eficácia para analgesia em procedimentos como reconstrução mamária, cirurgias de quadril, cirurgias de revascularização miocárdica, dentre outras33 Balaban O, Aydin T, Yaman M. Is ultrasound guided erector spinae plane block sufficient for surgical anesthesia in minor surgery at thoracal region? J Clin Anesth. 2018;47(1):7-8.,44 Chanowski EJP, Horn JL, Boyd JH, Tsui BCH, Brodt JL. Opioid-free ultra-fast-track on-pump coronary artery bypass grafting using erector spinae plane catheters. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;33(7):1988-90.,88 Ueshima H, Hiroshi O. Spread of local anesthetic solution in the erector spinae plane block. J Clin Anesth. 2018;45:23.,99 Yang HM, Choi YJ, Kwon HJ, O J, Cho TH, Kim SH. Comparison of injectate spread and nerve involvement between retrolaminar and erector spinae plane blocks in the thoracic region: a cadaveric study. Anaesthesia. 2018;73(10):1244-50..

A anestesia regional é fortemente recomendada para reduzir o uso de opioides e os efeitos adversos relacionados, incluindo hipoventilação1010 Bonvicini D, Tagliapietra L, Giacomazzi A, Pizzirani E. Bilateral ultrasound-guided erector spinae plane blocks in breast cancer and reconstruction surgery. J Clin Anesth. 2018;44(1):3-4., sedação, náuseas e vômitos1111 Tulgar S, Senturk O. Ultrasound guided Erector Spinae Plane block at L-4 transverse process level provides effective postoperative analgesia for total hip arthroplasty. J Clin Anesth. 2018;44:68.. O ESPb é tecnicamente simples de executar, com baixa probabilidade de complicações, como lesão traumática de nervos, pneumotórax ou formação de hematoma. A anticoagulação pode ser uma contraindicação relativa ao ESPb, embora não haja diretrizes específicas. Os pacientes relatados estavam em uso de anticoagulação profilática e esta não foi interrompida para realização do procedimento.

O consenso mais recente da American Society of Regional Anesthesia (ASRA), de 2018, não trata especificamente de bloqueios paraespinhais e anticoagulação1212 Bos EME, Haumann J, de Quelerij M, Vandertop W P, Kalkman CJ, Hollmann MW, et al. Haematoma and abscess after neuraxial anaesthesia: a review of 647 cases. Br J Anaesth. 2018;120(4):693-704.. Além disso, existem menos contraindicações para o bloqueio de plano fascial em comparação com as técnicas neuroaxiais, fazendo do ESPb uma alternativa potencial aos bloqueios de neuroeixo1313 Richardson J, Sabanathan S, Shah R. Post-thoracotomy spirometric lung function: the effect of analgesia. A review. J Cardiovasc Surg (Torino). 1999;40(3):445-56.. A técnica de ESPb mostra-se, nesse caso, uma importante ferramenta de analgesia locorregional para manejo da dor.

Os três pacientes apresentados neste relato mantiveram escores de dor satisfatórios nos dias subsequentes à intervenção cirúrgica, com boa tolerância à precoce introdução da rotina de fisioterapia respiratória, mesmo em uso de dreno de tórax, às vezes em mais de um local. Esses pacientes evoluíram com baixo consumo de opioides no seguimento, evidenciando o benefício da analgesia com o ESPb contínuo associado a adjuvantes como gabapentinóides e analgésicos comuns. Nesse grupo específico de pacientes, que são os acometidos pela COVID-19 com múltiplas comorbidades, é ainda mais importante o benefício da analgesia regional quando considerados seu status limítrofe de funções respiratória, neurológica e hemodinâmica.

No entanto, ainda existem obstáculos à utilização e manutenção da viabilidade do cateter periférico interfascial durante os cuidados pós-operatórios. É necessário o aperfeiçoamento de técnicas de fixação do cateter, além do treinamento das equipes envolvidas no cuidado e manipulação do paciente. A infusão contínua por via interfascial é uma opção de analgesia relativamente recente, sendo necessária a familiarização de toda a equipe multidisciplinar com tal ferramenta para se evitar perdas de cateteres ou infusões por vias não habituais. O pouco contato das equipes assistenciais fora do centro cirúrgico com os cuidados do cateter e a compreensão da importância da manutenção da viabilidade destes ainda são obstáculos a serem superados.

O ESPb contínuo (passagem de cateter interfascial) mostra-se, portanto, importante aliado no manejo da dor operatória, principalmente em pacientes com importante acometimento respiratório submetidos a procedimentos cirúrgicos torácicos, resultando em melhor desfecho e recuperação precoce destes. Deve-se fomentar a divulgação da técnica e o estímulo da sua reprodução e aprendizado por parte de médicos anestesiologistas em formação ou já em prática, de modo a ampliar o leque de atuação e de boas práticas no manejo intra e pós-operatório de pacientes. Estudos futuros podem auxiliar a comprovar o benefício e otimização de desfechos encontrados nestes relatos, ampliando a prática de ESPb contínuo para outras variedades de procedimentos, assim como evidenciar a aplicabilidade em outras localidades, como transição toraco-lombar ou região lombar.

CONCLUSÃO

O ESPb é uma técnica que impacta substancialmente o manejo da dor em pacientes submetidos à cirurgia torácica, inclusive no cenário apresentado de pacientes submetidos a tais procedimentos cirúrgicos por complicações decorrentes da COVID-19. O uso de cateter com infusão contínua de anestésico local foi útil para a diminuição dos resgates analgésicos e manutenção de boa analgesia pós-operatória sem evidência de efeitos adversos nos pacientes apresentados. O pouco contato das equipes assistenciais fora do centro cirúrgico com os cuidados do cateter e a compreensão da importância da manutenção da viabilidade destes ainda são obstáculos a serem superados.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Batchelor TJP, Rasburn NJ, Abdelnour-Berchtold E, Brunelli A, Cerfolio RJ, Gonzalez M, et al. Guidelines for enhanced recovery after lung surgery: recommendations of the Enhanced Recovery After Surgery (ERAS®) Society and the European Society of Thoracic Surgeons (ESTS). Eur J Cardiothorac Surg. 2019;55(1):91-115.
  • 2
    Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med. 2016;41(5):621-7.
  • 3
    Balaban O, Aydin T, Yaman M. Is ultrasound guided erector spinae plane block sufficient for surgical anesthesia in minor surgery at thoracal region? J Clin Anesth. 2018;47(1):7-8.
  • 4
    Chanowski EJP, Horn JL, Boyd JH, Tsui BCH, Brodt JL. Opioid-free ultra-fast-track on-pump coronary artery bypass grafting using erector spinae plane catheters. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2019;33(7):1988-90.
  • 5
    Chin KJ, Malhas L, Perlas A. The erector spinae plane block provides visceral abdominal analgesia in bariatric surgery: a report of 3 cases. Reg Anesth Pain Med. 2017;42(3):372-6.
  • 6
    Riley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE guidelines for case reports: explanation and elaboration document. J Clin Epidemiol. 2017;89:218-35.
  • 7
    Gagnier JJ, Kienle G, Altman DG, Moher D, Sox H, Riley DS, CARE Group. The CARE Guidelines: Consensus-based Clinical Case Reporting Guideline Development. Glob Adv Health Med. 2013;2(5):38-43.
  • 8
    Ueshima H, Hiroshi O. Spread of local anesthetic solution in the erector spinae plane block. J Clin Anesth. 2018;45:23.
  • 9
    Yang HM, Choi YJ, Kwon HJ, O J, Cho TH, Kim SH. Comparison of injectate spread and nerve involvement between retrolaminar and erector spinae plane blocks in the thoracic region: a cadaveric study. Anaesthesia. 2018;73(10):1244-50.
  • 10
    Bonvicini D, Tagliapietra L, Giacomazzi A, Pizzirani E. Bilateral ultrasound-guided erector spinae plane blocks in breast cancer and reconstruction surgery. J Clin Anesth. 2018;44(1):3-4.
  • 11
    Tulgar S, Senturk O. Ultrasound guided Erector Spinae Plane block at L-4 transverse process level provides effective postoperative analgesia for total hip arthroplasty. J Clin Anesth. 2018;44:68.
  • 12
    Bos EME, Haumann J, de Quelerij M, Vandertop W P, Kalkman CJ, Hollmann MW, et al. Haematoma and abscess after neuraxial anaesthesia: a review of 647 cases. Br J Anaesth. 2018;120(4):693-704.
  • 13
    Richardson J, Sabanathan S, Shah R. Post-thoracotomy spirometric lung function: the effect of analgesia. A review. J Cardiovasc Surg (Torino). 1999;40(3):445-56.
  • 14
    Horlocker TT, Vandermeuelen E, Kopp SL, Gogarten W, Leffert LR, Benzon HT. Regional anesthesia in the patient receiving antithrombotic or thrombolytic therapy: American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine Evidence-Based Guidelines (Fourth Edition). Reg Anesth Pain Med. 2018;43(3):263-309.
  • 15
    Yeung JH, Gates S, Naidu BV, Wilson MJ, Gao Smith F. Paravertebral block versus thoracic epidural for patients undergoing thoracotomy. Cochrane Database Syst Rev. 2016;(2):CD009121.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2021
  • Aceito
    03 Maio 2022
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br