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Treinamento resistido de baixa intensidade promove redução da hiperalgesia mecânica e aumento da força muscular em ratos submetidos ao modelo de dor crônica muscular difusa

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A síndrome da fibromialgia (SFM) é caracterizada por diferentes fatores, como dor crônica muscular difusa (DCMD), fadiga e alterações psicoemocionais. Dentre os modelos animais que mimetizam a SFM, o modelo de salina ácida é consolidado no desenvolvimento e na manutenção da DCMD. O treinamento resistido (TR) tem sido um método eficaz para redução da dor na SFM. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos do TR na resposta nociceptiva e motora em modelo animal de dor crônica muscular difusa.

MÉTODOS:

Vinte e quatro ratos machos Wistar foram alocados em quatro grupos: treinamento resistido (TR), controle do TR, amitriptilina (AMITRIP) e controle da AMITRIP, todos os protocolos de tratamento tiveram duração de 4 semanas. A DCMD foi induzida em todos os ratos. Em seguida, os animais foram tratados com TR de baixa intensidade (40% 1 repetição máxima) e AMITRIP (10 mg/kg/dia). Foram avaliados o limiar mecânico de retirada de pata, a atividade locomotora e a força muscular.

RESULTADOS:

Animais tratados tanto com TR quanto com AMITRIP apresentaram aumento do limiar mecânico de retirada de pata (p<0,05) em relação aos seus controles, sugerindo redução da hiperalgesia mecânica. Não foi observada melhora da atividade locomotora em todos os grupos (p>0,05). Animais com DCMD que realizaram TR obtiveram aumento da força muscular dos membros posteriores (p<0,0001) em comparação ao grupo controle do TR.

CONCLUSÃO:

Treinamento resistido de baixa intensidade resultou em efeitos anti-hiperalgésicos e melhora da força muscular em animais submetidos ao modelo de DCMD.

Descritores:
Exercício físico; Fibromialgia; Neurociências; Treinamento de resistência

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Fibromyalgia syndrome (FMS) is characterized by different factors, such as chronic diffuse muscle pain (CDMP), fatigue and psycho-emotional changes. Among the animal models that mimic FMS, the acid saline model is consolidated in the development and maintenance of CDMP. Resistance training (RT) has been an effective method for reducing pain in FMS. Thus, the aim of the present study was to evaluate the effects of resistance training on nociceptive and motor responses in an animal model of chronic diffuse muscular pain.

METHODS:

Twenty-four male Wistar rats were allocated into four groups: resistance training, RT control, amitriptyline (AMITRIP) and AMITRIP control; all treatment protocols lasted 4 weeks. CDMP was induced in all mice. Then, the animals were treated with low-intensity RT (40% 1 maximum repetition) and AMITRIP (10 mg/kg/day). The mechanical paw withdrawal threshold, locomotor activity and muscle strength were evaluated.

RESULTS:

Animals treated with both RT and AMITRIP showed an increase in the mechanical paw withdrawal threshold (p<0.05) compared to their controls, suggesting a reduction in mechanical hyperalgesia. There was no improvement in locomotor activity in all groups (p>0.05). Animals with CDMP that underwent RT showed an increase in hindlimb muscle strength (p<0.0001) compared to the RT control group.

CONCLUSION:

Low-intensity resistance training resulted in antihyperalgesic effects and improved muscle strength in animals submitted to the CDMP model.

Keywords:
Exercise; Fibromyalgia; Neurosciences; Resistance training

DESTAQUES

Treinamento de força atenua hiperalgesia de ratos com dor crônica muscular difusa

Exercício de força induz aumento da força de ratos com dor crônica muscular difusa

Ratos com dor crônica muscular difusa não melhoram locomoção após exercício de força

RESUMO GRÁFICO

INTRODUÇÃO

A síndrome da fibromialgia (SFM) é caracterizada como uma síndrome que envolve diversos sintomas associados a dor crônica musculoesquelética, como ansiedade, depressão, distúrbios no sono, disfunções intestinas, rigidez nos músculos e aumento da fadiga11 Bradley LA. Pathophysiology of Fibromyalgia. Am J Med. dezembro de 2009;122(12):S22–30.,22 Martínez-Lavín M, Hermosillo AG, Rosas M, Soto ME. Circadian studies of autonomic nervous balance in patients with fibromyalgia: a heart rate variability analysis. Arthritis Rheum. 1998;41(11):1966-71.,33 Sluka KA, Clauw DJ. Neurobiology of fibromyalgia and chronic widespread pain. Neuroscience. 2016;338:114-29.,44 Chong YY, Ng BY. Clinical aspects and management of fibromyalgia syndrome. Ann Acad Med Singapore. 2009;38(11):967-73.. Esse estado patológico promove desordens no sistema nervoso central por meio do aumento de estímulos nociceptivos a longo prazo, resultando em sensibilização33 Sluka KA, Clauw DJ. Neurobiology of fibromyalgia and chronic widespread pain. Neuroscience. 2016;338:114-29.,44 Chong YY, Ng BY. Clinical aspects and management of fibromyalgia syndrome. Ann Acad Med Singapore. 2009;38(11):967-73.,55 Gyorfi M, Rupp A, Abd-Elsayed A. Fibromyalgia pathophysiology. Biomedicines. 2022;10(12):3070.,66 Ovrom EA, Mostert KA, Khakhkhar S, McKee D P, Yang P, Her YF. A Comprehensive review of the genetic and epigenetic contributions to the development of fibromyalgia. Biomedicines. 2023;11(4):1119..

A etiologia da SFM permanece desconhecida, mas alguns mecanismos fisiopatológicos podem estar presentes, tais como: somação medular de vias ascendentes da dor, hipoativação do sistema modulador da dor, sensibilização de nociceptores periféricos e centrais, desregulação do sistema neuroendócrino e desbalanço autonômico33 Sluka KA, Clauw DJ. Neurobiology of fibromyalgia and chronic widespread pain. Neuroscience. 2016;338:114-29.,66 Ovrom EA, Mostert KA, Khakhkhar S, McKee D P, Yang P, Her YF. A Comprehensive review of the genetic and epigenetic contributions to the development of fibromyalgia. Biomedicines. 2023;11(4):1119.,77 DeSantana JM, Sluka KA. Central mechanisms in the maintenance of chronic widespread noninflammatory muscle pain. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(5):338-43.,88 Cohen H, Neumann L, Kotler M, Buskila D. Autonomic nervous system derangement in fibromyalgia syndrome and related disorders. 2001;3..

Pesquisas experimentais têm sido realizadas com a finalidade de entender a fisiopatologia e os mecanismos envolvidos nos tratamentos desta síndrome77 DeSantana JM, Sluka KA. Central mechanisms in the maintenance of chronic widespread noninflammatory muscle pain. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(5):338-43.,99 Sluka KA, Kalra A, Moore SA. Unilateral intramuscular injections of acidic saline produce a bilateral, long-lasting hyperalgesia. Muscle Nerve. 2001;24(1):37-46.,1010 Yokoyama T, Lisi TL, Moore SA, Sluka KA. Muscle fatigue increases the probability of developing hyperalgesia in mice. J Pain. 2007;8(9):692-9.,1111 DeSantana JM, da Cruz KM, Sluka KA. Animal models of fibromyalgia. Arthritis Res Ther. 2013;15(6):222.. No tocante, diversos modelos animais que mimetizam a SFM têm sido desenvolvidos, entre esses, o modelo salina ácida é consolidado no desenvolvimento e na manutenção da dor crônica muscular difusa (DCMD), por desencadear sensibilização central ao nível de medula espinal e áreas supraespinhais77 DeSantana JM, Sluka KA. Central mechanisms in the maintenance of chronic widespread noninflammatory muscle pain. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(5):338-43.,99 Sluka KA, Kalra A, Moore SA. Unilateral intramuscular injections of acidic saline produce a bilateral, long-lasting hyperalgesia. Muscle Nerve. 2001;24(1):37-46.,1111 DeSantana JM, da Cruz KM, Sluka KA. Animal models of fibromyalgia. Arthritis Res Ther. 2013;15(6):222..

Ainda assim, na tentativa de minimizar as lesões causadas pela SFM, existe uma gama de terapias estudadas, sejam de caráter farmacológica ou não farmacológica1212 Busch AJ, Webber SC, Richards RS, Bidonde J, Schachter CL, Schafer LA, Danyliw cA, Sawant A, Dal Bello-Haas V, Rader T, Overend TJ. Resistance exercise training for fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2013(12):CD010884.,1313 Dailey DL, Frey Law LA, Vance CG, Rakel BA, Merriwether EN, Darghosian L, Golchha M, Geasland KM, Spitz R, Crofford LJ, Sluka KA. Perceived function and physical performance are associated with pain and fatigue in women with fibromyalgia. Arthritis Res Ther. 2016;16;18:68.,1414 Bidonde J, Busch AJ, Schachter CL, Overend TJ, Kim SY, Góes SM, Boden C, Foulds HJ. Aerobic exercise training for adults with fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2017;6(6):CD012700.,1515 Acet G. The comparation of the effectiveness of amitriptyline and pregabalin treatment in fibromyalgia patients. North Clin Istanb [Internet]. 2017 [citado 19 de junho de 2023]; Disponível em: https://www.journalagent.com/nci/pdfs/NCI_4_2_151_159.pdf.
https://www.journalagent.com/nci/pdfs/NC...
. A ação das terapias farmacológicas visa potencializar a liberação de neurotransmissores (ex. norepinefrina, serotonina e ácido gama-aminobutírico) envolvidos na inibição da excitabilidade e redução de neurotransmissores (ex. glutamato e aspartato) que favorecem a estimulação central1515 Acet G. The comparation of the effectiveness of amitriptyline and pregabalin treatment in fibromyalgia patients. North Clin Istanb [Internet]. 2017 [citado 19 de junho de 2023]; Disponível em: https://www.journalagent.com/nci/pdfs/NCI_4_2_151_159.pdf.
https://www.journalagent.com/nci/pdfs/NC...
,1616 Kwiatek R. Treatment of fibromyalgia. Aust Prescr. 2017;40(5):179-83.,1717 Clauw DJ. Fibromyalgia: a clinical review. JAMA. 2014;311(15):1547.. Entretanto, é necessário levar em conta que o uso crônico destes fármacos pode promover efeitos adversos, tais como sonolência, xerostomia, sedação, taquicardia, hipotensão ortostática, palpitações e constipação1818 Bryson HM, Wilde MI. Amitriptyline: A review of its pharmacological properties and therapeutic use in chronic pain states. Drugs Aging. 1996;8(6):459-76.,1919 Lawson K. Tricyclic antidepressants and fibromyalgia: what is the mechanism of action? Expert Opin Investig Drugs. 2002;11(10):1437-45.,2020 Riediger C, Schuster T, Barlinn K, Maier S, Weitz J, Siepmann T. Adverse effects of antidepressants for chronic pain: a systematic review and meta-analysis. Front Neurol. 2017;8:307..

Na busca por alternativas terapêuticas eficazes e desprovidas de efeitos adversos, têm sido discutidas terapias não medicamentosas (atividade física e exercício físico), as quais possuem desfechos favoráveis na redução da dor e melhora do desempenho funcional1212 Busch AJ, Webber SC, Richards RS, Bidonde J, Schachter CL, Schafer LA, Danyliw cA, Sawant A, Dal Bello-Haas V, Rader T, Overend TJ. Resistance exercise training for fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2013(12):CD010884.,1414 Bidonde J, Busch AJ, Schachter CL, Overend TJ, Kim SY, Góes SM, Boden C, Foulds HJ. Aerobic exercise training for adults with fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2017;6(6):CD012700.,1717 Clauw DJ. Fibromyalgia: a clinical review. JAMA. 2014;311(15):1547.,2121 Sluka KA, Frey-Law L, Hoeger Bement M. Exercise-induced pain and analgesia? Underlying mechanisms and clinical translation. Pain. 2018;159(1):S91-7.,2222 Lima LV, Abner TSS, Sluka KA. Does exercise increase or decrease pain? Central mechanisms underlying these two phenomena: exercise pain and analgesia. J Physiol. 2017;595(13):4141-50.. A atividade física regular é capaz de promover mudanças benéficas nas vias inibitórias centrais da dor, além de atuar na ação protetora do sistema imunológico2121 Sluka KA, Frey-Law L, Hoeger Bement M. Exercise-induced pain and analgesia? Underlying mechanisms and clinical translation. Pain. 2018;159(1):S91-7.,2323 Da Silva Santos R, Galdino G. Endogenous systems involved in exercise-induced analgesia. J Physiol Pharmacol. 2018;69(1):3-13..

Em estudo pré-clínico, Sabharwal et al.2424 Sabharwal R, Rasmussen L, Sluka KA, Chapleau MW. Exercise prevents development of autonomic dysregulation and hyperalgesia in a mouse model of chronic muscle pain. Pain. 2016;157(2):387-98. mostraram que a atividade física regular, utilizando uma roda de corrida, foi capaz de prevenir o desenvolvimento da hiperalgesia secundária, mediada centralmente, em modelo de experimentação animal com dor crônica musculoesquelética não inflamatória induzida por salina ácida em camundongos. Do mesmo modo, Leung et al. mostraram que a atividade física regular em camundongos foi capaz de produzir aumento da interleucina (IL) IL-10 (citocina anti-inflamatória) associada a maior expressividade de macrófagos reguladores do tipo M2 em modelo de dor crônica muscular generalizada2525 Leung A, Gregory NS, Allen LAH, Sluka KA. Regular physical activity prevents chronic pain by altering resident muscle macrophage phenotype and increasing interleukin-10 in mice. Pain. 2016;157(1):70-9..

Além disso, de acordo com Bement e Sluka, o exercício físico aeróbio de baixa intensidade em ratos com DCMD resultou na diminuição da hiperalgesia mecânica mediada por mecanismos opioidérgicos2626 Bement MKH, Sluka KA. Low-intensity exercise reverses chronic muscle pain in the rat in a naloxone-dependent manner. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(9):1736-40.. Não obstante, mediadores químicos podem estar envolvidos no processamento de analgesia induzida pelo exercício físico, como por exemplo neurotransmissores, gases solúveis, neuromoduladores e aminas bioendógenas2323 Da Silva Santos R, Galdino G. Endogenous systems involved in exercise-induced analgesia. J Physiol Pharmacol. 2018;69(1):3-13..

Diversos efeitos positivos são associados a prática do treinamento resistido (TR), essa modalidade de exercício físico tem ganhado notoriedade devido aos seus benefícios, como a analgesia, redução da fadiga, aumento da sensibilidade barorreflexa, ganhos de força e resistência muscular1212 Busch AJ, Webber SC, Richards RS, Bidonde J, Schachter CL, Schafer LA, Danyliw cA, Sawant A, Dal Bello-Haas V, Rader T, Overend TJ. Resistance exercise training for fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2013(12):CD010884.,2727 Bhati P, Moiz JA, Menon GR, Hussain ME. Does resistance training modulate cardiac autonomic control? A systematic review and meta-analysis. Clin Auton Res. 2019;29(1):75-103.,2828 Schoenfeld BJ, Grgic J, Ogborn D, Krieger JW. Strength and hypertrophy adaptations between low- vs. high-load resistance training: a systematic review and meta-analysis. J Strength Cond Res. 2017;31(12):3508-23.. Até dado momento, não foi realizado nenhum estudo que avaliasse a resposta nociceptiva e motora de animais com DCMD tratados com TR. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos do TR em modelo animal de DCMD.

MÉTODOS

Aspectos éticos e animais

O projeto foi desenvolvido de acordo com aspectos éticos do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) e da Lei Arouca (Lei federal 11.794), com aprovação da Comissão de Ética no uso de Animais da Universidade Federal de Sergipe (CEUA/UFS nº 1354250619). Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram selecionados 24 ratos machos do tipo Wistar, pesando entre 250 e 350 g, advindos do Biotério Setorial do Laboratório de Pesquisa em Neurociências da Universidade Federal de Sergipe. Os animais foram alojados em caixas acopladas a uma estante ventilada (Alesco®, Monte Mor, S P, Brasil) com comida e água ad libitum e mantidos em ciclo claro/escuro de 12:12 horas em temperatura ambiente de 22°C.

Delineamento

Trata-se de um estudo experimental, aleatorizado, encoberto e controlado. Este estudo foi desenvolvido de acordo com as recomendações preconizadas pelo Animal Research: Reporting of In Vivo Experimentos (ARRIVE). Os animais foram alocados em quatro grupos (6 animais por grupo), divididos em: 1) Treinamento resistido (TR); 2) Controle do TR (CTR); 3) Amitriptilina (AMITRIP); e 4) Controle da AMITRIP (CAM). Os animais foram alocados em seus respectivos grupos, por meio de envelopes opacos selados contendo as letras A, B, C e D, sendo relativamente proporcional aos 4 grupos do estudo. Os envelopes foram abertos imediatamente antes da alocação para intervenção, por um avaliador cego. Quanto à experimentação do estudo, dois operadores previamente treinados foram responsáveis pela execução do protocolo de intervenção em todos os grupos, enquanto um terceiro operador ficou responsável pela coleta das variáveis da avaliação.

Indução do modelo de dor crônica muscular difusa

Para indução de DCMD, foram aplicadas duas injeções de substância salina ácida (pH 4,0; 100 μL por injeção), administradas com intervalo de cinco dias, unilateralmente, por via intramuscular, no músculo gastrocnêmio esquerdo. Ainda assim, asseguramos de que no momento da indução, o animal foi anestesiado com isoflurano vaporizado a uma concentração de 4% (BioChimico®, Itatiaia, RJ, Brasil)99 Sluka KA, Kalra A, Moore SA. Unilateral intramuscular injections of acidic saline produce a bilateral, long-lasting hyperalgesia. Muscle Nerve. 2001;24(1):37-46.,1111 DeSantana JM, da Cruz KM, Sluka KA. Animal models of fibromyalgia. Arthritis Res Ther. 2013;15(6):222..

Administração do fármaco

O fármaco cloridrato de AMITRIP, sob forma de sal, foi administrado, diariamente, por via intraperitoneal, sendo diluído em salina neutra no volume de 1 mL/kg. Após indução do modelo de DCMD, os animais destinados ao grupo AMITRIP passaram por 26 dias de tratamento com AMITRIP (10 mg/kg/dia) (Pharma manipulações®, Lagarto, Sergipe, Brasil). Enquanto os animais do grupo CAM receberam salina neutra, durante o mesmo período de tratamento do grupo AMITRIP2929 Burke NN, Finn D P, Roche M. Chronic administration of amitriptyline differentially alters neuropathic pain-related behaviour in the presence and absence of a depressive-like phenotype. Behav Brain Res. 2015;278:193-201.,3030 Hiroki T, Suto T, Saito S, Obata H. Repeated administration of amitriptyline in neuropathic pain: modulation of the noradrenergic descending inhibitory system. Anesth Analg. 2017;125(4):1281-8..

Protocolo de treinamento resistido

Os animais do grupo TR e CTR foram submetidos a 5 dias de aclimatação, durante 10 minutos por dia, em posição de repouso no aparelho de TR proposto por Tamaki et al.3131 Tamaki T, Uchiyama S, Nakano S. A weight-lifting exercise model for inducing hypertrophy in the hindlimb muscles of rats. Med Sci Sports Exerc. 1992 Aug;24(8):881-6.. Os animais foram estimulados a executar o exercício por meio de um eletrodo posto na cauda e conectado a um estimulador elétrico (IBRAMED®, Amparo, S P, Brasil). Os parâmetros para eletroestimulação foram 20 V, com duração de 0,3 s em intervalos de 3 s3232 Araujo AJ, Santos AC, Souza Kdos S, Aires MB, Santana-Filho VJ, Fioretto ET, Mota MM, Santos MR. Resistance training controls arterial blood pressure in rats with L-NAME- induced hypertension. Arq Bras Cardiol. 2013;100(4):339-46.,3333 Fontes MT, Silva TLBT, Mota MM, Barreto AS, Rossoni LV, Santos MRV. Resistance exercise acutely enhances mesenteric artery insulin-induced relaxation in healthy rats. Life Sci. 2014;94(1):24-9.. Os grupos TR e CTR foram submetidos a um teste de uma repetição máxima (1RM) que consiste em determinar o peso máximo levantado pelo rato no aparelho. O teste de 1RM foi repetido quinzenalmente para que houvesse manutenção da intensidade de treino e registro da progressão da força muscular. Os animais foram exercitados 3 vezes por semana, em dias intercalados, durante 4 semanas. O protocolo de TR consistiu em 3 séries de 10 repetições com intervalo de 90 segundos entre as séries, utilizando 40% da intensidade estabelecida pelo teste de 1RM3434 Macedo AG, Krug AL, Herrera NA, Zago AS, Rush JW, Amaral SL. Low-intensity resistance training attenuates dexamethasone-induced atrophy in the flexor hallucis longus muscle. J Steroid Biochem Mol Biol. 2014;143:357-64.. O grupo CTR foi submetido a eletroestimulação na cauda com intensidade e intervalo similares ao grupo TR, porém sem esforço físico.

Limiar mecânico de retirada de pata

O limiar mecânico de retirada de pata foi mensurado por meio do analgesímetro digital (von Frey) (Insight®, Ribeirão Preto, S P, Brasil). Inicialmente, os animais foram aclimatados ao teste de limiar mecânico sensitivo por 5 dias, durante 30 minutos. Para avaliação, o estímulo foi aplicado três vezes nas patas traseiras de cada animal até que ele realizasse o movimento de retirada da pata mediante estímulo. O valor médio das três repetições foi definido como o limiar mecânico de retirada de pata, sendo este interpretado como hiperalgesia mecânica99 Sluka KA, Kalra A, Moore SA. Unilateral intramuscular injections of acidic saline produce a bilateral, long-lasting hyperalgesia. Muscle Nerve. 2001;24(1):37-46..

Atividade locomotora

A distância percorrida e a velocidade média foram avaliadas por meio do monitor de atividades, o registro dos dados foi obtido através deste software (Insight®, Ribeirão Preto, S P, Brasil). A estrutura do equipamento é composta por uma plataforma com sensores de luz infravermelha nas laterais (Monitor de Atividades, Insight®, Ribeirão Preto, S P, Brasil), além de um cubo de acrílico (34,5 cm de altura x 45 cm de profundidade x 45 cm de largura, EP 149, Insight®, Ribeirão Preto, S P, Brasil), o qual impede que os animais saiam do instrumento. Dessa forma, cada animal foi colocado individualmente no equipamento, onde permaneceu por um período de 5 minutos e teve sua movimentação gravada e analisada3535 Filippin LI, Teixeira VN, Viacava PR, Lora PS, Xavier LL, Xavier RM. Temporal development of muscle atrophy in murine model of arthritis is related to disease severity. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2013;4(3):231-8..

Análise estatística

Os valores foram expressos em média ± erro padrão. Para avaliar a normalidade da amostra, para cada variável, foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk. O teste t de amostras independentes foi utilizado para avaliação do limiar mecânico de retirada de pata e da atividade locomotora nos momentos pré-indução e pós-indução. O teste de variância ANOVA para medidas repetidas e pós-teste de Tukey foram utilizados para avaliar os momentos antes, durante e após o tratamento. Para análise da força muscular foi utilizado ANOVA de uma via. Os valores foram considerados estatisticamente significativos quando p<0,05. Em todos esses procedimentos foi utilizado o programa estatístico GraphPad Prism versão 8.0 (GraphPad Software®, San Diego-CA, EUA). O cálculo do tamanho do efeito (d) foi realizado de acordo com a fórmula proposta por Cohen3636 Cohen J. Statistical power analysis for the behavioral sciences. 2ª ed; Reprint. New York, Psychology Press; 2009..

RESULTADOS

Modelo de dor crônica muscular difusa

Após aplicação de dupla injeção intramuscular de salina ácida, houve diminuição significativa do limiar de retirada da pata contralateral (Figura 1A) e da ipsilateral (Figura 1B) quando foi comparado o momento pré-tratamento com o basal, em todos os grupos experimentais (p<0,0001). Essa diminuição do limiar de retirada da pata é interpretada como hiperalgesia mecânica.

Figura 1
Limiar mecânico de retirada da pata contralateral (A) e ipsilateral (B) (em mN) referente aos animais dos grupos de estudo.

Hiperalgesia mecânica

Na análise entre os grupos, observou-se maior limiar mecânico de retirada da pata contralateral (p=0,0011) e ipsilateral (p=0,0271) do grupo TR comparado com o CTR após o tratamento, também foi observado maior limiar mecânico no grupo AMITRIP em relação ao CAM na pata contralateral (p=0,0206), mas não na pata ipsilateral (p=0,0879) no pós-tratamento. No entanto, não houve diferença entre os grupos TR e AMITRIP em ambas as patas (p>0,05) no pós-tratamento. Apenas na terceira semana, o grupo AMITRIP se mostrou com maior limiar mecânico de retirada na pata contralateral (p=0,0190) e ipsilateral (p=0,0112) quando comparado com o grupo TR.

Comparando-se os momentos pré e pós-tratamento, houve aumento significativo do limiar de retirada da pata contralateral (p=0,0345) e pata ipsilateral (p=0,0006) no grupo TR e no grupo AMITRIP para pata contralateral (p=0,0098) e ipsilateral (p=0,0140). Além disso, houve aumento do limiar mecânico de retirada da pata contralateral na segunda (p=0,0270) e na terceira (p<0,0001) semana e ipsilateral apenas na terceira semana (p<0,0001) quando se comparou com o pré-tratamento no grupo AMITRIP.

Os grupos CTR e CAM não apresentaram diferença significativa na análise intragrupo e intergupo. Valores de referência da pata contralateral (Interação: F (12, 100) = 3,617; p=0,0002. Fator tempo: F (4, 100) = 11,05; p<0,0001. Fator grupo: F (3, 100) = 28,86; p<0,0001). Valores de referência da pata ipsilateral (Interação: F (12, 100) = 3,539; p=0,0002. Fator tempo: F (4, 100) = 9,897; p<0,0001. Fator grupo: F (3, 100) = 17,66; p<0,0001. Na análise intergrupo do tamanho do efeito no momento pós-tratamento quando se comparou os grupos TR e CTR na pata contralateral foi obtido o valor de 3,14, enquanto na pata ipsilateral 1,53, classificando-os como muito grande. Da mesma forma, os valores do tamanho do efeito foram classificados como muito grande quando comparado o grupo AMITRIP com o CAM tanto na pata contralateral (4,44) quanto na ipsilateral (2,18).

Deslocamento motor

Distância percorrida

Após indução do modelo de DCMD, houve diminuição da distância percorrida em todos os grupos quando comparado o momento pós-indução do pré-indução (p<0,0001) (Figura 2A). Na análise entre os grupos, não houve diferença entre os grupos avaliados em nenhum dos tempos de medida (p>0,05). Na análise intragrupo, não foi observada diferença significativa quando comparado o pré-tratamento das semanas 1, 2, 3 e o pós-tratamento (p>0,05). Fator interação: F (12, 100) = 0,6678; p=0,7783. Fator tempo: F (4, 100) = 1,694; p=0,1573. Fator grupo: F (3, 100) = 1,717; p=0,1683.

Figura 2
A atividade locomotora é compreendida em distância percorrida (A) (mm) e velocidade média (B) (mm/s) referente aos animais dos grupos de estudo.

Velocidade média

Assim como na distância percorrida, foi observada redução da velocidade média (p<0,0001) em todos os grupos 24 horas após aplicação da segunda injeção de salina ácida quando comparado a pré-indução (Figura 2B). Na análise entre os grupos referente aos momentos pré-tratamento, semana 1, semana 2, semana 3 e pós-tratamento, não foi possível observar diferença significativa na velocidade média (p>0,05). Da mesma forma, na análise intragrupo, não ocorreu diferença significativa quando se compararam todos os momentos (p>0,05). Fator interação: F (12, 100) = 0,6371; p=0,8059. Fator tempo: F (4, 100) = 1,449; p=0,2236. Fator grupo: F (3, 100) = 1,727; p=0,1664.

Força muscular

Foi observada diferença significativa da força muscular entre os grupos TR e CTR, durante (p=0,0002) e após o tratamento (p=0,0004) (Figura 3). Na análise intragrupo, notou-se aumento estatisticamente significativo da força no grupo TR tanto durante o período de tratamento (p<0,0001) quanto no pós-tratamento (p<0,0001) quando comparado com o pré-tratamento. Além disso, observou-se aumento significativo da força durante o tratamento comparado à medida pré-tratamento no grupo TR (p=0,0024). Os valores do tamanho do efeito na análise intergrupo no momento pós-tratamento foram classificados como muito grande (2,78).

Figura 3
Força muscular dos membros posteriores referente aos animais dos grupos estudados.

DISCUSSÃO

O presente estudo evidenciou que o TR de baixa intensidade, realizado com 40% da carga máxima, três vezes por semana durante quatro semanas promoveu redução da hiperalgesia mecânica e aumentou a força muscular de ratos submetidos ao modelo de DCMD. Ainda são escassos os estudos que avaliam os efeitos do treinamento físico no modelo de DCMD. Esse é o primeiro estudo experimental que investigou os efeitos do TR como ferramenta de tratamento na hiperalgesia mecânica de animais com DCMD.

Após 4 semanas subsequentes de TR, observou-se aumento do limiar mecânico de retirada de pata no grupo exercitado. Em contrapartida, os animais alocados no grupo CTR permaneceram com baixa quantidade de atividade física durante todo o protocolo, pois não realizavam o movimento contra resistência gerada por carga externa, apenas recebiam eletroestimulação. Assim, os animais do grupo CTR apresentaram hiperalgesia mecânica, que foi mantida até o término do protocolo, sugerindo não haver efeito antinociceptivo. A inatividade física pode ser um fator preditor para o desenvolvimento de dor crônica. Segundo estudo3737 Brito RG, Rasmussen LA, Sluka KA. Regular physical activity prevents development of chronic muscle pain through modulation of supraspinal opioid and serotonergic mechanisms. Pain Rep. 2017;2(5):e618., animais sedentários são mais propensos ao desenvolvimento de hiperalgesia mecânica quando comparado a animais que realizam atividade física em rodas de corrida. Os autores sugerem que o aumento da expressão do transportador de serotonina (SERT) acomete animais sedentários e está associado ao aumento da possibilidade de desenvolver dor crônica, em contrapartida, animais fisicamente ativos expressam menor quantidade da proteína SERT.

Assim como encontrado no grupo TR, a diminuição da hiperalgesia mecânica também foi vista no grupo que utilizou o fármaco tricíclico amitriptilina. Em estudos anteriores, a utilização a longo prazo de amitriptilina foi capaz de atenuar a hiperalgesia mecânica em modelos animais de dor neuropática2929 Burke NN, Finn D P, Roche M. Chronic administration of amitriptyline differentially alters neuropathic pain-related behaviour in the presence and absence of a depressive-like phenotype. Behav Brain Res. 2015;278:193-201.,3030 Hiroki T, Suto T, Saito S, Obata H. Repeated administration of amitriptyline in neuropathic pain: modulation of the noradrenergic descending inhibitory system. Anesth Analg. 2017;125(4):1281-8.. Na prática clínica, a amitriptilina é um fármaco prescrito para redução de dor e de sintomas associados a fibromialgia1919 Lawson K. Tricyclic antidepressants and fibromyalgia: what is the mechanism of action? Expert Opin Investig Drugs. 2002;11(10):1437-45.,3838 Farag HM, Yunusa I, Goswami H, Sultan I, Doucette JA, Eguale T. Comparison of amitriptyline and us food and drug administration–approved treatments for fibromyalgia: a systematic review and network meta-analysis. JAMA Netw Open. 2022;5(5):e2212939.. Porém, é importante destacar que a cronicidade do seu uso pode acarretar efeitos adversos, como sonolência, constipação e palpitações2020 Riediger C, Schuster T, Barlinn K, Maier S, Weitz J, Siepmann T. Adverse effects of antidepressants for chronic pain: a systematic review and meta-analysis. Front Neurol. 2017;8:307..

Dessa forma, vale salientar que os benefícios observados do TR para pessoas com fibromialgia já são consolidados na literatura científica1212 Busch AJ, Webber SC, Richards RS, Bidonde J, Schachter CL, Schafer LA, Danyliw cA, Sawant A, Dal Bello-Haas V, Rader T, Overend TJ. Resistance exercise training for fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2013(12):CD010884.. Porém, é necessário que pesquisas experimentais sejam conduzidas com a finalidade de investigar os mecanismos pelos quais o TR promove essas adaptações no modelo que mimetiza a fibromialgia. Nesse sentido, nossa pesquisa investigou, inicialmente, se o TR resultou na melhora de hiperalgesia e das respostas motoras de animais com DCMD.

No treinamento aeróbio, Bement et al. mostraram que há participação da via opioidérgica na diminuição da hiperalgesia mecânica no modelo de DCMD. Além disso, Sharma et al. (2010), evidenciaram que o exercício aeróbio de moderada intensidade reduziu a hiperalgesia mecânica no modelo de DCMD associado ao aumento dos níveis de neutofina-3 no músculo gastrocnêmio, após 3 semanas de treinamento. O aumento de opioides endógenos e de neurotrofina-3 pode estar associado ao tratamento e a prevenção do desenvolvimento de hiperalgesia mecânica neste modelo2626 Bement MKH, Sluka KA. Low-intensity exercise reverses chronic muscle pain in the rat in a naloxone-dependent manner. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(9):1736-40.,3939 Sharma NK, Ryals JM, Gajewski BJ, Wright DE. Aerobic exercise alters analgesia and neurotrophin-3 synthesis in an animal model of chronic widespread pain. Phys Ther. 2010;90(5):714-25..

Sugere-se que a ativação de receptores opioides, bem como o aumento dos níveis de neutrofina-3 podem estar envolvidos nos mecanismos de redução da hiperalgesia mecânica observada nesse protocolo de TR. Mesmo se tratando de modalidades de exercício com características distintas, tais como execução do movimento e via energética, o exercício aeróbio e o TR promovem efeitos antinociceptivos, auxiliando no tratamento da DCMD.

O modelo de TR utilizado nesta pesquisa utiliza a eletroestimulação como estímulo para produzir movimento por meio de comportamento de reforço negativo4040 Strickland JC, Smith MA. Animal models of resistance exercise and their application to neuroscience research. J Neurosci Methods. 2016;273:191-200.. Por sua vez, este pode provocar alterações neurobiológicas por decorrência da exposição ao estresse, resultando em efeito aversivo nos animais3939 Sharma NK, Ryals JM, Gajewski BJ, Wright DE. Aerobic exercise alters analgesia and neurotrophin-3 synthesis in an animal model of chronic widespread pain. Phys Ther. 2010;90(5):714-25.,4343 Leuner B, Gould E. Structural plasticity and hippocampal function. Annu Rev Psychol. 2010;61: 111-40.. No presente estudo, foi utilizado esse recurso tanto no grupo TR quanto no grupo CTR, observou-se que os efeitos do TR se sobrepuseram ao estresse da eletroestimulação.

Além da redução da hiperalgesia mecânica, a presente pesquisa evidenciou que o TR de baixa intensidade foi capaz de aumentar a força muscular de ratos com DCMD. Do mesmo modo, estudos anteriores que utilizaram o mesmo método de TR observaram tanto aumento da força muscular quanto hipertrofa dos membros posteriores dos animais3131 Tamaki T, Uchiyama S, Nakano S. A weight-lifting exercise model for inducing hypertrophy in the hindlimb muscles of rats. Med Sci Sports Exerc. 1992 Aug;24(8):881-6.,4141 Barauna VG, Batista ML Jr, Costa Rosa L F, Casarini DE, Krieger JE, Oliveira EM. Cardiovascular adaptations in rats submitted to a resistance-training model. Clin Exp Pharmacol Physiol. 2005;32(4):249-54.. Vale ressaltar que, até o presente momento, nenhum estudo avaliou a força muscular de animais submetidos ao TR no modelo de DCMD.

Exercícios realizados com sobrecargas expressivas podem promover exacerbação de dor em pessoas com fibromialgia2121 Sluka KA, Frey-Law L, Hoeger Bement M. Exercise-induced pain and analgesia? Underlying mechanisms and clinical translation. Pain. 2018;159(1):S91-7.,2222 Lima LV, Abner TSS, Sluka KA. Does exercise increase or decrease pain? Central mechanisms underlying these two phenomena: exercise pain and analgesia. J Physiol. 2017;595(13):4141-50.. Dessa forma, a adequação da intensidade pode ser um fator crucial na prescrição de TR para essa população, podendo otimizar os efeitos positivos proveniente desse treino. Adicionalmente, é evidenciado que TR promove adaptações neuromusculares independente da intensidade, mas a dimensão da adaptação é inerente a intensidade4242 Gabriel DA, Kamen G, Frost G. Neural adaptations to resistive exercise: mechanisms and recommendations for training practices. Sports Med. 2006;36(2):133-49..

Apesar das melhoras obtidas na força muscular dos animais com DCMD, não foi possível observar melhora do deslocamento motor. No tocante a atividade locomotora, após dupla injeção de salina ácida, todos os grupos apresentaram redução da distância e da velocidade percorrida. Apesar dos benefícios observados na diminuição da hiperalgesia mecânica e aumento da força muscular, esse método de TR não melhorou a atividade espontânea dos animais. Vale ressaltar que o modelo de TR utilizado no atual estudo assemelha-se a uma condição de agachamento comumente utilizado por humanos. Porém, a realização de movimentos apenas com os membros posteriores dos animais submetidos a este protocolo pode ser a explicação para ausência de melhora na atividade locomotora.

Contudo, o movimento que mimetiza o agachamento em humanos não se configura um movimento funcionalmente semelhante para o animal quadrúpede. É importante salientar que o teste utilizado na atual pesquisa para avaliar o deslocamento motor envolve atividade funcional tanto dos membros posteriores quanto dos membros anteriores. Entretanto, como observado nesta pesquisa, o aumento da força muscular isolada dos membros posteriores de animais com DCMD não promoveu melhora da funcionalidade.

Portanto, sugerimos que estudos experimentais de TR que envolvam ambos os membros, anteriores e posteriores, como o modelo de subida de escada, sejam utilizados com a finalidade de avaliar, além da hiperalgesia e a força muscular, a capacidade funcional de animais com DCMD3939 Sharma NK, Ryals JM, Gajewski BJ, Wright DE. Aerobic exercise alters analgesia and neurotrophin-3 synthesis in an animal model of chronic widespread pain. Phys Ther. 2010;90(5):714-25.. Além disso, a associação do TR ao treinamento aeróbio pode maximizar os efeitos benéficos no modelo de DCMD, uma vez que já é consolidado na literatura os efeitos antihiperalgésicos cutâneo e muscular promovidos pelo exercício aeróbio no modelo de DCMD3939 Sharma NK, Ryals JM, Gajewski BJ, Wright DE. Aerobic exercise alters analgesia and neurotrophin-3 synthesis in an animal model of chronic widespread pain. Phys Ther. 2010;90(5):714-25..

A prescrição do TR têm sido uma importante ferramenta no tratamento da fibromialgia1212 Busch AJ, Webber SC, Richards RS, Bidonde J, Schachter CL, Schafer LA, Danyliw cA, Sawant A, Dal Bello-Haas V, Rader T, Overend TJ. Resistance exercise training for fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2013(12):CD010884.. Porém, ainda se faz necessária investigações sobre os mecanismos fisiológicos associados ao TR neste modelo de dor, objetivando correlacionar as principais vias de modulação da dor, possíveis neurotransmissores envolvidos às áreas espinais e supraespinais ativadas pelo TR.

Como visto nesse estudo, a utilização do TR e da amitriptilina demonstrou ajustes benéficos para o tratamento das disfunções presentes no modelo experimental de DCMD. Porém, essa pesquisa apresentou como limitação a falta de um grupo que associasse o TR a utilização da amitriptilina, pois a comparação deste grupo com os grupos que realizaram apenas um dos tratamentos poderia subsidiar o conhecimento sobre possível maximização dos efeitos antinociceptivos visto neste modelo de dor. Outra limitação apresentada nesse estudo, foi a ausência da força relativa que poderia reforçar a eficiência do TR.

Como perspectivas futuras, sugerimos a avaliação de diferentes modelos e intensidades de TR e a investigação das vias descendentes inibitórias de dor que podem elucidar o mecanismo de ação do tratamento da DCMD por intermédio do TR. Tendo como possíveis alvos, a investigação de mecanismos opioidérgicos e serotoninérgicos.

CONCLUSÃO

O TR de baixa intensidade resultou em efeitos antihiperalgésicos, além de melhorar a força muscular em animais submetidos ao modelo de DCMD. Em contrapartida, não foi observada melhora da capacidade funcional dos animais. Sugere-se que a investigação de outras modalidades e intensidades de exercício também podem ser benéficas neste modelo. Enfatizamos a importância do desenvolvimento de pesquisas experimentais que norteiem os mecanismos pelos quais o TR melhora os sintomas neste modelo, com a finalidade de fornecer uma base sólida do conhecimento fisiológico e identifcar doses de exercício que permitam tratamento direcionado a essa doença.

  • Fontes de fomento – Esta pesquisa recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a todos os membros do comitê de pesquisa.

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Editado por

Editor associado responsável: Marcelo Lourenço da Silva https://orcid.org/0000-0002-5523-5910

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2023
  • Aceito
    14 Set 2023
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