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Distúrbios do sono em pacientes com dor crônica: estudo transversal

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor crônica e os distúrbios do sono são condições comuns. A ocorrência simultânea dessas duas entidades resulta em maior sofrimento pessoal e redução do bem-estar e da funcionalidade. O objetivo desta pesquisa foi avaliar a influência da dor crônica no sono e o seu impacto na qualidade de vida.

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo observacional, transversal, individual e não controlado, realizado no Centro Multidisciplinar de Dor do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Os pacientes responderam a uma entrevista semiestruturada, face a face, por meio do sistema de computador do próprio centro de dor (avaliaDor®), utilizando dispositivos móveis conectados à internet. Foram coletados dados socioeconômicos e de dor; em seguida foram aplicados instrumentos para avaliar a intensidade da dor (Escala Visual Numérica - EVN), a qualidade de vida (Medical Outcomes Study 36 - Short Form Health Survey - SF-36), a presença de distúrbios psiquiátricos (Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão - HAD) e o sono (Mini Sleep Questionnaire - MSQ).

RESULTADOS

Cento e três pacientes participaram do estudo. Setenta e dois por cento eram do sexo feminino, com mediana de idade de 55 anos, com predominância de brancos com baixo nível de escolaridade. De toda a população estudada, 74,76% dos participantes apresentaram “dificuldade grave” para dormir, enquanto 22,33% tiveram “boa qualidade” de sono. Em relação à intensidade da dor, os pacientes dos grupos de dor moderada e intensa apresentaram maior percentual de “dificuldade grave” para dormir quando comparados aos pacientes com dor leve. Em relação à presença de ansiedade e depressão, observou-se maior pontuação nos itens: “sono agitado”, “cansaço sem motivo aparente”, “acorda com dor de cabeça”, “acorda e volta a dormir”, “acorda cansado pela manhã” e, por fim, “acorda e não volta a dormir”. Os dados gerais do SF-36 apontam para uma baixa qualidade de vida dos doentes do presente estudo e, com base na análise multivariada, os itens “SF-36-Dor e SF-36-Vitalidade” revelaram-se fatores protetores da presença de perturbações do sono.

CONCLUSÃO:

Os distúrbios de sono em pacientes com dor crônica são comuns e determinam piora na qualidade de vida. A frequência desse distúrbio foi maior nos pacientes com ansiedade e depressão, em comparação com os pacientes que não apresentaram essas desordens psiquiátricas. A identificação precoce dos distúrbios do sono, em indivíduos com dor crônica, é fundamental para alcançar maior bem-estar.

Descritores:
Dor crônica; Qualidade de vida; Sono

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic pain and its relationship with sleep disturbance are common conditions with great influence on the individual’s quality of life. The simultaneous occurrence of these two entities results in greater suffering, reduced functionality and well-being. The objective of this research was to evaluate the influence of chronic pain on sleep and its impact on quality of life.

METHODS:

This is an observational, cross-sectional, individual, uncontrolled study carried out at the Multidisciplinary Pain Center of the Clinical Hospital of the Federal University of Minas Gerais (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - HC-UFMG). The patients answered a semi-structured, face-to-face interview via the pain center’s own computer system (avaliaDor®), using internet-connected mobile devices. Socioeconomic and pain data was collected, and then instruments were applied to assess pain intensity (Visual Numerical Scale - VNS), quality of life (Medical Outcomes Study 36 - Short Form Health Survey - SF-36), presence of psychiatric disturbances (Hospital Depression Anxiety Scale - HAD) and sleep (Mini Sleep Questionnaire - MSQ).

RESULTS:

One hundred and three patients participated in the study. Seventy two percent were women, the median age was 55 years, and the patients were predominantly married, white and with a low level of schooling. Of the entire study population 74.76% presented “severe difficulty” in sleeping, while 22.33% had “good quality” sleep. Regarding pain intensity, patients in the moderate and severe pain groups had a higher percentage of “severe difficulty” in sleeping, when compared to patients with mild pain. About the presence of anxiety and depression, it was observed lower scores on: “restless sleep”, “tiredness for no apparent reason”, “wakes up with a headache”, “wakes up and goes back to sleep”, “wakes up tired in the morning”, and finally “wakes up and does not go back to sleep”. The general data from the SF-36 points to a low quality of life for the patients in the present study and, based on the multivariate analysis, the items “SF-36-Pain and SF-36-Vitalidade” were shown to be protective factors for the presence of sleep disturbances.

CONCLUSION:

Sleep disorders in patients with chronic pain are common and show a worsening in quality of life. The frequency of this disturbance was higher in patients with anxiety and depression compared to patients without these psychiatric disorders. The early identification of sleep disturbances in individuals with chronic pain is necessary to improve well-being.

Keywords:
Chronic pain; Quality of life; Sleep

DESTAQUES

Este artigo analisou dor crônica e distúrbios do sono, dois temas relevantes devido à alta prevalência e à influência na qualidade de vida.

Esta pesquisa relacionou as desordens do sono com os distúrbios de humor e ansiedade, comorbidades psiquiátricas comuns nos pacientes com dor crônica.

Foi demonstrada a importância de avaliar os pacientes com dor crônica quanto à presença e à gravidade dos distúrbios do sono, com o intuito de adequar o tratamento multidimensional da dor.

INTRODUÇÃO

A dor crônica (DC) e os distúrbios do sono são condições prevalentes em adultos em todo o mundo11 Ong KS, Keng SB. The biological, social, and psychological relationship between depression and chronic pain. Cranio. 2003;21(4):286-94. e são considerados um problema de saúde pública que afeta de 20% a 35% da população global22 Cáceres-Matos R, Gil-García E, Barrientos-Trigo S, Porcel-Gálvez AM, Cabrera-León A. Consequences of chronic non-cancer pain in adulthood. Scoping review. Rev Saude Publica. 2020;54:39.. O funcionamento do sono é essencial para o aprendizado e a memória33 Zanuto EAC, Lima MCS, Araújo RG, Silva E P, Anzolin CC, Araujo MYC, Codongnol JS, Christofaro DGD, Fernandes RA. Distúrbios do sono em adultos de uma cidade do estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):42-53.. Os distúrbios do sono são comuns em pacientes com DC, com uma prevalência de até 88%44 Smith BH, Elliott AM, Chambers WA, Smith WC, Hannaford PC, Penny K. The impact of chronic pain in the community. Fam Pract. 2001;18(3):292-9.. A DC pode ser definida como grave, persistente, moderada ou de longa duração, perturbando a vida diária. Ela resulta na deterioração da saúde e da capacidade funcional do indivíduo11 Ong KS, Keng SB. The biological, social, and psychological relationship between depression and chronic pain. Cranio. 2003;21(4):286-94..

Embora a relação entre sono e dor pareça ser explícita, sua direção ainda é objeto de debate. Estudos sobre dor e distúrbios do sono sugerem uma relação bidirecional, em que a dor poderia ser preditiva de distúrbios do sono e, da mesma forma, a má qualidade do sono agrava a dor, particularmente em casos de DC55 Andersen ML, Araujo P, Frange C, Tufik S. Sleep disturbance and pain. Chest. 2018;154(5):1249-59.,66 Smith M T, Haythornthwaite JA. How do sleep disturbance and chronic pain inter-relate? Insights from the longitudinal and cognitive-behavioral clinical trials literature. Sleep Med Rev. 2004;8(2):119-32.. Isso pode ser explicado, em parte, por mecanismos neurobiológicos semelhantes em ambas as condições77 Boakye PA, Olechowski C, Rashiq S, Verrier MJ, Kerr B, Witmans M, Baker G, Joyce A, Dick BD. A Critical Review of Neurobiological Factors Involved in the Interactions Between Chronic Pain, Depression, and Sleep Disruption. Clin J Pain. 2016;32(4):327-36..

Os mecanismos subjacentes envolvidos nos casos de dor, associados a alterações do sono, ainda são incertos. Os efeitos do sono na modulação endógena da dor foram investigados em diferentes estudos e alguns autores sugeriram que a via inibitória descendente poderia ser a mais afetada88 Smith M T, Edwards RR, McCann UD, Haythornthwaite JA. The effects of sleep deprivation on pain inhibition and spontaneous pain in women. Sleep. 2007;30(4):494-505.. Nesse sentido, o sono desordenado levaria à redução da produção de serotonina e, consequentemente, à redução da modulação da dor, bem como ao aumento dos níveis de substância P. Essas alterações, combinadas com mudanças no sistema nervoso simpático, resultariam em isquemia muscular e aumento da sensibilidade à dor99 Martins MRI, Polvero LO, Rocha CE, Foss MH, Santos Junior R. Uso de questionários para avaliar a multidimensionalidade e a qualidade de vida do fibromiálgico. Rev Bras Reumatol. 2012;52(1):21-6.. As citocinas inflamatórias, como IL1beta, TNF alfa e IL-6, presentes em várias condições dolorosas, estão envolvidas na regulação do sono, atuando no sistema nervoso central1010 Zhai L, Zhang H, Zhang D. Sleep duration and depression among adults: a meta-analysis of prospective studies. Depress Anxiety. 2015;32(9):664-70.. Outro mecanismo que poderia hipoteticamente explicar a relação entre a dor e os distúrbios do sono seria um desequilíbrio no sistema dopaminérgico mesolímbico. A regulação negativa desse sistema poderia afetar o sistema de recompensa e os sistemas de modulação da dor1111 Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52..

Problemas comuns de sono incluem insônia (caracterizada por dificuldade de iniciar o sono, despertares noturnos frequentes e despertares matinais precoces), síndrome das pernas inquietas e distúrbios respiratórios1212 Mathias JL, Cant ML, Burke ALJ. Sleep disturbances and sleep disorders in adults living with chronic pain: a meta-analysis. Sleep Med. 2018;52:198-210.,1313 Call-Schmidt TA, Richardson SJ. Prevalence of sleep disturbance and its relationship to pain in adults with chronic pain. Pain Manag Nurs. 2003;4(3):124-33.. Essas condições têm sido relacionadas a diferentes causas de dor, como fibromialgia, dores de cabeça, dores musculoesqueléticas e neuropáticas1414 Zambelli Z, Halstead EJ, Fidalgo AR, Dimitriou D. Good sleep quality improves the relationship between pain and depression among individuals with chronic pain. Front Psychol. 2021;12:668930.. Ao avaliar as alterações do sono na população com DC, deve-se estar atento a possíveis variáveis de confusão, como transtornos de humor, uso de fármacos e expectativas do paciente em relação à analgesia. Os transtornos de humor, como ansiedade e depressão, são frequentemente associados à DC e à má qualidade do sono. De acordo com um estudo1515 Generaal E, Vogelzangs N, Penninx BW, Dekker J. Insomnia, sleep duration, depressive symptoms, and the onset of chronic multisite musculoskeletal pain. Sleep. 2017;40(1)., os sintomas depressivos influenciam parcialmente a relação entre insônia e DC, enquanto outro estudo1616 Dunietz GL, Swanson LM, Jansen EC, Chervin RD, O’Brien LM, Lisabeth LD, Braley TJ. Key insomnia symptoms and incident pain in older adults: direct and mediated pathways through depression and anxiety. Sleep. 2018;41(9):zsy125. descreveu a modulação da ansiedade nos sintomas de insônia e na incidência de dor.

A DC, quando associada a alterações do sono, causa limitação nas atividades diárias, incapacidade funcional, piora da qualidade de vida1717 Lo CM, Lee PH. Prevalence and impacts of poor sleep on quality of life and associated factors of good sleepers in a sample of older Chinese adults. Health Qual Life Outcomes. 2012;10:72.,1818 Karaman S, Karaman T, Dogru S, Onder Y, Citil R, Bulut YE, Tapar H, Sahin A, Arici S, Kaya Z, Suren M. Prevalence of sleep disturbance in chronic pain. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2018;18(17):2475-81. e aumento da morbidade geral1919 Smith M T, Haythornthwaite JA. How do sleep disturbance and chronic pain inter-relate? Insights from the longitudinal and cognitive-behavioral clinical trials literature. Sleep Med Rev. 2004;8(2):119-32.,2020 Wilson KG, Eriksson MY, D’Eon JL, Mikail F, Emery C. Major depression, and insomnia in chronic pain. Clin J Pain. 2002;18(2):77-83.,2121 Castro A, Gili M, Aguilar JL, Pélaez R, Roca M. Sueño y depresión en una muestra de pacientes con dolor crónico. Rev Soc Esp Dolor. 2014;21(6):299-306.,2222 Ciena A P, Gatto R, Paccini VC, Picanço VV. Influence of pain intensity on the unidimensional scales responses of pain measurement in an elderly and young adults population. Semina Ciências Biológicas e da Saúde. 2009;29(2).,2323 Bertolazi AN. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Medicina Programa de pós-graduação em Medicina: ciências médicas - Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: escala de sonolência de Epworth e Índice de qualidade de sono de Pittsburgh. 2008.. Além disso, observa-se que a ocorrência simultânea dessas duas entidades determina uma redução na produtividade e um aumento nos gastos com saúde2020 Wilson KG, Eriksson MY, D’Eon JL, Mikail F, Emery C. Major depression, and insomnia in chronic pain. Clin J Pain. 2002;18(2):77-83.. Acredita-se que seja criado um ciclo vicioso, no qual a dor desencadeia distúrbios do sono e estes aumentam e pioram a percepção da dor2121 Castro A, Gili M, Aguilar JL, Pélaez R, Roca M. Sueño y depresión en una muestra de pacientes con dolor crónico. Rev Soc Esp Dolor. 2014;21(6):299-306..

O presente estudo teve como objetivo avaliar o sono e a qualidade de vida em pacientes com DC, associando-os aos transtornos de humor e ansiedade.

MÉTODOS

Este foi um estudo observacional, transversal, individual e não controlado, realizado no Centro Multidisciplinar de Dor do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Esta pesquisa obedeceu às normas éticas da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Parecer número 21291119.0.0000.5149). Esta pesquisa foi realizada de janeiro de 2020 a junho de 2021. Para participar deste estudo, os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Seleção dos participantes

Os pacientes que concordaram em participar das entrevistas eram dos dois gêneros, tinham mais de 18 anos de idade e estavam participando de consultas regulares de acompanhamento no Centro Multidisciplinar de Dor. Os pacientes com déficit cognitivo e demência foram excluídos. A amostra foi definida por conveniência, com um total de 103 pacientes entrevistados, selecionados aleatoriamente de acordo com a ordem de comparecimento e a disponibilidade de um entrevistador.

Viés

A seleção de pacientes em um centro especializado quaternário, que implica casos de gravidade reconhecida, foi um viés que precisa ser considerado.

Fontes e medição de dados

Os pacientes responderam a uma entrevista estruturada face a face, contendo questões socioeconômicas, de saúde geral e de dor. Em seguida, foram aplicados instrumentos para avaliar a intensidade da dor pela Escala Visual Numérica (EVN), a presença de transtornos de ansiedade e depressão pela Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD), a qualidade de vida (Medical Outcomes Study 36Short Form Health Survey – SF-36) e o sono pelo Mini Sleep Questionnaire (MSQ). Os dados foram coletados de dispositivos móveis conectados à Internet e do sistema de computador do próprio centro (valiador©). Os dados coletados na plataforma avaliaDor© foram extraídos do sistema e submetidos a rigorosos procedimentos de limpeza e formatação. Em seguida, os dados foram exportados para o formato Excel para serem usados nas fases estatísticas.

Variáveis quantitativas

A intensidade da dor foi avaliada pela EVN, e os pacientes foram categorizados de acordo com o resultado desse instrumento, sendo “dor leve” para aqueles que responderam com VNS de zero a 3, “dor moderada” para aqueles que responderam com VNS de 4 a 7 e “dor intensa” para aqueles que responderam com VNS maior que 82222 Ciena A P, Gatto R, Paccini VC, Picanço VV. Influence of pain intensity on the unidimensional scales responses of pain measurement in an elderly and young adults population. Semina Ciências Biológicas e da Saúde. 2009;29(2).. A avaliação do sono foi realizada por meio do MSQ, um instrumento usado para medir a qualidade subjetiva do sono, considerando seu aspecto geral, sua qualidade, os fatores comportamentais associados e a frequência das queixas2424 Zomer J. Mini Sleep Questionnaire (MSQ) for screening large populations for EDS complaints. Sleep. 1985.. Esse instrumento fornece um escore global que classifica os indivíduos como apresentando “boa qualidade de sono” (10-24 pontos), “dificuldade leve de sono” (25-27 pontos), “dificuldade moderada de sono” (28-30 pontos) ou “dificuldade grave de sono” (≥31 pontos). Para determinar a presença de ansiedade e depressão, foi aplicado o instrumento HAD, que foi desenvolvido para identificar sintomas de ansiedade e depressão em indivíduos não psiquiátricos22 Cáceres-Matos R, Gil-García E, Barrientos-Trigo S, Porcel-Gálvez AM, Cabrera-León A. Consequences of chronic non-cancer pain in adulthood. Scoping review. Rev Saude Publica. 2020;54:39.. Um resultado abaixo de oito foi considerado negativo para ansiedade e para depressão. O SF-36 é um instrumento genérico de qualidade de vida, de fácil administração e compreensão, composto por 36 itens divididos em oito domínios. Esse instrumento apresenta uma pontuação final de zero a 100, na qual zero representa o pior estado de saúde e 100 o melhor estado de saúde33 Zanuto EAC, Lima MCS, Araújo RG, Silva E P, Anzolin CC, Araujo MYC, Codongnol JS, Christofaro DGD, Fernandes RA. Distúrbios do sono em adultos de uma cidade do estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):42-53..

Análise estatística

A análise dos escores obtidos pelo MSQ foi apresentada com valores médios (± desvio padrão) e os valores mínimo e máximo de cada parâmetro analisado. Considerando a natureza não paramétrica dos dados, as variáveis contínuas foram apresentadas por meio de medidas de tendência central. Para as variáveis categóricas, foram calculadas a frequência e a porcentagem de cada categoria. Para comparações de escores envolvendo mais de dois grupos, foi empregado o teste de Tukey. Para determinar as variáveis envolvidas na qualidade do sono, foi aplicado um modelo de regressão linear, com a pontuação total do MSQ como variável dependente.

Inicialmente, foi realizada uma análise bivariada, na qual as variáveis com valor de p menor ou igual a 0,3 foram incluídas no modelo de regressão multivariada final. Um teste t não pareado foi usado para comparações duas a duas entre as médias de populações deprimidas e ansiosas versus não deprimidas e não ansiosas. Somente as variáveis que apresentaram um nível estatisticamente significativo (p≤0,05) permaneceram no modelo final. A força da associação foi determina- da pela razão de possibilidades (RP), com um intervalo de confiança (IC) de 95%. Os ajustes do modelo foram realizados considerando os valores RMSE2626 Hosmer D W, Lemeshow S, Sturdivant RX. Applied Logistic Regression [Internet]. Wiley; 2013. (Wiley Series in Probability and Statistics). Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/book/10.1002/9781118548387.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/book...
. Todas as análises de dados foram realizadas com o programa Graphpad Prism© (GraphPad Software, versão 8.0, La Jolla, Califórnia, EUA, www.graphpad.com) para Windows e o programa Stata© (versão 14.0, Stata Corporation, College Station, Texas, EUA).

RESULTADOS

Os pacientes tinham uma mediana de idade de 55 anos. As mulheres foram predominantes na amostra, 72,82% para 27,18% de homens. Os grupos de pacientes com diferentes intensidades de dor foram homogêneos, sem diferenças significativas entre eles em termos de idade e gênero (p>0,05). A maioria dos pacientes se declarou branca (39,81%), seguida de parda (36,89%), negra (22,33%) e amarela (0,97%). Com relação ao casamento, a maioria dos pacientes era casada (57,28%). Em relação à escolaridade, a maioria dos pacientes registrou ter concluído o ensino médio (33,98%), com outros 28,16% alegando ensino fundamental incompleto e, por fim, 20,39% registrou ensino fundamental completo.

Na população pesquisada (n=103), a mediana do tempo de dor foi de 60 meses. Considerando a intensidade da dor, os pacientes do grupo de dor intensa tiveram um tempo mediano de dor estatisticamente maior do que o apresentado pelos pacientes do grupo de dor moderada (84 versus 48 meses, respectivamente - p=0,051). As causas mais frequentes foram dor neuropática (34,95%), dor lombar e dor lombossacra (13,59%), dor pós-operatória persistente (10,68%) e dor por câncer (10,68%). Neste estudo não houve diferença significativa entre os grupos com relação a frequência, localização e causa da dor (p>0,05).

O instrumento MSQ foi empregado neste estudo para avaliar a qualidade do sono em pacientes com DC. Os resultados obtidos indicam que a maioria da população geral (n=103) apresenta “dificuldade grave” para dormir (74,76%). Os pacientes com sono de “boa qualidade” representaram 22,33% da amostra. Com relação à intensidade da dor, a maioria dos pacientes dos grupos de dor moderada e intensa também apresentou “dificuldade grave” como principal característica da qualidade do sono (75,56% e 82,61%, respectivamente). Quanto aos grupos subdivididos por intensidade de dor, os resultados indicaram que a maioria dos pacientes com dor moderada e intensa sempre indicou: “dificuldade para dormir à noite” (46,67% e 36,96%, respectivamente), “acorda à noite e não volta a dormir” (34,78%) e “usa fármacos para dormir” (47,83%). Com relação aos pacientes com dor moderada e intensa, 24,44% e 30,43% sempre “acordam cansados pela manhã”, respectivamente. Considerando os dados apresentados pela população em geral, os itens do questionário que apresentaram as maiores pontuações foram (1º) “acorda à noite e volta a dormir”, (2º) “dificuldade para adormecer à noite”, (3º) “acorda à noite e não volta a dormir”, (4º) “acorda cansado pela manhã” e (5º) “uso de fármacos para dormir”. Os valores apresentados tanto pela população geral quanto pelos grupos de dor moderada e intensa indicaram que os pacientes deste estudo tinham distúrbios graves do sono (tabela 1). Entre os itens abordados pelo MSQ, “dificuldade para adormecer à noite” e “acorda cansado pela manhã” foram os parâmetros que apresentaram diferenças entre as intensidades de dor.

Tabela 1
Análise comparativa dos valores de pontuação (média) obtidos pelo Mini Sleep Questionnaire, de acordo com a intensidade da dor (EVN).

Os pacientes com dor moderada e intensa apresentaram valores de escore médio maiores do que os obtidos pelos pacientes do grupo de dor leve (p=0,001) para o item “dificuldade para adormecer à noite”. Com relação ao item “acorda cansado pela manhã”, os valores apresentados pelo grupo de dor intensa foram maiores do que os encontrados no grupo de dor leve (p=0,043). Esses resultados indicam pior qualidade do sono nesses pacientes em comparação com o grupo de dor leve (figura 1).

Figura 1
Pontuação média obtida por pacientes com dor leve (n=12), moderada (n=45) e grave (n=46) em cada item do Mini Sleep Questionnaire

Os dados gerais do SF-36 apontam para uma baixa qualidade de vida dos pacientes do presente estudo. Os componentes com os piores resultados em ordem decrescente foram: “limitação devido a aspectos emocionais e físicos”, “dor”, “capacidade funcional”, “estado geral de saúde”, “vitalidade”, “saúde mental” e “aspectos sociais”. A categorização entre os grupos com dor leve, moderada e intensa permitiu a esta pesquisa identificar que, em relação aos “aspectos sociais” e à “capacidade funcional”, os pacientes com dor intensa apresentaram uma pontuação menor do que aqueles com dor leve (p=0,042 e p=0,006, respectivamente). O componente “dor”, como esperado, apresentou um escore significativamente maior no grupo com dor leve do que no grupo geral e nos grupos com dor moderada e intensa (p<0,0001 - tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da qualidade de vida, de acordo com os instrumentos SF-36.

De acordo com os dados do HAD, a ansiedade e a depressão foram altamente prevalentes: 16,5% dos pacientes foram diagnosticados com sintomas de ansiedade, 13,59% com depressão e 34,95% apresentaram sintomas tanto de ansiedade quanto de depressão. Considerando a presença de ansiedade e depressão em pacientes com DC, os dados obtidos mostraram que a frequência de “dificuldade grave” para dormir foi maior em pacientes ansiosos, deprimidos e ansiosos+deprimidos, em comparação com pacientes que não apresentavam esses sintomas. Os itens que apresentaram diferenças em relação aos escores médios obtidos entre os pacientes deprimidos e ansiosos em relação aos pacientes não deprimidos e não ansiosos foram: “acorda à noite e não volta a dormir” (p=0,009), “acorda cansado pela manhã” (p=0,000), “acorda à noite e volta a dormir” (p=0,001), “acorda com dor de cabeça” (p=0,028), “cansaço sem motivo aparente” (p=0,001) e “sono agitado” (p=0,018). Em seis itens avaliados pelo MSQ, a pontuação média obtida pelos pacientes deprimidos e ansiosos foi maior do que a dos pacientes não deprimidos e não ansiosos (figura 2). A análise do valor da pontuação total também identificou diferenças entre esses pacientes (p=0,000). Apesar de o valor médio dos pacientes deprimidos e ansiosos ser estatisticamente mais alto do que o dos pacientes não deprimidos e não ansiosos, ambos os grupos tiveram um escore total acima de 30 pontos, indicando a presença de distúrbios graves do sono.

Figura 2
Pontuação média obtida por pacientes deprimidos e ansiosos (n=36) e pacientes não deprimidos e não ansiosos (n=36) em relação a cada item do MSQ.

Considerando o escore total obtido dos pacientes pelo MSQ para as variáveis: “estado civil”, “raça/cor”, “escolaridade”, “duração da dor” e “causa da dor”, os itens do SF-36 apresentaram um valor p significativo (≤0,3) na análise bivariada e foram pré-selecionadas para o modelo de regressão linear multivariada completo. Entretanto, apesar de apresentarem significância estatística na análise bivariada, quando testadas em um modelo multivariado, apenas as variáveis “SF-36-Dor e SF-36-Vitalidade” permaneceram no modelo final. De acordo com os dados obtidos, o “SF-36-Dor e SF-36-Vitalidade” foram fatores de proteção para a presença de distúrbios do sono. Portanto, quanto maiores os valores obtidos no item “dor” (determinado pelo SF-36), menores as chances de o paciente desenvolver um distúrbio do sono (RP = 0,89/CI = 0,79 a 1,00). Da mesma forma, os pacientes com boa “vitalidade” (conforme determinado pelo SF-36) também têm menor probabilidade de desenvolver distúrbio do sono (RP = 0,80/CI 0,72 a 0,89 - tabela 3).

Tabela 3
Regressão linear (fatores associados à qualidade do sono - MSQ) - Modelo final.

DISCUSSÃO

Os distúrbios do sono são comuns em pacientes com DC. Provavelmente devido à dor, o início do sono se torna um processo difícil e o sono ocorre de forma fragmentada, causando fadiga, cansaço, sonolência e sono não restaurador. Um estudo1818 Karaman S, Karaman T, Dogru S, Onder Y, Citil R, Bulut YE, Tapar H, Sahin A, Arici S, Kaya Z, Suren M. Prevalence of sleep disturbance in chronic pain. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2018;18(17):2475-81. concluiu que a dor e a disfunção do sono comumente coexistem, sendo que 40% dos indivíduos com DC preenchem critérios para alterações na qualidade do sono. Os resultados do presente estudo corroboram a alta incidência apresentada na literatura, com uma prevalência de 77,67% de distúrbios do sono encontrados em sua amostra.

A relação bidirecional entre a intensidade da dor e o distúrbio do sono foi comprovada, com uma noite de sono ineficaz sendo previsão de dor no dia seguinte2525 Cicconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Rodrigues IQM. Tradução para a Língua Portuguesa e avaliação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50.,2626 Hosmer D W, Lemeshow S, Sturdivant RX. Applied Logistic Regression [Internet]. Wiley; 2013. (Wiley Series in Probability and Statistics). Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/book/10.1002/9781118548387.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/book...
. O sono inadequado resulta em maior percepção da dor durante o dia e é previsão para um novo episódio de distúrbio do sono na noite seguinte, criando um ciclo vicioso. Esse achado sugere que os distúrbios do sono podem mediar e, ao mesmo tempo, ser mediados por um processo psicológico complexo relacionado à somatização da dor1818 Karaman S, Karaman T, Dogru S, Onder Y, Citil R, Bulut YE, Tapar H, Sahin A, Arici S, Kaya Z, Suren M. Prevalence of sleep disturbance in chronic pain. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2018;18(17):2475-81.,2828 Affleck G, Urrows S, Tennen H, Higgins P, Abeles M. Sequential daily relations of sleep, pain intensity, and attention to pain among women with fibromyalgia. Pain. 1996;68(2-3):363-8.. No presente estudo, os indivíduos com dor moderada e intensa apresentaram uma porcentagem maior de “dificuldades graves de sono”. Um estudo de base populacional demonstrou que pacientes com má qualidade de sono tinham uma maior probabilidade de ter dor do que aqueles com boa qualidade de sono2929 Sun Y, Laksono I, Selvanathan J, Saripella A, Nagappa M, Pham C, Englesakis M, Peng P, Morin CM, Chung F. Prevalence of sleep disturbances in patients with chronic non-cancer pain: a systematic review and meta-analysis. Sleep Med Rev. 2021;57:101467., corroborando os resultados encontrados nesta pesquisa.

Um estudo3030 Keilani M, Crevenna R, Dorner TE. Sleep quality in subjects suffering from chronic pain. Wien Klin Wochenschr. 2018;130(1-2):31-6. que investigou a qualidade do sono em indivíduos com DC em um grupo de 121 pacientes, relatou que 63,6% das pessoas acordavam à noite e 60,3% tinham sono não restaurador. No presente estudo, esses itens também apresentaram escores mais altos, respectivamente 72,81% e 71,84%, sugerindo que a presença de dor à noite causa despertares noturnos, e esse sono fragmentado possivelmente desencadeia a queixa de sono não restaurador.

A relação entre variáveis demográficas, como gênero, etnia, idade e escolaridade, com a dor e o sono foi ambígua. Para alguns autores as mulheres têm pior qualidade objetiva e subjetiva do sono e dor mais intensa do que os homens3131 Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52.,3232 Zhang J, Lam S P, Li SX, Tang NL, Yu MWM, Li AM, Wing YK. Insomnia, sleep quality, pain, and somatic symptoms: sex differences and shared genetic components. Pain. 2012;153(3):666-73. Em outros estudos, não foi observada associação entre qualidade do sono, dor e variáveis demográficas3030 Keilani M, Crevenna R, Dorner TE. Sleep quality in subjects suffering from chronic pain. Wien Klin Wochenschr. 2018;130(1-2):31-6.. A amostra foi predominantemente feminina e não foi encontrada associação entre gênero e dor ou qualidade do sono. Em relação à escolaridade, o ensino médio e o ensino fundamental foram os mais citados, com 33,98% e 48,55%, respectivamente. No entanto, a variável “escolaridade” não se mostrou um fator relacionado a distúrbios do sono na população estudada.

De acordo com um estudo3030 Keilani M, Crevenna R, Dorner TE. Sleep quality in subjects suffering from chronic pain. Wien Klin Wochenschr. 2018;130(1-2):31-6., iniciar o sono não é a principal dificuldade para a maioria dos pacientes com DC, apesar de ter sido encontrada uma associação entre a intensidade geral da dor e a latência do sono, mostrando que quanto mais altos são os escores de dor, maior é o tempo necessário para adormecer. Esse achado está de acordo com os resultados deste estudo, em que a maior parte dos pacientes com dor moderada e intensa sempre tem dificuldade para adormecer à noite, com uma porcentagem de 36,96% e 46,67%, respectivamente. Neste estudo, o item “dificuldade para dormir” apresentou a segunda maior pontuação no questionário do sono. Outro achado relevante foi a prevalência de indivíduos que “usam fármacos para dormir”, que foi de 47,83%, contribuindo para a polifarmácia no tratamento da DC.

A população geral do presente estudo apresentou um escore geral do MSQ superior a 30, o que indica grave dificuldade de sono nos indivíduos com DC, especialmente naqueles com dor intensa. Atualmente, ainda não está claro como a dor contínua e persistente está relacionada à insônia grave, mas muitas hipóteses são possíveis66 Smith M T, Haythornthwaite JA. How do sleep disturbance and chronic pain inter-relate? Insights from the longitudinal and cognitive-behavioral clinical trials literature. Sleep Med Rev. 2004;8(2):119-32.. Alguns pesquisadores propuseram a ideia de que, diferentemente da dor aguda, a DC está associada a alterações funcionais nas células do núcleo magno da rafe que modulam e desencadeiam a dor3333 Foo H, Mason P. Brainstem modulation of pain during sleep and waking. Sleep Med Rev. 2003;7(2):145-54.. Estudos em ratos já indicaram um mecanismo de hiperatividade dessas células com descarga neuronal excitatória associada à manutenção do estado de alerta3434 Coutinho VS, Urban OM, Gebhart FG. Role of glutamate receptors and nitric oxide in the rostral ventromedial medulla in visceral hyperalgesia. Pain. 1998;78(1):59-69.. Esses conceitos complementam a hipótese de que a DC pode levar a alterações funcionais duradouras no sistema nervoso, que modulam tanto o sono quanto a dor3535 Paulson PE, Casey KL, Morrow TJ. Long-term changes in behavior and regional cerebral blood flow associated with painful peripheral mononeuropathy in the rat. Pain. 2002;95(1):31-40.. Nesta pesquisa, quando na presença de ansiedade e depressão, os pacientes com DC apresentaram, comparativamente, pior qualidade de sono do que os pacientes que não apresentavam esses transtornos psiquiátricos. A dor está associada a sintomas somáticos muito semelhantes aos encontrados na depressão, sendo o sono inadequado um dos fatores de sobreposição mais comuns3636 Tenti M, Raffaeli W, Gremigni P. A narrative review of the assessment of depression in chronic pain. Pain Manag Nurs. 2022;23(2):158-67.. A presença de sofrimento emocional, depressão e/ou ansiedade em pessoas com DC representa um desafio na avaliação das alterações do sono, pois os sintomas podem ser resultado da própria dor ou de fármacos pres- critos para o controle da dor3737 Dansie EJ, Turk DC. Assessment of patients with chronic pain. Br J Anaesth. 2013;111(1):19-25.. Além disso, deve-se considerar que a presença de distúrbios do sono piora a depressão nos casos de DC, exacerbando esse fator de risco3838 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8..

Um estudo3939 Lee S, Kin JH, Chung JH. The association between sleep quality and quality of life: a population-based study. Sleep Med. 2021;84:121-6. mostrou que, na população em geral, indivíduos com qualidade de sono ruim têm escores de qualidade de vida mais baixos em comparação com aqueles com boa qualidade de sono. A dor foi um dos fatores independentes relacionados à má qualidade do sono, e a má qualidade do sono, por sua vez, foi associada a uma pior qualidade de vida. Esses dados corroboram os achados do presente estudo, no qual os resultados do SF-36 indicaram uma baixa qualidade de vida para os pacientes.

A dor moderada e intensa foi associada a piores escores de qualidade de vida do que a dor leve, conforme observado na literatura. Embora haja um interesse crescente em distúrbios do sono em pacientes com DC, sua relação como um fator de piora da qualidade de vida, não está bem definida. Em um estudo cujas dimensões físicas e psicológicas da qualidade de vida foram separadas, a associação entre dor e qualidade do sono se reduziu e perdeu a significância estatística3030 Keilani M, Crevenna R, Dorner TE. Sleep quality in subjects suffering from chronic pain. Wien Klin Wochenschr. 2018;130(1-2):31-6.. No presente estudo, a análise multivariada levou à conclusão de que a dor e a vitalidade são fatores de proteção para a presença de distúrbios do sono. Portanto, quanto melhor for a qualidade de vida em relação a esses itens, menores serão as chances do paciente desenvolver um distúrbio do sono.

A alta prevalência de distúrbios do sono em pacientes com DC, associada a impactos na qualidade de vida, deve alertar a comunidade médica sobre a importância de investigar a presença de alterações do sono nesses pacientes. Pesquisas anteriores sugerem que o controle adequado da dor melhora a qualidade do sono em até 14%1818 Karaman S, Karaman T, Dogru S, Onder Y, Citil R, Bulut YE, Tapar H, Sahin A, Arici S, Kaya Z, Suren M. Prevalence of sleep disturbance in chronic pain. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2018;18(17):2475-81. e a associação de outras terapias, farmacológicas ou não, deve ser utilizada para o tratamento de ambas as condições.

Limitações

Os estudos que correlacionam os distúrbios do sono – medidos pelo questionário MSQ – e a intensidade da dor são escassos. Deve-se lembrar também que o uso de dados transversais limita a capacidade de estabelecer relações temporais e fazer inferências causais sobre dor, sono e qualidade de vida. Entretanto, os principais trabalhos nesse campo mostraram que essas relações são provavelmente recíprocas e consequentes umas das outras.

CONCLUSÃO

A avaliação do sono nesta pesquisa identificou uma alta prevalência de distúrbios graves do sono, especialmente em pacientes com dor moderada e grave. A frequência desse distúrbio também foi maior em pacientes com ansiedade, depressão ou ansiedade e depressão, em comparação com pacientes que não apresentavam esses transtornos psiquiátricos. Os resultados da análise multivariada identificaram que os itens dor e vitalidade, ambos do instrumento SF-36, apresentavam fatores de proteção para a presença de distúrbios do sono, indicando que, quanto melhor a qualidade de vida, menores as chances de o paciente ter um distúrbio do sono. Levando-se em conta que a dor é um fator importante para o bem-estar dos indivíduos, é necessária a identificação precoce dos distúrbios do sono em pacientes com DC, a fim de se conseguir uma intervenção precoce e melhores resultados futuros.

  • Fontes de fomento: não há.

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Editado por

Editor associado responsável: Juliana Barcellos de Souza

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2023
  • Aceito
    16 Set 2023
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