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Inteligência artificial e dor: oportunidades e desafios para pesquisa e prática clínica

O crescente interesse na inteligência artificial (IA) e suas aplicações em diversas áreas de conhecimento, incluindo a área da saúde, é possível devido aos avanços tecnológicos e à redução dos custos de processamento computacional, armazenamento e aquisição de dados em tempo real11 Russell S, Norvig P. Artificial intelligence: a modern approach, Hoboken. USA: Pearson; 2020.. Apesar de não haver uma definição endossada pela literatura, a IA pode ser compreendida como uma tecnologia com a capacidade de responder a informações provenientes de novos dados, alterando sua operação para maximizar o desempenho, imitando as capacidades de resolução de problemas e tomada de decisão da mente humana. A aprendizagem de máquina, ou Machine Learning (ML), é um subcampo da IA que desenvolve algoritmos por meio de matemática, estatística, lógica e programação de computadores, com o objetivo de identificar padrões, melhorar previsões ou comportamentos com base em dados e experiências prévias, sem necessidade de uma programação explícita para fazer algo específico.

As redes neurais artificiais, um subcampo da ML, são sistemas computacionais que se inspiram no funcionamento do cérebro humano. Elas são compostas por grande número de unidades básicas de processamento (neurônios artificiais) interconectadas e que aprendem com os dados através dos pesos sinápticos. Essas redes constroem suas próprias regras de comportamento, com base em experiências anteriores, resultando em um sistema autônomo capaz de realizar tarefas específicas, como classificar imagens ou reconhecer falas22 Haykin S. Neural networks and learning machines, 3rd ed. Pearson Education India; 2009..

As evidências atuais reconhecem que a dor é um fenômeno complexo e multifatorial, com uma variedade de apresentações clínicas33 Reis FJ, Nijs J, Parker R, Sharma S, Wideman TH. Culture and musculoskeletal pain: strategies, challenges, and future directions to develop culturally sensitive physical therapy care. Braz J Phys Ther. 2022;100442.. Nesse sentido, os modelos de ML surgem como um recurso promissor, tanto para as pesquisas quanto para o tratamento da dor. Especificamente, esses modelos podem processar grande volume de dados simultaneamente (incluindo dados clínicos e experimentais) com o objetivo de detectar automaticamente padrões, regras e dependências causais, prever ou classificar dados futuros, extrair informações e identificar subgrupos nos dados para obter novos conhecimentos e ajudar a entender a complexidade da dor44 Lötsch J, Ultsch A. Machine learning in pain research. Pain. 2018;159(4):623-623..

Atualmente, exemplos do uso de modelos de ML na área da dor incluem a identificação de subgrupos (classificação) usando técnicas de agrupamento (clustering), o diagnóstico dos pacientes com dor usando dados de saúde, a identificação de biomarcadores da dor, a previsão da resposta ao tratamento, autogerenciamento e monitoramento, identificação de fatores de risco e prognóstico, automação, medida da intensidade da dor e a identificação de mecanismos envolvidos na dor44 Lötsch J, Ultsch A. Machine learning in pain research. Pain. 2018;159(4):623-623., 55 Jenssen MDK, Bakkevoll PA, Ngo PD, Budrionis A, Fagerlund AJ, Tayefi M. Machine learning in chronic pain research: a scoping review. App Sci. 2021;11(7):3205., 66 Sankaran R, Kumar A, Parasuram H. Role of Artificial Intelligence and Machine Learning in the prediction of the pain: A scoping systematic review. Proceedings of the Institution of Mechanical Engineers, Part H: Journal of Engineering in Medicine. 2022;236(10):1478–91..

O grande volume de dados (Big Data) relacionados à saúde, associado a uma maior disponibilidade e uso de tecnologias (smartphones, aplicativos e dispositivos vestíveis), tem potencial para impulsionar o desenvolvimento de modelos de ML mais precisos e efetivos. Esse grande volume e variedade de dados, que podem incluir informações genéticas, moleculares, clínicas, ambientais e de estilo de vida de cada paciente, podem ser utilizados em conjunto com modelos de ML altamente acurados para personalizar o diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, reduzindo riscos e contribuindo para a medicina de precisão. No entanto, apesar da presença dessas tecnologias em diversas áreas, o desenvolvimento e a implementação de modelos de ML confiáveis na área da saúde ainda enfrentam desafios como, por exemplo: (1) qualidade e disponibilidade dos dados, (2) a interpretabilidade e transparência dos modelos, (3) generalização (validade externa) dos modelos, (4) coleta, armazenamento, compartilhamento, privacidade e segurança dos dados e (5) aspectos éticos e legais do uso dos modelos na tomada de decisão clínica77 Yu KH, Beam AL, Kohane IS. Artificial intelligence in healthcare. Nature biomedical engineering. 2018;2(10):719-31..

A IA é uma realidade emergente que pode produzir uma mudança de paradigma na área da saúde. Os modelos de ML fornecem a oportunidade de processar grande volume de dados na medida que estes são gerados (em tempo real) e de analisar diferentes tipos de dados como textos, imagem e voz. Essa combinação de Big Data e os modelos de ML podem impactar significativamente o futuro das pesquisas, a prática clínica e a vida das pessoas que sofrem com dor. É provável que a IA melhore a qualidade do atendimento, reduzindo a taxa de erros humanos e diminuindo a fadiga dos profissionais, decorrente de tarefas clínicas de rotina. No entanto, os sistemas de IA ainda apresentam muitas limitações e levantam questões operacionais e éticas. De qualquer forma, as decisões clínicas não devem ser tomadas exclusivamente pela aplicação de um algoritmo. É necessário integrar a IA de forma prudente e razoável no fluxo de trabalho do profissional, mas devemos ressaltar que a IA não substituirá a importância de características humanas como empatia, acolhimento, escuta qualificada e validação da queixa do paciente, que são essenciais no gerenciamento de pessoas com dor.

REFERENCES

  • 1
    Russell S, Norvig P. Artificial intelligence: a modern approach, Hoboken. USA: Pearson; 2020.
  • 2
    Haykin S. Neural networks and learning machines, 3rd ed. Pearson Education India; 2009.
  • 3
    Reis FJ, Nijs J, Parker R, Sharma S, Wideman TH. Culture and musculoskeletal pain: strategies, challenges, and future directions to develop culturally sensitive physical therapy care. Braz J Phys Ther. 2022;100442.
  • 4
    Lötsch J, Ultsch A. Machine learning in pain research. Pain. 2018;159(4):623-623.
  • 5
    Jenssen MDK, Bakkevoll PA, Ngo PD, Budrionis A, Fagerlund AJ, Tayefi M. Machine learning in chronic pain research: a scoping review. App Sci. 2021;11(7):3205.
  • 6
    Sankaran R, Kumar A, Parasuram H. Role of Artificial Intelligence and Machine Learning in the prediction of the pain: A scoping systematic review. Proceedings of the Institution of Mechanical Engineers, Part H: Journal of Engineering in Medicine. 2022;236(10):1478–91.
  • 7
    Yu KH, Beam AL, Kohane IS. Artificial intelligence in healthcare. Nature biomedical engineering. 2018;2(10):719-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023
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