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Dois projetos inacabados de poesia americana

Two Unfinished Projects of American Poetry

Resumo:

Gonçalves Dias publicou em 1857 os quatro primeiros cantos do poema épico Os Timbiras. José de Alencar planejou Os filhos de Tupã, uma epopeia em doze cantos, que permaneceu inédita. Ainda que inacabadas, as iniciativas dos dois principais vultos do Romantismo brasileiro são reveladoras das possibilidades de uma poesia americana de pendor épico no contexto da literatura nacional e dos paradigmas então vigentes do Indianismo.

Palavras-chave:
Gonçalves Dias; Os Timbiras; José de Alencar; Os filhos do Tupã; epopeia

Abstract:

Gonçalves Dias published in 1857 four cantos of the epic poem Os Timbiras. José de Alencar planned Os filhos do Tupã, an epic in twelve parts, which remains unpublished until his death. Although unfinished, the initiatives of the two main personalities of Brazilian Romanticism reveal the possibilities of an American poetry with epic inclination in the context of the national literature and the paradigms of the Indianism of that time.

Keywords:
Gonçalves Dias; Os Timbiras; José de Alencar; Os filhos do Tupã; epic

[...] Traz do exílio Um livro, monumento derradeiro Que à pátria levantou; ali revive Toda a memória do valente povo Dos seus Timbiras... (Assis, 2008 ASSIS, Machado de. A Gonçalves Dias. In: ASSIS, Machado de. Americanas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008., v. 3, p. 544)

Digo-o por mim: se algum dia fosse poeta, e quisesse cantar a minha terra e as suas belezas, se quisesse compor um poema nacional, pediria a Deus que me fizesse esquecer por um momento as minhas ideias de homem civilizado. (Alencar, 1960ALENCAR, José de. Os filhos de Tupã. In: ALENCAR, José de. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960., v. 4, p. 865)

Poesia americana

Os povos americanos despertaram a atenção dos letrados europeus desde que os navegadores, exploradores, aventureiros e colonizadores colocaram os pés no Novo Mundo. A Carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) é expressiva do choque e da admiração que aquelas pessoas provocaram nos marinheiros comandados pelo almirante português, a começar por sua nudez e aparente docilidade:

[...] Quando o batel chegou à boca do rio, eram ali 18 ou 20 homens, pardos, todos nus sem n[enhum]a cousa que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas setas. Vinham todos rijos pera o batel e Nicolau Coelho lhes fez sinal que posessem os arcos. E eles os poseram. (Carta de Pero Vaz de Caminha, 2003CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA. Fixação do texto por Pedro Serra. In:RIBEIRO, Maria Aparecida. A carta de Caminha e seus ecos. Estudo e antologia. Coimbra: Angelus Novus, 2003., p. 213).

Datada de 1 de maio de 1500, a carta permaneceu inédita, mas não desconhecida, até 1817, quando Aires de Casal (1754-1821) a incluiu em sua Corografia brasílica. Deve ter provocado algum impacto desde sua divulgação,2 2 Sobre as apropriações da Carta por escritores e artistas, v. Ribeiro, 2003. pois, em 1821, já estava traduzida para o francês por Ferdinand Denis (1798-1890), que a publicou, em 1821, no Journal des Voyages, Découvertes, et Navegations Modernes com o título Lettre de Pedro Vaz de Caminha sur la découverte du Brésil; logo a seguir, Denis reproduziu-a no autoral Brésil, de 1822. As razões de seu sucesso são muitas, mas uma delas provavelmente se associa à emergência e consolidação dos conceitos, originários de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), do “bom selvagem” e do “homem natural”. Caminha, de certo modo, prenuncia a perspectiva iluminista difundida nas últimas décadas do setecentos e primeiras do oitocentos, segundo a qual o indígena era um ser não contaminado pelas desigualdades da sociedade civilizada, por isso, naturalmente bom e ideologicamente promissor, podendo, no parecer do escriba lusitano, ser evangelizado de modo pacífico.

A carta de Caminha é, de certo modo, “indianista”, antecipando aspirações do movimento que alcançou o apogeu no Romantismo do século XIX. Podia ser apreciada e adotada, porque não compartilhava, e até desmentia graças ao testemunho pessoal, a desqualificação e o rebaixamento com que os povos americanos foram entendidos e representados em crônicas redigidas por seus conterrâneos no século XVI, como Fernão de Magalhães Gândavo (c. 1540-c. 1580), que os designa como “bárbaro gentio” (Gândavo, 1576GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Lisboa: Oficina de Antônio Gonçalves, 1576., s. n. p.) em 1576, e que perdurou até o século XVIII, como procede Sebastião da Rocha Pitta (1660-1738), em 1730.3 3 Escreve Rocha Pitta: “Todo este vastíssimo corpo, que temos mostrado, estava possuído e habitado por inculta gentilidade, dividida em inumeráveis nações, algumas menos feras, mas todas bárbaras: não tinham culto de religião, idolatravam à gula, e serviam ao apetite, sem regimem de lei ou de razão" (Pitta, 1958, p. 36).

O Indianismo apresenta-se como ideal literário no século XIX, e no Brasil especialmente, após a separação política de Portugal. Indígenas, porém, detinham posição de destaque em obras redigidas em verso desde, pelo menos, o século XVIII, como ocorre em O Uraguai (1769), de Basílio da Gama (1740-1795), no Caramuru (1781), de Santa Rita Durão (1722-1784), e na “Ode ao homem selvagem” (1821), de Antônio de Souza Caldas (1762-1814), todos eles, coincidentemente ou não, letrados vinculados a ordens religiosas católicas. Nas primeiras décadas do século XIX, o protagonismo se manteve no Niterói, Metamorfose do Rio de Janeiro (1822), de Januário da Cunha Barbosa (1780-1846), e em Três dias de um noivado (1844), de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa (1812-1861), poemas, ambos, com aspirações épicas.

Contudo, a primogenitura foi sendo adiada, até se apresentarem, em 1847, os Primeiros cantos, de Gonçalves Dias (1823-1864), que dedica a parte inicial da obra à, por ele denominada, “Poesia americana”, reunindo, às estrofes da “Canção do exílio”, “O canto do guerreiro”, “Canto do índio”, “Canto do piaga” e “Deprecação”.

A “Canção do exílio” não é um poema indianista, mas Gonçalves Dias a posicionou, na condição de abertura do segmento “americano” dos Primeiros cantos, compartilhando com os demais o sentimento da ruptura, perda e separação. Com efeito, os versos propriamente indianistas de três dos quatro outros poemas - “Canto do piaga”, “Canto do índio” e “Deprecação” - são desalentados, ao anunciar o declínio, próximo ou não muito distante, do povo indígena: no “Canto do piaga” e em “Deprecação”, em decorrência da conquista portuguesa que aniquila os ocupantes originais da América, no “Canto do índio” por intermédio da rendição do eu lírico à “loura Virgem tão formosa”4 4 A sujeição do indígena à amada de pele clara e procedência europeia reaparece na trama de O guarani, de José de Alencar (1829-1877), de 1857, por meio das personagens Peri e Cecília (Ceci, na designação do protagonista do romance). por quem ele se enamora, a ponto de voluntariamente se deixar escravizar:

Ah! Que não queiras tu vir a ser rainha Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles! Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa. Odeio tanto aos teus, como te adoro; Mas queiras tu ser minha, que eu prometo Vencer por teu amor meu ódio antigo, Trocar a maça do poder por ferros E ser, por te gozar, escravo deles. (Dias, 1998DIAS, Gonçalves. Primeiros cantos. Biografia, vocabulário, comentários, bibliografia por Letícia Malard. Belo Horizonte: Autêntica, 1998., p. 29).

Os Segundos cantos, publicados em 1848, portanto, apenas um ano após o lançamento dos Primeiros, incluem um único poema indianista, “Tabira”, que traz entre parênteses o subtítulo “Poesia americana”. Formado por 25 estrofes de oito versos, a obra tem intuito épico, ao narrar as lutas entre a nação dos tabajaras (tobajaras, na ortografia do texto original), liderados pelo herói do título, e os potiguaras. Porque se aliou aos invasores lusos e converteu-se ao Cristianismo, Tabira é considerado um traidor pelos potiguaras, que almejam vingar-se. Vencedor da porfia, o herói e seus liderados acabam derrotados pelos portugueses, que ludibriam os tabajaras e submetem-nos à escravidão.

“Tabira” parece antecipar dois outros poemas de Gonçalves Dias: o “I-Juca-Pirama”, ao narrar a luta individual do indígena tupi contra o grupo de timbiras que o aprisionara; e o épico Os Timbiras, ao escolher como assunto as desavenças entre esta nação e a dos gamelas, que culminam na dispersão e decadência de ambas. Porém, “Tabira” se particulariza por eleger um fato histórico como assunto: seu herói não é fruto da imaginação do escritor, mas uma personagem do passado colonial, tendo ajudado Duarte Coelho (1485-1554), primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, no século XVI, a vencer os indígenas adversários dos lusitanos (Barreto, 2010BARRETO, Carlos Xavier Paes. Os primitivos colonizadores nordestinos e seus descendentes. 2. ed. Rio de Janeiro: Usina de Letras, 2010.). Por essa razão, o que também singulariza os versos de Gonçalves Dias, está ausente o imaginário religioso dos povos americanos, predominando o realismo quando apresenta as lutas entre os combatentes:

XXI ........................................... Muitas setas cravejam Tabira: Belo quadro! - mas vê-lo era horrível! Porco-espim que sangrado e terrível Duras cerdas raivando espetou! XXII Tem um olho dum tiro flechado! Quebra as setas que os passos lh’impedem E do rosto, em seu sangue lavado, Flecha e olho arrebata sem dó! E aos imigos que o campo não cedem, Olho e flecha mostrando extorquidos, Diz, em voz que mais eram rugidos: - Basta, vis, por vencer-vos um só! (Dias, 1848DIAS, A. Gonçalves. Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão. Rio de Janeiro: Tipografia Clássica de José Ferreira Monteiro, 1848., p. 102-103).

Ainda que comprovadamente bravo, Tabira não é, porém, um vencedor, nem uma personagem dotada unicamente de virtudes. O sujeito da narração chama a atenção para sua ingenuidade e estultice, ao cair na cilada dos portugueses, que, estrategicamente, dividem as nações indígenas e fragilizam-nas, facilitando a vitória dos ocupantes, a escravização dos povos locais e a colonização europeia. É o que leva Nísia Floresta (1810-1885), nos versos de teor épico que publica no ano seguinte, a energicamente amaldiçoar Tapeirá, o nome com que o herói de Gonçalves Dias aparece em “A Lágrima de um Caeté” (1849):

Maldito, ó maldito sejas Renegado Tapeirá!... Teu nome em nossas florestas Em horror sempre será! (Floresta, 2014FLORESTA, N. Fragmentos do poema “A lágrima de um Caeté” de Nísia Floresta Brasileira Augusta.Revista Cronos, v. 13, n. 1, p. 138 - 140, 11 ago. 2014.).5 5 Cf. Matthews, 2012.

“Tabira” estabelece a conexão entre os poemas dos Primeiros cantos que sinalizam a natureza predadora da ocupação portuguesa e os versos indianistas publicados por Dias na década subsequente. À primeira vista, o enquadramento histórico parece não ter agradado ao autor, que não retoma esta prática.6 6 A luta entre potiguaras e tabajaras reaparece em Iracema (1865), de Alencar, que, contudo, inverteu os sinais: os tabajaras são inimigos dos portugueses, e os potiguaras, lidarados por Camarão, seus aliados. Permanece, porém, o empenho em entender o mundo dos povos americanos a partir de sua voz, como sugerem os textos dos Últimos cantos.

Os Últimos cantos, de 1851, incluem novo lote de “Poesias americanas”, entre as quais se encontram “Leito de folhas verdes”, “I-Juca-Pirama”, “Marabá” e a “Canção do tamoio”. Os indígenas mantêm-se na condição de perdedores, sejam as moças que enunciam os versos de “Leito de folhas verdes” e “Marabá”, seja o guerreiro tupi pertencente a um ramo decadente de sua tribo, encarregado de provar seu valor diante dos timbiras. Sujeitos de enunciação que não se rendem são os indivíduos distantes do poder: idosos, como o chefe timbira e o velho tupi, e mulheres, como a mãe que recomenda coragem e bravura ao filho tamoio:

Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar. (Dias, 1851DIAS, A. Gonçalves. Últimos cantos. Poesias. Rio de Janeiro: Tipografia de F. de Paula Brito, 1851., p. 48).

Essas são, todos e todas, pessoas de algum modo marginalizadas - pela idade ou pelo gênero, o que debilita seu discurso. As figuras humanas das estrofes de Gonçalves Dias correspondem a heróis e heroínas vencidos/as, mas não desprovidos/as de valor, porque prezam a honra e a disposição para a luta, embora conscientes de que os aguarda a desgraça.

Nos versos de Gonçalves Dias, o Indianismo parece ter alcançado a altitude para a qual se preparava desde a divulgação, no começo do século XIX, da Carta de Pero Vaz de Caminha: reconhecia-se a nobreza dos povos americanos, representados por tupis, tabajaras, potiguaras, tamoios7 7 Ainda que os tamoios não fossem uma tribo indígena: “Na língua dos Tupinambá, ‘Tamuya’ quer dizer ‘o avô, o mais velho, o mais antigo’. Por isso essa Confederação de chefes chamou-se Confederação dos Tamuya, que os portugueses transformaram em Confederação dos Tamoios.” (Palmeira, 2017, p. 38). e timbiras; e elaborava-se um projeto literário em que eles deixavam de ser objeto do discurso, ao se apresentarem na qualidade de sujeito da enunciação, na voz de homens e mulheres, velhos e jovens.

O escritor, atuante do sistema cultural carioca enquanto professor do Colégio Pedro II e editor, ao lado de Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879) e Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), da revista Guanabara (1849), gozava de notoriedade e estima, traduzidas nas tarefas públicas de que foi encarregado: incumbido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), viajou à Europa em busca de documentos relativos à história nacional; a serviço do imperador Pedro II (1825-1891), elaborou um estudo comparado entre os nativos americanos e os povos da Oceania; também por conta de expedição patrocinada pelo governo, viajou em missão ao Norte e ao Nordeste do país (Montello, 2002MONTELLO, Josué. Gonçalves Dias na Amazônia. Relatórios e diários da viagem ao Rio Negro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2002.). Porém, desde o lançamento, em 1851, dos Últimos cantos, não publicava livros de versos, quando, nos anos anteriores, havia produzido Primeiros cantos, Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão, além da impressão do drama histórico Leonor de Mendonça.

Este, digamos, silêncio poético é rompido em 1857, quando Gonçalves Dias imprime Os Timbiras, às suas custas (Campassi, 2017CAMPASSI, Roberta. F. A. Brockhaus and its relation with Brazil in the 19th century as supplier of scientific works and publisher of Brazilian literature. Mainz: Johannes Gutenberg-Universität Mainz, 2017.), pela editora Brockhaus, de Leipzig (que lançava, no mesmo ano, seus Cantos). Com o subtítulo “Poema americano”, mostra-se uma obra coerente com a produção indianista anterior; porém, é um livro com menos de cem páginas, e contém quatro dos previstos dezesseis cantos do poema. Entre aquele ano e o de seu falecimento, em 1864, quando morre à bordo do barco Ville de Boulogne, que, proveniente de Paris, naufraga nas costas do Maranhão, Gonçalves Dias não divulgou qualquer outro trecho do poema, que talvez tenha sido completado, ainda que mesmo seu biógrafo, Antônio Henriques Leal (1828-1885), não garanta que ele o tenha feito (Leal, 1874LEAL, Antônio Henriques. Antonio Gonçalves Dias. In: ___. Pantheon Maranhense. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874., Tomo III, p. 122).

Epopeias americanas

Os Timbiras não é apenas outro poema indianista, uma vez que o intuito do autor é redigir uma epopeia. Antônio Henriques Leal relembra um passeio ocorrido em 5 de julho de 1847, quando Gonçalves Dias teria exposto uma ideia “sugerida em um passeio feito a um dos sítios mais pitorescos dos arredores do Rio de Janeiro”:

Saberás que estive cousa de cincoenta dias em uma chácara do Serra, em Macacos, e durante todo aquele santo ócio, como dizia Virgílio, nada fiz do que fumar, caçar e imaginar. Imaginei um poema... como nunca ouviste falar de outro: magotes de tigres, de coatis, de cascaveis; imaginei mangueiras e jaboticabeiras copadas, jequitirás e ipês arrogantes, sapucaeiras e jambeiros, de palmeiras não falemos; guerreiros diabólicos, mulheres feiticeiras, sapos e jacarés sem conta: enfim, um gênesis americano, uma Ilíada Brasileira, uma criação recriada. Passa-se a ação no Maranhão e vai terminar no Amazonas com a dispersão dos Timbiras; guerras entre eles e depois com os portugueses. O primeiro canto já está pronto, o segundo começado. (Leal, 1874LEAL, Antônio Henriques. Antonio Gonçalves Dias. In: ___. Pantheon Maranhense. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874., t. III, p. 89-90).

A ideia não é particularmente nova, pois o gênero épico vinha sendo praticado entre escritores nascidos ou estabelecidos no território colonizado pelos portugueses desde o século XVI. De 1563 data De Gestis Mendis de Saa, de José de Anchieta (1534-1597), e de 1601, a Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira (1561-1600). Porém, a obra de Anchieta permaneceu ignorada até o século XX, e a segunda é mencionada de modo equivocado pelos primeiros historiadores da Literatura, como Joaquim Norberto (1820-1891) (Silva, 1998SILVA, Joaquim Norberto de Sousa. Bosquejo da História da Poesia Brasileira. In: ZILBERMAN, Regina, and MOREIRA, Maria Eunice, orgs. O berço do cânone. Textos fundadores da História da Literatura Brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.) e Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) (Varnhagen, 1998VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Ensaio histórico sobre as Letras no Brasil. In: ZILBERMAN, Regina, e MOREIRA, Maria Eunice, orgs. O berço do cânone. Textos fundadores da História da Literatura Brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.).

É no século XVIII que se intensifica a produção de poemas de teor épico (redigidos em língua portuguesa ou em latim) originários de autores nascidos ou radicados no Brasil; ainda assim, alguns permaneceram inéditos, e outros perderam-se. João de Brito e Lima (1671-1747) teria escrito Cesária, celebrando as façanhas do vice-rei Vasco Fernandes César. Gonçalo Soares de França (1632-1724?) compôs, segundo Ferdinand Denis, “um poema épico intitulado Brasília, ou A Descoberta do Brasil, que ficou inédito e se compõe de 1800 oitavas” (Denis, 2018DENIS, Ferdinand. Resumo da História Literária de Portugal seguido do Resumo de História Literária do Brasil. Trad. Regina Zilberman. Rio de Janeiro: Makunaima, 2018., p. 358). A epopeia sacra contou com a adesão de João Mendes da Silva (1656-1736), autor de Christiados (1754), e de Santa Rita Itaparica (1704-1768), autor de Eustáquidos (1769), em seis cantos em oitava rima. Domingos Caldas Barbosa (1739/1740-1800) publicou, em 1776, a Recopilação dos principais sucessos da História Sagrada.

Foram os poemas de Basílio da Gama [O Uraguai e Quitúbia (1791), este de assunto africano]8 8 Ferdinand Denis comenta que “o Brasil possui outra obra notável cujo cenário é africano. Trata-se do poema Tripoli, escrito em latim por Francisco Cardoso, autor nascido na Bahia” (Denis, 2018, p. 378). José Francisco Cardoso (1761-1842) é autor de De Rebus a Lusitanis ad Tripolim Viriliter Gestis Carmen, Canto heroico sobre as façanhas dos portugueses na expedição de Tripoli, na tradução de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), obra publicada, em latim e em português, em 1800. e de Santa Rita Durão (Caramuru) os que se enraizaram na tradição nacional. O Uraguai e Caramuru inscrevem-se na tradição de Os Lusíadas, ao incorporar um assunto de ordem histórica às normas da narrativa épica em versos, dividida em cantos. As personagens, históricas, como Gomes Freire de Andrade (1685-1763) e Diogo Álvares Correia (1475-1557), lendárias, como Sepé, ou originárias da ficção contemporânea, como Cacambo, apropriado do Candide (1759), de Voltaire (1694-1778), formam o elenco de heróis providos de qualidades superlativas. Ausente está a mitologia, não, porém, a lenda, como se verifica no poema de Durão. Por sua vez, encontram-se igualmente duas práticas próprias à epopeia desde seus inícios: a abertura por intermédio da proposição, invocação e dedicatória; e a profecia em meio a um evento extraordinário.

Não são, porém, esses elementos que particularizam os dois poemas, e sim, em primeiro lugar, a presença dos indígenas. Embora não desempenhem o papel de heróis, espaço preenchido por homens provenientes de Portugal, os nativos da América são adjuvantes ou adversários dotados de qualidades positivas que os elevam, dignificando, ao mesmo tempo, as vitórias alçançadas pelos protagonistas lusitanos. Além disso, o cenário do Novo Mundo ocupa posição relevante nos versos de Basílio e Durão, o que os coloca como precursores do Indianismo, classificação corrente nos historiadores da literatura brasileira.

Por consequência, O Uraguai e Caramuru, nascidos do ventre da épica camoniana, como tantos outros poemas portugueses produzidos a partir do final do século XVI, acabam por fornecer um paradigma para a epopeia nacional. O realce conferido aos indígenas americanos facultava a sintonia com o emergente Indianismo do começo do século XIX, que encontra sua melhor expressão na obra de François-René de Chateaubriand (1768-1848). Conveniente era igualmente a circunstância de que os versos de Basílio e Santa Rita Durão não contradiziam os princípios da “cor local”, elevada a critério artístico no período, e ainda valorizavam, à sua maneira, o “homem natural”, embora o preferissem aliado a portugueses e evangelizado.

Esses ingredientes compõem a receita da épica americana, operacionalizada de modo bastante modesto no Niterói, Metamorfose do Rio de Janeiro (1822), de Januário da Cunha Barbosa, e com maior ímpeto dramático em Três dias de um noivado (1844), de Teixeira e Sousa, autor igualmente de A Independência do Brasil (1847SOUSA, Antônio Gonçalves Teixeira e. A Independência do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de Francisco de Paula Brito, 1847.-1855), cujo subtítulo é, confessadamente, um “poema épico em doze cantos” (Sousa, 1847, tomo primeiro, rosto; Nunes, 2015NUNES, Marcos Machado. Transformações da heroicidade épica em A Independência do Brasil, de Teixeira e Sousa. In: VÁZQUEZ, Raquel Bello, and SAMARTIM, Roberto, and FEIJÓ, Elias J. Torres, and BRITO-SEMEDO, Manuel, orgs. Estudos da AIL em Literatura, História e Cultura Brasileiras. Santiago de Compostela; Coimbra: Associação Internacional de Lusitanistas, 2015.). Mas havia muita estrada por trilhar; provavelmente por isso, Gonçalves de Magalhães (1811-1882), letrado hegemônico no contexto do sistema literário carioca desde que lançara seus Suspiros poéticos e Saudade, em 1836, inaugurando o Romantismo em terras brasileiras, decidiu fomentar o gênero, imprimindo, em 1856, A Confederação dos Tamoios, em dez cantos.

Poemas inacabados

O lançamento de Os Timbiras, de Gonçalves Dias, acontece no ano seguinte. Só que o livro não traz a obra integral. Contudo, não foi o único projeto que não chegou ao final naquele período. José de Alencar igualmente planejou um épico, Os filhos de Tupã, que não apenas não foi concluído, como, ao contrário da obra de Gonçalves Dias, permaneceu inédito até sua morte.

A proximidade entre os dois escritores não se deve apenas ao fato de frustrarem-se os respectivos projetos de oferecer um texto épico de cunho indianista, mas, e principalmente, porque ambos eram, à época em que redigiam seus textos, os principais representantes daquela corrente. Talvez por essa razão Dias e Alencar tivessem a percepção de que, para legitimar o posto que ocupavam e coroar sua trajetória artística, cabia dar vazão a um poema, de um lado, afinado a um gênero artístico consagrado desde a Antiguidade e ponto culminante da cultura letrada elevada, de outro adequado ao propósito de conferir identidade e excelência à poesia americana.

Inconclusos, eles não são menos importantes. Como as capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha, eles impõem seu valor e ressonância; ao mesmo tempo, porém, revelam, em sua incompletude, o que significa concretizar - ou não - uma épica condizente com a poética indianista em uma nação colonizada por europeus, mas com pretensões à independência política e autonomia artística.

Os filhos de Tupã teriam sido redigidos em 1863, conforme indica sua divulgação póstuma, promovida originalmente por Mário de Alencar, filho do autor de O guarani e igualmente escritor. Até aquele ano, as relações de Alencar com o Indianismo reduziam-se às Cartas sobre A Confederação dos Tamoios , de 1856, e a O guarani, de 1857. Sua estreia no âmbito da ficção indianista, que o filiava ao romance histórico, tinha constituído notável sucesso em termos de público e de crítica, haja vista a rapidez com que seus folhetins eram reproduzidos na imprensa situada fora da Corte (Hohlfeldt, 2003HOHLFELDT, Antonio.Deus escreve direito por linhas tortas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.). Contudo, entre 1857 e 1863, Alencar mantivera-se distante da poética indianista, preferindo o teatro (A noite de São João, 1857; Verso e reverso, 1857; O demônio familiar, 1858; As asas de um anjo, 1858; Mãe, 1860) e a novela urbana (Cinco minutos, 1857; A viuvinha, 1860; Lucíola, 1862).

Por outro lado, o intuito de retomar o veio indianista deve ter continuado a germinar na consciência do escritor, uma vez que não apenas ele se dedica ao projeto de Os filhos de Tupã, como, tão logo abandonada a ideia, volta-se à redação de Iracema, em que se reconhecem recursos próprios à epopeia, traduzidos, porém, em prosa narrativa (Ribeiro, 2019RIBEIRO, Maria Aparecida. O rei morreu, viva o rei! Magalhães, Alencar e o fim da epopeia no Brasil. In: FRIEDLEIN, Roger, and NUNES, Marcos Machado, and ZILBERMAN, Regina, orgs. A epopeia em questão. Debates sobre a poesia épica no século XIX. Rio de Janeiro: Makunaima, 2019.).

Como sinal da migração do projeto de Os filhos de Tupã para Iracema, poder-se-iam mencionar os versos extraídos da parte II do segundo canto:

Os senhores do vale, os pitiguaras, Cuja seta subia inda mais alto Do que sobe o anajé cortando os ares Batiam-se à direita de Iruama. Se ver lhes fora dado além dos tempos, Quando as praias tiveram que decorrem Do pingue Jaguaribe ao Parnaíba, O vulto saudariam do guerreiro Que gerar-se devia do seu sangue Para lustre da raça e prol dos lusos. À fama sua basta o nome puro De Camarão, soldado cearense, Libertador da pátria, que a bravura Fez grande, e a cruz de Cristo fez ilustre. (Alencar, 1960ALENCAR, José de. Os filhos de Tupã. In: ALENCAR, José de. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960., V. IV, p. 579-580).

Reproduzido na edição das Obras completas, de José de Alencar, Os filhos de Tupã contêm:

a sintese da “Fábula”, paratexto que expõe o mito cosmogônico responsável pelo pano de fundo da narrativa. O mito apresenta evidentes analogias com o Gênesis: conta a criação da Terra por Tupã, que também dá vida a dois filhos, Tupi, fruto de seu sopro, e Ara, nascido de “sua luz” (p. 557). Movido pelo ciúme, Tupi assassina o irmão, sendo amaldiçoado pelo pai, que profetiza a futura soberania dos descendentes de Ara, agentes do extermínio da prole do criminoso: “Então a raça de Ara, dos filhos de minha luz, dos cabelos de sol, virá para exterminar os teus filhos, já bárbaros e fracos, porque eles já se terão vencido a si mesmos” (p. 557). Mais adiante, após a multiplicação dos sucessores de Tupi, e tal como se lê no Pentateuco, Tupã envia uma “grande chuva para cobrir a terra”, salvando apenas o “melhor filho de Tupi”, que denomina T’amanaré, do qual se originam as “três nações mães: Tupi, Tamoios e Tabajaras” (p. 558).

um primeiro plano de trabalho, “primitivo” (p. 558), que sumaria o assunto dos previstos doze cantos da epopeia;

a apresentação dos “caracteres” (p. 559);

a sinopse da “ação” (p. 560);

a definição de um “outro plano” (p. 560), com o assunto dos prováveis terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo e novo canto;

a reprodução dos cantos elaborados por José de Alencar. Estão provavelmente completos o primeiro e o segundo, ainda que sua numeração não corresponda ao argumento antecipado nos dois planos propostos. O canto inicial soma dez partes, e o segundo, nove, enumeradas em romano; o terceiro tem sete partes e apresenta muitas lacunas, sinalizadas por linhas pontilhadas. O quarto limita-se a cinco estrofes, e o quinto, a duas. Dois poemas avulsos, “A vingança” e “Níobe índia”, completam os originais.

A ação passa-se no Amazonas, e apenas figuras provenientes do universo dos povos americanos ali atuam. Ainda que conduza uma narrativa, Alencar não parece interessado no fato histórico, mas no enquadramento mítico das ações protagonizadas pelos indígenas, adequando seu projeto aos princípios da narrativa épica, que lida com a mitologia e o maravilhoso. O escritor cearense entendeu a diferença entre o romance histórico, gênero em que O guarani se encaixa, e a proposta de uma epopeia elaborada em conformidade às normas clássicas. Nas ações relatadas, não estão presentes deuses, nem heróis com qualidades sobrenaturais; mas a moldura proposta pela fábula explica o conjunto dos eventos expostos, afinando o poema ao modelo literário escolhido.

O apelo à intertextualidade também colabora para o enquadramento do poema ao gênero épico. O canto II constrói-se a partir do exemplo da Ilíada, como mostra a enumeração dos povos indígenas que formam os batalhões de Iruama, o comandante dos tupis, elaborada à maneira do catálogo das naves. Por sua vez, a descrição de cada um dos heróis reproduz o procedimento de Príamo (que, como Iruama, é pai de cinquenta guerreiros) em cena compartilhada com Helena junto às muralhas de Troia. No canto I, o sujeito da enunciação apropria-se de imagens que remontam a Os Lusíadas, de Luís de Camões, para valorizar as conquistas portuguesas e suas aventuras marítimas, difundindo a fé cristã:

Teus filhos, pátria, o sangue têm dos lusos, Que dum revés da espada outro hemisfério Talharam do infinito. Cuja lança Haste da cruz, gravou a lei de Cristo Onde a voz não chegou de seus apóstolos. Povo exíguo, assinou-lhes Deus o berço Da cabeça da Europa, sobre o crânio; ........................................................................ Essa nesga de terra, ainda sobrava Para conter-lhes o reino; mas não cabe O grande coração da raça ilustre, Que além, buscando o espaço onde respire, Conquiste o mundo antigo, inventa o novo. (p. 567).

Ainda que bastante incompleto, considerado o plano de doze cantos para Os filhos de Tupã, pode-se concluir que a epopeia prevista por Alencar parecia bem encaminhada.

Gonçalves Dias interrompe o retiro editorial iniciado em 1851DIAS, A. Gonçalves. Últimos cantos. Poesias. Rio de Janeiro: Tipografia de F. de Paula Brito, 1851. com o lançamento dos quatro primeiros cantos de Os Timbiras. Pode-se cogitar que decidiu divulgar seus versos em decorrência da publicação, no ano anterior, de A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, patrocinada pelo imperador, a quem o livro é dedicado. Diante de um escritor que, até então, não demonstrara particular interesse pelo Indianismo,9 9 Gonçalves de Magalhães não escreveu, até 1856, nenhum poema indianista. Mas é autor de uma epopeia herói-cômica, O episódio da infernal comédia, ou Da minha viagem ao Inferno, de 1836. Relativamente à questão dos indígenas, é autor do estudo Os índígenas do Brasil perante a História, publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (Magalhães, 1860). Dias, ao adotar o gênero épico, provavelmente almejou evidenciar que cabia a ele, e não a outro, o lugar de principal representante daquela corrente na literatura nacional.

Dias parece disputar com Magalhães desde a dedicatória, que consagra a obra “À Sua Majestade Imperial O Senhor D. Pedro II Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil” (Magalhães, 1856MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves. A Confederação dos Tamoios. Poema. Rio de Janeiro: Empresa Tipográfica Dous de Dezembro - de Paula Brito, 1856., s. n. p.). Ao fazer similar oferecimento, o poeta maranhense derrama-se em superlativos: “À Majestade do muito alto e muito poderoso Príncipe o Senhor D. Pedro II Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil” (Dias, 1857DIAS, Gonçalves A. Os Timbiras. Poema americano. Cantos I-IV. Leipzig: F. A. Brockhaus, 1857., s. n. p.). Mas interrompe-se aí, não avançando em novo segmento discursivo dirigido a Pedro II; da sua parte, Magalhães estende-se em elogios ao comportamento liberal e generoso do chefe de Estado.

A dedicatória é o único texto que separa a folha de rosto e o primeiro segmento do poema, denominado “Introdução”, o que diferencia o livro das práticas do período, caracterizadas pela inserção de paratextos, como prólogos, prefácios, resumo do argumento. É em depoimento registrado por Antônio Henriques Leal e antes reproduzido que Gonçalves Dias parece explicitar os objetivos da obra - a saber, a elaboração, como se observou antes, de uma “Ilíada brasileira”.

Os Timbiras acatam as regras conhecidas do gênero: o poema divide-se em cantos e incorpora o paradigma da abertura, caracterizada pelo emprego da proposição e da invocação (a dedicatória foi antecipada). Estão presentes também os deuses, o maravilhoso, o fundo histórico e a interlocução com o mito.

É na “Introdução” que aparece a proposição, delineando o tema dos versos,

Os ritos semibárbaros dos Piagas, Cultores de Tupã, a terra virgem Donde como dum trono, enfim se abriram Da cruz de Cristo os piedosos braços; As festas, e batalhas mal sangradas Do povo Americano, agora extinto, Hei de cantar na lira. (p. 1).

bem como a invocação:

Evoco a sombra Do selvagem guerreiro!... (p. 1)

Gonçalves Dias apropria-se de dois elementos da norma épica, mas procura ajustá-los a seu objeto: ele cantará ritos, festas e batalhas do povo americano, “extinto” a seu tempo, segundo o eu lírico, fazendo-o por meio do “selvagem guerreiro” que evoca como estímulo a seus versos. Depois, ainda em primeira pessoa, e em explícita interpolação autorreflexiva, esclarece a poética que o anima. Seu “canto” assemelha-se aos “sons do boré” e destina-se àqueles que “a natureza estima e preza”, apreciando “ouvir as empoladas vagas / bater gemendo as cavas penedias, / e o negro bosque sussurando ao longe” (p. 2). Apresenta-se como “cantor modesto e humilde”, que, contudo, não se espelha no modelo europeu, já que “a fronte não cingi de mirto e louro / antes de verde rama engrinaldei-a” (p. 2). Sua lira enfeita-se de “agrestes flores”, e ele não assentou “nos cimos do Parnaso” (p. 2), nem viu “correr a linfa da Castália” (p. 3). Representa-se como “cantor das selvas”, que escolhe, “entre bravas matas / áspero tronco da palmeira” (p. 3). “Unido a ele”, soltará seu “canto”, “enquanto o vento nos palmares zune, / rugindo os longos encontrados leques” (p. 3).

A introdução expõe a poética que preside a elaboração de Os Tímbiras: embora adote regras pré-estabelecidas pelo gênero literário escolhido, ajusta-as às necessidades de seu projeto. Identificado com o mundo americano que traduz em seus versos, vale-se de um discurso que incorpora os elementos sugeridos pelo espaço natural circundante.

À introdução, segue-se o primeiro canto, com 391 versos, o mais vigoroso do conjunto, ao relatar o combate mortal entre o chefe dos gamelas, rivais dos timbiras, e Itajubá, que assume a liderança de sua nação após a morte do pai, Jaguar. Vitorioso sobre o inimigo, Itajubá confirma a superioridade de seu grupo.

O segundo canto, com 452 versos, abre com outra prática do gênero épico - a profecia, que faculta ao piaga anunciar a futura perda de liberdade dos povos americanos, com a chegada dos estrangeiros europeus e a migração dos timbiras. O tom melancólico predomina, intensificado pelo lamento de Ogib, pai de Jatir, o delicado guerreiro cujo desaparecimento preocupa a todos. No terceiro canto, com 609 versos, o poema alcança um ponto de inflexão, quando o sujeito narrador diagnostica a lamentável sorte da América.

O canto abre com a descrição de um cenário idílico, à hora do nascer do sol:

Era o canto e o perfume, a luz e a vida, Uma só coisa e muitas, - melhor face Da sempre vária e bela natureza: Um quadro antigo, que já vimos todos, Que todos com prazer vemos de novo. (p. 46).

O “nós” que é sujeito do último verso da estrofe inclui Itajubá e seus guerreiros; também eles “amavam contemplar” a natureza. Era essa uma época em que os timbiras eram poderosos, e suas tabas, “imensas”, “cresciam, como crescem gigantescos / cedros nas matas” (p. 46). Mas este tempo passou, comenta o narrador, e as “formosas tabas de Itajubá”, que “já foram como os cedros gigantescos da corrente impedrada”, são “hoje acamados fósseis que dormem sob a terra crustra / Que os homens e as nações por fim sepultam / No bojo imenso” (p. 46).

O narrador, ironicamente, identifica a causa da mudança:

- Chame-lhe progresso Quem do extermínio secular se ufana: (p. 46-47).

Não é essa, porém, a posição do narrador que, assumindo a condição de eu lírico, rejeita a euforia dos que celebram o extermínio dos povos originais da América. Em nova interpolação autorreflexiva, identifica-se como “modesto cantor do povo extinto” e confessa:

Chorarei nos vastíssimos sepulcros, Que vão do mar ao Andes, e do Prata Ao largo e doce mar das Amazonas. (p. 47).

A seguir, justifica por que prefere se isolar nesta região geograficamente afastada: ali, “meditabundo”, ele pode acomodar-se em “sítio”, distante dos “sons frequentes d’europeus machados / Por mãos de escravos Afros manejados” (p. 47). Também não presencia a exploração da seiva da seringueira, empreendida na Amazônia e que condena:10 10 Gonçalves Dias refere-se à exploração da seringueira, incluindo sua lucratividade, em um dos relatórios produzidos por ocasião da missão realizada na Amazônia. (Montello, 2002, p. 100-102).

as matas arrasar, e os troncos, Donde chorando a preciosa goma, Resina virtuosa e grato incenso A nossa incúria grande eterno asselam: (p. 47)

Depois de elencar crimes e guerras, que eternizam culpas legadas pelos pais aos filhos, admite que “não me deslumbra a luz da velha Europa” e que “foi corrompido o ar que respiramos” (p. 47-48). A seguir, sumaria a história da América desde a ótica das perdas e massacres provocados pelos colonizadores. Abre o trecho com a declaração em que constata a condição desafortunada da América:

América infeliz! - que bem sabia, Quem te criou tão bela e tão sozinha, Dos teus destinos maus! [...] (p. 48)

Atribuindo identidade feminina à América, o poeta a descreve como “grande e sublime”, de promissor futuro:

[...] que vida Não fora a tua na sazão das flores! Que majestosos frutos, na velhice, Não deras tu, filha melhor do Eterno?! (p. 48).

Contudo, “velho tutor e avaro cobiçou-te”, imagem com que o autor qualifica a Europa, e ela, “desvalida pupila”, cedeu, “fraca” (p. 48):

[...] entrelaçaste os anos Da mocidade em flor - às cãs e à vida Do velho, que já pende e já declina Do leito conjugal imerecido À campa, onde talvez cuida encontrar-te! (p. 48).

Na sequência, o sujeito narrador relembra Itajubá, “filho de Jaguar, guerreiro ilustre” e seu povo, para denunciar a ocupação da América, que os invasores tomam como sua, apesar de a posse caber à nação indígena. São as “naus de Holanda, os galeões de Espanha, / As fragatas de França, e as caravelas / E portuguesas naus” que retalham o território, domínio dos nativos da América, “qual se vosso não fora” (p. 48).

A suspensão do fluxo narrativo, dedicada à reflexão do sujeito da enunciação sobre o destino da América, prossegue para dar conta das batalhas entre invasores e locais, bem como os prejuízos desses. Encerra com a referência à dispersão dos indígenas, fechando o trecho com uma linha horizontal que separa a interfererência do narrador e a continuidade do relato, quando noticia a preparação dos timbiras para a luta contra os gamelas. Esses formam o assunto do quarto canto, de 522 versos, revelando como os adversários também se organizam para o combate. Com esse canto, encerra-se o livro, sem que o poema tenha sido terminado.

Capelas imperfeitas

Ainda que a narrativa fique interrompida, os quatro cantos de Os Timbiras apresentam coesão e coerência, formando uma unidade. Gonçalves Dias pôde publicá-lo, porque ele oferecia, em seu livro, um produto orgânico e articulado; sob este prisma, tratava-se de uma obra completa e sem lacunas. Não é o caso de Os filhos de Tupã, fragmentado e descontínuo no conjunto; mesmo assim, tomados isoladamente, os cantos I e II se bastam, concretizando, especialmente, o segundo, os ideais épicos que moveram José de Alencar a escrever o poema.

Esses ideais aparecem ainda em outros resultados alcançados pelos dois escritores: noves fora a apropriação de características formais da epopeia (divisão em cantos em ambos os poemas, uso da proposição e da invocação, no caso do texto de Gonçalves Dias), estão presentes o emprego da mitologia emoldurando ação narrada, a criação de guerreiros imbatíveis e a narrativa de gestas individuais, em que os heróis são bem sucedidos. Contudo, este impulso não bastou para Alencar levar adiante seu projeto, e para Gonçalves Dias escrever os cantos subsequentes.

Uma das causas desse insucesso deve ter sido a falta de uma trama consistente que sustentasse o andamento das ações. Duas foram as fontes mais frequentes dos enredos das principais epopeias ocidentais: o acervo mitológico e a História, que aparecem, de preferência, mescladas. O passado histórico pode ser mítico ou lendário até para usuários cronologicamente próximos, na hipótese de que um ateniense do século VI a. C. ou V a. C., ouvindo o aedo declinar os versos da Ilíada, não acreditasse que efetivamente acontecera a guerra dos aqueus contra os troianos. Mas este episódio indicava simbolicamente que eventos significativos tinham ocorrido em outros tempos, repercutindo de modo positivo na atualidade. Estabelecia-se uma conexão entre as sagas narradas por Homero e a condição contemporânea da audiência, promovendo a adesão e a identificação com o que era manifestado na forma de versos.

A epopeia, desde Homero até Camões, apresenta uma narrativa que, mesmo quando repleta de ações extraordinárias desempenhadas por seres dotados de qualidades excepcionais, é interpretada como História por seus destinatários. Não talvez como a História verdadeira, a que de fato aconteceu, mas a desejada, a que poderia ter sido. Assim, ela pôde substituir a mitologia, quando essa perdeu a eficiência ou a credibilidade. Eventos transcorridos no passado (menos ou mais distante) ocupam o lugar do mito, facultando à História mostrar-se unitária e contínua, sem rupturas, nem contradições: todas as ações avançam na direção de uma finalidade, de que o presente é resultado.

Os problemas de Gonçalves Dias e José de Alencar, poetas que almejam concretizar o ideal de uma épica indianista nacional, começam nesse ponto: careciam das duas fontes que, em princípio, alimentaram a epopeia - estavam desprovidos de mitologia e de História. De uma parte, faltava legitimidade ao acervo mitológico que atribuíam aos indígenas, pois aquele advinha da adaptação da nomenclatura supostamente originária dos povos americanos a concepções cristãs, como o relato do Gênesis que forma o pano de fundo de Os filhos de Tupã. Mesmo Tupã, concebido como divindade única e soberana, é criação dos colonizadores, resultando do ajuste do politeísmo das nações americanas ao monoteísmo cristão, providenciado pelos jesuítas em sua ação catequética (Cascudo, 2002CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos mitos brasileiros. São Paulo: Global, 2002.).

De outra parte, também faltava a História, porque se desconhecia o que ocorrera aos povos americanos antes da conquista do território pelos portugueses. Não que aqueles não tivessem experimentado acontecimentos transcorridos em outros tempos, ou vivenciado transformações políticas e tecnológicas. Contudo, vigorava desde os séculos XVII e XVIII, quando a História passou a ser concebida como ciência, noção linear de progresso, segundo a qual o estágio civilizatório alcançado pelos europeus, constituía um ponto de chegada, a que todos os demais povos deveriam aspirar. A Filosofia da História não admitia temporalidades distintas, paralelas ou simultâneas (Quijano, 2000QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, Edgardo, org. La Colonialidad del saber: Eurocentrismo y Ciencias Sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2000.), e grupos humanos que não haviam atingido aquele ideal eram considerados primitivos ou bárbaros, “pré-históricos”.

A única História que os poetas conheciam e poderiam oferecer era a da colonização europeia e lusitana. Por essa razão, as epopeias só poderiam concluir por um desses dois finais: a dispersão dos indígenas, que desaparecem na Amazônia profunda, como se verifica em Os Timbiras; ou o desembarque triunfante das naves de Cabral, como Alencar prevê em sua sinopse de Os filhos de Tupã. A essa constatação, soma-se outra: a de que os heróis indígenas pertencem ao “povo Americano, agora extinto”, como afirma Gonçalves Dias em Os Timbiras, declaração renovada na pergunta de José de Alencar em Os filhos de Tupã:

Onde estão estes povos primitivos? Que é dos nossos irmãos, teus primogênitos? De teus filhos selvagens, minha terra? Extinguiram-se! [...] (p. 567).

A admissão de que os indígenas representados nos poemas pertencem a um povo desaparecido completa o processo de apagamento de sua história. Desprovidos de passado, nega-se-lhes também um futuro. As primeiras linhas dos poemas antecipam sua perdição, provocada por desavenças internas, de modo que as vitórias individuais ou coletivas pouco importam, se colocadas na dimensão do tempo. Com isso, a profecia, requisito do fazer épico incorporado em Os Timbiras pela voz do piaga e, em Os filhos de Tupã, pelo narrador, tem papel central nos textos, não porque adiante os acontecimentos para além da ação narrada, mas porque evidencia a impossibilidade de os indígenas mostrarem-se autônomos e senhores de sua trajetória. Aos povos americanos, é negada a possibilidade de transcendência, pois não há hipótese de suplantarem sua condição primitiva, tornada imutável. Habilitados para a luta e para a guerra, não fundam uma coletividade ativa e producente, nem fazem progredir a sociedade.

Os autores de Os Timbiras e Os filhos de Tupã devem ter percebido o impasse, passível de solução caso fosse escolhido um destes caminhos: a criação de uma epopeia sem eventos, capaz de traduzir o imobilismo em que fora jogada a cultura indiana em decorrência do processo de colonização, predador e soberano; neste caso, porém, não se trataria do gênero clássico que nossos poetas indianistas almejavam fomentar nas terras americanas. Ou a profunda e integral imersão no mundo indígena, o que significaria uma ruptura com os princípios da corrente literária abraçada por eles, bem como o abandono dos princípios civilizatórios que caracterizaram o modelo de colonialismo imposto à América.

Gonçalves Dias e José de Alencar não escolheram esses caminhos. O primeiro permite-se lamentar a destruição do meio ambiente americano e denunciar o genocídio dos indígenas; mas, tanto quanto o autor cearense, preferiu ajustar-se à proposta do Indianismo, fabricação ideológica construída a partir das sugestões dos cronistas do período colonial.

Restam aos dois poetas, bem como à literatura nacional, epopeias incompletas, mas acabadas à sua maneira, como capelas imperfeitas que desejam alcançar o infinito, mas não ultrapassam os primeiros degraus de sua elevação.

REFERÊNCIAS

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  • 2
    Sobre as apropriações da Carta por escritores e artistas, v. Ribeiro, 2003RIBEIRO, Maria Aparecida. A carta de Caminha e seus ecos. Estudo e antologia. Coimbra: Angelus Novus, 2003..
  • 3
    Escreve Rocha Pitta: “Todo este vastíssimo corpo, que temos mostrado, estava possuído e habitado por inculta gentilidade, dividida em inumeráveis nações, algumas menos feras, mas todas bárbaras: não tinham culto de religião, idolatravam à gula, e serviam ao apetite, sem regimem de lei ou de razão" (Pitta, 1958PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre: W. M. Jackson, 1958., p. 36).
  • 4
    A sujeição do indígena à amada de pele clara e procedência europeia reaparece na trama de O guarani, de José de Alencar (1829-1877), de 1857, por meio das personagens Peri e Cecília (Ceci, na designação do protagonista do romance).
  • 5
    Cf. Matthews, 2012MATTHEWS, Charlotte Hammond. Gender, Race and Patriotism in the Work of Nísia Floresta. Woodbridge: Tamesis, 2012..
  • 6
    A luta entre potiguaras e tabajaras reaparece em Iracema (1865), de Alencar, que, contudo, inverteu os sinais: os tabajaras são inimigos dos portugueses, e os potiguaras, lidarados por Camarão, seus aliados.
  • 7
    Ainda que os tamoios não fossem uma tribo indígena: “Na língua dos Tupinambá, ‘Tamuya’ quer dizer ‘o avô, o mais velho, o mais antigo’. Por isso essa Confederação de chefes chamou-se Confederação dos Tamuya, que os portugueses transformaram em Confederação dos Tamoios.” (Palmeira, 2017PALMEIRA, Ariene Braz. A Confederação dos Tamoios e Os Timbiras: Historicidade do índio brasileiro. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, 2017. , p. 38).
  • 8
    Ferdinand Denis comenta que “o Brasil possui outra obra notável cujo cenário é africano. Trata-se do poema Tripoli, escrito em latim por Francisco Cardoso, autor nascido na Bahia” (Denis, 2018DENIS, Ferdinand. Resumo da História Literária de Portugal seguido do Resumo de História Literária do Brasil. Trad. Regina Zilberman. Rio de Janeiro: Makunaima, 2018., p. 378). José Francisco Cardoso (1761-1842) é autor de De Rebus a Lusitanis ad Tripolim Viriliter Gestis Carmen, Canto heroico sobre as façanhas dos portugueses na expedição de Tripoli, na tradução de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), obra publicada, em latim e em português, em 1800.
  • 9
    Gonçalves de Magalhães não escreveu, até 1856, nenhum poema indianista. Mas é autor de uma epopeia herói-cômica, O episódio da infernal comédia, ou Da minha viagem ao Inferno, de 1836. Relativamente à questão dos indígenas, é autor do estudo Os índígenas do Brasil perante a História, publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (Magalhães, 1860MAGALHÃES, D. J. Gonçalves de. Os indígenas do Brasil perante a História. Memória oferecida ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Rio de Janeiro, Tomo XXIII, 1. semestre, 1860., p. 3-66.).
  • 10
    Gonçalves Dias refere-se à exploração da seringueira, incluindo sua lucratividade, em um dos relatórios produzidos por ocasião da missão realizada na Amazônia. (Montello, 2002MONTELLO, Josué. Gonçalves Dias na Amazônia. Relatórios e diários da viagem ao Rio Negro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2002., p. 100-102).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2020
  • Aceito
    21 Mar 2020
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