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O respeito pelo original: João Ubaldo Ribeiro e sua visão sobre a (auto)tradução em entrevista por e-mail

The respect for the original: João Ubaldo Ribeiro and his view on (self)translation in email interview

RESUMO

No Brasil, João Ubaldo Ribeiro é o caso mais conhecido de autotradução até este momento. Traduziu dois romances para o inglês: Sargento Getúlio (1971) / Sergeant Getúlio (1978) e Viva o povo brasileiro (1984)/ An invincible memory (1989). O propósito deste artigo é discutir as atitudes e opiniões do autor sobre sua (auto)tradução, tomando como ponto de partida suas explicações emitidas em entrevista por e-mail. O exame de arquivo pessoal ilumina um processo pouco claro e raramente investigado. Para a pesquisa, apresento o arquivo da entrevista realizada por e-mail entre 2003 e 2007, período durante o qual enviei um e-mail por semana ao escritor e obtive respostas a questões sobre seu trabalho de autotradução, entre outros temas. Entre outras revelações, João Ubaldo apresenta o “ar traduzido” como estratégia de tradução.

PALAVRAS-CHAVE:
autotradução; estudos da autotradução; estudos da tradução

ABSTRACT

In Brazil, João Ubaldo Ribeiro is the best known case of self-translation to date. He translated two of his novels into English: Sargento Getúlio (1971) / Sergeant Getúlio (1978) and Viva o povo brasileiro (1984) / An invincible memory (1989). The purpose of this article is to discuss the author’s attitudes and opinions about his (self)translation taking as a starting point his explanations issued in an e-mail interview. The examination of this personal archive illuminates an unclear and rarely investigated process. For this purpose, I present the e-mail interview conducted between 2003 and 2007, a period during which I sent the writer one e-mail per week and obtained answers to questions about his work of self-translation, among other topics. Among other interesting attitudes and opinions, João Ubaldo presents the “foreignized language” as a translation strategy.

KEYWORDS:
self-translation; self-translation studies; translation studies

Os estudos da autotradução são uma subárea criada recentemente, que se insere na área maior que são os estudos da tradução. Foi inaugurada em 2012 por Simona Anselmi em seu On self-translation. An exploration in self-translation teloi and strategies. Como objetivo central do volume, Anselmi apresenta a tentativa de mostrar a autotradução como uma atividade heterogênea, dependente dos objetivos do autor-tradutor, e que exibe uma “diversidade de formas” (ANSELMI, 2012ANSELMI, Simona. On self-translation: an exploration in self-translators’ teloi and strategies. Milão: Edizioni Universitarie di Lettere Economia Diritto, 2012. 100 p., p. 11).

Anselmi considera que pesquisadores dedicados à subárea devam ocupar-se do registro e da reflexão acerca das “diferentes atitudes e abordagens que os próprios autotradutores têm em relação à prática” (ANSELMI, 2012ANSELMI, Simona. On self-translation: an exploration in self-translators’ teloi and strategies. Milão: Edizioni Universitarie di Lettere Economia Diritto, 2012. 100 p., p. 11). À guisa de exemplo das atitudes e abordagens pouco estudadas até aqui, cito os escritores argentino-chileno-norte-americano Ariel Dorfman, e o queniano Ngugi wa Thiong’o; Dorfman não menciona a tradução para descrever sua atividade. Para especificar o processo de autotradução, utiliza a expressão “reescrita” (DORFMAN, 2004DORFMAN, Ariel. Footnotes to a double life. In: LESSER, Wendy. The genius of language. New York: Anchor Books, 2004. p. 206-217., p. 208). Dorfman usa o termo para descrever o complexo processo que atravessou ao “reescrever” o romance Konfidenz para o inglês, que provocou a correção da versão (original) espanhola (DORFMAN, 2004DORFMAN, Ariel. Footnotes to a double life. In: LESSER, Wendy. The genius of language. New York: Anchor Books, 2004. p. 206-217., p. 207). Ngugi escreve sobre o processo de tradução para outra língua, afirmando que “a musa voltou a possuí-lo” (WA THIONG’O, 2009WA THIONG’O, Ngugi. Translated by the author: my life in between languages. Translation Studies, v. 2, n. 1, p. 17-20, 2009., p. 20) enquanto traduziu, ele mesmo, o romance. Ou, como diz Susan Bassnett, o processo de autotradução de Ngugi wa Thiong’o pode ser “compreendido como um estágio no processo criativo” (BASSNETT, 2013BASSNETT, Susan. Rejoinder. Orbis Litterarum, Copenhagen, v. 68, n. 3, p. 282-289, 2013., p. 288). Para Dorfman e Ngugi, portanto, a atividade pode ser percebida como uma atividade significativamente distinta do processo de tradução que um tradutor profissional, por exemplo, vivencia ao traduzir. Tanto Dorfman como Ngugi descrevem transcursos complexos de “reescrita” ou de “escrita criativa”, respectivamente. São, a meu ver, processos de autotradução, à primeira vista diferentes da tradução profissional, e semelhantes, ao da escrita literária.

No Brasil, João Ubaldo Ribeiro é o caso mais conhecido de autotradução até este momento. Traduziu, sozinho, dois dos seus romances para o inglês: Sargento Getúlio (1971)/ Sergeant Getúlio (1978) e Viva o povo brasileiro (1984)/ An invincible memory (1989). O propósito deste artigo é discutir as atitudes e opiniões de João Ubaldo Ribeiro sobre seu trabalho de autotradução e sobre suas escolhas (auto)tradutórias tomando-se como ponto de partida para minha reflexão seus próprios argumentos e explicações emitidas em e-mails a mim enviados. Sua prática autotradutória é objeto de análise em Antunes (2004ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004., 2006ANTUNES, Maria Alice Golçalves. João Ubaldo Ribeiro, autotradutor. Claritas, São Paulo, v. 12, p. 85-102, 2006. , 2007ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. João Ubaldo Ribeiro Self Translator. Norwich Papers, Norwich, v. 15, p. 102-116, 2007. , 2009ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. O respeito pelo original: João Ubaldo Ribeiro e a autotradução. São Paulo: Annablume Editora, 2009., 2010ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Breve história da autotradução: os casos de André Brink e Joao Ubaldo Ribeiro. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-11, 2010., 2011ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autotraducción: el caso de João Ubaldo Ribeiro. In: DASILVA, Xosé Manuel; TANQUEIRO, Helena (org.). Aproximaciones a la autotraducción. Vigo: Editorial Academia del Hispanismo, 2011. p. 11-22. , 2013ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. The decision to self-translate, motivations and consequences: a study of the cases of João Ubaldo Ribeiro, André Brink and Ngugi wa Thiong’o. In: LAGARDE, Christian; TANQUEIRO, Helena (org.). L’Autotraduction aux frontières de la langue et de la culture. Limoges: Editions Lambert Lucas, 2013. p. 45-52. , 2018ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Self-Translation and Exile: A Study of the Cases of Ngugi Wa Thiong’o and Ariel Dorfman. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 38, p. 127-145, jan./abr. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ct/a/ny334bqmwTpm6spcwDDwKLG/?lang=en . Acesso em: 10 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/ct/a/ny334bqmwTp...
, 2019ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autotradução: breve histórico, razões, consequências, práticas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2019.), Camargo e Ribeiro (2005CAMARGO, Diva Cardoso de; RIBEIRO, Evelin Louise Pavan. Um estudo de tradução baseado em corpus da obra traduzida An Invincible Memory de João Ubaldo Ribeiro. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 34, p. 1355-1360, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estudos-2005/4publica-estudos-2005-pdfs/um-estudo-de-traducao-872.pdf . Acesso em: 20 mar. 2022.
http://www.gel.org.br/estudoslinguistico...
), Camargo (2008CAMARGO, Diva Cardoso de. Diferenças estilísticas entre o autor e o auto-tradutor em Viva o Povo Brasileiro e An Invincible Memory. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 2, n. 37, p. 135-144, maio/ago2008., 2009CAMARGO, Diva Cardoso de. O estilo do autor em Viva o povo brasileiro e do autotradutor em An Invincible Memory. In: MOTTA, Sérgio Vicente; BUSATO, Susana (org.). Fragmentos do contemporâneo: leituras. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 155-172., 2010CAMARGO, Diva Cardoso. Diferenças estilísticas do autotradutor João Ubaldo Ribeiro em Sergeant Getulio e An Invincible Memory. Tradução e Comunicação, São Paulo, v. 21, p. 53-64, 2010. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122281 . Acesso em: 20 mar. 2022.
https://repositorio.unesp.br/handle/1144...
), e Lucena (2020LUCENA, Sarah. Nós e os outros: autonomia e recepção na autotradução de João Ubaldo Ribeiro. Gláuks: Revista de Letras e Artes, Viçosa, v. 20, n. 2, p. 124-144, jul./dez. 2020. ), entre outros. O artigo “Suffering in translation” (1990), no qual João Ubaldo Ribeiro narra, em especial, as dificuldades que enfrentou ao verter seus romances para o inglês, serve sem dúvida como base a muitos desses trabalhos. Acredito, contudo, que é possível ampliar e aprofundar a análise da visão de Ribeiro em relação aos temas acima elencados se acrescentarmos a essa investigação outro tipo de material como um arquivo (informal) específico que traz a visão do autor-tradutor sobre esses temas.

O exame desse arquivo pessoal pode iluminar um processo pouco claro, já que a autotradução havia acontecido há cerca de pelo menos 15 anos e, dela, pouco havia sido investigado, mas nunca em seu percurso. Para esse fim, apresento o arquivo da entrevista por e-mail realizada por mim entre julho de 2003 e outubro de 2007, período durante o qual enviei um e-mail por semana ao escritor e obtive respostas a uma série de questões sobre tradução e autotradução em geral e sobre o desenvolvimento do trabalho de autotradução do escritor brasileiro em particular.

Nas seções que se seguem, descrevo as características da entrevista por e-mail com João Ubaldo Ribeiro. Em seguida, apresento o conceito de autotradução. Paralelamente, exponho o caso do autor-tradutor brasileiro através dos e-mails que coletei durante aproximadamente 4 anos. Em seguida, discuto as atitudes e as opiniões do autor-tradutor acerca da autotradução e das razões que justificam (ou não) suas escolhas tradutórias. O artigo termina com minhas considerações finais tecidas a partir da análise do material apresentado.

A ENTREVISTA POR E-MAIL COM JOÃO UBALDO RIBEIRO

João Ubaldo Ribeiro me forneceu seu endereço eletrônico durante uma conversa telefônica que ocorreu no primeiro semestre de 2003. Depois da conversa, que sinalizou a dificuldade de uma entrevista face a face, e de alguma reflexão pessoal, encaminhei ao autor um pedido de entrevista por e-mail. Expliquei como se daria a entrevista que planejei: eu enviaria um único e-mail por semana com uma pergunta sobre seu trabalho de (auto)tradução dos romances Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro para o inglês. O escritor concordou prontamente, solicitou que as perguntas não demandassem respostas “compridas demais” e prometeu responder a meus e-mails (Antunes, arquivo pessoal, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004.). Com efeito, entre 2003 e 2007, João Ubaldo Ribeiro respondeu a todas as minhas indagações, mesmo que por vezes demonstrasse alguma irritação ou cansaço, como em: “quanto a traduções, devo confessar a você, afetuosamente, que já estou de saco cheio de falar nesse negócio” (ANTUNES, 2004ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004.). Embora suas declarações públicas sobre o trabalho de autotradução sejam escassas, falar sobre o tema não parecia algo que o autor apreciasse fazer.

É relevante salientar que o próprio escritor agiu em desacordo com sua orientação, e várias vezes me enviou e-mails bastante longos em resposta a minhas questões. Além de contrariar sua orientação, deixou de obedecer a uma regra de estilo comum em manuais e descrita por teóricos da linguística da internet: os usuários devem ser breves (CRYSTAL, 2001CRYSTAL, David. Language and the internet. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. 318 p.). Felizmente, ao contrariar sua própria orientação, João Ubaldo cooperou com o enriquecimento dos dados que informaram minha investigação sobre a autotradução literária.

Como podemos ver, minha entrevista não seguiu os padrões usuais do formato de uma entrevista por e-mail, já que não remeti uma lista de perguntas preparadas antecipadamente ao autor, como fazem pesquisadores que utilizam esse instrumento de pesquisa (MANN; STEWART, 2000MANN, Chris; STEWART, Fiona. Internet communication and qualitative research: a handbook for researching online. Londres: SAGE Publications, 2000. 272 p.). Assim, ao utilizar o termo, refiro-me aos 72 (setenta e dois) e-mails-pergunta por mim enviados e aos 86 (oitenta e seis) e-mails de João Ubaldo Ribeiro, que nem sempre foram apenas de retorno a minhas questões. Além desses, algumas vezes recebi textos encaminhados a membros de seu catálogo de endereços, que continham, por exemplo, uma entrevista por e-mail concedida a uma jornalista, além de justificativas por não poder responder mensagens por um período de tempo.

Coube a mim, portanto, a elaboração das perguntas, mas elas não foram preparadas previamente, já que o planejamento da demanda e seu quase simultâneo envio ao autor-tradutor fez parte do processo de pesquisa. Questões foram surgindo durante o andamento da investigação e, por isso, a pesquisa por e-mail, nos moldes daquela que descrevo aqui, pareceu-me (e ainda me parece) bastante apropriada. Além disso, novas questões sobre a autotradução surgiram lenta e gradativamente a partir de discussões acadêmicas e descobertas de novos artigos e entrevistas, e uma lista de indagações preparadas antecipadamente não teria permitido o esclarecimento de determinadas dúvidas. Um exemplo foi a leitura dos muitos textos publicados em jornais e revistas do Reino Unido que nos fizeram perceber o papel do escritor Milan Kundera na autotradução de seus textos e sua relação com seus tradutores. Entre outros aspectos, Michelle Woods (2006WOODS, Michelle. Translating Milan Kundera. Clevendon: Multilingual Matters, 2006. 216 p.) destaca o grande poder que Kundera tem sobre o processo editorial de suas obras. Pude então averiguar, por e-mail, se o mesmo acontecia com o escritor João Ubaldo Ribeiro, que demonstra algum poder durante o mesmo processo, como veremos ao discutirmos a visão do autor-tradutor sobre sua atividade. Voltando à participação na entrevista por e-mail, João Ubaldo enviou suas respostas e, como mencionei acima, o escritor cumpriu sua promessa e foi um entrevistado extremamente solícito, respondendo sem demora a todas as minhas questões.

A entrevista por e-mail com João Ubaldo demonstrou também um benefício significativo: a assincronia (PAIVA, 2004PAIVA, Vera Lucia Menezes. E-mail: um novo gênero textual. In: MARCUSCHI, Luiz Antonio; XAVIER, Antonio Carlos (org.). Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p. 68-90.). O fato de que não precisamos estar presentes na mesma hora e local facilitou de forma decisiva a interação com o escritor. Seus compromissos profissionais e o processo de escrita de um novo romance tornariam uma entrevista face-a-face, minha vontade inicial, um evento de realização bastante complicada. Apesar de minha insistência, só consegui encontrá-lo em um evento realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 2013, bastante tempo depois de concluído meu processo de pesquisa.

Minha entrevista, contudo, também apresentou dificuldades. A impessoalidade e a distância estão entre as adversidades enfrentadas pelo pesquisador que utiliza a comunicação mediada por computador (HEWSON; LAURENT; VOGEL, 1996HEWSON, Claire; LAURENT, Dianna; VOGEL, Carl. Proper methodologies for psychological and sociological studies conducted via the Internet. Behavior research methods, instruments and computers, v. 28, n. 2, p. 186-191, 1996.; KIESLER; SIEGEL; MCGUIRE, 1984KIESLER, Sara; SIEGEL, Jane; MCGUIRE, Timothy. Social psychological aspects of computer-mediated communication. American Psychologist, n. 39, p. 1123-1134, 1984.; SHORT; WILLIAMS; CHRISTIE, 1976SHORT, John; WILLIAMS, Ederyn; CHRISTIE, Bruce. The social psychology of telecommunication. Londres: John Wiley, 1976. 195 p.). Entrevistas face a face tendem a contribuir para a aproximação entre entrevistador e entrevistado. Uma entrevista por e-mail, por outro lado, pode pender para um afastamento e maior “frieza” nas relações, especialmente entre pessoas que nunca estiveram em contato, como no caso que aqui descrevo.

O tempo de duração da entrevista não contribuiu para a construção de um maior envolvimento entre entrevistador e entrevistado, que faria com que, por exemplo, discussões mais profundas sobre um tema pudessem acontecer. A falta de maior envolvimento fez com que João Ubaldo, de maneira polida, se recusasse a responder determinadas questões ou a aprofundar temas levantados por suas respostas. Não pude descobrir, por exemplo, se o autor traduziu, ele mesmo, contos de sua autoria, como costuma-se citar, já que ele afirmou categoricamente, nunca ter traduzido nenhum outro texto de sua autoria para o inglês (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.). O autor-tradutor reforçou, em vários momentos, que o tema da entrevista não era de seu interesse, como em “eu não ligo para essas traduções, ninguém liga” (ANTUNES, 2004ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004.).

Em seguida, apresento o conceito de autotradução literária.

AUTOTRADUÇÃO: O CONCEITO

A autotradução é uma prática que se acredita mais amiudada no contexto da tradução literária (VAN BOLDEREN, 2021VAN BOLDEREN, Patricia. Literary self-translation and self-translators in Canada (1971-2016): a large-scale study. 2021. 808 f. Tese (Doutorado em Estudos de Tradução) - Faculdade de Artes, Universidade de Ottawa, Ottawa, 2021.). É possível que tal entendimento seja resultado do grande número de estudos sobre a autotradução literária (ANSELMI, 2012ANSELMI, Simona. On self-translation: an exploration in self-translators’ teloi and strategies. Milão: Edizioni Universitarie di Lettere Economia Diritto, 2012. 100 p.; ANTUNES, 2009ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. O respeito pelo original: João Ubaldo Ribeiro e a autotradução. São Paulo: Annablume Editora, 2009.; BELOBROVTSEVA, 2019BELOBROVTSEVA, Irina. The bilingual writer: two estonian-russian cases and one russian-estonian case. Methis: Studia Humaniora Estonica, Tartu, v. 21, n. 22, p. 8-25, 2019.; CATTANEO; BORNHAUSE, 2020CATTANEO, Gianfranco; BORNHAUSER, Niklas. Traducción y traducción de sí en Georges-Arthur Goldschmidt. Revista Chilena de Literatura, n. 101, p. 131-150, maio 2020. Disponível em: Disponível em: https://revistadematematicas.uchile.cl/index.php/RCL/article/view/57313/61200 . Acesso em: 10 mar. 2022.
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; CHEN, 2013CHEN, Yihai. When the poet is a translator. Comparative Literature in China, n. 3, p. 13-19, 2013. ; DASILVA, 2020DASILVA, Xosé Manuel. Eduardo Blanco Amor y la autotraducción recreadora: Os biosbardos/Las musarañas. Hikma, Cordoba, v. 1, n. 19, p. 239-264, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uco.es/ucopress/ojs/index.php/hikma/article/view/12189 . Acesso em: 18 fev. 2022.
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; GRUTMAN, 2013GRUTMAN, Rainier. Beckett and beyond putting self-translation in perspective. Orbis Litterarum, Copenhagen, v. 3, n. 68, p. 188-206, 2013.; MANTEROLA AGIRREZABALAGA, 2017MANTEROLA AGIRREZABALAGA, Elizabete. Collaborative self-translation in a minority language: power implications in the process, the actors and the literary systems involved. In: CASTRO, Olga; MAINER, Sergi; SKOMOROKHOVA, Svetlana (org.). Self-translation and power: negotiating identities in multilingual European contexts. Londres: Palgrave Macmillan, 2017. p. 191-216. ; WANNER, 2020WANNER, Adrian. The bilingual muse: self-translation among Russian poets. Evanston, Illinois: Northwestern University Press, 2020. 248 p.). A autotradução acadêmica, em contrapartida, ainda é um tema pouco estudado (ANTUNES, 2022ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autotradução acadêmica: o caso da produção publicada no periódico acadêmico periférico plurilíngue Ecos de Linguagem. Mutatis Mutandis: Revista Latinoamericana de Traducción, Medellín, v. 15, n. 1, p. 167-188, jan./jun. 2022.; BENNETT, 2020BENNETT, Karen. Authorship and (self-)translation in academic writing: towards a genetic approach. In: NUNES, Ariadne; MOURA, Joana; PINTO, Marta Pacheco (org.). Genetic translation studies: conflict and collaboration in liminal spaces. Londres: Bloomsbury Academic, 2020. p. 279-301.; CHAN, 2016CHAN, Leo Tak-Hung. Beyond non-translation and “self-translation”. English as lingua academica in China. Translation and Interpreting Studies, Amsterdam, v. 11, n. 2, p. 152-176, 2016.; JUNG, 2002JUNG, Verena. English-German self-translation of academic texts and its relevance for translation theory and practice. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2002. 334 p.; PISANSKI PETERLIN, 2019PISANSKI PETERLIN, Agnes. Self-translation of academic discourse: the attitudes and experiences of authors-translators. Perspectives, Londres, v. 27, n. 6, p. 846-860, nov. 2019. ).

A definição mais comum da autotradução é aquela apresentada por Anton Popovic (1975POPOVIC, Anton. Dictionary for the analysis of literary translation. Edmonton: University of Alberta, 1975. 38 p.): “tradução autorizada (autotradução): a tradução de uma obra original para outra língua pelo próprio autor” (POPOVIC, 1975POPOVIC, Anton. Dictionary for the analysis of literary translation. Edmonton: University of Alberta, 1975. 38 p., p. 19). É significativo que Popovič utilize a expressão “tradução autorizada” para se referir ao produto desse tipo de trabalho, revelando assim um aspecto expressivo: o autor como autoridade absoluta e singular. É interessante também destacar um trecho da definição de Popovič raramente mencionado: “a autotradução não pode ser considerada uma variante do texto original, mas sim como uma verdadeira tradução” (POPOVIC, 1975POPOVIC, Anton. Dictionary for the analysis of literary translation. Edmonton: University of Alberta, 1975. 38 p., p. 19), e revela o status superior de uma tradução produzida pelo próprio autor do texto. Entre os motivos que o levam a afirmar que o produto da autotradução é uma tradução verdadeira pode estar a visão do autotradutor como aquele profissional que conhece seu texto de uma maneira inatingível a um tradutor.

De fato, João Ubaldo Ribeiro também pareceu demonstrar sua crença na tradução “verdadeira” e, apenas inicialmente, como veremos adiante, na possibilidade de transformar um texto ao traduzi-lo. Além disso, mostra, também a princípio, apreço pela autoridade sobre os textos, que lhe daria a chance de agir tal como o único profissional que pode autorizar mudanças sobre o trabalho:

[...] achei, no começo, que teria mais liberdade no sentido de que, se alterasse alguma coisa no texto, o autor não ia reclamar. Mas acabei não fazendo isso, acabei, não importava a tentação, não reescrevendo ou retocando nada (daí a responsabilidade) [...]. (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.).

No mesmo e-mail, João Ubaldo demonstrou também um dos possíveis atrativos à sua decisão de traduzir o próprio texto: ele teria acesso à sua intenção original em oposição a um tradutor, que enfrentaria, em princípio, a dificuldade de conhecê-la. O escritor brasileiro ratifica as palavras de Brian Fitch, um dos mais famosos estudiosos do autor-tradutor Samuel Beckett: “o escritor-tradutor está, sem dúvida, em melhor posição para recapturar as intenções do autor do original do que qualquer tradutor comum” (FITCH, 1988FITCH, Brian Thomas. Beckett and Babel: an investigation into the status of the bilingual work. Toronto: University of Toronto Press, 1988. 242 p., p. 125):

lembro, genericamente que, em certos trechos, quando um tradutor estrangeiro, ou mesmo um leitor brasileiro, teria certa dificuldade em saber o que eu queria dizer, eu não enfrentava esse problema, porque sabia bem o que queria dizer, não tinha de pensar muito no assunto. (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.).

Ou seja, é importante ressaltar que as ideias apresentadas por Popovič, um dos primeiros teóricos a veicular a definição de “tradução autorizada (autotradução)”, reaparecem nas palavras de João Ubaldo Ribeiro.

Finalmente, a definição de Popovič demonstra relação com a tradução alógrafa, já que a definição da autotradução passa pela da tradução (verdadeira). Acredito, por outro lado, que traduzir implica “comunicar, reescrever, manipular um texto a fim de o tornar acessível a um público numa segunda língua” (SIMON, 1996SIMON, Sherry. Gender in translation: cultural identity and the politics of transmission. Londres: Routledge, 1996. 1995 p., p. 9). A meu ver, também a autotradução significa, essencial e fundamentalmente, uma transformação, pelo próprio autor, de um original escrito em determinada língua (que não será forçosamente a língua materna de um escritor) em uma outra obra que será, de maneira inevitável, distinta da primeira. A diferença, inerente à atividade de tradução, é parte constitutiva do produto da autotradução, já que o autor-tradutor transforma o texto para comunicá-lo a leitores distintos daqueles que integraram seu público-leitor primeiro. A novidade desta reflexão sobre a autotradução não está na transformação em si, mas na pessoa do “transformador”, único “dono” do original e do processo tradutório, livre para transformá-lo sem que seja tido como traidor, e também nos motivos que o levam à transformação. À guisa de ilustração, retomo as palavras de João Ubaldo, que não vê a (auto)tradução como transformação. Em fevereiro de 2004, o escritor afirma em resposta a outra questão: “E havia a tentação de mudar coisas (a que nunca cedi)” (ANTUNES, 2004ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004.).

É relevante acrescentar a classificação da autotradução, que contribui para uma melhor compreensão da atividade. A classificação que apresento envolve uma perspectiva que aqui chamarei sociológica e atitudinal, por assim dizer, já que está necessariamente inserida em um contexto social e, ao mesmo tempo, revela o modo como o autotradutor age ou reage diante da tarefa de tradução da própria obra diante do contexto no qual está encaixado. Esse ponto de vista alinha-se ainda à sociologia dos tradutores, vista por Andrew Chesterman como uma área central dos Estudos da Tradução (CHESTERMAN, 2009CHESTERMAN, Andrew. The name and nature of translator studies. Hermes - Journal of Language and Communication Studies, Aarhus, v. 22, n. 42, p. 13-22, ago. 2009.). Embora uma visão sociológica “privilegie os indivíduos envolvidos, notadamente identificando os tradutores como agentes” (GRUTMAN, 2013GRUTMAN, Rainier. Beckett and beyond putting self-translation in perspective. Orbis Litterarum, Copenhagen, v. 3, n. 68, p. 188-206, 2013., p. 64). Acredito que é possível aprofundar os estudos dos tradutores através de investigações particulares acerca de casos bem delimitados que esclareçam atitudes, ações e reações via, por exemplo, e-mails arquivados informalmente, como no estudo que aqui apresento. Tais e-mails, além de depoimentos tais como arquivos, manuscritos, e, em especial, anotações de tradutores, relatos posthoc, entrevistas, entre outros materiais, podem também ser usados na construção da história de tradutores e traduções, como argumenta Jeremy Munday (2014MUNDAY, Jeremy. Using primary sources to produce a microhistory of translation and translators: theoretical and methodological concerns. Translator: Studies in Intercultural Communication, Manchester, v. 20, n. 1, p. 64-80, maio 2014. ).

A primeira atitude a destacar é a opção de (auto)tradutores pela execução da tarefa em colaboração com outros tradutores ou de maneira solitária. Cabrera Infante e Suzanne Jill Levinne trabalharam em colaboração estreita na tradução do espanhol para o inglês assim como fizeram Jorge Luis Borges e Norman Thoman Di Giovanni (HERSANT, 2017HERSANT, Patrick. Author-Translator collaborations: a typological survey. In: CORDINGLEY, Anthony; MANNING, Céline Frigau (org.). Collaborative translation: from the renaissance to the digital age. London: Bloomsbury Academic, 2017. p. 91-110., p. 95). João Ubaldo Ribeiro, por sua vez, escolheu a autotradução solitária. Por e-mail, em resposta à minha questão sobre possíveis colaborações, o autor responde: “não, não tive ajuda nenhuma, fiz tudo sozinho” (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.). Insisti na pergunta, já que o próprio autor-tradutor havia se referido, em e-mail anterior, à ajuda de amigos estadunidenses e nigerianos angloparlantes, e João Ubaldo se justificou: “Ah, isso sim, mas foram coisas tão episódicas que nem lembro direito. E, geralmente, não adiantava nada, eu tinha que me virar por mim mesmo” (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.). A tradução foi, portanto, nas palavras do autor-tradutor brasileiro, uma tarefa extremamente solitária.

A segunda atitude significativa é a opção pela execução da escrita original e da autotradução de forma simultânea ou assíncrona. André Brink, por exemplo, foi um romancista, ensaísta e poeta sul-africano, cuja prática de autotradução para o inglês transformou-se na produção simultânea de duas versões de uma obra (DE ROUBAIX, 2012DE ROUBAIX, Lelanie. Where boundaries blur: André Brink as writer, bilingual writer, translator and self-translator. In: HERRERO, Isis; KLAIMAN, Todd (org.). Versatility in Translation Studies: selected papers of the CETRA Research Seminar in Translation Studies 2011. CETRA, 2012. p. 1-17. Disponível em: Disponível em: https://www.arts.kuleuven.be/cetra/papers . Acesso em: 18 mar. 2022.
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). Grutman descreve a escrita de Samuel Beckett como “laboratórios bilíngues”, já que o Beckett “simplesmente parava de escrever” em um dos idiomas e mudava do francês para o inglês em seus manuscritos” (BECKETT, 2013, p. 192). Ou seja, em ambos os casos já não se parece poder distinguir entre tradução stricto sensu e escrita original. O caso de João Ubaldo Ribeiro é diferente, já que Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro foram vertidos para o inglês algum tempo depois de publicados. Sargento Getúlio foi publicado no Brasil em 1971 e sua versão para o inglês saiu em 1979. Já Viva o povo brasileiro foi publicado em língua portuguesa em 1984 e a publicação em inglês data de 1989. Além das datas de publicações, é importante lembrar a veemência de João Ubaldo quando o assunto é o “respeito” pelo texto original. Para o escritor, o texto original existe e é imutável: “acho que o que está escrito está escrito” (ANTUNES, 2003). Logo, julgo que a autotradução simultânea, na qual processos de escrita e de tradução provocam alterações entre si durante o andamento das tarefas e da produção de um romance ou outro tipo de texto, é incompatível com a visão de texto, um construto fixo e imutável, que o autor-tradutor acredita possível.

Finalmente, Grutman destaca “o caráter assimétrico de muitos intercâmbios linguísticos e também da (auto)tradução” (GRUTMAN, 2021GRUTMAN, Rainier. Infra-autotraduções versus supra-autoautraduções: a dupla dinâmica da autotradução exemplificada pela Espanha dos séculos XV-XVI e XX-XXI. Tradução de Luiz Fernando Dias Pita. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 2, n. 31, p. 249-280, 2021., p. 250). Denomina “supra-autotradução, as trocas que têm origem em um sistema linguístico minoritário e que têm como destino um sistema majoritário, e de infra-autotradução, as trocas que vão na direção contrária” (GRUTMAN, 2021GRUTMAN, Rainier. Infra-autotraduções versus supra-autoautraduções: a dupla dinâmica da autotradução exemplificada pela Espanha dos séculos XV-XVI e XX-XXI. Tradução de Luiz Fernando Dias Pita. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 2, n. 31, p. 249-280, 2021., p. 250, grifo nosso). Exemplos de supra-autotraduções são os vencedores do prêmio Nobel: Frédéric Mistral (1830-1914), do occitano (provençal) ao francês; Rabindranath Tagore (1861-1941), do bengali ao inglês; Karl Gjellerup (1857-1919), do dinamarquês ao alemão; Joseph Brodsky (1940-1996), do russo ao inglês; Gao Xingjian (1940), do francês ao chinês; Peter Handke (1942), do francês ao alemão, entre outros. João Ubaldo Ribeiro também está incluído entre os autotradutores que partem de um sistema linguístico minoritário para alcançar um sistema majoritário, e produz uma supra-autotradução, portanto. Parece relevante ressaltar a predominância da assimetria entre as trocas linguísticas e a escassez das transferências entre “idiomas de status e prestígio comparáveis” (GRUTMAN, 2021GRUTMAN, Rainier. Infra-autotraduções versus supra-autoautraduções: a dupla dinâmica da autotradução exemplificada pela Espanha dos séculos XV-XVI e XX-XXI. Tradução de Luiz Fernando Dias Pita. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 2, n. 31, p. 249-280, 2021., p. 263). Transferências simétricas, tais como as promovidas por Samuel Beckett e Vladimir Nabokov, por exemplo, poderiam propiciar uma interlocução mais igualitária entre culturas. Não é o caso de João Ubaldo Ribeiro e das trocas linguísticas entre o sistema literário de língua portuguesa, o brasileiro, em especial, e o sistema literário de língua inglesa.

Sobre as escolhas linguísticas em si, João Ubaldo Ribeiro nada relata nos e-mails a mim enviados. Entretanto, não deixa de se manifestar sobre a assimetria, a meu ver. Neste caso, incluo a questão da competência linguística no tratamento destinado ao escritor brasileiro pelos editores estadunidenses. Assim expõe João Ubaldo mais de uma vez:

Mas eu sofri um bocado na mão dos editors , que têm a tradição de meter a mão no trabalho dos escritores e muitas vezes atribuíam coisas que eu fazia intencionalmente a alguma falha no meu conhecimento da língua. Às vezes, eles achavam que estavam editando o texto em inglês, mas na verdade estavam editando a mim, a minhas figuras de linguagem, meu estilo, tudo enfim. (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007., grifos do autor).

Levem-se em conta, por outro lado, as interferências do editor , que, nos Estados Unidos, por tradição, mete a mão nos textos (blue pencil ), situação agravada por eu não ser um falante nativo o que o levava a considerar erros jogos de estilo e distorções propositadas, com o resultado de que ele acaba editando o original, na realidade. (ANTUNES, 2004ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004., grifos do autor).

É interessante observar que a desconfiança de João Ubaldo é ratificada por Viveca Smith, editora-chefe da Viveca Smith Publishing, que julga discutível a competência linguística do autor estrangeiro em língua inglesa (ANTUNES, 2006ANTUNES, Maria Alice Golçalves. João Ubaldo Ribeiro, autotradutor. Claritas, São Paulo, v. 12, p. 85-102, 2006. ). Brie Burkeman, agente literário inglês, possui opinião semelhante e diz que “há sempre pequenos detalhes que um falante não-nativo erra quando traduz” (ANTUNES, 2006ANTUNES, Maria Alice Golçalves. João Ubaldo Ribeiro, autotradutor. Claritas, São Paulo, v. 12, p. 85-102, 2006. ). As palavras da editora e do agente literário revelam, portanto, que a competência linguística, ou o conhecimento específico gramatical sobre as regras que normatizam o uso da língua inglesa, é tido como fundamental. Além disso, é a competência linguística que serve aos editores na sua primazia sobre o escritor brasileiro e sobre o texto. João Ubaldo, por sua vez, demanda autoridade sobre sua produção literária para fazer prevalecer suas escolhas, como demonstraremos na próxima seção.

AUTOTRADUÇÃO: APONTAMENTOS SOBRE A ATIVIDADE E A PRÁTICA DE JOÃO UBALDO RIBEIRO

Um dos temas mais frequentes entre os estudiosos que se dedicam à autotradução é a liberdade do autor para introduzir mudanças no original. Simona Anselmi afirma que “não é raro [...] que as autotraduções apresentadas como traduções por seus autores tenham vindo a ser descritas pelos críticos como recriações completamente novas de textos anteriores” (ANSELMI, 2012ANSELMI, Simona. On self-translation: an exploration in self-translators’ teloi and strategies. Milão: Edizioni Universitarie di Lettere Economia Diritto, 2012. 100 p., p. 13). Minha primeira pergunta a João Ubaldo, portanto, introduziu o tema da liberdade do autor que traduz o próprio texto. Sua resposta, ao contrário, demonstrou seu desejo de manter no texto em inglês as características do original em português, como podemos ver no e-mail abaixo:

com o próprio "Viva o povo" acontece isso hoje e aconteceu o tempo todo, no correr da tradução. Pego uma página, me dá vontade de mudar uma coisinha ou outra. Mas não fiz isso na tradução. Talvez se o livro não fosse meu, eu tomasse essa liberdade, em nome da fluência da tradução, mas não queria ser acusado de copidescar meu livro, de forma que fui muito respeitoso com o original. (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.).

E introduziu duas outras ideias significativas: o tradutor como profissional a quem é permitido acrescentar fluência à tradução e o copidesque como o agente que introduz alterações e modifica o trabalho de outro profissional, por assim dizer. Ou seja, João Ubaldo atribui à tarefa do tradutor a obrigação da clareza ou facilidade de leitura. Já ao copidesque, alinha-se a tradutores, que afirmam que o copidesque altera o texto traduzido “mudando trechos e termos, [...], traduzindo de novo, editando” (ANDERSON, 2015ANDERSON, Flávia Carneiro. A (não) relação entre tradutores e copidesques no processo de edição de obra estrangeira. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 37-67, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/25340/25340.pdf . Acesso em: 20 mar. 2022.
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/2534...
, p. 50), na tentativa de tornar o trabalho final do tradutor, melhor.

João Ubaldo é veemente na recusa a tais gestos de introdução de mudanças no texto (auto)traduzido. Seu “respeito pelo original” revela sua crença na tradução ideal como um transporte neutro e integral de significados entre duas línguas (ARROJO, 2003ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução: a teoria na prática. São Paulo: Ed. Ática, 2003. 98 p.). E, em consequência, na sua impossibilidade. Ao ser questionado sobre sua crença, que contraria o próprio gesto (auto)tradutório, o autor-tradutor brasileiro responde que “só não é possível traduzir no rigor do sentido da palavra, ou seja, pôr o livro exatamente igual ao original diante do leitor estrangeiro” (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.). Finalmente, enfatizo que autor-tradutor brasileiro se diferencia dos dois profissionais, tradutor e copidesque, e se posiciona como o autor, que não pode introduzir alterações, e que tem a responsabilidade de repetir na autotradução o mesmo texto original, ainda que tal tarefa seja impossível.

Ressalto que, desde o início da entrevista por e-mail, João Ubaldo insistiu na ideia de um “ar traduzido” como estratégia de tradução. A partir de suas declarações, vejo o “ar traduzido” como um esforço de fazer com que o leitor estrangeiro se depare com dificuldades durante a leitura e deduza que está diante de uma tradução. Neste e-mail, o autor-tradutor evidencia que seu objetivo não foi o de criar um texto fluente. Pelo contrário. Pretendeu exibir uma tradução que mostrasse uma linguagem incomum, surpreendente, por assim dizer, aos leitores estrangeiros. Ele ressalta que

sempre quis dar um ar "traduzido" ao verter meu trabalho para inglês. [...] Aí, muitas vezes, fui mais literal do que devia. Preferia usar uma maneira de dizer, uma frase feita de uso cotidiano, por exemplo, traduzida do português do que seu equivalente, muitas vezes diferente, na conversa comum entre nativos falantes de inglês. (ANTUNES, 2003).

Vejamos alguns exemplos que podem ser tidos como tentativas do autor de ser “respeitoso com o original” e/ou de “dar um ar ‘traduzido’”. Os primeiros revelam expressões populares, de linguagem tipicamente oral, de criações e estão presentes no primeiro romance autotraduzido: Sargento Getúlio (1971) / Sergeant Getúlio (1979):

  1. Casos menores, remédios outros. (RIBEIRO, 1971RIBEIRO, João Ubaldo. Sargento Getúlio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1971., p. 10).

  2. For minor cases, you devise remedies in accordance. (RIBEIRO, 1978RIBEIRO, João Ubaldo. Sergeant Getúlio. Boston: Houghton Mifflin Company, 1978., p. 7).

  3. Necessidade é necessidade, passe bem eu e o meu alazão, a mulher parindo ou não. (RIBEIRO, 1971RIBEIRO, João Ubaldo. Sargento Getúlio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1971., p. 11).

  4. A need is a need, as long as my horse and I are all right I don't give a damn, as they say. (RIBEIRO, 1978RIBEIRO, João Ubaldo. Sergeant Getúlio. Boston: Houghton Mifflin Company, 1978., p. 8).

  5. ...veja bem, seu minho ca amarelão, escute bem, largata mole, olhe o que eu estou lhe dizendo, cara de besouro bostento, as sunte, boi pegado na saia dador de venta, atente, que eu só falo uma vez, coração de caga-sebo... (RIBEIRO, 1971RIBEIRO, João Ubaldo. Sargento Getúlio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1971., p. 155).

  6. “See here, you sallow earthworm, listen well, squashy worm, mind what I am telling you, turdy bug, pay attention, easily-roped ox, head- lowerer, heed because I speak only once, sparrow heart… (RIBEIRO, 1978RIBEIRO, João Ubaldo. Sergeant Getúlio. Boston: Houghton Mifflin Company, 1978., p. 130).

João Ubaldo escreve no e-mail que preferiu usar expressões traduzidas literalmente do português em vez de equivalentes em inglês. Sublinho, em primeiro lugar, que será muitas vezes fundamental o cotejo entre original e tradução para que o leitor perceba no texto traduzido uma tradução literal do texto em língua portuguesa. Ou seja, o leitor deverá ter alguma competência linguística na língua portuguesa. Entretanto, é provável que o leitor, detentor ou não de alguma competência linguística na língua portuguesa, perceba a formalidade da fala do Sargento em vários momentos do texto, que não corresponde à oralidade, marca muito presente no original em português, com o uso de expressões fixas, xingamentos e erros intencionais, como vemos nos exemplos acima.

A literalidade pode ser tida como uma marca da (auto)tradução de João Ubaldo. Atrelada a ela, está a formalidade do texto que substitui o original, em muitas ocasiões. Os exemplos (1), (2) e (3) esclarecem, de certa forma, a estratégia de João Ubaldo e explicam o “ar traduzido”: é uma linguagem literal, e é formal, em muitos momentos do texto vertido para o inglês por João Ubaldo. O exemplo (2), por outro lado, marca uma alternância, como em toda tradução, que nunca é inteiramente homogênea nas escolhas registradas no texto. Ele apresenta um revezamento entre linguagem formal e informal, literalidade e um texto mais fluente, por assim dizer, com a introdução de “I don’t give a damn, as they say”. Já o exemplo (3) traz xingamentos no texto em língua portuguesa, do sergipês do Sargento, recriados no texto em inglês, e introduz elementos estranhos aos leitores estrangeiros. São “clusters de energia textual” (LEWIS, 2012LEWIS, Philip. The measure of translation effects. In: VENUTI, Lawrence (org.). The translation studies reader. Londres: Routldedge, 2012. p. 220-239., p. 227), que abordaremos em seguida.

Da mesma forma, An invincible memory traz exemplos do “ar traduzido”. Assim escreve João Ubaldo em seu e-mail:

E [os editors] não gostam de dar satisfações ao autor, vão metendo a mão. Eu pegava isso nas provas já revistas por eles, que as mandavam para que eu também as visse. Lembro que, uma vez, eu escrevi mesmo "momento fulminante", que por acaso também dá brincadeira semelhante em inglês, pois "momento culminante" é lugar-comum como aqui. Aí eles emendaram para "culminating point" e foi um custo para eu explicar que era fulminating mesmo e eles acabarem aceitando. (ANTUNES, 2003ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Arquivo pessoal. Entrevista por e-mail. 2003-2007.).

Vejamos o exemplo ao qual João Ubaldo se refere:

Como sempre diz mestre Aurelino Fialho, todos os anos há mais de vint’anos juiz da festa e ensaiador dos mais vistosos bandos de pastoras, as comemorações hoje atingem seu ponto fulminante - nada mais, nada menos que a grande pesca do Santo Violeiro, nome porque é também conhecido o Gonçalinho. (RIBEIRO, 1984RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o povo brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1984. 640 p., p. 269, grifo nosso).

In the words of Master Aurelino Fialho, every year for more than a score the organizer of the festivities and the rehearse of the most eye-filling groups of dancing girls, the celebrations today reach their fulminating point, no more, no less, in the great fish feast of the Holy Guitar Player, as Gonsalino is also known. (RIBEIRO, 1989RIBEIRO, João Ubaldo. An invincible memory. Nova York: Harper & Row Publishers, 1989. 512 p., p. 202, grifo nosso).

De fato, a colocação fulminating point não ocorre no Corpus of Contemporary American English (COCA), um corpus de mais de um bilhão de palavras. Assim, seu uso pode ser tido como um exemplo da estratégia do “ar traduzido”, já que introduz no texto um elemento de estranheza.

Além de fulminating point, o trecho traz ainda a criação Gonsalino, que substitui Gonçalinho. O diminutivo é usado em português em referência a São Gonçalo, e pode ser visto como uma forma afetuosa de alusão ao santo casamenteiro das velhas, como no texto de João Ubaldo. O trecho em inglês apresenta ao leitor estrangeiro Gonsalino, um nome próprio que não ocorre no COCA, em seus corpora do inglês, histórico ou atual. Ou seja, é uma criação do autor-tradutor, inspirado, provavelmente, pelo diminutivo em português.

É possível analisar a estratégia do autor-tradutor brasileiro sob, pelo menos, três pontos de vista: o do teólogo e filósofo alemão Friedrich Schleiermacher, o do teórico estadunidense Philip E. Lewis e o do teórico estadunidense Lawrence Venuti.

Schleiermacher leu o ensaio intitulado Sobre os diferentes métodos de tradução em 24 de junho de 1813 na Academia de Ciências de Berlim. Nele, o teólogo e filósofo alemão apresenta duas escolhas possíveis ao tradutor: “ou bem o tradutor deixa o escritor o mais tranquilo possível e faz com que o leitor vá ao seu encontro ou bem deixa o mais tranquilo possível o leitor e faz com que o escritor vá a seu encontro” (SCHLEIERMACHER, 2010SCHLEIERMACHER, Friedrich. Sobre os diferentes métodos de tradução. Tradução de Celso R. Braida. In: HEIDERMANN, Werner (org.). Clássicos da teoria da tradução. Florianópolis: UFSC/Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução, 2010. p. 38-101., p. 57). Em outras palavras, o tradutor registra no texto diferenças linguísticas e culturais que conduzem leitores ao encontro do desconhecido ou, ao contrário, atenua a diferença e os valores culturais e linguísticos estrangeiros, trazendo o autor até os leitores. Schleiermacher acredita que a escolha de uma única estratégia é essencial, pois um misto das duas ao longo de um texto traduzido acarretará um “resultado insatisfatório” (SCHLEIERMACHER, 2010SCHLEIERMACHER, Friedrich. Sobre os diferentes métodos de tradução. Tradução de Celso R. Braida. In: HEIDERMANN, Werner (org.). Clássicos da teoria da tradução. Florianópolis: UFSC/Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução, 2010. p. 38-101., p. 57) e um fatal encontro imperfeito, defeituoso, entre autor e leitor. Para ele, deixar o autor tranquilo e fazer o leitor ir até ele é a estratégia mais adequada.

Philip Lewis (2012LEWIS, Philip. The measure of translation effects. In: VENUTI, Lawrence (org.). The translation studies reader. Londres: Routldedge, 2012. p. 220-239.) introduz o conceito de “fidelidade abusiva”. Lewis destaca que

o trabalho abusivo da tradução será orientado por trechos específicos no original, por pontos ou passagens que são de alguma forma forçados, que se destacam como clusters de energia textual - quer sejam constituídos por palavras, maneiras de dizer, ou formulações mais elaboradas. (LEWIS, 2012LEWIS, Philip. The measure of translation effects. In: VENUTI, Lawrence (org.). The translation studies reader. Londres: Routldedge, 2012. p. 220-239., p. 227).

Lewis argumenta a favor de uma tradução que “valorize a experimentação, interfira no uso” (LEWIS, 2012LEWIS, Philip. The measure of translation effects. In: VENUTI, Lawrence (org.). The translation studies reader. Londres: Routldedge, 2012. p. 220-239., p. 226) e que só será possível se estiver atrelada a uma análise detalhada de um elemento significativo do texto original, que resista ao comum, ao útil (LEWIS, 2012, p. 227). É importante enfatizar, portanto, a relação entre original e tradução pois a experimentação, ou a interferência no uso não é uma criação única, por assim dizer, do tradutor, mas terá origem na associação entre os dois textos.

Lawrence Venuti concebe a tradução como um tipo de violência, já que reconstitui “o texto estrangeiro de acordo com valores, crenças e representações que já existem na língua-alvo” (VENUTI, 1995VENUTI, Lawrence. The translator’s invisibility. Nova York: Routledge, 1995. 344 p., p. 18). Para o teórico estadunidense, é função ética do tradutor respeitar o outro, adotando procedimentos de resistência ao etnocentrismo inerente ao fazer tradutório. Ou seja, a única opção daquele que participa do processo de tradução e planeja resistir à violência e ao etnocentrismo do ato tradutório é estrangeirizar. A estratégia de estrangeirização abrange procedimentos que vão desde a seleção de “um texto cuja forma e tema desviam-se dos cânones literários domésticos” (VENUTI, 2002VENUTI, Lawrence. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda e Valéria Biondo. Bauru: EDUSC, 2002. 421 p., p. 28) ao uso de “um discurso marginal para traduzi-lo” (VENUTI, 1995VENUTI, Lawrence. The translator’s invisibility. Nova York: Routledge, 1995. 344 p., p. 20). Embora não apresente muitos exemplos práticos dos usos desse discurso marginal, Venuti acrescenta que um texto que faz uso de uma estratégia estrangeirizadora mostra rastros “da diferença linguística e cultural do texto estrangeiro” (VENUTI, 1995VENUTI, Lawrence. The translator’s invisibility. Nova York: Routledge, 1995. 344 p., p. 20). A estrangeirização de Lawrence Venuti (1995VENUTI, Lawrence. The translator’s invisibility. Nova York: Routledge, 1995. 344 p.) engloba as noções apresentadas por Schleiermacher e por Lewis e ainda lhes acrescenta, como afirmamos acima, uma dimensão de luta e reação à hegemonia linguística e cultural estadunidense, no caso do teórico em tela.

Os trechos das obras de João Ubaldo Ribeiro acima citados podem ser tidos como exemplos do “ar traduzido” e da resistência ao etnocentrismo do ato tradutório, já que é uma escolha consciente do autor-tradutor. Como ele mesmo diz “sim, o livro tem cara de traduzido, é de propósito” (ANTUNES, 2004ANTUNES, Maria Alice Gonçalves. Autoria e tradução: uma análise do romance autotraduzido Viva o Povo Brasileiro / An Invincible Memory. Tradução em Revista, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 101-115, 2004.). É uma tentativa do autor-tradutor de trazer o leitor ao encontro do próprio autor, da língua portuguesa e da cultura brasileira, mesmo que alguns dos leitores a quem o texto se destina não reconheçam no texto traços da língua portuguesa. Perceberão, porém, sua estranheza. O ar traduzido pode, a meu ver, ser visto como uma forma de trabalho abusivo de tradução, já que nasce em determinada escolha registrada no texto original. Ponto fulminante e Gonçalinho, assim como os xingamentos em Sergeant Getúlio citados anteriormente, podem ser vistos como os clusters de energia textual de que fala Philip Lewis. Estão presentes no texto original e reaparecem na autotradução, realçando a associação entre os dois textos, embora, sublinho, nem sempre essa relação possa ser reconhecida, como no caso dos editors que “emendaram para ‘culminating point’”, como diz João Ubaldo. É, por isso, estrangeirizadora também no sentido venutiano, já que o escritor brasileiro desde o início pretendeu tornar a língua portuguesa presente no texto estrangeiro escolhendo equivalentes mais próximos do idioma original. Assim, sua proposta parece-nos político-linguística-cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo apresentamos a autotradução tal como praticada pelo autor-tradutor brasileiro João Ubaldo Ribeiro. Tive por base a entrevista por e-mail concedida pelo escritor na qual tratava da autotradução, em particular. O objetivo foi apresentar a atividade sob a perspectiva do autor, como aponta Anselmi (2012ANSELMI, Simona. On self-translation: an exploration in self-translators’ teloi and strategies. Milão: Edizioni Universitarie di Lettere Economia Diritto, 2012. 100 p.) como possibilidade para pesquisas na área.

Considero a abordagem do autor-tradutor brasileiro em relação ao trabalho (auto)tradutório inovador, já que, no final dos anos 1970, os estudos teóricos sobre tradução não mostravam “a cara de traduzido”, ou o “ar traduzido”, como diz João Ubaldo, como uma estratégia política de tradução. O autor-tradutor brasileiro não demonstra consciência acerca dos textos de Friedrich Schleiermacher, por exemplo, que dissertam sobre a preferência pelo registro no texto do estrangeiro desconhecido. O próprio autor brasileiro parece não acreditar na estratégia que escolheu como possibilidade de escolha, já que seu único texto publicado, “Suffering in Translation”, sequer aborda o tema (RIBEIRO, 1990RIBEIRO, João Ubaldo. Suffering in Translation. P.T.G. Newsletter, Portuguese translation group (ATA, New York), New York, v. 3, n. 3, p. 3-4, jan./fev. 1990.). É um texto comum, por assim dizer, entre os muitos textos publicados por tradutores que escrevem narrativas sobre seus trabalhos de tradução. Tampouco o autor aborda sua opção em entrevistas sobre seu trabalho.

Como já afirmei, os romances (auto)traduzidos por João Ubaldo Ribeiro trazem marcas da língua portuguesa, da cultura brasileira, através de uma combinação entre tradução literal, uma linguagem formal, e também uma certa fluência, como se espera de qualquer tradução. Destaco, em especial, a presença dos “clusters de energia textual” (LEWIS, 2012LEWIS, Philip. The measure of translation effects. In: VENUTI, Lawrence (org.). The translation studies reader. Londres: Routldedge, 2012. p. 220-239.) que causa, inclusive, algumas intervenções dos editors no texto de João Ubaldo e a atuação do autor no sentido de reverter a mudança dos poderosos revisores.

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Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2022
  • Aceito
    15 Maio 2022
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