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Emburrecimento e estudo

Stupidification and study

RESUMO

A partir do tripé ensino, pesquisa e extensão e de seus desdobramentos particulares na área dos estudos literários, este artigo discute o emburrecimento acadêmico como resultado da hiperatividade ininterrupta e do empreendimento incessante tomados como fins em si mesmos. Entre outros fenômenos, o texto aborda a centralidade do didatismo e do tempo obrigatório exigido em sala de aula, o caráter produtivista da universidade neoliberal e a naturalização da forma artigo como veículo fundamental de escrita, bem como o recente caso da curricularização da extensão, propondo a ênfase no estudo como único antídoto possível para esse estado de coisas.

PALAVRAS-CHAVE:
Universidade; literatura; emburrecimento; estudo

ABSTRACT

From the teaching, research and extension tripod and its recent developments in the field of literary studies, this article discusses academic stupidification as a result of uninterrupted hyperactivity and ceaseless enterprise taken as ends in themselves. Among other phenomena, the text addresses the centrality of didacticism and the mandatory time required in the classroom, the productivist aspect of the neoliberal university and the naturalization of the article form as a fundamental vehicle for writing, as well as the recent case of the curricularization of university outreach programs, proposing the emphasis on study proper as the only possible antidote to this scenario.

KEYWORDS:
University; literature; stupidification; study

A estupidificação é hoje o rumo natural das coisas. No passado, ela estava ligada ao marasmo, ao isolamento e ao atraso, à alma paroquial, à comunidade interiorana e seus hábitos e costumes nunca questionados; agora, ela se alimenta do estar-ligado e da movimentação, da novidade incessante, por definição sem rumo ou objetivo discernível. 1 1 Como em estudo anterior (ver Durão, 2017a), o conceito de emburrecimento associa-se neste artigo à ideia de que a burrice é excessivamente produtiva, ou seja, menos que da paralisia ou da lentidão, é da atividade ininterrupta tomada como uma coisa boa em si mesma que a estultice hoje se alimenta. A agitação como uma finalidade em si é a figuração máxima do espírito do nosso tempo. O triunfo do presentismo e o estreitamento do horizonte de expectativas ( HARTOG, 2014HARTOG, François. Regimes de historicidade: Presentismo e Experiências do Tempo. Tradução de Andréa S. De Menezes et. al. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.); a crescente dificuldade de conceber qualquer transformação revolucionária ( FISHER, 2020FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia Literária, 2020.), que deu origem àquela famosa formulação de Jameson, de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo; a espetacularização da vida social ( DEBORD, 2017DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. 2. ed. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.; ver também CECHINEL; MUELLER, 2019CECHINEL, André; MUELLER, Rafael Rodrigo. Formação humana na sociedade do espetáculo. Chapecó; Criciúma: Argos; Ed. da Unesc, 2019.) - esse diagnóstico amplo torna-se muito mais veemente quando pensado em conjunção com o frenesi da atividade sem sentido, que a ideia de post na internet tão contundentemente materializa: o ato de dizer algo como mais importante do que aquilo que se diz, a emissão de signos como uma espécie de lastro existencial - esse est percipi, na reformulação de Türcke (2010TÜRCKE, Christoph. Sociedade excitada: Filosofia da sensação. Tradução de Fabio A. Durão et. al. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.) da máxima do filósofo do século XVIII George Berkeley. 2 2 A célebre tese de Berkeley, “ser é ser percebido”, ganha novos contornos conceituais no contexto da “sociedade excitada” descrita por Türcke: “Emitir quer dizer tornar-se percebido: ser. Não emitir é equivalente a não ser - não apenas sentir o horror vacui da ociosidade, mas ser tomado da sensação de simplesmente não existir. Não mais apenas: ‘há um vácuo em mim’, porém ‘sou um vácuo’ - de forma alguma ‘aí’. Quando a linguagem dos jovens se refere a alguém dormindo até tarde e ainda sonhando como ‘ainda não conectado’, ela expressa bem mais do que se imagina, a saber, a lei básica de uma nova ontologia: quem não transmite não está ‘aí’. Não irradia nada” ( TÜRCKE, 2010, p. 45). Ver também Durão (2008). A hiperatividade como autonomização do ato é emburrecedora porque não apenas apaga qualquer concepção de finalidade, como também barra a autorreflexão. Na física newtoniana a inércia não é somente estar parado, mas igualmente manter-se em movimento retilíneo uniforme, o que sugere uma representação da estupidez como perpetuum mobile e da inteligência como sua simples interrupção e não como algo a ser atingido com esforço. 3 3 Obviamente o advento da internet foi um fator determinante aqui. As palavras de Crary (2022) são eloquentes: “The internet is the digital counterpart of the vast, rapidly expanding garbage patch in the Pacific Ocean. Within it, the accumulating detritus of global networks choke off any clearing in which living exchanges between individuals or communities can occur. The immense and unending agglomeration of data, whether as images or language, produces a numbing cacophony and disorientation in which thinking is constricted and the possibility of dialogue crowded out. For millions of people every day, the primary interaction with others is the soon-to-be-forgotten mention of some floating particles in this online morass. One of the foremost achievements of the so-called knowledge economy is the mass production of ignorance, stupidity and hatefulness” ( CRARY, 2022, p. 42).

É ilusório supor que a universidade se feche para a sociedade em uma torre de marfim: o emburrecimento do empreendimento ininterrupto penetra-lhe facilmente. O Brasil não foge à regra, e por ter um sistema acadêmico novo, que devido às necessidades do país se expandiu rapidamente, apresenta-se como caso privilegiado de análise. Aqui reencontramos o mesmo contraste: em outros tempos a estultícia resultava da estagnação intelectual naquela conhecida figura do professor acomodado, em cujas fichas de aula é possível perceber as marcas do clip enferrujado. Seu doutorado pode até ter sido bom, mas representou o cume precoce da carreira que agora se arrasta letárgica. Se parece haver algo de folclórico nessa descrição, é porque seu objeto tornou-se visivelmente residual; o emburrecimento acadêmico corrente compartilha da azáfama social já mencionada, com o agravante de que aqui ele frequentemente beira a euforia, uma vez que se reproduz em nome do conhecimento. Para mostrar que se trata de um fenômeno abrangente, refletiremos sobre seus efeitos no tripé, que geralmente é usado para descrever o horizonte de atuação da universidade. Nosso foco, porém, restringe-se aos estudos literários, campo com o qual estamos mais familiarizados e no qual nos julgamos competentes para a defesa de juízos heterodoxos, como os que se seguirão. Apesar das peculiaridades inerentes à área, no entanto, cremos que o diagnóstico pode ser proveitosamente estendido para outras disciplinas das humanidades, e, sem modificações extremas, para as ciências exatas.

Do ponto de vista do ensino, vale chamar a atenção para o tempo obrigatório mínimo excessivo exigido em sala. Em comparação com universidades de outros países, os alunos brasileiros têm aulas demais; na Duke University, por exemplo, o tempo dos cursos é contabilizado da seguinte maneira:

[...] one semester-course unit is equivalent to four semester hours. A single semester-course unit should require a minimum of 12 hours per week of a student's time and effort, both in and outside of class, over a 15-week term, or 25 hours per week over a 7-week term. All full-credit courses require a minimum number of ‘contact hours’ totaling 150 minutes per week over 15 weeks, or 300 minutes per week over 7 weeks. ( DUKE UNIVERSITY, 2022DUKE UNIVERSITY. University and divinity courses. Duke University, 2022. Disponível em: Disponível em: https://registrar.bulletins.duke.edu/compliance/credit-hour-policy . Acesso em: 26 out. 2022.
https://registrar.bulletins.duke.edu/com...
).

Observe que a unidade de mensuração, o crédito, engloba o tempo dentro e fora da sala de aula, geralmente na proporção de dois para um, duas horas de preparação para cada uma com o professor, o contact hour. 4 4 Já no Carleton College, de Minnesotta, a proporção é de 3 horas de trabalho na biblioteca para cada hora em sala de aula. Agradecemos à Silvia López pela informação. Essa necessidade de manter o aluno presente no espaço físico da sala por mais tempo pode à primeira vista parecer algo positivo, um sinal de preocupação formativa por meio uma intensificação da experiência acadêmica; porém, na realidade trata-se do justo oposto: a “aulização” encoraja a internalização de uma ideia de saber como absorção passiva; o natural cansaço depois de tanto tempo sentado ouvindo o docente atuar como inibidor natural da iniciativa e da autonomia de pensamento, além de fornecer a sensação de dever cumprido, que, como veremos, é maléfica, ao associar o aprendizado ao cumprimento de tarefas. Mesmo aquelas propostas que deveriam oferecer oportunidades de elaboração independente, como nas atividades em dupla ou em grupo, amiúde uma socialização forçada, são ditadas pelo professor, que geralmente aproveita o tempo para descansar um pouco.

Esse inchaço do tempo na sala de aula combina-se com um outro fator bastante questionável, a curricularização do didatismo. Segundo o disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2019, que versa sobre a formação inicial de professores da Educação Básica, as 3.200 horas obrigatórias para licenciatura são distribuídas da seguinte forma: 800 horas para a base comum, “que compreende os conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos e fundamentam a educação e suas articulações com os sistemas, as escolas e as práticas educacionais”; 1600 horas destinadas à “aprendizagem dos conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e objetos de conhecimento da BNCC, e para o domínio pedagógico desses conteúdos” ( BRASIL, 2019BRASIL. Resolução nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Brasília: CNE/CP. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file . Acesso em: 26 out. 2022.
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, p. 6); e, por fim, 800 horas para a prática pedagógica. Chama a atenção, em particular, não só o total de 1600 horas voltadas a saberes teóricos e práticos do campo educacional - nada menos do que 50% da grade curricular -, mas também o vínculo instituído entre os conteúdos específicos de cada área de formação e o cenário de implementação da Base Nacional Comum Curricular brasileira no contexto da Educação Básica. Em poucas palavras, cursar licenciatura em Letras hoje significa menos acessar conhecimentos específicos dos estudos literários e/ou linguísticos do que instrumentalizar-se pedagogicamente para o exercício posterior da atividade docente, tudo isso a partir de práticas cristalizadas que costumam dispensar a teorização. Trata-se de um cenário formativo bastante diferente daquele vislumbrado, por exemplo, há cerca de duas décadas, nas DCN de 2002. A carga horária total das licenciaturas era de 2.800 horas, divididas desta maneira: 400 horas para a prática como componente curricular; 400 horas para o estágio supervisionado; 1800 horas “para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural”; 200 horas “para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais” ( BRASIL, 2002BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 9. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/0202cargahorformprof.pdf . Acesso em: 26 out. 2022.
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/p...
, p. 9.). Comparado ao de 2019, o documento de 2002 apresenta apenas 800 horas de atividades práticas e pedagógicas, o que corresponde a menos de 30% da carga horária total do curso.

Subjacente a esse movimento de curricularização do didatismo está a suposição de que a aula é uma entidade autônoma e abstrata, e que como tal pode ser abordada e discutida como se fosse uma espécie de recipiente a ser preenchido pelos conteúdos das disciplinas particulares. É, no entanto, possível defender uma concepção rigorosamente contrária, segundo a qual a essência e estrutura da aula decorrem do caráter do objeto de ensino: assim como na estética, forma e conteúdo estariam entrelaçados. Ao menos para a literatura, isso é facilmente verificável, se abandonamos a crença em fatos literários, em um conhecimento prévio, estável e independente da experiência de leitura das obras a serem ensinadas; se, pelo contrário, conferimos protagonismo ao processo interpretativo, à construção de sentido perante a materialidade da tessitura textual, o modo de estruturação da aula, 5 5 Esse é o ponto fundamental de nosso livro Ensinando Literatura: a sala de aula como acontecimento (2022). as formas de organização didática, perdem qualquer centralidade. Não importa se a exposição tem um formato de palestra, se, no outro polo do espectro, a aula desenvolve-se segundo um ideal de horizontalidade dialógica, ou se há uma mistura dos dois; o decisivo é que a interpretação se torne palpável como processualidade de configuração de sentido, que enfrenta a resistência inescapavelmente imposta pelas palavras da obra, e busca articular a singularidade do artefato. Se é o texto que está no primeiro plano, se é ele que em última instância regula o discurso do professor e sua interação com os alunos, a didática como algo em abstrato, um conjunto de procedimentos gerais de veiculação de conteúdos, independente do que sejam, não tem significância alguma. 6 6 A mesma crítica pode ser proposta sob a perspectiva do debate interno à área a respeito do fenômeno literário. Diferentes movimentos crítico-teóricos projetam visões contrastantes e por vezes conflitantes sobre o que é a literatura; a falta de conhecimento a respeito dessas posições que configuram a teoria literária com muita facilidade recai em representações de senso comum, como na relação entre literatura e expressão individual. Ver Durão (2017b).

Do ponto de vista da pesquisa, a estupidez decorrente da hiperatividade manifesta-se, obviamente, no ethos produtivista da universidade neoliberal, que, fato curioso, é capaz de penetrar um sistema universitário completamente custeado pelo Estado e dotado de um elevado grau de autogestão. 7 7 Quando situamos em um contexto mais amplo as queixas de acadêmicos brasileiros a respeito do produtivismo (que facilmente podem ser incorporadas em artigos), surge um quadro desconcertante. Diferentemente de outros países, no Brasil, o salário não é diretamente afetado pelo número de publicações, que por si só também não garante a concessão de bolsas e auxílios, cada vez mais raros. Mesmo as progressões de nível são normalmente vistas como etapas naturais das carreiras e não como concessão competitiva, derivada de um mérito excepcional. Por fim, embora sujeitas à sanção presidencial, a escolha de reitores de universidades federais é feita pela comunidade universitária, algo bem diferente de um modelo de governança baseado em um board composto por trustees, que escolhe managers para desempenhar cargos administrativos. Talvez haja algo aqui da lógica schwarziana (2000) das ideias fora do lugar. Os sinais encontram-se por toda parte. Os trabalhos finais das disciplinas da pós-graduação passam a ser chamados de “artigo”, o que é problemático não só porque a dinâmica da pesquisa fica barateada, uma vez que se crê que os quatro meses do curso são suficientes para oferecer uma contribuição para uma área de pesquisa, mas também porque se naturaliza a forma artigo como veículo privilegiado de escrita, em oposição ao ensaio, uma espécie em extinção. 8 8 A referência aqui é célebre texto de Adorno (2003), de bastante citado, via de regra não ensaisticamente, ele não é de fato lido em todas as suas implicações. Para Adorno, o oposto do ensaio seria o tratado com seu pressuposto de exaustão de um tema, algo que desapareceu. O contrário do ensaio hoje é o artigo: um artigo sobre o ensaio é uma contradição em termos, ou um paradoxo performativo. Mais ainda, a publicação converte-se em um fim em si mesmo: primeiro existe o artigo como entidade ideal, praticamente platônica, e só depois vem o conteúdo concreto que deverá preenchê-lo. Não é à toa que modismos teóricos se instalem com tanta facilidade, pois eles facilitam a releitura dos mais diversos objetos segundo arcabouços conceituais prévios, o que acarreta um distanciamento estruturalmente empobrecedor em relação ao objeto de análise. Essa inversão entre processo e produto não se restringe à escrita, mas ocorre igualmente em outras esferas de atividade acadêmica ligadas à pesquisa. O circuito dos eventos, principalmente o dos de maior porte, impõe-se como uma realidade a priori à qual as ideias devem se adaptar do melhor modo que puderem. Tanto a periodicidade quanto as temáticas dos congressos são estabelecidas de fora, o que não poderia ser diferente, tendo em vista as dificuldades de gestão de massas enormes de apresentações. Aqui também o trabalho com as palavras e o exercício do pensamento se dão como algo extrínseco, on demand; na melhor das hipóteses há a oportunidade para o exercício da imaginação composicional para negociar o tema do evento com o interesse específico do participante (ou aquilo que ele já tem escrito). E o mesmo vale para a questão do financiamento: quando a sua necessidade é internalizada, as applications automatizam-se acriticamente, e a questão da sua real utilidade para o pesquisador some de vista. O fato de que a concessão de financiamentos passados favorece a obtenção de futuros, encoraja o encadeamento de projetos por parte de professores que não precisam deles como fonte indispensável de renda, 9 9 Diferentemente da situação em vários países europeus, nos quais a falta de empregos obriga jovens doutores a passar de um projeto de pós-doutorado para outro por anos a fio. e nem mesmo como condição sine qua non para o trabalho intelectual. Como o modelo básico de financiamento é o das ciências exatas, a maior parte dos editais não contempla a aquisição de livros, que são o equivalente dos equipamentos no âmbito das humanidades, e ao pesquisador só resta ficar trocando de computador ou participando de mais eventos. O gênero discursivo fundamental aqui é o projeto, um tipo de escrita problemático, uma vez que necessariamente atrelado à finalidade prática de obter dinheiro (um projeto recusado não serve para nada, vai direto para a lixeira), e, a rigor, incongruente, porque se baseia no futuro, deve ferreamente defender o que se sucederá, aproximando-se assim da propaganda, ao passo que todos sabem que uma pesquisa que corresponda perfeitamente ao que foi proposto tem algo de problemático, pois a graça da investigação é descobrir o novo. O projeto coerente é aquele que seria escrito ao final do processo. 10 10 Estes argumentos são desenvolvidos em Durão (2020). Publicações, eventos e financiamento alimentam-se mutuamente em um círculo ateleológico, refratário à autorreflexão.

Do ponto de vista da extensão, o desenvolvimento decisivo é a sua recente curricularização. Estender e disponibilizar gratuitamente para a sociedade o conhecimento produzido na academia é obrigação de uma universidade comprometida com a coletividade: se o acesso a vagas é necessariamente restrito, ao menos o resultado da pesquisa, aquilo que é descoberto, a princípio deveria pertencer a todos. 11 11 De novo, é útil fazer uma comparação com sistemas universitários estrangeiros. Nos Estados Unidos, onde mesmo as universidades públicas seguem à risca uma racionalidade empresarial, o que mais se aproxima da ideia de extensão é o que se chama de service, atividades não pagas, como a participação em bancas. A representação de um dever social da universidade como constitutivo de sua autodefinição é inexistente. Entretanto, tudo muda de figura quando essa obrigatoriedade ética e política se torna uma imposição a priori. No Plano Nacional de Educação (2014-2014) do MEC, a Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, regulamentada pela Resolução nº 7 MEC/CNE/CES de 18 de dezembro de 2018, dispõe que os cursos devem dedicar “no mínimo, 10% do total de créditos curriculares exigidos para a graduação [a] programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social” ( BRASIL, 2018BRASIL. Resolução nº. 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº. 13.005/2014 que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 e das outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19 de dezembro de 2002. Seção 1, p. 49. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/55877808 . Acesso em: 26 out. 2022.
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, n.p.). Como antes, à primeira vista, prestar serviços à sociedade surge como algo positivo; a universidade estaria, assim, deixando sua redoma de cristal, demonstrando responsabilidade para com a coletividade ao levar seu conhecimento para os menos favorecidos. Há, contudo, vários problemas aqui. Em primeiro lugar, não é certo que a extensão necessariamente alcance os mais pobres: como é necessário ter tempo disponível, muito frequentemente a extensão atinge os alunos que, não conseguindo passar nas universidades públicas, fazem cursos pagos; desse modo, as primeiras estariam indiretamente subsidiando faculdades privadas. Além disso, a qualidade daquilo que é oferecido pode ser questionável. Se por um lado o aluno se apresenta como autoridade, afinal fala da e pela universidade, seu processo de formação ainda está em curso. A ocupação dessa posição de fala pode até mesmo solidificar uma postura de confiança excessiva que prejudica a receptividade, o reconhecimento do não-saber, que caracteriza a posição do discente. Nesse caso, então, o sensato seria permitir uma sedimentação mínima do conhecimento, para que só então ele pudesse ser transmitido. Porém, mais séria ainda é a dúvida a respeito da motivação para essa medida governamental. Aquilo que se apresentaria como preocupação com o outro, com o desfavorecido, na realidade pode muito bem expressar uma descrença, na melhor das hipóteses, ou suspeita, na pior, em relação à universidade. Na base da curricularização da extensão, estaria, assim, uma desconfiança em relação à capacidade da universidade de desempenhar o seu papel apropriadamente seguindo seu próprio ritmo e obedecendo a seus próprios critérios: é como se ela existisse em débito com a coletividade, como se fosse essencialmente culpada e devesse prestar serviços como forma de expiar o crime de sua autonomia. O ativismo aqui converte-se em manifestação de anti-intelectualismo, que pode tomar um matiz de esquerda ou de direita, sem grande diferença quanto ao dano causado à universidade. Ignora-se, com isso, o alcance e capilaridade do saber produzido sem um fim em si; coloca-se sob suspeição a abertura já existente para a sociedade, e tende-se a apagar os efeitos benéficos da universidade pública em seu funcionamento autogerido.

Por trás dos dispositivos legais que instituem a curricularização do didatismo e da extensão, e como fenômeno subjacente à aceleração das dinâmicas de produção e circulação das pesquisas, especialmente sob a forma de artigos que precedem o seu conteúdo, reside uma obsessão com a empregabilidade. Quanto maior e mais precoce o grau de autoconsciência dos alunos acerca das estratégias formativas que devem adotar para facilitar o seu ingresso na carreira docente, seja ela na Educação Básica ou no Ensino Superior, tanto mais sufocado o espaço do estudo se torna e tanto pior o resultado final da trajetória formativa. A formação ampliada, aquela capaz de abranger vários campos do conhecimento e de fornecer as bases concretas para a formulação de qualquer saber especializado, é indispensável para a qualidade dos cursos de Letras. Porém, como se sabe, ela toma muito tempo e passa a ser cada vez mais incompatível com a crescente profissionalização da área. Se o ideal de formação corresponde, em poucas palavras, a dedicar-se o máximo possível aos saberes sem instrumentalizá-los antes do devido amadurecimento intelectual, a insistência na empregabilidade tende a produzir um ambiente formativo em que a esperteza ou a familiaridade com as regras do jogo geram mais benefícios do que a atenção profunda aos objetos ou a paciência diante do novo.

O fortalecimento dos laços curriculares entre a formação inicial dos licenciandos e o acúmulo de experiências prévias de inserção social, em vez de consolidar a autonomia e valorização do profissional da área, acaba por criar um ambiente ainda mais propício para o surgimento de novos tipos de concessão ao mercado de trabalho. No campo do ensino, por exemplo, embora a legislação indique que apenas professores diplomados possam exercer o ofício da docência, são muitos os processos seletivos para contratos temporários que aceitam a inscrição de graduandos já nas fases iniciais dos cursos de licenciatura, suprindo a carência de profissionais efetivos com mão de obra precarizada. Na pesquisa, a especialização precoce e a aceleração das publicações solicitam dos estudos literários, por exemplo, resultados práticos que não só costumam se antecipar à própria relação aprofundada com os objetos, mas prometem efeitos imediatos de transformação humana ou social que contrastam vivamente com qualquer conceito satisfatório de literatura ou mesmo com a posição precária - para não dizer desprezível - que as obras literárias ocupam na representação social se comparadas à televisão, aos quadrinhos, ao cinema e, sobretudo, à internet. Já na extensão, a carga horária recém regulamentada pelo MEC tem provado ser um terreno fértil para a penetração de conceitos como os de inovação e empreendedorismo social nas universidades, não só nas áreas com mais aderência à instrumentalização prática do conhecimento adquirido, como é o caso nas ciências sociais aplicadas, mas também nas humanidades de modo geral. A extensão universitária, menos do que a socialização dos conhecimentos acadêmicos com a comunidade, tem produzido um efeito exatamente contrário, ou seja, o de mensurar a universidade segundo os princípios produtivos do mercado e das empresas privadas.

O caso do curso de Estudos Literários da Unicamp pode servir aqui como objeto de reflexão. 12 12 https://www.iel.unicamp.br/node/1516 Ele surgiu de uma proposta inovadora, que, em 2006, pretendeu romper disciplinarização tradicional do curso de Letras ao dissociar a literatura da linguística como disciplina irmã e inserir a primeira no contexto mais amplo das humanidades. 13 13 No Brasil, a relação entre linguística e literatura é dada como natural e ainda está para ser discutida em termos conceituais rigorosos. Na descrição do curso no catálogo da universidade, lemos:

O bacharelado em Estudos Literários da Unicamp tem como objetivo a formação de profissionais especializados na área da Literatura - incluindo-se aí os domínios da produção, da teoria, da crítica e da história literária. Com forte ênfase nas atividades de pesquisa, pretende oferecer uma formação sólida nos vários campos dos estudos literários: a literatura e cultura brasileiras, a teoria, crítica, história e historiografia literárias e a literatura comparada. A grade curricular oferecida tem, em sua base, disciplinas que se inserem nas áreas de Literatura Brasileira e de Teoria e História Literária - que engloba tanto obras em língua portuguesa quanto em outros idiomas. Inclui ainda disciplinas dedicadas a introduzir os ingressantes na reflexão sobre os diferentes gêneros textuais, além de outras que têm por finalidade iniciar os alunos nas atividades de pesquisa literária em diferentes temas e fontes. Uma das principais características do curso é a flexibilidade. Com uma grande carga de matérias optativas, sua estrutura estimula o aluno para definir, dentre as áreas de atuação do Departamento de Teoria Literária e do Instituto de Estudos da Linguagem, seus caminhos de formação. Permite ainda que ele tenha contato com muitas outras disciplinas das áreas de humanidades e artes oferecidas pela Unicamp, de modo a completar sua formação em perspectiva multidisciplinar. ( IEL/Unicamp, 2022IEL/UNICAMP. Objetivos do curso de bacharelado em Estudos Literários da Unicamp. Instituto de Estudos da Linguagem, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.iel.unicamp.br/br/content/objetivos-do-curso-2#:~:text=O%20bacharel%20em%20Estudos%20Liter%C3%A1rios,poesia%20e%20outros%20g%C3%AAneros%20liter%C3%A1rios . Acesso em: 26 out. 2022.
https://www.iel.unicamp.br/br/content/ob...
, n.p.)

No entanto, quando chegamos na parte que define os Campos de trabalho, temos:

O bacharel em Estudos Literários será um profissional preparado tanto para a pós-graduação e a carreira docente universitária quanto para o trabalho na área cultural. Poderá assim se inserir em vários campos vinculados ao conhecimento e à prática de modalidades textuais de prosa, poesia e outros gêneros literários. Destacam-se, dentre eles, a indústria editorial, a produção de roteiros para obras audiovisuais, a crítica literária, o jornalismo temático, a mídia impressa e eletrônica, a propaganda e publicidade. Dada sua formação ao mesmo tempo especializada e generalista, poderá atuar como produtor textual, editor, revisor, assessor ou consultor técnico e crítico em todos aqueles campos, além de áreas fronteiriças das artes e das ciências humanas. ( IEL/Unicamp, 2022IEL/UNICAMP. Objetivos do curso de bacharelado em Estudos Literários da Unicamp. Instituto de Estudos da Linguagem, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.iel.unicamp.br/br/content/objetivos-do-curso-2#:~:text=O%20bacharel%20em%20Estudos%20Liter%C3%A1rios,poesia%20e%20outros%20g%C3%AAneros%20liter%C3%A1rios . Acesso em: 26 out. 2022.
https://www.iel.unicamp.br/br/content/ob...
, n.p.).

O raciocínio por detrás dessa descrição não é complexo. Uma formação humanística sólida implica não apenas no domínio da leitura e da escrita, mas também leva a uma tal intimidade com a cultura em um sentido amplo, que pode ser de valia para diversos tipos de inserção profissional. Trata-se, assim, de uma utilidade oblíqua, secundária, indireta ou derivada, que surge quase como efeito colateral de uma sedimentação do saber. De tanto ler e escrever, de tanto ter contato com a cultura em seu sentido mais enfático, o aluno acabaria adquirindo erudição e desenvolvendo habilidades de intepretação e expressão que viriam a ser potencialmente úteis em uma gama extensa de atividades profissionais. Esse, no entanto, não tem sido o entendimento - e certamente a redação do texto não ajuda - de boa parte dos alunos, que frequentemente reivindicam a inserção no currículo de disciplinas com finalidades mercantis imediatas, como de editoração, curadoria ou roteiro, dando, assim, um giro de 180 graus na intenção inicial do curso. Há algo a aprender sobre uma dialética da disciplinaridade aqui, pois o conceito de flexibilidade curricular, apontado como um dos traços decisivos do bacharelado em Estudos Literários da Unicamp, mostra-se fortemente dependente de uma consolidação prévia da própria ideia de disciplina; ao se fazer ausente tal consolidação, a flexibilização pode acabar servindo para desfazer a materialidade das áreas e abrigar discussões que estão na ordem do dia no mundo corporativo, ou que são de interesse do mercado.

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Todas essas manifestações de emburrecimento convergem em um ponto: expressando uma coerência ela mesma significativa, elas colocam-se como o contrário do estudo, que, com efeito, apresenta-se como seu único antídoto. O fato de que haja tão pouca preocupação crítica a respeito do estudo como tema, que ele não seja discutido, que não obtenha visibilidade como objeto de investigação, é sinal de sua fragilização. 14 14 Agamben (2017) intui a mesma coisa em seu recente elogio aos estudantes: “Ao contrário do que está implícito na terminologia acadêmica, na qual o estudante é um grau mais baixo em relação ao pesquisador - o estudo é um paradigma cognoscitivo hierarquicamente superior à pesquisa, no sentido que esta não pode atingir seu objetivo se não é animada por um desejo e, uma vez que o atinge, só pode conviver estudiosamente com este, transformar-se em estudo”. Como dito, e possivelmente sem muita consciência disso, a universidade esforça-se cada vez mais para estrangulá-lo a partir de um conjunto de medidas que, isoladamente, poderiam ser justificáveis ou mesmo positivas, mas que em seu conjunto agem harmoniosamente para afastar o aluno do estudo. Esse assume hoje, então, em um caráter profundamente contraintuitivo: se o didatismo, o produtivismo e o extensionismo apontam para uma tendência de crescente controle sobre os resultados de todos os processos acadêmicos - especialmente sobre o processo de formação dos alunos e de inserção no mercado de trabalho -, o estudo é aquela atividade que suspende qualquer antecipação definitiva dos seus efeitos, ditando, portanto, um regime particular de relação com a esfera intelectual, sobre o qual vale a pena refletir. Não há reconciliação possível entre o estudo e o estado de coisas antes descrito. Uma caracterização enfática do que significa estudar, no entanto, pode nos ajudar a remeter a universidade a uma temporalidade e processualidade que lhe seria própria, capaz de interromper o movimento inercial que nos arrasta para a burrice.

Para caracterizar o estudo, é proveitoso contrastá-lo ao exercício ou à tarefa. Para estes, o que está em jogo é chegar a uma resolução, encontrar uma resposta para um problema que já foi alcançada antes. A distinção entre meios e fins aqui é clara, bem como a noção de erro e acerto, sucesso e fracasso. O mesmo já não pode ser dito para o estudo. Ele por certo move-se dentro do horizonte de uma questão proposta (caso contrário seria diletantismo), mas não apenas não é possível antecipar qual será a conclusão, como também a própria questão pode mudar no decorrer do percurso que gera. Os meios aqui predominam amplamente sobre os fins, que quase acabam sendo estabelecidos retroativamente; ou para dizer de outro modo, o processo possui primazia epistemológica e prática sobre o produto, o que no confronto com o texto literário tende a gerar resultados mais fortes do que em uma relação instrumentalizadora com o objeto. Acima de tudo, porém, o que diferencia o estudo da tarefa é que o primeiro faz surgir o inesperado: algo surge, algo acontece, que não estava previsto, e que pertence ao estudante. Não importa que o insight não seja novo, nem mesmo que ele se sustente; o decisivo é que foi produzido pelo sujeito, e a ele pertence. Sem dúvida, o graduando estuda diferente do pesquisador, pois para aquele o processo de descoberta é regulado pelo professor, que propõe a ementa do curso e fornece ideias e hipóteses de leitura; qualitativamente, porém, a dinâmica é a mesma. De fato, o ensino pode ser caracterizado como nada mais do que um processo de rotineirização e aprofundamento da lógica do estudo.

A diferença entre estudo e exercício também pode ser abordada a partir da relação particular que o primeiro constrói com as categorias de tempo e espaço. Se o exercício, por um lado, tem como horizonte final um saber delimitado de antemão ao qual se deve chegar, um saber que já pertence ao outro e que precisa ser transmitido àquele que ainda não o possui, o estudo, embora não dispense, como dissemos, um enquadramento específico - ele costuma vincular-se a situações concretas (um curso, um projeto de livro, etc.), sem se exaurir nelas - suspende os limites temporais e espaciais de sua ação. O tempo disponível para o estudo pode ser limitado, meia hora apenas, mas não pode haver pressa. Quando se está estudando, o passar do tempo é suspendido pela lógica da atenção e da imaginação. Por outro lado, a própria relação entre estudo e não estudo revela ser, no fim das contas, algo bem pouco rígido: se o pensamento continua, o estudante é capaz de permanecer estudando mesmo quando seus olhos já não estão retidos sobre a página, mesmo quando a tarefa já foi cumprida e devidamente avaliada por aquele a quem ela se dirige. Dessa forma, o estudo transborda o seu propósito inicial ou seu âmbito específico de atuação e se prolonga para as demais esferas do cotidiano, contaminando também o “não estudo”. Justamente porque sobra um resto, pois não se esquece aquilo que foi estudado quando acabou o curso ou foi terminado o livro, nem se começa a aplicar imediatamente o conhecimento adquirido, a continuidade, mesmo com um objeto totalmente novo, é inevitável, o que faz com que o estudo não tenha fim e possa confundir-se com o tempo da própria vida e o espaço da própria comunidade. Com efeito, para quem se acostumou a estudar, é necessário desenvolver não só estratégias de como parar, mas também de como calibrar as formas de acionamento do estudo nos vários espaços sociais. A imagem popular do aluno de ciências humanas como alguém dissociado do entorno talvez resulte, pelo menos em parte, desse problema de ajustamento discursivo às diferentes experiências intersubjetivas e sociais. No limite, o estudo converte-se em uma forma de vida.

O estudo exige solidão, que, no entanto, corresponde apenas a um de seus momentos. A representação do estudioso como um ser retraído, quiçá mesmo egoísta, que vive em um mundo próprio, não é verdadeira; com efeito, o estereótipo presta-se a ser decodificado como um estereótipo que na realidade representa um sintoma, uma reação da sociedade em relação a alguém para quem trabalho e lazer aproximam-se perigosamente. A tarefa, por mobilizar um saber que vem do outro, reveste-se de uma aura penosa, como dever, esforço e sofrimento, enquanto o estudo, por ser algo que pertence a você, é fonte de alegria. A leitura e a escrita exigem uma relação de foco e trabalho com a linguagem, por isso não permitem intrusões, porém uma vez que acontece algo, que ocorre o click, surge o impulso natural para compartilhar a ideia, ou seja, o estudo contém um componente intersubjetivo (ver: DURÃO, 2016DURÃO, Fabio A. Perspectivas da crítica literária hoje. Sibila: revista de poesia e crítica literária, 2016. Disponível em: Disponível em: http://sibila.com.br/critica/perspectivas-da-critica-literaria-hoje/12433 . Acesso em: 26 jun. 2022.
http://sibila.com.br/critica/perspectiva...
). 15 15 Uma nota de rodapé sobre o amor: quem já se apaixonou por alguém que estuda, sabe que prazer singular é o ler junto, quando submergimos no texto, mas compartilhamos a presença física do outro, uma mistura de intensa atividade mental e de paz.

A universidade está se tornando um espaço cada vez mais avesso ao estudo. É urgente recuperá-lo.

Referências

  • ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma. In: Notas de Literatura São Paulo: Editora 34, 2003. p. 15-45.
  • AGAMBEN, Giorgio. Estudantes. Instituto Humanas Unisinos, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/567718-estudantes-por-giorgio-agamben Acesso em: 26 out. 2022.
    » https://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/567718-estudantes-por-giorgio-agamben
  • BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 9. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/0202cargahorformprof.pdf Acesso em: 26 out. 2022.
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  • BRASIL. Resolução nº. 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº. 13.005/2014 que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 e das outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19 de dezembro de 2002. Seção 1, p. 49. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/55877808 Acesso em: 26 out. 2022.
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  • BRASIL. Resolução nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Brasília: CNE/CP. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file Acesso em: 26 out. 2022.
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  • CECHINEL, André; MUELLER, Rafael Rodrigo. Formação humana na sociedade do espetáculo Chapecó; Criciúma: Argos; Ed. da Unesc, 2019.
  • CRARY, Jonathan. Scorched Earth. Beyond the Digital Age to a Post-Capitalist World London; New York: Verso, 2022.
  • DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo 2. ed. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.
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  • DURÃO, Fabio A. Da superprodução semiótica: caracterização e implicações estéticas. In: DURÃO, Fabio A.; ZUIN, Antônio.; VAZ, Alexandre Fernandez (org.). A Indústria Cultural Hoje São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. p. 39-48.
  • DURÃO, Fabio A. Perspectivas da crítica literária hoje. Sibila: revista de poesia e crítica literária, 2016. Disponível em: Disponível em: http://sibila.com.br/critica/perspectivas-da-critica-literaria-hoje/12433 Acesso em: 26 jun. 2022.
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  • DURÃO, Fabio A. Burrice Acadêmico-Literária Brasileira. Revista da ANPOLL, v. 1, p. 19-33, 2017a.
  • DURÃO, Fabio A. Da Intransitividade do Ensino de Literatura. Matraga, v. 24, n. 40, p. 225-240, 2017b.
  • DURÃO, Fabio A. Metodologia de pesquisa em literatura São Paulo: Parábola, 2020.
  • DURÃO, Fabio A.; CECHINEL, André. Ensinando Literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.
  • FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia Literária, 2020.
  • HARTOG, François. Regimes de historicidade: Presentismo e Experiências do Tempo. Tradução de Andréa S. De Menezes et. al. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
  • IEL/UNICAMP. Objetivos do curso de bacharelado em Estudos Literários da Unicamp. Instituto de Estudos da Linguagem, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.iel.unicamp.br/br/content/objetivos-do-curso-2#:~:text=O%20bacharel%20em%20Estudos%20Liter%C3%A1rios,poesia%20e%20outros%20g%C3%AAneros%20liter%C3%A1rios Acesso em: 26 out. 2022.
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  • SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. In: Ao vencedor as batatas 5. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. p. 9-31.
  • TÜRCKE, Christoph. Sociedade excitada: Filosofia da sensação. Tradução de Fabio A. Durão et. al. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.
  • 1
    Como em estudo anterior (ver Durão, 2017aDURÃO, Fabio A. Burrice Acadêmico-Literária Brasileira. Revista da ANPOLL, v. 1, p. 19-33, 2017a.), o conceito de emburrecimento associa-se neste artigo à ideia de que a burrice é excessivamente produtiva, ou seja, menos que da paralisia ou da lentidão, é da atividade ininterrupta tomada como uma coisa boa em si mesma que a estultice hoje se alimenta.
  • 2
    A célebre tese de Berkeley, “ser é ser percebido”, ganha novos contornos conceituais no contexto da “sociedade excitada” descrita por Türcke: “Emitir quer dizer tornar-se percebido: ser. Não emitir é equivalente a não ser - não apenas sentir o horror vacui da ociosidade, mas ser tomado da sensação de simplesmente não existir. Não mais apenas: ‘há um vácuo em mim’, porém ‘sou um vácuo’ - de forma alguma ‘aí’. Quando a linguagem dos jovens se refere a alguém dormindo até tarde e ainda sonhando como ‘ainda não conectado’, ela expressa bem mais do que se imagina, a saber, a lei básica de uma nova ontologia: quem não transmite não está ‘aí’. Não irradia nada” ( TÜRCKE, 2010TÜRCKE, Christoph. Sociedade excitada: Filosofia da sensação. Tradução de Fabio A. Durão et. al. Campinas: Editora da Unicamp, 2010., p. 45). Ver também Durão (2008DURÃO, Fabio A. Da superprodução semiótica: caracterização e implicações estéticas. In: DURÃO, Fabio A.; ZUIN, Antônio.; VAZ, Alexandre Fernandez (org.). A Indústria Cultural Hoje. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. p. 39-48.).
  • 3
    Obviamente o advento da internet foi um fator determinante aqui. As palavras de Crary (2022CRARY, Jonathan. Scorched Earth. Beyond the Digital Age to a Post-Capitalist World. London; New York: Verso, 2022. ) são eloquentes: “The internet is the digital counterpart of the vast, rapidly expanding garbage patch in the Pacific Ocean. Within it, the accumulating detritus of global networks choke off any clearing in which living exchanges between individuals or communities can occur. The immense and unending agglomeration of data, whether as images or language, produces a numbing cacophony and disorientation in which thinking is constricted and the possibility of dialogue crowded out. For millions of people every day, the primary interaction with others is the soon-to-be-forgotten mention of some floating particles in this online morass. One of the foremost achievements of the so-called knowledge economy is the mass production of ignorance, stupidity and hatefulness” ( CRARY, 2022CRARY, Jonathan. Scorched Earth. Beyond the Digital Age to a Post-Capitalist World. London; New York: Verso, 2022. , p. 42).
  • 4
    Já no Carleton College, de Minnesotta, a proporção é de 3 horas de trabalho na biblioteca para cada hora em sala de aula. Agradecemos à Silvia López pela informação.
  • 5
    Esse é o ponto fundamental de nosso livro Ensinando Literatura: a sala de aula como acontecimento (2022DURÃO, Fabio A.; CECHINEL, André. Ensinando Literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.).
  • 6
    A mesma crítica pode ser proposta sob a perspectiva do debate interno à área a respeito do fenômeno literário. Diferentes movimentos crítico-teóricos projetam visões contrastantes e por vezes conflitantes sobre o que é a literatura; a falta de conhecimento a respeito dessas posições que configuram a teoria literária com muita facilidade recai em representações de senso comum, como na relação entre literatura e expressão individual. Ver Durão (2017bDURÃO, Fabio A. Da Intransitividade do Ensino de Literatura. Matraga, v. 24, n. 40, p. 225-240, 2017b.).
  • 7
    Quando situamos em um contexto mais amplo as queixas de acadêmicos brasileiros a respeito do produtivismo (que facilmente podem ser incorporadas em artigos), surge um quadro desconcertante. Diferentemente de outros países, no Brasil, o salário não é diretamente afetado pelo número de publicações, que por si só também não garante a concessão de bolsas e auxílios, cada vez mais raros. Mesmo as progressões de nível são normalmente vistas como etapas naturais das carreiras e não como concessão competitiva, derivada de um mérito excepcional. Por fim, embora sujeitas à sanção presidencial, a escolha de reitores de universidades federais é feita pela comunidade universitária, algo bem diferente de um modelo de governança baseado em um board composto por trustees, que escolhe managers para desempenhar cargos administrativos. Talvez haja algo aqui da lógica schwarziana (2000SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. In: Ao vencedor as batatas. 5. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. p. 9-31. ) das ideias fora do lugar.
  • 8
    A referência aqui é célebre texto de Adorno (2003ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma. In: Notas de Literatura. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 15-45.), de bastante citado, via de regra não ensaisticamente, ele não é de fato lido em todas as suas implicações. Para Adorno, o oposto do ensaio seria o tratado com seu pressuposto de exaustão de um tema, algo que desapareceu. O contrário do ensaio hoje é o artigo: um artigo sobre o ensaio é uma contradição em termos, ou um paradoxo performativo.
  • 9
    Diferentemente da situação em vários países europeus, nos quais a falta de empregos obriga jovens doutores a passar de um projeto de pós-doutorado para outro por anos a fio.
  • 10
    Estes argumentos são desenvolvidos em Durão (2020DURÃO, Fabio A. Metodologia de pesquisa em literatura. São Paulo: Parábola, 2020.).
  • 11
    De novo, é útil fazer uma comparação com sistemas universitários estrangeiros. Nos Estados Unidos, onde mesmo as universidades públicas seguem à risca uma racionalidade empresarial, o que mais se aproxima da ideia de extensão é o que se chama de service, atividades não pagas, como a participação em bancas. A representação de um dever social da universidade como constitutivo de sua autodefinição é inexistente.
  • 12
  • 13
    No Brasil, a relação entre linguística e literatura é dada como natural e ainda está para ser discutida em termos conceituais rigorosos.
  • 14
    Agamben (2017AGAMBEN, Giorgio. Estudantes. Instituto Humanas Unisinos, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/567718-estudantes-por-giorgio-agamben . Acesso em: 26 out. 2022.
    https://www.ihu.unisinos.br/186-noticias...
    ) intui a mesma coisa em seu recente elogio aos estudantes: “Ao contrário do que está implícito na terminologia acadêmica, na qual o estudante é um grau mais baixo em relação ao pesquisador - o estudo é um paradigma cognoscitivo hierarquicamente superior à pesquisa, no sentido que esta não pode atingir seu objetivo se não é animada por um desejo e, uma vez que o atinge, só pode conviver estudiosamente com este, transformar-se em estudo”.
  • 15
    Uma nota de rodapé sobre o amor: quem já se apaixonou por alguém que estuda, sabe que prazer singular é o ler junto, quando submergimos no texto, mas compartilhamos a presença física do outro, uma mistura de intensa atividade mental e de paz.

Editado por

editor-chefe: Rachel Esteves Lima
editor executivo: Cássia Lopes Jorge Hernán Yerro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2022
  • Aceito
    02 Dez 2022
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