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Números de Stirling do Primeiro Tipo e as Relações de Girard

RESUMO

O presente artigo trata-se do polinômio de Stirling do primeiro tipo, que é um caso particular do estudo de polinômios em várias indeterminadas sobre o anel dos inteiros e existem relações entre os coeficientes e as respectivas ráızes de uma dada equação algébrica. A ideia consiste na expansão de uma classe de polinômios nas indeterminadas x, x 1 , x 2 ,··· , x n ℤ, definidos por pn(x)=j=1n(x-xj), fixado um inteiro n positivo. A ideia é mais particular ainda, pois provém das relações de Girard do estudo de polinômios homogêneos e simétricos que consiste em estudar polinômios em 𝔸(x), cujos coeficientes estão no anel 𝔸 = ℤ(x 1 , x 2 , · · · , x n ) e além disso as raízes inteiras particulares nas relações de Girard, em questão, são x 1 = 0, x 2 = 1,··· , x n = (n− 1) gerando interessantes identidades algébricas cuja natureza combinatória é evidente e o coeficiente das potências de x em p n (x), nesse caso, pode ser resposta de diversos problemas de contagem modelado por meio dessa função geradora, mais especificamente, a sequência associada a p n (x) geram os números de Stirling do primeiro tipo.

Palavras-chave:
polinômios; relações de Girard; números de Stirling

ABSTRACT

The presented article discusses the Stirling numbers of the first kind, which is a special case of the study of polynomials on various indeterminates over the integers ring and has relations between the coefficients and the respective roots of a given algebraic equation. The idea consists of an expansion of a class of polynomials on the indeterminates x, x 1 , x 2 ,··· , x n ℤ, defined by pn(x)=j=1n(x-xj), given a fixed positive integer n. The idea is even more special, because it comes from the Vieta’s formula of the study of homogeneous and symmetric polynomials, which consists of studying the polynomials in 𝔸(x), where the coefficients are on the ring 𝔸 = ℤ(x 1 , x 2 , · · · , x n ), moreover the particular integer roots in Vieta’s formula, discussed here, are x 1 = 0, x 2 = 1,··· , x n = (n − 1) making interesting algebraic identities whose combinatorial nature is evident and the coefficients of the powers of x in p n (x), in this case, can be the answer to various counting problems modeled after this generating function, more specifically, the sequence associated to p n (x) generates the Stirling numbers of the first kind.

Keywords:
polynomials; Vieta’s formula; Stirling numbers

1 INTRODUÇÃO

O estudo de polinômios e equações polinomiais, como já sabemos, é interesse de estudo de matemáticos desde séculos atrás. Um dos nomes que forneceu grandes contribuições para o estudo deste tema foi o matemático francês Albert Girard (1595 1632). Uma de suas contribuições, que ficou conhecida como Relações de Girard, estabelece conexões entre as ráızes de um dado polinômio com seus coeficientes. Um exemplo disso é a relação Soma e Produto para determinar as ráızes de polinômios de grau 2.

Outro matemático muito importante, cuja contribuição aparece neste artigo, é James Stirling (1692 1770), que ficou bastante conhecido por propor uma fórmula para aproximar o fatorial de números grandes. Porém, a contribuição que mais nos interessa é sobre a sequência de números que leva seu nome, conhecida por Números de Stirling do Primeiro Tipo, que podem ser interpretados de modo combinatório como o número de maneiras de n pessoas se sentarem em torno de k mesas circulares idênticas sem que nenhuma destas mesas fiquem vazias.

Porém, também podemos interpretar esses números de forma algébrica, por meio de um polinômio que será definido na Seção 3. Pensando nisso, a ideia deste trabalho é apresentar algumas identidades relacionando os números de Stirling do primeiro tipo com o coeficiente binomial bem como com a soma do produto de k fatores distintos, onde estes fatores pertencem ao conjunto {1, 2, · · · , n− 1}, além de usar as relações de Girard para demonstrar algumas delas.

Assim, na primeira seção apresentaremos as relações de Girard para o caso particular n = 2 e o caso geral. Já na segunda seção exploraremos identidades envolvendo algumas sequências dos números de Stirling do primeiro tipo com o coeficiente binomial, bem como apresentaremos uma relação de recorrência para estes números. Por fim, na última seção usaremos as relações de Girard para demonstrarmos algumas propriedades envolvendo soma de produtos com os números de Stirling do primeiro tipo.

2 AS RELAÇÕES DE GIRARD

As relações entre os coeficientes e as ráızes de uma equação algébrica podem auxiliar na resolução de equações polinomiais, tais relações são denominadas Relações de Girard. Para determinar estas relações, tomaremos como principal referência 11 A. Hefez & M.L. Vilela. “Polinômios e Equações Algébricas”. SBM, Rio de Janeiro (2012)., Seção 2.4.

Em seu livro, Invention nouvelle en algèbre, Albert Girard introduziu o problema que consistia em encontrar o número de ráızes de uma equação, ou seja, ele afirma que todas as equações polinomiais possuem tantas soluções quanto o grau da referida equação, esta foi a primeira versão do que conhecemos hoje como o Teorema Fundamental da Álgebra.

Há diversas formas de estabelecer fórmulas para o cálculo das ráızes de uma equação de grau 2. Em 66 A.F.A. Vale. “As diferentes estratégias de resolução da equação do segundo grau”. Master’s thesis, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, RN (2013)., por exemplo, é apresentado um método para resolução de equações completas do segundo grau, que se deve a Viète. O método prova também a expressão conhecida no Brasil como Fórmula de Bhaskara, usada para encontrar ráızes de equações do segundo grau.

As relações de Girard, em algumas situações, podem auxiliar na resolução de alguns sistemas não lineares. Além disso, em particular, nos ajudará a demonstrar algumas identidades relacionadas com a família de polinômios denominados por Números de Stirling do Primeiro Tipo. Para isso, veremos o caso particular para polinômios de grau 2 e depois estenderemos para o caso geral.

2.1 O caso n = 2

No caso n = 2 temos que uma equação do segundo grau possui a seguinte lei de formação

a x 2 + b x + c = 0 (2.1)

onde a ≠ 0 e a, b, c, ∈ ℝ. As identidades que relacionam as ráızes de uma equação do segundo grau e seus coeficientes são fundamentadas por meio das relações de Girard e auxiliam a encontrar as ráızes dessa equação.

Assim, sejam x 1 , x 2 ráızes complexas da Equação 2.1. A decomposição desta equação nos permitirá determinar expressões matemáticas que relacionam as ráızes da Equação 2.1 com seus coeficientes a, b, e, c. Para isso, observe que:

a x 2 + b x + c = a ( x - x 1 ) ( x - x 2 ) = a ( x 2 - x x 2 - x x 1 + x 1 x 2 ) = a [ x 2 - ( x 1 + x 2 ) x + ( x 1 x 2 ) ] .

Dividindo a equação por a obtemos:

x 2 + b a x + c a = x 2 - ( x 1 + x 2 ) x + ( x 1 x 2 ) .

Realizando a igualdade de polinômios segue que

x 1 + x 2 = - b a x 1 x 2 = c a (2.2)

As equações em 2.2 são chamadas de relações de Girard para equações do segundo grau, também comumente chamadas de Soma e Produto. Vejamos um exemplo de como podemos utilizá-las para determinar as ráızes de uma equação de grau 2.

Exemplo 1. Seja

x 2 - 4 x + 3 = 0 (2.3)

uma equação polinomial do segundo grau. Vamos resolvê-la utilizando o método da soma e do produto. Então, segue do Sistema 2.2 que x1 + x 2 = 4 e x 1 x 2 = 3.

Ou seja, queremos dois números que somados dão 4 e multiplicados dão 3. Dáı, vemos que x1 = 3 e x 2 = 1. Vamos verificar que estes, de fato, são ráızes da nossa equação.

Substituindo x1 = 3 na Equação 2.3 temos:

3 2 - 4 . 3 + 3 = 9 - 12 + 3 = 0 .

Agora, subsituindo x2 = 1 na Equação 2.3 obtemos:

1 2 - 4 . 1 + 3 = 1 - 4 + 3 = 0 .

Portanto, o conjunto solução da Equação 2.3 é {1, 3}.

2.2 O caso geral

Seja p(x) = x n + a n−1 x n−1 + · · · + a 2 x 2 + a 1 x + a 0 um polinômio de grau n, com a j ℝ, j = 0, 1, · · · , n − 1, cujas n ráızes complexas são dadas por x 1 , x 2 , · · · , x n . Segue de 11 A. Hefez & M.L. Vilela. “Polinômios e Equações Algébricas”. SBM, Rio de Janeiro (2012). que existem funções σ 1 , σ 2 , · · · , σ n que dependem de x 1 , x 2 , · · · , x n e são definidas por:

σ 1 ( x 1 , , x n ) = j = 1 n x j , σ 2 ( x 1 , , x n ) = j 1 < j 2 x j 1 x j 2 , σ 3 ( x 1 , , x n ) = j 1 < j 2 < j 3 x j 1 x j 2 x j 2 , σ n ( x 1 , , x n ) = x 1 x n . (2.4)

As funções σ 1 , · · · , σ n relacionam as ráızes complexas de p(x) com os coeficientes a 0 , · · · , a n−1 por meio da igualdade de polinômios, ou seja,

p ( x ) = x n + a n - 1 x n - 1 + + a 2 x 2 + a 1 x + a 0 = ( x - x 1 ) ( x - x 2 ) ( x - x 3 ) ( x - x n ) = x n - σ 1 x n - 1 + σ 2 x n - 2 + + ( - 1 ) n σ n .

Dessa forma, conclúımos que:

a n - 1 = - σ 1 , , a 2 = ( - 1 ) n - 2 σ n - 2 , a 1 = ( - 1 ) n - 1 σ n - 1 , a 0 = ( - 1 ) n σ n . (2.5)

As equações em 2.5 são chamadas Relações de Girard de grau n e as utilizaremos para demonstrarmos certas identidades envolvendo algumas famílias especiais de polinômios.

3 A SEQUÊNCIA NUMÉRICA DE STIRLING DO PRIMEIRO TIPO VIA FUNÇÃO POLINOMIAL

No contexto de função geradora, os números de Stirling do primeiro tipo são definidos em 22 J. Kovalina. “A Unified Interpretation of the Binomial Coefficients, the Stirling Numbers, and the Gaussian Coefficients”. The American Mathematical Monthly, Washington (2000).), (33 A. Mansour & M. Schork. “Commutation Relations, Normal Ordering, and Stirling Numbers”. Chapman and Hall, New York (2016). como coeficientes de x k de uma função polinomial de grau n com 0 < k ≤ n. Ou seja, tratam-se de uma sequência numérica gerada por uma classe de polinômios, fixado o respectivo grau n, que é um número inteiro positivo, sendo que os coeficientes das potências de x são elementos dessa sequência.

A técnica das funções geradoras teve origem nos trabalhos de A. De Moivre (1667 1754) e, posteriormente, foi utilizada por L. Euler (1707 1783) em problemas da Teoria Aditiva de Números, principalmente na Teoria das Partições. Essa técnica permite abordarmos problemas combinatórios de forma algébrica. Além de possibilitar obter soluções de recorrências.

De acordo com 22 J. Kovalina. “A Unified Interpretation of the Binomial Coefficients, the Stirling Numbers, and the Gaussian Coefficients”. The American Mathematical Monthly, Washington (2000)., os números de Stirling do primeiro tipo podem ser representados formalmente como os coeficientes de x k na expansão do polinômio x(x + 1) · · · (x + (n − 1)). Segue de 55 N.A. Silva. “Os números de Stirling”. Master’s thesis, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS (2018). que os números de Stirling do primeiro tipo podem ser definidos, combinatoriamente, como o número de permutações de n que se decompõem em exatamente k ciclos disjuntos. Inclusive, 44 G.F. Pinheiro, I.M. Craveiro & E.A. Macena. Números de Stirling do primeiro tipo. Professor de Matemática Online, 8 (2020), 590-605. define os números de Stirling do primeiro tipo como a resposta para a questão: de quantas formas n pessoas podem se sentar em volta de k mesas circulares indistingúıveis, sem que nenhuma mesa fique vazia?

Assim, nesta seção apresentaremos algumas identidades que relacionam os números de Stirling do primeiro tipo com o coeficiente binomial, bem como com o produto de k fatores distintos. Além disso, usaremos as relações de Girard de grau n para provar algumas destas identidades.

3.1 Números de Stirling do Primeiro Tipo: definições e exemplos

Nesta subseção iremos definir os números de Stirling do primeiro tipo, de acordo com 22 J. Kovalina. “A Unified Interpretation of the Binomial Coefficients, the Stirling Numbers, and the Gaussian Coefficients”. The American Mathematical Monthly, Washington (2000)., e algumas propriedades dadas em 55 N.A. Silva. “Os números de Stirling”. Master’s thesis, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS (2018). serão provadas de acordo com essa definição. Para isso, considere um número natural n, n ≥ 1, e definimos a família de polinômios p n (x) como

p n ( x ) = x ( x + 1 ) ( x + 2 ) ( x + ( n - 1 ) ) (3.1)

para n > 1 e p 0(x) = 1. Constatamos por meio da definição que o grau de p n (x), para n > 1, é n e o coeficiente de x n é igual a 1.

Expandimos a expressão dada na Equação 3.1 e obtemos o polinômio

p n ( x ) = x n + n n - 1 x n - 1 + . . . + n k x k + n 1 x (3.2)

onde nk é o coeficiente de x k e é chamado de Número de Stirling do Primeiro Tipo e lemos como n colchete k. De acordo com a definição, seguem as seguintes propriedades imediatas: nn=1,n0=0 e nk=0 para n ≥ 1 e n < k.

Por meio de p 0(x) = 1, definimos 00=1. Listamos alguns exemplos de p n (x), para n ∈ {1, 2, 3, 4, 5, 6}.

  • 1) p 1 = x;

  • 2) p 2(x) = (x + 1)p 1(x) = x 2 + x;

  • 3) p 3(x) = (x + 2)p 2(x) = x 3 + 3x 2 + 2x;

  • 4) p 4(x) = (x + 3)p 3(x) = x 4 + 6x 3 + 11x 2 + 6x;

  • 5) p 5(x) = (x + 5)p 4 = x 5 + 10x 4 + 35x 3 + 50x 2 + 24x;

  • 6) p 6(x) = x 6 + 15x 5 + 85x 4 + 225x 3 + 274x 2 + 120x.

Segue do Exemplo de 1 até 6 a seguinte tabela:

Tabela 1:
Alguns números de Stirling do primeiro tipo.

Fazendo avaliações nas funções polinomiais que geram números de Stirling do primeiro tipo obtemos o seguinte resultado que consiste em somar as colunas da Tabela 1, por exemplo. No contexto combinatório de permutações, consiste em contar o número total de permutações de S n que se decompõem em exatamente k ciclos disjuntos.

Proposição 3.1.Seja o inteiro n ≥ 1, então

k = 0 n n k = n ! .

Prova. (Demonstração) Fazendo x = 1 em 3.1 e 3.2, obtemos a igualdade:

1 ( 1 + 1 ) ( 1 + 2 ) ( 1 + ( n - 1 ) ) = n 0 + n 1 + + n n 1 · 2 · . . . · n = k = 0 n n k .

Portanto, n!=k=0nnk. □

3.2 Uma recorrência para os números de Stirling do Primeiro Tipo

O teorema a seguir estabelece uma recorrência para os números de Stirling do primeiro tipo usando o conceito de igualdade de polinômios. Comparando com a prova dada em 55 N.A. Silva. “Os números de Stirling”. Master’s thesis, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS (2018). para o mesmo resultado, vemos que o uso de polinômios torna a prova mais simples e curta.

Teorema 3.1.Sejam n e k números naturais tais que 1 < k < n. Então,

n k = n - 1 k - 1 + ( n - 1 ) n - 1 k (3.3)

Prova. (Demonstração) Por meio da Equação 3.1 temos que

p n ( x ) = x ( x + 1 ) ( x + ( n - 2 ) ) p n - 1 ( x ) ( x + ( n - 1 ) ) = p n - 1 ( x ) ( x + ( n - 1 ) ) = x p n - 1 ( x ) + ( n - 1 ) p n - 1 ( x ) . (3.4)

O coeficiente de x k em p n (x) é por definição nk. Por outro lado, o coeficiente de x k em x · p n−1 (x) + (n− 1)p n−1 (x) é

n - 1 k - 1 + ( n - 1 ) n k - 1 . (3.5)

Segue de 3.4 e 3.5 a identidade:

n k = n - 1 k - 1 + ( n - 1 ) n - 1 k .

O Teorema 3.1, no contexto dos números de Stirling do primeiro tipo, pode ser entendido como o total de distribuições de n pessoas em torno de k mesas circulares idênticas sem que nenhuma mesa fique vazia. Então, temos que as permutações circulares são um caso particular dos números de Stirling do primeiro tipo, visto que n1 é igual ao número de maneiras de se distribuir n pessoas em torno de uma mesa circular, de acordo com 44 G.F. Pinheiro, I.M. Craveiro & E.A. Macena. Números de Stirling do primeiro tipo. Professor de Matemática Online, 8 (2020), 590-605.. A prova dessa proposição segue do Teorema 3.1, juntamente com o princípio da indução finita.

Proposição 3.2.Para todo n ≥ 1, temos quen1=(n-1)!.

Prova. (Demonstração) Faremos a prova por indução sobre n. Claramente se n = 1 o resultado é valido, visto que nn=1 e 11=(1-1)!=0!=1. Então, suponhamos que o resultado é válido para todo n ≥ 1. Segue do Teorema 3.1 que

n + 1 1 = n 0 + n n 1 .

Como n0=0 e n1=(n-1)! por hipótese de indução, segue que

n + 1 1 = n ( n - 1 ) ! = n ! .

A recorrência obtida no Teorema 3.1 é similar à relação de Stifel mostrada no Lema 3.1, que fornece uma recorrência para os números binomiais.

Lema 3.1.Dados n e k naturais, com k ≤ n e n ≥ 1, temos:

n k = n - 1 k - 1 + n - 1 k .

3.3 Coeficientes binomiais e alguns números de Stirling do primeiro tipo

Esta seção é destinada para estabelecer algumas identidades que envolvem os números de Stirling do primeiro tipo e os coeficientes (ou números) binomiais. Como já citamos anteriormente, definimos combinatoriamente os números binomiais nk como o número de maneiras de formarmos subconjuntos com k elementos de um conjunto com n elementos. Ou também podemos defini-los de forma análoga, como o número de maneiras de escolhermos k objetos de um conjunto com n objetos.

Por outro lado, os números de Stirling do primeiro tipo, de acordo com 44 G.F. Pinheiro, I.M. Craveiro & E.A. Macena. Números de Stirling do primeiro tipo. Professor de Matemática Online, 8 (2020), 590-605., podem ser definidos como o número de maneiras de distribuirmos n pessoas em k mesas circulares idênticas sem que nenhuma mesa fique vazia.

Apesar da natureza combinatória de ambas as sequências de números, iremos enunciar as identidades e prová-las por indução, entretanto, o leitor pode investigar a possibilidade de provas combinatórias para tais identidades.

Proposição 3.3.Para todo n natural, n ≥ 2

n n - 2 = 1 4 ( 3 n - 1 ) n 3 .

Prova.

É claro que o resultado é válido para n = 2, pois 20=0 e 23=0. Assim, suponha que para n > 2 o resultado seja válido. Assim, pelo Teorema 3.1, a hipótese de indução e a Relação de Stifel, segue que:

3 n + 2 4 n + 1 3 = 3 n + 2 4 n 3 + n 2 = 3 n + 2 4 n 3 + 3 n + 2 4 n 2 = 3 n - 1 4 n 3 + 3 4 n 3 + 3 n + 2 4 n 2 = 3 n - 1 4 n 3 + 3 4 n ( n - 1 ) ( n - 2 ) 3 ! + 3 n + 2 4 n 2 = 3 n - 1 4 n 3 + n ( n - 1 ) 2 n - 2 4 + 3 n + 2 4 n 2 = 3 n - 1 4 n 3 + n 2 n - 2 4 + 3 n + 2 4 n 2 = 3 n - 1 4 n 3 + n 2 n - 2 + 3 n + 2 4 = 3 n - 1 4 n 3 + n n 2 = n n - 2 + n n n - 1 = n + 1 n - 1 .

Portanto, pelo Princípio da Indução Finita temos que

n n - 2 = 1 4 ( 3 n - 1 ) n 3 .

Proposição 3.4.Para todo n natural, n ≥ 3, é válido

n n - 3 = n 2 n 4 .

Prova. (Demonstração) Faremos a prova por indução sobre n. Vemos que o resultado, de fato, é válido para n = 3, pois 30=0 e 34=0 por definição. Assim, suponha que o resultado seja válido para todo n > 3.

Segue do Teorema 3.1 que n+1n-2=nn-3+nnn-2. Assim, usando a hipótese de indução, a Relação de Stifel e a Proposição 3.3 temos que:

n n - 3 + n n n - 2 = n 2 n 4 + n ( 3 n - 1 ) 4 n 3 = = n + 1 2 - n 1 n + 1 4 - n 3 + n ( 3 n - 1 ) 4 n 3 = n + 1 2 n + 1 4 + n 3 - n + 1 2 + n 1 + n ( 3 n - 1 - n - 1 ) 4 = n + 1 2 n + 1 4 + n 3 - n ( n + 1 ) 2 + n + n ( 2 n - 2 ) 4 = n + 1 2 n + 1 4 + n 3 - - n ( n + 1 ) 2 n + n ( n - 1 ) 2 = n + 1 2 n + 1 4 + n 3 - - n 2 - n + 2 n + n 2 - n 2 = n + 1 2 n + 1 4 .

Portanto, pelo Princípio da Indução Finita temos que:

n n - 3 = n 2 n 4 .

A Proposição 3.5 é provada nesta subseção usando o Princípio da Indução Finita. Entretanto, na próxima seção a prova deste resultado será dada por meio de avaliações da função polinomial que define os números de Stirling do primeiro tipo, juntamente com as relações de Girard.

Proposição 3.5.Para todo n > 1 temos quenn-1=n2.

Prova. Façamos a prova por indução sobre n. É claro que para n = 2 a identidade é válida, visto que 21=1 e 22=1. Sendo assim, suponha que para n > 2 o resultado é válido. Segue do Teorema 3.1 que

n + 1 n = n n - 1 + n n n = n 2 + n = n ( n - 1 ) 2 + n = n ( n - 1 ) + 2 n 2 = n ( n - 1 + 2 ) 2 = n ( n + 1 ) 2 = n + 1 2 .

4 AS RELAÇÕES DE GIRARD E OS NÚMEROS DE STIRLING DO PRIMEIRO TIPO

Agora, motivados por 22 J. Kovalina. “A Unified Interpretation of the Binomial Coefficients, the Stirling Numbers, and the Gaussian Coefficients”. The American Mathematical Monthly, Washington (2000)., vamos demonstrar o Teorema 4.2 utilizando as equações 3.1 e 3.2 juntamente com as relações de Girard de ordem n para as ráızes x 1 = 0, x 2 = 1, x 3 = 2,··· , x n = (n− 1) e o polinômio p n (x). Dessa forma,

p n ( x ) = ( x - 0 ) ( x - ( - 1 ) ) ( x - ( - 2 ) ) ( x - ( - n + 1 ) ) = x n - σ 1 x n - 1 + σ 2 x n - 2 + + ( - 1 ) k σ k x n - k + + ( - 1 ) n σ n (4.1)

sendo que o coeficiente de x n−k em 4.1 é (1)n−(n−k) σ n−(n−k) = (1)k σ k , para 1 ≤ k ≤ n. Segue de 3.2 que

n n - k = ( - 1 ) k σ k (4.2)

para 1 ≤ kn.

Proposição 4.6.Para todo n ≥ 1, temos quenn-1=n2.

Prova. (Demonstração) É claro que para n = 1 a identidade é válida, visto que 10=0 e 12=0 por definição. Assim, suponha que a identidade seja válida para todo n > 1. Segue de 2.4 para x 1 = 0, x 2 = 1,··· , x n = −n + 1 que:

σ 1 ( 0 , - 1 , , - n + 1 ) = 0 + ( - 1 ) + ( - 2 ) + + ( - n + 1 ) = - ( 1 + 2 + + ( n - 1 ) ) = - n ( n - 1 ) 2 = - n 2 .

Segue de 4.2 que

n n - 1 = ( - 1 ) σ 1 = ( - 1 ) ( - 1 ) n 2 = n 2 .

Teorema 4.2.Sejam n e k números naturais tais que n ≥ k ≥ 1. Então

n n - k = 0 i 1 < i 2 < < i k i 1 i 2 i k (4.3)

onde i 1, i 2, ... , i k ∈ {1,2, ... ,n − 1}.

Prova. (Demonstração) Sejam i 1 , · · · , i k {1, 2, · · · , n − 1}. Segue de 2.4 para x 1 = 0, · · · , x n = −n + 1 que

σ k = 0 i 1 < < i k x i 1 x i k = i 1 < < i k ( - i 1 ) ( - i k ) = i 1 < < i k ( - 1 ) k i 1 i k = ( - 1 ) k i 1 < < i k i 1 i k (4.4)

Segue de 4.2 e 4.4 que

n n - k = 0 i 1 < i 2 < < i k i 1 i 2 i k , para i 1 , i 2 , , i k { 1 , 2 , , n - 1 } .

O Teorema 4.2 permite estabelecer uma interpretacão combinatória para os números de Stirling do primeiro tipo e, segue deste resultado o corolário a seguir.

Corolário 4.2.1.Sejam n e k naturais com n ≥ k ≥ 1. Entãonn-ké igual à soma de todos os produtos com k fatores distintos, cujos fatores são elementos de {1, 2, · · · , n − 1}.

Vejamos alguns exemplos que apresentam alguns modos de compreendermos certas sequências dos números de Stirling do primeiro tipo.

Exemplo 2.Temos, para n > 2, quenn-n=n0=0, por definição. Por outro lado,nn-né igual à soma de todos os produtos com n fatores distintos, cujo fatores são elementos do conjunto {1, 2, · · · , n − 1}, que também é zero, pois não temos n fatores distintos para realizar estes produtos.

Exemplo 3.Vimos na Proposição 4.6 quenn-1=n2. Por outro lado,nn-1é igual à soma de todos os produtos com 1 fator, cujo fator é elemento do conjunto {1, 2, · · · , n −1}. Logo,nn-1=1+2++(n-1)=n(n-1)2=n2.

Exemplo 4.Temos que55-3=52=50. Porém, por outro lado, podemos interpretar este número como a soma de todos os produtos formados por 3 fatores distintos, cujos fatores são elementos de {1, 2, 3, 4}. Ou seja,

5 5 - 3 = 1 × 2 × 3 + 1 × 2 × 4 + 1 × 3 × 4 + 2 × 3 × 4 = 6 + 8 + 12 + 24 = 50 .

Segue do Teorema 3.1 e da Proposição 3.3 a identidade que relaciona soma de produtos de dois inteiros positivos distintos i 1 , i 2 {1, 2, · · · , n − 1} e o coeficiente binomial.

Corolário 4.2.2.Para todo n ≥ 2 e i 1 , i 2 ∈ {1, 2, · · · , n − 1} temos,

n n - 2 = 3 n - 1 4 n 3 = i 1 < i 2 i 1 i 2 .

O corolário a seguir também é uma extensão do Teorema 3.1 e da Proposição 3.5.

Corolário 4.2.3.Para todo n ≥ 3 e i 1 , i 2 , i 3 {1, 2, · · · , n − 1} temos que

i 1 < i 2 < i 3 i 1 i 2 i 3 = n n - 3 = n 2 n 4 .

5 CONCLUSÕES

Existem diversas interpretações para os números de Stirling do primeiro tipo. Neste artigo desenvolvemos uma maneira de enumerar a soma de produtos de k fatores distintos onde estes fatores pertencem ao conjunto {1, 2, · · · , n − 1} por meio destes números, sendo que alguns casos particulares para k ∈ {1, 2, · · · , n− 1} recaem em identidades que envolvem o coeficiente binomial, evidenciando assim uma das relações entre a álgebra e a combinatória. Além disso, demonstramos algumas identidades envolvendo os números de Stirling do primeiro tipo por meio das relações de Girard, o que só é possível devido à sua caracterização polinomial que estes números possuem. Dessa forma, este é um tema que pode ser tratado em diversos níveis de ensino, como no ensino médio com as permutações circulares até o ensino superior através de pesquisas que busquem extensões para esta sequência.

REFERÊNCIAS

  • 1
    A. Hefez & M.L. Vilela. “Polinômios e Equações Algébricas”. SBM, Rio de Janeiro (2012).
  • 2
    J. Kovalina. “A Unified Interpretation of the Binomial Coefficients, the Stirling Numbers, and the Gaussian Coefficients”. The American Mathematical Monthly, Washington (2000).
  • 3
    A. Mansour & M. Schork. “Commutation Relations, Normal Ordering, and Stirling Numbers”. Chapman and Hall, New York (2016).
  • 4
    G.F. Pinheiro, I.M. Craveiro & E.A. Macena. Números de Stirling do primeiro tipo. Professor de Matemática Online, 8 (2020), 590-605.
  • 5
    N.A. Silva. “Os números de Stirling”. Master’s thesis, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS (2018).
  • 6
    A.F.A. Vale. “As diferentes estratégias de resolução da equação do segundo grau”. Master’s thesis, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, RN (2013).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2022
  • Aceito
    06 Set 2023
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