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Uso da ecocardiografia à beira do leito no cuidado do paciente grave - um documento conjunto de consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Associação Brasileira de Medicina de Emergência e Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar. Parte 1 - Competência em ecocardiografia à beira do leito

RESUMO

O emprego da ecocardiografia por médicos não ecocardiografistas tem se tornado comum em todo o mundo nos mais diversos ambientes em que se dá o cuidado do paciente agudamente doente. A avaliação ecocardiográfica realizada de forma point-of-care pode fornecer informações pertinentes em relação ao mecanismo das causas de choque, por exemplo, incrementando as taxas de diagnóstico correto e possibilitando a tomada de decisão fundamentada de forma mais rápida do que por meio dos métodos tradicionais de avaliação. Considerando que o diagnóstico preciso de situações ameaçadoras à vida é indispensável a profissionais atuando junto a pacientes agudamente enfermos, diversas entidades associativas internacionais recomendam que médicos responsáveis por pacientes gravemente doentes devam adquirir e desenvolver a habilidade para realizar exames ultrassonográficos à beira do leito, inclusive ecocardiográficos. Entretanto, não há consenso na literatura acerca de quais aplicações específicas devam compor o rol de habilidades do médico não ecocardiografista. Levando-se em consideração a multiplicidade de aplicações da ecocardiografia em diversos cenários relativos ao paciente agudamente enfermo; as diferenças nos protocolos publicados, tanto no que diz respeito à metodologia de ensino como de verificação de competências, bem como a heterogeneidade da formação entre as mais diversas especialidades responsáveis pelo seu cuidado em diferentes níveis, este documento de consenso teve o objetivo de refletir o posicionamento de representantes de sociedades médicas brasileiras afins acerca do tema, podendo, assim, servir de ponto de partida para a uniformização entre diferentes especialidades, bem como para a transmissão de conhecimento e a verificação das competências correspondentes.

Descritores:
Ultrassonografia; Cuidados críticos; Sistemas automatizados de assistência junto ao leito; Consenso

ABSTRACT

The use of echocardiography by physicians who are not echocardiographers has become common throughout the world across highly diverse settings where the care of acutely ill patients is provided. Echocardiographic evaluation performed in a point-of-care manner can provide relevant information regarding the mechanism of causes of shock, for example, increasing the rates of correct diagnosis and allowing for faster informed decision-making than through evaluation methods. Considering that the accurate diagnosis of life-threatening situations is essential for professionals working with acutely ill patients, several international associations recommend that physicians responsible for critically ill patients acquire and develop the ability to perform bedside ultrasound examinations, including echocardiographic examinations. However, there is no consensus in the literature regarding which specific applications should be included in the list of skills for nonechocardiographer physicians. Taking into account the multiplicity of applications of echocardiography in different scenarios related to acutely ill patients; the differences in the published protocols, with regard to both the teaching methodology and competence verification; and the heterogeneity of training among highly diverse specialties responsible for their care at different levels, this consensus document aimed to reflect the position of representatives of related Brazilian medical societies on the subject and may thus serve as a starting point both for standardization among different specialties and for the transmission of knowledge and verification of the corresponding competencies.

Keywords:
Ultrasonography; Critical care; Point-of-care systems; Consensus

INTRODUÇÃO

O emprego da ecocardiografia por médicos não ecocardiografistas tem se tornado comum em todo o mundo nos mais diversos ambientes em que se dá o cuidado do paciente agudamente doente.(11 Vieillard-Baron A, Millington SJ, Sanfilippo F, Chew M, Diaz-Gomez J, McLean A, et al. A decade of progress in critical care echocardiography: a narrative review. Intensive care Med. 2019;45(6):770-88.) A avaliação ecocardiográfica realizada de forma point-of-care pode fornecer informações pertinentes em relação ao mecanismo das causas de choque, por exemplo, incrementando as taxas de diagnóstico correto e possibilitando uma tomada de decisão fundamentada de forma mais rápida do que por meio dos métodos tradicionais de avaliação.(22 Jones AE, Tayal VS, Sullivan DM, Kline JA. Randomized, controlled trial of immediate versus delayed goal-directed ultrasound to identify the cause of nontraumatic hypotension in emergency department patients. Crit Care Med. 2004;32(8):1703-8.,33 Hall MK, Taylor RA, Luty S, Allen IE, Moore CL. Impact of point-of-care ultrasonography on ED time to disposition for patients with nontraumatic shock. Am J Emerg Med. 2016;34(6):1022-30.)

Considerando que o diagnóstico preciso de situações ameaçadoras à vida é indispensável a profissionais atuando junto a pacientes agudamente enfermos, diversas entidades associativas internacionais recomendam que médicos responsáveis por pacientes gravemente doentes devam adquirir e desenvolver a habilidade para realizar exames ultrassonográficos à beira do leito, inclusive ecocardiográficos.(44 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Societe de Reanimation de Langue Francaise statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.,55 Spencer KT, Kimura BJ, Korcarz CE, Pellikka PA, Rahko PS, Siegel RJ. Focused cardiac ultrasound: recommendations from the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 2013;26(6):567-81.,66 Expert Round Table on Echocardiography in ICU. International consensus statement on training standards for advanced critical care echocardiography. Intensive Care Med. 2014;40(5):654-66.,77 Levitov A, Frankel HL, Blaivas M, Kirkpatrick AW, Su E, Evans D, et al. Guidelines for the Appropriate Use of Bedside General and Cardiac Ultrasonography in the Evaluation of Critically Ill Patients-Part II: Cardiac Ultrasonography. Crit Care Med. 2016;44(6):1206-27.) Entretanto, não há consenso na literatura acerca de quais aplicações específicas devam compor o rol de habilidades do médico não ecocardiografista.

Levando-se em consideração a multiplicidade de aplicações da ecocardiografia em diversos cenários relativos ao paciente agudamente enfermo; as diferenças nos protocolos publicados, tanto no que diz respeito à metodologia de ensino como de verificação de competências; e a heterogeneidade da formação entre as mais diversas especialidades responsáveis pelo seu cuidado em diferentes níveis, este documento de consenso tem o objetivo de refletir o posicionamento de representantes de sociedades médicas brasileiras afins acerca do tema, podendo, assim, servir de ponto de partida para a uniformização entre diferentes especialidades, bem como para a transmissão de conhecimento e a verificação das competências correspondentes.

A opção pela elaboração de um documento em formato de consenso decorre de diversos fatores, como: a ampla utilização da ecocardiografia por não ecocardiografistas nos mais diversos ambientes em que se dá o cuidado do paciente grave; a grande variação na prática regional em diversos aspectos;(88 Pellegrini JA, Cordioli RL, Grumann AC, Ziegelmann PK, Taniguchi LU. Point-of-care ultrasonography in Brazilian intensive care units: a national survey. Ann Intensive Care. 2018;8(1):50.) a demanda identificada pelas diferentes entidades médicas envolvidas de que exista uma orientação quanto às práticas de ensino e respectivas competências que envolvem o uso do ultrassom pelo médico não ecocardiografista, com potencial ganho de qualidade assistencial; a escassez de evidências de alta qualidade para nortear o processo de escalonamento de recomendações e a inexistência de um posicionamento semelhante no cenário nacional, que represente a realidade brasileira em termos de organização do sistema de saúde, formação profissional e disponibilidade de equipamentos.(99 Mayo P, Arntfield R, Balik M, Kory P, Mathis G, Schmidt G, et al. The ICM research agenda on critical care ultrasonography. Intensive Care Med. 2017;43(9):1257-69.)

Este consenso tem como foco primário questões relativas às competências em ecocardiografia à beira do leito pelo médico não ecocardiografista. Aspectos técnicos relativos à avaliação de função ventricular esquerda, direita, diagnóstico dos choque e avaliação hemodinâmica são abordadas em documento à parte, complementar ao presente.

MÉTODOS

Este documento consiste em uma iniciativa colaborativa entre a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE) e a Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH). Não houve aporte financeiro de nenhuma origem.

O comitê foi composto inicialmente de representantes de cada uma das entidades e, posteriormente, estruturado por meio da indicação de representantes de cada uma das sociedades envolvidas. Cada membro indicado deveria ter reconhecida experiência no emprego do ultrassom para avaliação cardiovascular em sua prática clínica diária. O desenvolvimento prévio de pesquisa clínica nessa área de conhecimento e a prática do ensino do ultrassom para profissionais médicos ou estudantes em formação foram critérios recomendados, embora não requisitos obrigatórios. O grupo final consistiu de 17 consultores representantes das especialidades colaborativas e de diferentes regiões do Brasil.

As questões foram selecionadas utilizando o método Delphi.(1010 McMillan SS, King M, Tully M P. How to use the nominal group and Delphi techniques. Int J Clin Pharm. 2016;38(3):655-62.) Dois dos autores elaboraram um conjunto de questões submetidas por meio eletrônico a três ciclos de apreciação pelo grupo. Um facilitador avaliou a concordância entre os indivíduos e forneceu retorno individual a cada um dos consultores sobre suas respostas e eventuais questionamentos. Entre o segundo e terceiro ciclo de consulta, não houve alterações no teor das questões, considerando-as, então, validadas. Não houve encontro presencial ou virtual para essa finalidade. Formou-se, então, um conjunto de 28 questões relativas às competências pertinentes ao uso da ecocardiografia pelo médico não ecocardiografista. Para o seguimento do processo de consenso, foi utilizado, a partir daqui, o método Delphi modificado.

Com o objetivo de compilar uma base teórica para a obtenção de respostas às questões escolhidas, foi realizada uma revisão sistemática por dois autores, de forma independente. Cada autor reuniu estudos originais acerca dos temas de interesse, nos idiomas português e inglês. Não foram incluídos nos resultados da busca artigos de revisão, cartas ou editoriais, tampouco estudos em modelos experimentais. O conjunto da busca dos autores foi submetido à busca por duplicatas, devidamente excluídas. O produto final da busca foi disponibilizado aos integrantes do comitê. A apreciação adicional de referências dos artigos incluídos ou de buscas individuais de cada consultor foi permitida sempre que considerado necessário por cada integrante do comitê.

As questões foram disponibilizadas ao comitê por meio de formulário eletrônico (Google Forms). Todas as questões foram elaboradas no formato de escala Likert de cinco pontos: discordo fortemente [1], discordo [2], neutro [3], concordo [4], concordo fortemente [5]. A obtenção de consenso foi definida a priori como um somatório de, ao menos, 80% das respostas entre um e dois ou entre quatro e cinco.

O facilitador avaliou a coerência das respostas obtidas de cada membro e, em caso de identificação de incoerência entre as respostas que sugerissem erro na compreensão do enunciado ou mesmo equívoco no preenchimento, ele enviou retornos individuais por e-mail como forma de conferência. As questões que não geraram consenso no primeiro round de envios foram reencaminhadas aos membros do comitê para um segundo round, realizado 4 semanas após o primeiro. Ao término de cada round, todos os participantes receberam um sumário completo dos resultados da votação do grupo para cada questão avaliada, bem como de suas próprias respostas. As respostas individuais de cada membro foram mantidas em sigilo para os demais membros do comitê em todas as etapas do processo.

As questões que persistiram sem consenso após essa etapa foram submetidas a votação on-line em dois encontros virtuais, que reuniram todos os participantes do comitê. Nessa etapa, os participantes tiveram a oportunidade de discutir as particularidades de cada uma das questões e argumentar a respeito de seu posicionamento. As atribuições do facilitador nessa etapa foram esclarecer eventuais dúvidas dos participantes, permitir que todos os participantes que assim o desejassem tivessem a oportunidade de se manifestar, sem que houvesse a necessidade de atingir-se um consenso para quaisquer questões, e compilar os resultados das votações obtidas em cada uma das etapas.

Nos encontros virtuais, as questões ainda sem consenso nas duas primeiras etapas foram apresentadas aos participantes de forma agrupada em dois momentos: questões próximas de consenso (quando mais de 60% das respostas estivessem concentradas em um a dois ou quatro a cinco) e questões distantes de consenso (quando as respostas estivessem distribuídas de tal forma que menos de 60% das respostas estivessem agrupadas em um a dois ou quatro a cinco). As votações foram também obtidas de forma anônima por meio da plataforma on-line Mentimeter (http://www.mentimeter.com). Após o resultado da votação on-line, questões que ainda não tinham atingido consenso poderiam ser submetidas à nova votação por uma única vez, desde que a maioria absoluta dos participantes concordasse.

RESULTADOS

Todos os participantes responderam às questões pertinentes a cada uma das etapas, inclusive no encontro virtual, à exceção do facilitador. Dessa forma, a todas as questões se aplica o somatório de 16 respostas. No primeiro round, atingiu-se consenso para 10 das 28 questões. No segundo round, outras 3 questões atingiram consenso, restando 15 questões para discussão virtual entre os participantes. Ao fim de todas as etapas, houve 17 consensos positivos (concordância) e 8 negativos (discordância); outras 3 questões persistiram sem consenso entre os participantes (Tabela 1).

Tabela 1
Questões do consenso

As questões 1 a 3 referem-se a aspectos conceituais da ecocardiografia do paciente grave em relação ao exame completo realizado pelo ecocardiografista, e os resultados se deram da seguinte forma:

  • 1. O exame ecocardiográfico realizado pelo médico não especialista possui características distintas do exame completo realizado pelo ecocardiografista -concordância de 93,75%.

  • 2. O exame ecocardiográfico realizado pelo médico não especialista substitui o exame completo realizado pelo ecocardiografista - discordância de 87,5%.

  • 3. A agilidade para obtenção das respostas é maior para o médico não especialista em relação ao exame completo do ecocardiografista - concordância de 93,75%.

O exame ecocardiográfico completo realizado pelo médico cardiologista com formação específica em ecocardiografia deve ser considerado o padrão-ouro para a avaliação de imagens cardíacas com o uso do ultrassom.(55 Spencer KT, Kimura BJ, Korcarz CE, Pellikka PA, Rahko PS, Siegel RJ. Focused cardiac ultrasound: recommendations from the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 2013;26(6):567-81.,1111 Douglas PS, Khandheria B, Stainback R F, Weissman NJ, Brindis RG, Patel MR, Khandheria B, Alpert JS, Fitzgerald D, Heidenreich P, Martin ET, Messer JV, Miller AB, Picard MH, Raggi P, Reed KD, Rumsfeld JS , Steimle AE, Tonkovic R, Vijayaraghavan K, Weissman NJ, Yeon SB, Brindis RG, Douglas PS, Hendel RC, Patel MR, Peterson E, Wolk MJ, Allen JM; American College of Cardiology Foundation Quality Strategic Directions Committee Appropriateness Criteria Working Group; American Society of Echocardiography; American College of Emergency Physicians; American Society of Nuclear Cardiology; Society for Cardiovascular Angiography and Interventions; Society of Cardiovascular Computed Tomography; Society for Cardiovascular Magnetic Resonance; American College of Chest Physicians; Society of Critical Care Medicine. ACCF/ASE/ACEP/ASNC/SCAI/SCCT/SCMR 2007 Appropriateness criteria for transthoracic and transesophageal echocardiography: a report of the American College of Cardiology Foundation Quality Strategic Directions Committee Appropriateness Criteria Working Group, American Society of Echocardiography, American College of Emergency Physicians , American Society of Nuclear Cardiology, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society of Cardiovascular Computed Tomography, and the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance endorsed by the American College of Chest Physicians and the Society of Critical Care Medicine. J Am Coll Cardiol. 2007;50(2):187-204.) Esse exame tem amplo espectro de indicações e usa múltiplas tecnologias, equipamentos com alta capacidade de formação de imagem bi e tridimensional, diferentes tipos de Doppler e, eventualmente, meios de contraste.

A avaliação ecocardiográfica à beira do leito pelo médico não ecocardiografista tem como proposta ser rápida e objetiva e ocorrer em um contexto clínico específico, com o objetivo de responder uma pergunta determinada dentre um rol de diagnósticos possíveis. Deve ser empregada quando ocorre alteração aguda do estado clínico do paciente.(55 Spencer KT, Kimura BJ, Korcarz CE, Pellikka PA, Rahko PS, Siegel RJ. Focused cardiac ultrasound: recommendations from the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 2013;26(6):567-81.,1212 Johri AM, Durbin J, Newbigging J, Tanzola R, Chow R, De S, et al. Cardiac Point-of-Care Ultrasound: State-of-the-Art in Medical School Education. J Am Soc Echocardiogr. 2018;31(7):749-60.) Becker et al., em estudo não randomizado, reportaram maior acurácia diagnóstica (14,8% adicionais) com o uso do ultrassom cardiopulmonar na avaliação de pacientes com choque ou disfunção respiratória na sala de emergência; essa diferença foi especialmente pronunciada nos pacientes com diagnóstico final de origem cardíaca (94,7 versus 40%).(1313 Becker TK, Tafoya CA, Osei-Ampofo M, Tafoya MJ, Kessler RA, Theyyunni N, et al. Cardiopulmonary ultrasound for critically ill adults improves diagnostic accuracy in a resource-limited setting: the AFRICA trial. Trop Med Int Health. 2017;22(12):1599-608.) Jones et al.(22 Jones AE, Tayal VS, Sullivan DM, Kline JA. Randomized, controlled trial of immediate versus delayed goal-directed ultrasound to identify the cause of nontraumatic hypotension in emergency department patients. Crit Care Med. 2004;32(8):1703-8.) randomizaram pacientes com hipotensão não traumática admitidos na sala de emergência para uso imediato de um protocolo com ultrassom ou para o uso do ultrassom apenas após avaliação inicial. O grupo que utilizou ultrassom de imediato obteve menor rol de hipóteses diagnósticas como causa da hipotensão e maior proporção de diagnósticos corretos em 15 minutos após a admissão. Shokoohi et al.(1414 Shokoohi H, Boniface KS, Pourmand A, Liu YT, Davison DL, Hawkins KD, et al. Bedside ultrasound reduces diagnostic uncertainty and guides resuscitation in patients with undifferentiated hypotension. Crit Care Med. 2015;43(12):2562-9.) observaram que um protocolo de avaliação ultrassonográfica de pacientes com hipotensão sem diagnóstico definido na sala de emergência reduziu a incerteza diagnóstica e resultou em concordância de 0,80 com o diagnóstico definitivo. Zieleskiewicz et al.(1515 Zieleskiewicz L, Lopez A, Hraiech S, Baumstarck K, Pastene B, Di Bisceglie M, et al. Bedside POCUS during ward emergencies is associated with improved diagnosis and outcome: an observational, prospective, controlled study. Crit Care. 2021;25(1):34.) avaliaram a incorporação do ultrassom portátil na avaliação de intercorrências clínicas pelo Time de Resposta Rápida e observaram que o uso do ultrassom esteve associado com um incremento significativo na proporção de diagnósticos imediatos e adequados (94 versus 80%), bem como um menor tempo para implementação do tratamento ou das condutas julgadas necessárias; resultados semelhantes foram reportados por outros autores.(1616 Volpicelli G, Lamorte A, Tullio M, Cardinale L, Giraudo M, Stefanone V, et al. Point-of-care multiorgan ultrasonography for the evaluation of undifferentiated hypotension in the emergency department. Intensive Care Med. 2013;39(7):1290-8.,1717 Blans MJ, Bousie E, van der Hoeven JG, Bosch FH. A point-of-care thoracic ultrasound protocol for hospital medical emergency teams (METUS) improves diagnostic accuracy. Ultrasound J. 2021;13(1):29.) Cabe ressaltar que, na maioria dos protocolos estudados nesse contexto, a ecocardiografia é realizada em conjunto com a avaliação de outros órgãos ou sistemas.

Os participantes do comitê concordaram que há características distintas entre o exame ecocardiográfico realizado pelo médico não especialista à beira do leito e exame ecocardiográfico completo realizado pelo médico ecocardiografista, embora não substitua o exame completo realizado pelo ecocardiografista. A abordagem completa do paciente grave deve, portanto, dar-se de maneira integrativa, incorporando informações obtidas por meio de cada um dos métodos.

As questões quatro a seis abordam especificamente a necessidade de capacitação específica para a realização da ecocardiografia do paciente grave. Em todas elas verificou-se consenso.

  • 4. Deve haver uma capacitação mínima para realizar a avaliação ecocardiográfica à beira do leito -concordância de 100%.

  • 5. Todos os profissionais médicos que atuam com pacientes graves necessitam de treinamento em ecocardiografia do paciente grave - concordância de 93,75%.

  • 6. Devem ser estabelecidos diferentes níveis de competência para uma aplicação mais adequada da capacitação e do uso diagnóstico da ecocardiografia pelo não especialista -concordância de 93,75%.

A realização de exames ecocardiográficos à beira do leito em pacientes criticamente doentes deve ser uma habilidade de médicos de quaisquer especialidades que estejam prestando assistência direta a pacientes graves,(1818 Expert Round Table on Ultrasound in ICU. International expert statement on training standards for critical care ultrasonography. Intensive Care Med. 2011;37(7):1077-83.,1919 Neskovic AN, Skinner H, Price S, Via G, De Hert S, Stankovic I, Galderisi M, Donal E, Muraru D, Sloth E, Gargani L, Cardim N, Stefanidis A, Cameli M, Habib G, Cosyns B, Lancellotti P, Edvardsen T, Popescu BA; Reviewers: This document was reviewed by members of the 2016–2018 EACVI Scientific Documents Committee. Focus cardiac ultrasound core curriculum and core syllabus of the European Association of Cardiovascular Imaging. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2018;19(5):475-81.) com o objetivo final de proporcionar o recurso diagnóstico no momento em que o paciente necessita. Diversas entidades internacionais endossam a utilização da ecocardiografia como ferramenta diagnóstica por não ecocardiografistas.(44 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Societe de Reanimation de Langue Francaise statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.,55 Spencer KT, Kimura BJ, Korcarz CE, Pellikka PA, Rahko PS, Siegel RJ. Focused cardiac ultrasound: recommendations from the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 2013;26(6):567-81.,2020 McLean AS. International recommendations on competency in critical care ultrasound: pertinence to Australia and New Zealand. Crit Care Resusc. 2011;13(1):56-8.,2121 Arntfield R, Millington S, Ainsworth C, Arora R, Boyd J, Finlayson G, et al. Canadian recommendations for critical care ultrasound training and competency. Can Respir J. 2014;21(6):341-5.,2222 Via G, Hussain A, Wells M, Reardon R, ElBarbary M, Noble VE, Tsung JW, Neskovic AN, Price S, Oren-Grinberg A, Liteplo A, Cordioli R, Naqvi N, Rola P, Poelaert J, Guliĉ TG, Sloth E, Labovitz A, Kimura B, Breitkreutz R, Masani N, Bowra J, Talmor D, Guarracino F, Goudie A, Xiaoting W, Chawla R, Galderisi M, Blaivas M, Petrovic T, Storti E, Neri L, Melniker L; International Liaison Committee on Focused Cardiac UltraSound (ILC-FoCUS); International Conference on Focused Cardiac UltraSound (IC-FoCUS). International evidence-based recommendations for focused cardiac ultrasound. J Am Soc Echocardiogr. 2014;27(7):683.e1-e33.)

No presente documento, houve consenso de que é necessária uma capacitação mínima específica para que o médico responsável pelo paciente grave possa utilizar de forma adequada o ultrassom à beira do leito para avaliação ecocardiográfica (concordância de 100%). Da mesma forma, os participantes concordaram que é necessário definir diferentes níveis de competência de acordo com a complexidade das mensurações ou técnicas utilizadas. Previamente, diversos documentos de associações internacionais propuseram estratificações de níveis de competência em ecocardiografia à beira do leito.(44 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Societe de Reanimation de Langue Francaise statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.,2323 Price S, Via G, Sloth E, Guarracino F, Breitkreutz R, Catena E, Talmor D; World Interactive Network Focused on Critical UltraSound ECHO-ICU Group. Echocardiography practice, training and accreditation in the intensive care: document for the World Interactive Network Focused on Critical Ultrasound (WINFOCUS). Cardiovasc Ultrasound. 2008;6:49.,2424 Ayuela Azcarate JM, Clau-Terré F, Vicho Pereira R, Guerrero de Mier M, Carrillo López A, Ochagavia A, López Pérez JM, Trenado Alvarez J, Pérez L, Llompart-Pou JA, González de Molina FJ, Fojón S, Rodríguez Salgado A, Martínez Díaz MC, Royo Villa C, Romero Bermejo FJ, Ruíz Bailén M, Arroyo Díez M, Argueso García M, Fernández Fernández JL; Grupo de Trabajo de Cuidados Intensivos Cardiológicos y RCP de la SEMICYUC. [Consensus document on ultrasound training in Intensive Care Medicine. Care process, use of the technique and acquisition of professional skills]. Med Intensiva. 2014;38(1):33-40. Spanish.)

As questões de 7 a 19 dizem respeito à competência básica em ecocardiografia do paciente grave. Nas questões de 7 a 17 houve consenso (concordância ou discordância), enquanto as questões 18 e 19 restaram sem consenso ao fim do processo.

  • 7. O reconhecimento de disfunção grave de ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 100%.

  • 8. O reconhecimento de disfunção leve de ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - discordância de 100%.

  • 9. A avaliação quantitativa da função sistólica do ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito -discordância de 93,75%.

  • 10. A avaliação de anormalidades segmentares do ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito -discordância de 81,25%.

  • 11. O reconhecimento de disfunção do ventrículo direito deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 83,75%.

  • 12. A mensuração de pressões de câmaras direitas deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - discordância de 87,5%.

  • 13. A avaliação do diâmetro e da colapsibilidade da veia cava inferior deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 100%.

  • 14. A mensuração do débito cardíaco deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - discordância de 81,25%.

  • 15. A avaliação da função diastólica deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - discordância de 81,25%.

  • 16. O reconhecimento do tamponamento cardíaco deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 100%.

  • 17. O emprego da ecocardiografia no atendimento durante a parada cardiorrespiratória deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 93,75%.

A avaliação ecocardiográfica de nível básico visa a responder a um número limitado de questões clínicas comumente encontradas pelos médicos que atuam com pacientes graves. A avaliação é direcionada para o contexto clínico do paciente e deve ser repetida após intervenções terapêuticas específicas.(44 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Societe de Reanimation de Langue Francaise statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.,2525 Millington SJ, Goffi A, Arntfield RT. Critical care echocardiography: a certification pathway for advanced users. Can J Anaesth. 2018;65(4):345-9.)

Estudos que avaliaram currículos de capacitação em ultrassonografia do paciente grave tiveram melhores desempenhos e maior reprodutibilidade quando compreenderam um menor número de itens e o realizaram de forma qualitativa.(2626 Melamed R, Sprenkle MD, Ulstad VK, Herzog CA, Leatherman JW. Assessment of left ventricular function by intensivists using hand-held echocardiography. Chest. 2009;135(6):1416-20.,2727 Vignon P, Mücke F, Bellec F, Marin B, Croce J, Brouqui T, et al. Basic critical care echocardiography: validation of a curriculum dedicated to noncardiologist residents. Crit Care Med. 2011;39(4):636-42.,2828 Beraud AS, Rizk NW, Pearl RG, Liang DH, Patterson AJ. Focused transthoracic echocardiography during critical care medicine training: curriculum implementation and evaluation of proficiency. Crit Care Med. 2013;41(8):e179-81.,2929 Kanji HD, McCallum JL, Bhagirath KM, Neitzel AS. Curriculum development and evaluation of a hemodynamic critical care ultrasound: a systematic review of the literature. Crit Care Med. 2016;44(8):e742-50.)

Houve consenso de que devem fazer parte da competência básica o reconhecimento de disfunção grave de ventrículo esquerdo (VE) e da disfunção do ventrículo direito (VD) e a avaliação do diâmetro e colapsibilidade da veia cava inferior. Da mesma forma, o reconhecimento de tamponamento cardíaco e a utilização do ecocardiograma durante o atendimento de parada cardiorrespiratória devem ser habilidades compreendidas nas competências básicas.

Em contrapartida, houve discordância de que o reconhecimento de disfunção leve do VE (ou mesmo sua avaliação quantitativa), a avaliação da função diastólica, a mensuração de pressões de câmaras direitas e do débito cardíaco ou a avaliação da função segmentar do VE devam fazer parte do seu rol de competências. Muitas dentre esse rol de aplicações da ecocardiografia à beira do leito têm em comum o emprego de ferramentas quantitativas e o conhecimento de particularidades relacionadas ao uso do Doppler. Por sua vez, em relação à avaliação de função segmentar do VE, a correlação entre o exame realizado pelo não especialista e o ecocardiografista é baixa ou moderada.(2929 Kanji HD, McCallum JL, Bhagirath KM, Neitzel AS. Curriculum development and evaluation of a hemodynamic critical care ultrasound: a systematic review of the literature. Crit Care Med. 2016;44(8):e742-50.)

  • 18. A avaliação de fluido-responsividade deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - sem consenso.

  • 19. O reconhecimento de valvopatias graves deve fazer parte da competência básica em ecocardiografia à beira do leito - sem consenso.

A avaliação de fluido-responsividade tem se tornado parte fundamental do cuidado do paciente criticamente doente.(3030 Monnet X, Shi R, Teboul JL. Prediction of fluid responsiveness. What’s new? Ann Intensive Care. 2022;12(1):46.) A criteriosa identificação daqueles pacientes com maior probabilidade de aumentarem seu débito cardíaco em resposta à administração de determinada alíquota de fluido está em linha com o objetivo de minimizar a sobrecarga hídrica indiscriminada em pacientes não respondedores, o que encontra-se associado a piores desfechos.(3131 Kattan E, Castro R, Miralles-Aguiar F, Hernández G, Rola P. The emerging concept of fluid tolerance: a position paper. J Crit Care. 2022;71:154070.)

Diversas manobras têm sido utilizadas para identificar pacientes respondedores a fluidos, valendo-se de métodos que simulam um desafio hídrico (elevação passiva das pernas, “minibólus”, por exemplo) ou exploram o comportamento da interação coração-pulmão (oclusão expiratória final, variação do pico de fluxo aórtico, por exemplo). Para a adequada realização dessas manobras, via de regra, é necessário o emprego de monitorização do débito cardíaco em tempo real. Assim, a ecocardiografia à beira do leito se insere como uma das principais ferramentas para essa finalidade.

Todavia, essa aplicação da ecocardiografia requer uma série de conhecimentos de interação coração-pulmão, bem como o emprego de requisitos específicos para aplicabilidade de cada uma das manobras. Ainda, a obtenção de medidas quantitativas em diferentes momentos do ciclo respiratório ou em resposta a diferentes posições ou manobras exige do examinador a capacidade de obtenção ágil e precisa de imagens no momento correto. Dessa forma, ficam caracterizadas possíveis razões para a ausência de consenso. Entretanto, dada a representatividade dessa avaliação no cuidado do paciente crítico, mesmo com as limitações descritas e a ausência de consenso, os participantes do comitê entendem que conceitos fundamentais da avaliação de fluido-responsividade devem fazer parte das habilidades do médico em nível de competência básica.

Embora a identificação da valvopatia grave seja frequente na população geral - sobretudo em idosos - e suficientemente relevante para a adequada condução de pacientes graves, há poucos estudos avaliando a acurácia do ecocardiograma à beira do leito para identificação de valvopatias, com resultados conflitantes.(77 Levitov A, Frankel HL, Blaivas M, Kirkpatrick AW, Su E, Evans D, et al. Guidelines for the Appropriate Use of Bedside General and Cardiac Ultrasonography in the Evaluation of Critically Ill Patients-Part II: Cardiac Ultrasonography. Crit Care Med. 2016;44(6):1206-27.,3232 Kobal SL, Trento L, Baharami S, Tolstrup K, Naqvi TZ, Cercek B, et al. Comparison of effectiveness of hand-carried ultrasound to bedside cardiovascular physical examination. Am J Cardiol. 2005;96(7):1002-6.,3333 Hammadah M, Ponce C, Sorajja P, Cavalcante JL, Garcia S, Gössl M. Point-of-care ultrasound: closing guideline gaps in screening for valvular heart disease. Clin Cardiol. 2020;43(12):1368-75.)

A avaliação detalhada e quantitativa, entretanto, requer o domínio de ferramentas como Doppler contínuo e métodos específicos para graduação das lesões valvares. A correlação entre o exame do não especialista e do ecocardiografista para a avaliação de valvopatias foi reportada como baixa a moderada em recente revisão sistemática.(2929 Kanji HD, McCallum JL, Bhagirath KM, Neitzel AS. Curriculum development and evaluation of a hemodynamic critical care ultrasound: a systematic review of the literature. Crit Care Med. 2016;44(8):e742-50.) Assim, o aprofundamento da avaliação funcional das valvopatias deve ser considerado escopo do médico ecocardiografista.

Os itens 20 a 28 abordam aspectos relacionados à competência avançada. A questão 28 foi a única desse bloco a permanecer sem consenso ao fim de todas as etapas do processo.

  • 20. O reconhecimento de disfunção leve de ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 81,25%.

  • 21. A avaliação quantitativa da função sistólica do ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito -concordância de 81,25%.

  • 22. A avaliação de anormalidades segmentares do ventrículo esquerdo deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito -concordância de 87,5%.

  • 23. A mensuração do débito cardíaco deve fazer parte apenas da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 87,5%.

  • 24. A avaliação da função diastólica deve fazer parte apenas da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 87,5%.

  • 25. A avaliação de fluido-responsividade deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 81,25%.

  • 26. O reconhecimento de valvopatias graves deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito - concordância de 81,25%.

  • 27. A avaliação quantitativa de valvopatias leves e moderadas deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito -discordância de 87,25%.

A avaliação ecocardiográfica de nível avançado se propõe a uma avaliação hemodinâmica mais abrangente e orientação e tratamento mais precisos dos pacientes graves.(11 Vieillard-Baron A, Millington SJ, Sanfilippo F, Chew M, Diaz-Gomez J, McLean A, et al. A decade of progress in critical care echocardiography: a narrative review. Intensive care Med. 2019;45(6):770-88.,44 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Societe de Reanimation de Langue Francaise statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.,2525 Millington SJ, Goffi A, Arntfield RT. Critical care echocardiography: a certification pathway for advanced users. Can J Anaesth. 2018;65(4):345-9.) O nível avançado pressupõe um domínio das diferentes técnicas da ecocardiografia transtorácica - incluindo diferentes ferramentas Doppler - podendo, em meios de maior disponibilidade de equipamentos, compreender também a ecocardiografia transesofágica.(44 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Societe de Reanimation de Langue Francaise statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.) Em relação às competências avançadas, houve consenso (com concordância) em sete das nove questões avaliadas.

Houve consenso negativo (discordância) em relação à avaliação de valvopatias leves a moderadas. A avaliação dessas condições não se enquadra no escopo do médico não ecocardiografista e deve ser, dessa forma, reservada ao exame eletivo e completo.

  • 28. A mensuração de pressões de câmaras direitas deve fazer parte da competência avançada em ecocardiografia à beira do leito - sem consenso.

Não houve consenso em relação à incorporação da mensuração de pressões de câmaras direitas como parte das competências de nível avançado. Embora possam ser úteis para avaliação de pacientes hemodinamicamente instáveis e naqueles com potencial para desenvolvimento de hipertensão pulmonar, a estimativa de pressão atrial direita pela avaliação da dinâmica da veia cava inferior (essencial para a obtenção dos demais parâmetros pressóricos relacionados) sofre de uma série de limitações no paciente grave, desde janela e posicionamento inadequados, até a perda de confiabilidade do método, quando do paciente ventilado em pressão positiva. A alternativa para esses pacientes persiste sendo a monitorização invasiva por meio de cateteres inseridos no átrio direito ou de cateter de artéria pulmonar.

Tanto em virtude da relevância dessa avaliação em pacientes gravemente hipoxêmicos ou com mecânica ventilatória comprometida como do resultado limítrofe obtido, os participantes do comitê entendem que a mensuração de pressões de câmaras direitas deve fazer parte das habilidades do médico em nível de competência avançada em ecocardiografia do paciente grave.

CONCLUSÃO

A proposta deste projeto foi sintetizar informações e discutir pontos de interesse que possam aprimorar o desenvolvimento da ecocardiografia à beira do leito por médicos não especialistas em ecocardiografia. As questões abordadas ao longo do texto podem refletir incertezas e ser influenciadas por pontos de vista pessoais; entretanto, a metodologia rigorosa para obtenção de consenso tem o objetivo de atenuar as questões pessoais e identificar a posição de um grupo de pessoas dedicadas ao desenvolvimento da ecocardiografia à beira do leito.

É essencial reforçar que documentos de consenso são fundamentados na opinião de especialistas e têm intuito primariamente informativo e educacional. Documentos de consenso não são diretrizes e têm como meta final criar oportunidades para a melhoria de qualidade assistencial em seu tópico de desenvolvimento.

Utilizando o método Delphi, os participantes de associações médicas representativas de diferentes áreas de atuação, responsáveis pelo cuidado de pacientes graves, atingiram consenso na maioria das questões pertinentes às competências relativas ao emprego da ecocardiografia à beira do leito pelo médico não especialista em ecocardiografia. Este documento pode servir de ferramenta para orientar a transmissão do conhecimento acerca do tema e o desenvolvimento de habilidades pertinentes a cada um dos níveis de competência.

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Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Aceito
    03 Dez 2022
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