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Alto versus baixo alvo de pressão arterial média em pacientes submetidos a transplante hepático. Um estudo clínico aberto, controlado, unicêntrico e randomizado -Protocolo e métodos (LIVER-PAM)

RESUMO

Objetivo:

Explicitar o racional e o protocolo de métodos e análises a serem utilizadas no ensaio clínico randomizado LIVER-PAM, que busca entender se um nível mais alto de pressão arterial média é capaz de reduzir a incidência de disfunção renal no pós-operatório de transplante hepático.

Métodos:

O LIVER-PAM é um estudo clínico randomizado, controlado, unicêntrico e aberto. Pacientes randomizados para o grupo intervenção terão como alvo de pressão arterial média 85 - 90mmHg nas 24 horas iniciais do manejo pós-operatório, enquanto pacientes do grupo controle terão como alvo de pressão arterial média 65 - 70mmHg no mesmo período. Uma amostra de 174 pacientes será necessária para demonstrar redução de 20% na incidência absoluta de disfunção renal, com poder de 80% e alfa de 0,05.

Conclusão:

Se a redução de 20% da incidência absoluta de disfunção renal no pós-operatório de transplante hepático for obtida com alvos maiores de pressão arterial média nas primeiras 24 horas, o manejo do paciente nesse cenário encontraria uma terapia barata e simples para a melhoria dos desfechos atuais.

Registro Cliniclatrials.gov: NCT05068713

Descritores:
Pressão arterial; Insuficiência renal; Transplante de fígado; Período pós-operatório; Assistência perioperatória; Hemodinâmica

ABSTRACT

Objective:

To explain the rationale and protocol of the methods and analyses to be used in the LIVER-PAM randomized clinical trial, which seeks to understand whether a higher mean arterial pressure is capable of reducing the incidence of renal dysfunction postoperatively after liver transplantation.

Methods:

LIVER-PAM is an open-label, randomized, controlled, singlecenter clinical trial. Patients randomized to the intervention group will have a mean arterial pressure of 85 - 90mmHg in the initial 24 hours of postoperative management, while patients in the control group will have a mean arterial pressure of 65 - 70mmHg in the same period. A sample of 174 patients will be required to demonstrate a 20% reduction in the absolute incidence of renal dysfunction, with a power of 80% and an alpha of 0.05.

Conclusion:

If a 20% reduction in the absolute incidence of renal dysfunction in the postoperative period of liver transplantation is achieved with higher target mean arterial pressure in the first 24 hours, this would represent an inexpensive and simple therapy for improving current outcomes in the management of liver transplant patients.

ClinicalTrials.gov Registry: NCT05068713

Keywords:
Arterial pressure; Renal insufficiency; Liver transplantation; Postoperative period; Perioperative care; Hemodynamics

INTRODUÇÃO

O manejo do paciente em pós-operatório de transplante hepático é complexo e desafiador, sendo um período de risco à viabilidade do enxerto e à sobrevida do paciente.(11 Feltracco P, Barbieri S, Galligioni H, Michieletto E, Carollo C, Ori C. Intensive care management of liver transplanted patients. World J Hepatol. 2011;3(3):61-71.) Nesse cenário, a otimização hemodinâmica pode configurar fator determinante na evolução clínica.

A disfunção renal é uma das complicações mais frequentes nesse período, sendo considerada o mais importante preditor de desfecho desfavorável a longo prazo,(22 Watt KD, Pedersen RA, Kremers WK, Heimbach JK, Charlton MR. Evolution of causes and risk factors for mortality post-liver transplant: results of the NIDDK long-term follow-up study. Am J Transplant. 2010;10(6):1420-7.) guardando relação com maior mortalidade(33 Horvatits T, Pischke S, Proske VM, Fischer L, Scheidat S, Thaiss F, et al. Outcome and natural course of renal dysfunction in liver transplant recipients with severely impaired kidney function prior to transplantation. United European Gastroenterol J. 2018;6(1):104-11.) e impacto na qualidade de vida, uma vez que 18,1% desses pacientes apresentarão clearence renal < 30mL/minuto/1,73m2 em 5 anos.(44 Ojo AO, Held PJ, Port FK, Wolfe RA, Leichtman AB, Young EW, et al. Chronic renal failure after transplantation of a nonrenal organ. N Engl J Med. 2003;349(10):931-40.) Tal disfunção guarda relação com os acontecimentos do pré-operatório (função renal prévia, síndrome hepatorrenal e diuréticos), do intraoperatório (isquemia-reperfusão, choque e sangramento) e do pós-operatório (drogas nefrotóxicas, balanço hídrico e otimização hemodinâmica).(44 Ojo AO, Held PJ, Port FK, Wolfe RA, Leichtman AB, Young EW, et al. Chronic renal failure after transplantation of a nonrenal organ. N Engl J Med. 2003;349(10):931-40.)

Um dos motores classicamente associados à disfunção renal é a hipoperfusão, intimamente ligada à pressão arterial média (PAM).(55 Mohmand H, Goldfarb S. Renal dysfunction associated with intraabdominal hypertension and the abdominal compartment syndrome. J Am Soc Nephrol. 2011;22(4):615-21.) O clássico alvo de PAM > 65mmHg é descrito como limiar de segurança,(66 Varpula M, Tallgren M, Saukkonen K, Voipio-Pulkki LM, Pettila V. Hemodynamic variables related to outcome in septic shock. Intensive Care Med. 2005;31(8):1066-71.,77 Bourgoin A, Leone M, Delmas A, Garnier F, Albanese J, Martin C. Increasing mean arterial pressure in patients with septic shock: effects on oxygen variables and renal function. Crit Care Med. 2005;33(4):780-6.) embora ensaio com níveis mais elevados de PAM tenha demonstrado menor disfunção renal em determinados subgrupos de pacientes com sepse.(88 Asfar P, Meziani F, Hamel JF, Grelon F, Megarbane B, Anguel N, Mira JP, Dequin PF, Gergaud S, Weiss N, Legay F, Le Tulzo Y, Conrad M, Robert R, Gonzalez F, Guitton C, Tamion F, Tonnelier JM, Guezennec P, Van Der Linden T, Vieillard-Baron A, Mariotte E, Pradel G, Lesieur O, Ricard JD, Hervé F, du Cheyron D, Guerin C, Mercat A, Teboul JL, Radermacher P; SEPSISPAM Investigators. High versus low blood-pressure target in patients with septic shock. N Engl J Med. 2014;370(17):1583-93.) Em pacientes cirúrgicos, a hipotensão está associada à maior incidência de disfunção renal aguda, sendo esse risco tanto maior quanto mais duradouro o insulto.(99 Walsh M, Devereaux PJ, Garg AX, Kurz A, Turan A, Rodseth RN, et al. Relationship between intraoperative mean arterial pressure and clinical outcomes after noncardiac surgery: toward an empirical definition of hypotension. Anesthesiology. 2013;119(3):507-15.,1010 Sun LY, Wijeysundera DN, Tait GA, Beattie WS. Association of intraoperative hypotension with acute kidney injury after elective noncardiac surgery. Anesthesiology. 2015;123(3):515-23.) Também é descrita a redução de outras complicações pós-operatórias quando há otimização hemodinâmica para uma PAM mais próxima ao basal do paciente.(1111 Futier E, Lefrant JY, Guinot PG, Godet T, Lorne E, Cuvillon P, Bertran S, Leone M, Pastene B, Piriou V, Molliex S, Albanese J, Julia JM, Tavernier B, Imhoff E, Bazin JE, Constantin JM, Pereira B, Jaber S; INPRESS Study Group. Effect of Individualized vs standard blood pressure management strategies on postoperative organ dysfunction among high-risk patients undergoing major surgery: a randomized clinical trial. JAMA. 2017;318(14):1346-57.)

No cenário específico do transplante hepático, dados retrospectivos ajustados por propensity score inferem o melhor desfecho renal com PAM > 90mmHg,(1212 Kwon HM, Moon YJ, Jung KW, Jeong HW, Park YS, Jun IG, et al. Low mean arterial blood pressure is independently associated with postoperative acute kidney injury after living donor liver transplantation: a propensity score weighing analysis. Ann Transplant. 2018;23:236-45.) enquanto a avaliação fisiológica aponta para redução do fluxo sanguíneo renal abaixo do limiar de PAM de 75mmHg.(1313 Skytte Larsson J, Bragadottir G, Redfors B, Ricksten SE. Renal effects of norepinephrine-induced variations in mean arterial pressure after liver transplantation: a randomized cross-over trial. Acta Anaesthesiol Scand. 2018;62(9):1229-36.)

Prevenir a disfunção renal no pós-operatório pode representar importante caminho para melhoria do desfecho de curto e longo prazo, sendo a pressão arterial um possível alvo terapêutico. Entretanto, não há definição sobre o melhor alvo pressórico e a relação exata entre diferentes níveis pressóricos e o desfecho renal. Além disso, atualmente são raros os ensaios clínicos randomizados em cuidados intensivos de transplante hepático, momento este em que a disfunção renal é mais frequente.(1212 Kwon HM, Moon YJ, Jung KW, Jeong HW, Park YS, Jun IG, et al. Low mean arterial blood pressure is independently associated with postoperative acute kidney injury after living donor liver transplantation: a propensity score weighing analysis. Ann Transplant. 2018;23:236-45.) Considerando a atual baixa disponibilidade de órgãos diante do alto número de candidatos,(1414 Toniutto P, Zanetto A, Ferrarese A, Burra P. Current challenges and future directions for liver transplantation. Liver Int. 2017;37(3):317-27.) entender ferramentas que possam ter melhores resultados, reduzindo complicações e gastos, é uma prioridade.

Nossa hipótese é de que a otimização pressórica nas primeiras 24 horas de pós-operatório com níveis mais elevados de PAM (85 - 90mmHg) é superior ao cuidado usual (PAM 65 - 70mmHg) na prevenção da disfunção renal aguda nos primeiros 7 dias após o transplante hepático.

MÉTODOS

Desenho do estudo

O LIVER-PAM será um trabalho unicêntrico, prospectivo, randomizado, controlado e aberto, em que os pacientes serão randomizados para o grupo intervenção de PAM mais alta (85 - 90mmHg) ou grupo controle de PAM mais baixa (65 - 70mmHg) por um período de 24 horas após a admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) por transplante hepático. O estudo será realizado na UTI do Serviço de Gastrenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Os autores reforçam o compromisso em seguir as diretrizes de reporte de ensaios clínicos randomizados (CONSORT), de registro internacional de ensaios e de aprovação ética institucional. O estudo está registrado em ClinicalTrials.gov, sob identificação NCT05068713, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, sob parecer 4.887.829, referente à segunda versão do protocolo em 16 de setembro de 2022.

Objetivo principal

Avaliar se níveis mais elevados de PAM (85 - 90 mmHg) versus o usual (65 - 70mmHg) nas primeiras 24 horas de pós-operatório de transplante hepático estão associados à redução da incidência de disfunção renal aguda em 7 dias, conforme adaptação do critério KDIGO,(1515 Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract. 2012;120(4):c179-84.) utilizando como corte o aumento de 1,5 vez a creatinina basal (Anexo 1 ANEXO 1 DEFINIÇÕES DE DESFECHOS Protocolo: Comparação entre diferentes alvos de pressão arterial média em pacientes submetidos a transplante hepático, um estudo clínico aberto, controlado, unicêntrico e randomizado. □ Disfunção renal aguda Serão considerados como disfunção renal apenas os pacientes que apresentarem aumento da creatinina sérica em 1,5 vez o valor basal (último valor prévio ao transplante), conforme adaptação de critério KDIGO referenciado no texto principal. Para isso, foi subtraído o critério diurese, considerando a dificuldade de interpretar o real significado desse dado no pósoperatório e em pacientes cirróticos. Foi utilizado o aumento de 1,5 vez ao invés do critério aumento de 0,3mg/dL, pois a amostra calculada teve como base o critério de 1,5 vez a creatinina basal.(1) □ Óbito em 28 dias Paciente com óbito constatado em prontuário nos primeiros 28 dias após transplante hepático. □ Retransplante em 28 dias Paciente submetido a novo transplante hepático nos primeiros 28 dias após transplante inicial. □ Terapia substitutiva renal em 7 dias Paciente que foi submetido à terapia substitutiva renal nos primeiros 28 dias após transplante hepático por quaisquer modalidades, prescrito por equipe especialista da própria instituição, baseado nas indicações clássicas (hipercalemia refratária, hipervolemia refratária, acidose refratária, hipernatremia refratária ou uremia). Não serão considerados os pacientes submetidos à terapia de substituição renal para fins de clearence de amônia. □ Infecção de sítio cirúrgico Infecção no local da incisão cirúrgica que parece estar relacionada ao procedimento cirúrgico, manifestando-se por secreção purulenta por meio de um dreno colocado na incisão do órgão/cavidade; organismos isolados a partir de uma cultura positiva de secreção ou tecido do órgão/cavidade obtido assepticamente; presença de abscesso ou outra evidência de infecção, envolvendo o órgão/cavidade, identificada em exame direto, durante nova cirurgia, ou por meio de exame histocitopatológico ou de imagem, que resulte em abordagem cirúrgica e/ou início de novo esquema de antibioticoterapia, indicados em conjunto pela equipe da cirurgia e da infectologia. □ Dias vivo e livre de disfunção renal em 7 dias Número de dias durante os primeiros 7 dias de pós-operatório em que o paciente estava vivo e não preenchia o critério de disfunção renal condizente com o desfecho primário □ Disfunção renal aguda conforme avaliação de NGAL urinário Número de dias durante os primeiros 7 dias de pós-operatório em que o paciente estava vivo e não preenchia o critério de disfunção renal a seguir: valor urinário de NGAL > 150ng/mL. Esse desfecho será avaliado à admissão e em 48 horas.(2) □ Disfunção primária de enxerto - subtipo initial poor function em 7 dias Paciente que, nos primeiros 7 dias após o transplante hepático, evolua com um dos seguintes critérios laboratoriais: bilirrubina > 10mg/dL no sétimo dia após o transplante; Razão Normalizada Internacional > 1,6 no sétimo dia após o transplante; alanino aminotransferase ou aspartato aminotransferase > 2.000 IU/L em quaisquer dos primeiros 7 dias após o transplante.(3) □ Disfunção primária de enxerto - subtipo primary non-function em 10 dias (Broering) Necessidade de retransplante nos primeiros 10 dias após o transplante ou morte decorrente de um enxerto não funcionante.(3) □ Major adverse kidney events in 28 days (MAKE28) Incidência de morte, necessidade de terapia substitutiva renal ou disfunção renal persistente em 28 dias após o transplante hepático.(4) □ Dias vivo e livre de hospitalização em 28 dias Quantidade de dias dentre os primeiros 28 dias de pós-operatório em que o paciente esteve vivo e livre da internação hospitalar □ Sangramento pós-operatório maior em 7 dias Desfecho dicotômico de sangramento que indique em um mesmo dia, a transfusão de mais de dois concentrados de hemácias ou a necessidade de reabordagem cirúrgica indicada nas primeiras 24 horas de pós-operatório. □ Transfusão de hemocomponentes em 7 dias Número de hemocomponentes transfundidos em 7 dias separados em: concentrados de hemácias (sendo uma unidade igual a uma bolsa), plasma fresco congelado (uma unidade igual a uma bolsa), concentrado de fibrinogênio (uma unidade igual a 1g) e ácido tranexâmico (uma unidade considerada por grama). □ Arritmias com necessidade de terapia química ou elétrica em 7 dias A descrição em prescrição ou prontuário nos primeiros 7 dias de antiarrítmico ou terapia elétrica de cardioversão com objetivo de tratar ritmo anormal. Será considerado o máximo de um evento por paciente, de forma dicotômica, visto que um mesmo evento pode ser reentrante. ). Pacientes que evoluírem a óbito nos primeiros 7 dias serão considerados como positivos no desfecho principal.

Objetivo secundário

Avaliar se níveis mais elevados de PAM (85 - 90mmHg) versus o usual (65 - 70mmHg) nas primeiras 24 horas de pós-operatório de transplante hepático estão associados a: mortalidade em 28 dias; retransplante em 28 dias; terapia renal substitutiva em 7 dias; infecção de sítio cirúrgico em 7 dias; dias vivo e livre de disfunção renal em 7 dias; disfunção renal, conforme valores de lipocalina associada à gelatinase neutrofílica (NGAL - neutrophil gelatinase associated lipocalin) urinária na admissão e após 48 horas; tempo de internação em UTI; tempo de internação hospitalar; dias vivo e livre de hospitalização em 28 dias; disfunção de enxerto hepático (subtipo Initial Poor Function) em 7 dias; disfunção de enxerto hepático (subtipo primary nonfunction) em 10 dias e major kidney adverse events em 28 dias (MAKE28).

Outros desfechos (segurança)

Os desfechos de segurança a serem aferidos são: incidência de sangramento pós-operatório maior em 7 dias; transfusão de hemocomponentes em 7 dias e incidência de arritmias com necessidade de terapia medicamentosa ou elétrica em 7 dias.

Definição de desfechos

As definições dos desfechos citados encontram-se descritas no anexo 1 ANEXO 1 DEFINIÇÕES DE DESFECHOS Protocolo: Comparação entre diferentes alvos de pressão arterial média em pacientes submetidos a transplante hepático, um estudo clínico aberto, controlado, unicêntrico e randomizado. □ Disfunção renal aguda Serão considerados como disfunção renal apenas os pacientes que apresentarem aumento da creatinina sérica em 1,5 vez o valor basal (último valor prévio ao transplante), conforme adaptação de critério KDIGO referenciado no texto principal. Para isso, foi subtraído o critério diurese, considerando a dificuldade de interpretar o real significado desse dado no pósoperatório e em pacientes cirróticos. Foi utilizado o aumento de 1,5 vez ao invés do critério aumento de 0,3mg/dL, pois a amostra calculada teve como base o critério de 1,5 vez a creatinina basal.(1) □ Óbito em 28 dias Paciente com óbito constatado em prontuário nos primeiros 28 dias após transplante hepático. □ Retransplante em 28 dias Paciente submetido a novo transplante hepático nos primeiros 28 dias após transplante inicial. □ Terapia substitutiva renal em 7 dias Paciente que foi submetido à terapia substitutiva renal nos primeiros 28 dias após transplante hepático por quaisquer modalidades, prescrito por equipe especialista da própria instituição, baseado nas indicações clássicas (hipercalemia refratária, hipervolemia refratária, acidose refratária, hipernatremia refratária ou uremia). Não serão considerados os pacientes submetidos à terapia de substituição renal para fins de clearence de amônia. □ Infecção de sítio cirúrgico Infecção no local da incisão cirúrgica que parece estar relacionada ao procedimento cirúrgico, manifestando-se por secreção purulenta por meio de um dreno colocado na incisão do órgão/cavidade; organismos isolados a partir de uma cultura positiva de secreção ou tecido do órgão/cavidade obtido assepticamente; presença de abscesso ou outra evidência de infecção, envolvendo o órgão/cavidade, identificada em exame direto, durante nova cirurgia, ou por meio de exame histocitopatológico ou de imagem, que resulte em abordagem cirúrgica e/ou início de novo esquema de antibioticoterapia, indicados em conjunto pela equipe da cirurgia e da infectologia. □ Dias vivo e livre de disfunção renal em 7 dias Número de dias durante os primeiros 7 dias de pós-operatório em que o paciente estava vivo e não preenchia o critério de disfunção renal condizente com o desfecho primário □ Disfunção renal aguda conforme avaliação de NGAL urinário Número de dias durante os primeiros 7 dias de pós-operatório em que o paciente estava vivo e não preenchia o critério de disfunção renal a seguir: valor urinário de NGAL > 150ng/mL. Esse desfecho será avaliado à admissão e em 48 horas.(2) □ Disfunção primária de enxerto - subtipo initial poor function em 7 dias Paciente que, nos primeiros 7 dias após o transplante hepático, evolua com um dos seguintes critérios laboratoriais: bilirrubina > 10mg/dL no sétimo dia após o transplante; Razão Normalizada Internacional > 1,6 no sétimo dia após o transplante; alanino aminotransferase ou aspartato aminotransferase > 2.000 IU/L em quaisquer dos primeiros 7 dias após o transplante.(3) □ Disfunção primária de enxerto - subtipo primary non-function em 10 dias (Broering) Necessidade de retransplante nos primeiros 10 dias após o transplante ou morte decorrente de um enxerto não funcionante.(3) □ Major adverse kidney events in 28 days (MAKE28) Incidência de morte, necessidade de terapia substitutiva renal ou disfunção renal persistente em 28 dias após o transplante hepático.(4) □ Dias vivo e livre de hospitalização em 28 dias Quantidade de dias dentre os primeiros 28 dias de pós-operatório em que o paciente esteve vivo e livre da internação hospitalar □ Sangramento pós-operatório maior em 7 dias Desfecho dicotômico de sangramento que indique em um mesmo dia, a transfusão de mais de dois concentrados de hemácias ou a necessidade de reabordagem cirúrgica indicada nas primeiras 24 horas de pós-operatório. □ Transfusão de hemocomponentes em 7 dias Número de hemocomponentes transfundidos em 7 dias separados em: concentrados de hemácias (sendo uma unidade igual a uma bolsa), plasma fresco congelado (uma unidade igual a uma bolsa), concentrado de fibrinogênio (uma unidade igual a 1g) e ácido tranexâmico (uma unidade considerada por grama). □ Arritmias com necessidade de terapia química ou elétrica em 7 dias A descrição em prescrição ou prontuário nos primeiros 7 dias de antiarrítmico ou terapia elétrica de cardioversão com objetivo de tratar ritmo anormal. Será considerado o máximo de um evento por paciente, de forma dicotômica, visto que um mesmo evento pode ser reentrante. , com suas respectivas referências.

Critérios de inclusão

Todos os pacientes admitidos em UTI no pós-operatório de transplante hepático com idade superior a 18 anos serão avaliados para a randomização; todos os pacientes que receberem uma oferta confirmada de órgão para transplante hepático e forem encaminhados ao centro cirúrgico para início do procedimento passarão pelo rastreamento de inclusão no estudo. Ao término da cirurgia, pacientes admitidos em UTI e elegíveis segundo os critérios aqui expostos serão randomizados no prazo de até 2 horas da admissão.

Critérios de exclusão

Os critérios de exclusão foram definidos visando à segurança e à limitação de confundidores, sendo estes: pacientes submetidos à transplante hepático por hepatite fulminante; transplantes de fígado-rim; síndrome hepatorrenal em tratamento nas 48 horas pré-transplante; terapia substitutiva renal nos 15 dias que antecederam o transplante; choque refratário persistente no intraoperatório ou à admissão em UTI (noradrenalina > 1mcg/kg/minuto associada a um segundo vasopressor por mais de 2 horas); parada cardiorrespiratória no intraoperatório ou à admissão; recusa do médico responsável pelo cuidado; contraindicação ao uso prolongado de vasopressores; gestantes e retransplante em intervalo inferior a 6 meses.

Os pacientes ou familiares serão informados de sua autonomia para interromper a intervenção, mediante desejo de desistência da participação em qualquer etapa do estudo. A equipe de profissionais envolvida no cuidado desses doentes será informada de sua autonomia para interrupção do protocolo, conforme julgamento clínico ou em caso de evento adverso grave atribuída à intervenção.

Randomização e cegamento

Os pacientes serão randomizados no prazo de até 2 horas da admissão em UTI após o transplante hepático, por meio de sequência simples de alocação 1:1, sem estratificação de grupos. A randomização será eletrônica e se dará por ferramenta de randomização do sistema Redcap®. A sequência de randomização será gerada on-line e inserida no sistema por um membro que não participará do processo de rastreamento dos participantes, não participará da obtenção do TCLE e não participará da condução clínica dos casos. Esse pesquisador também não participará da avaliação dos dados de desfechos da pesquisa, objetivando segurança no processo de ocultação da alocação.

Considerando que as intervenções em ambos os grupos se baseiam em metas de PAM a serem seguidas pelos profissionais envolvidos no cuidado, os autores optaram pelo não cegamento das intervenções, que, embora possível, seria complexo de se realizar no centro em questão. Entretanto, o profissional responsável pela coleta dos dados de desfecho será um enfermeiro de pesquisa externo, sem vínculo com a instituição em que o estudo é desenvolvido e sem contato com os cuidados ofertados a cada doente. Esse mesmo cuidado será tomado para a contratação do estatístico que analisará os resultados, sendo que ele não terá conhecimento dos grupos alocados. Para minimizar o risco de viés, foi optado por um desfecho primário objetivo, baseado em resultados de exame mensurado por laboratório certificado.

Intervenção

Manejo geral (ambos os grupos)

Os cuidados universais seguirão o cuidado vigente da instituição, que objetiva alvos normais de oxigenação (saturação de oxigênio - SpO2 ≥ 94%), hemoglobina (≥ 7g/dL), temperatura corporal (≥ 35ºC) e índice cardíaco (> 2,5L/minuto/m2). Profissionais de plantão não participantes da pesquisa definirão a infusão de fluídos, com base em critérios clínicos de frequência cardíaca, índice cardíaco, pressão arterial, débito urinário, gradiente entre a temperatura central e periférica, nível sérico de lactato e excesso de base. A PAM será objetivada conforme o grupo alocado, até terem sido completadas 24 horas da admissão em UTI. O uso de antibioticoprofilaxia será definido pela equipe de infectologistas do transplante, antes da randomização de cada doente; o início e a progressão da dose dos imunossupressores serão definidos pela equipe cirúrgica conforme protocolo institucional. As variáveis hemodinâmicas serão monitoradas por meio de cateter de pressão invasiva, cateter de artéria pulmonar e/ou ultrassonografia. A busca por construir um protocolo pragmático que pudesse aumentar a adesão ao ensaio foi nossa prioridade. Considerando o cenário de UTI pública de um país de renda baixa/média com limitação de recursos humanos,(1616 Machado FR. All in a day’s work - equity vs. equality at a public ICU in Brazil. N Engl J Med. 2016;375(25):2420-1.) a heterogeneidade dos atores envolvidos e a diuturnidade das admissões por transplante, serão de escolha do médico assistente a indicação de fluidos e os tipo de fluido e da alíquota a ser infundida; estes dados serão coletados e descritos no resultado. A liberdade do médico assistente também se estende ao uso de inotrópicos, uma vez que, embora a prática institucional seja de tal uso apenas quando o índice cardíaco estiver abaixo do valor de referência citado anteriormente, essa prática requer individualização nos casos de hipertensão portopulmonar, em que a utilização de milrinone pode ser requerida de forma individualizada.

Manejo específico do grupo intervenção

A intervenção se iniciará a partir da admissão junto à unidade de terapia intensiva e continuará por 24 horas após a chegada em UTI. O alvo de PAM do grupo intervenção será de 85 - 90mmHg nas primeiras 24 horas de pós-operatório. A aferição da PAM se dará por meio de cateter de pressão arterial invasiva, sendo o dado da PAM computado em intervalos de 1 hora, nas primeiras 12 horas, e de 2 horas, após esse período, até que se completem 24 horas (conforme protocolo da unidade). Pacientes que apresentem PAM inferior ao alvo estabelecido poderão receber fluidos ou vasopressores, conforme decisão do médico assistente para atingir o alvo estabelecido.

A noradrenalina será o vasopressor inicial de escolha, sendo o segundo vasopressor definido conforme conduta do médico responsável. Em pacientes hipotensos com débito cardíaco reduzido, conforme monitorização por cateter de artéria pulmonar ou ecocardiograma transtorácico, o uso de inotrópicos poderá ser utilizado à critério da equipe assistente. Pacientes que se apresentem naturalmente com PAM > 90mmHg mesmo após desmame completo dos vasopressores não receberão vasodilatadores para reduzir a PAM ao alvo do estudo. O uso de vasodilatadores em pacientes hipertensos com objetivo de controle pressórico se dará conforme a decisão do médico assistente.

Manejo específico do grupo controle

Os pacientes do grupo controle serão submetidos aos cuidados já descritos, sendo a única diferença entre os grupos o alvo de PAM, que, nesse grupo será de 65 - 70mmHg durante nas primeiras 24 horas de pós-operatório. A aferição da PAM se dará por meio de cateter de pressão arterial invasiva. Pacientes que se apresentem naturalmente com PAM > 70mmHg mesmo após desmame completo dos vasopressores não receberão vasodilatadores para reduzir a PAM ao alvo. O uso de vasodilatadores em pacientes hipertensos com objetivo de controle pressórico se dará conforme a decisão do médico assistente. A aferição da PAM se dará por meio de cateter de pressão arterial invasiva nos mesmos intervalos já descritos para o grupo intervenção.

Eventos adversos graves ou inesperadas

Quaisquer eventos adversos identificados como relacionados à intervenção do estudo, sejam eles graves ou inesperados, conforme avaliação de pesquisadores ou profissionais envolvidos no cuidado, serão imediatamente reportados às autoridades competentes, em especial à direção da unidade, à direção do hospital e ao CEP responsável. O paciente receberá todo cuidado necessário para reversão ou minimização de quaisquer danos decorrentes da pesquisa. Diante da suspeita de tais eventos, caso o paciente se encontre no grupo intervenção, esta será interrompida, e os dados serão analisados conforme intenção de tratar, exceto nos casos em que o paciente ou familiares solicitarem retirada do indivíduo da pesquisa. Acreditamos que a segurança deve ser a prioridade em um ensaio clínico randomizado. A ausência de um comitê externo em nosso estudo é fruto de ampla discussão no desenho do trabalho, em que foram pesados a segurança da intervenção escolhida e o custo adicional que o comitê representaria ao projeto. A decisão final por não incluir um comitê de monitoramento foi definida, descrita e enviada ao CEP responsável no projeto original.

Coleta de dados

Os seguintes dados serão coletados de todos os pacientes: nome, sexo, idade, raça, altura, peso, número de identificação hospitalar, data de nascimento, diagnóstico etiológico indicador do transplante, escore Model for EndStage Liver Disease (MELD) pré-transplante, procedência antes do transplante (UTI, enfermaria ou domicílio), comorbidades (diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, insuficiência renal crônica não dialítica, câncer ativo, acidente vascular cerebral anterior ou ataque isquêmico transitório ou terapia imunossupressora nos últimos 30 dias antes da cirurgia), creatinina pré-operatória, escore donor risk index (DRI) e uso de drogas nefrotóxicas na semana anterior ao transplante.

Serão coletados também os seguintes dados do intraoperatório: tempo de anestesia, tempo de isquemia total e fria do enxerto hepático, presença de síndrome de isquemia-reperfusão, hora da admissão em UTI, uso de hemoderivados, antibioticoprofilaxia, valor inicial de lactato arterial, pico de lactato arterial, valor final de lactato arterial, uso de basiliximab, uso de fluidos, tipo de fluidos, episódios de hipotensão no intraoperatório e perda de fluidos.

Serão coletados ainda os seguintes dados do pósoperatório: tempo de internação hospitalar pós-transplante; tempo de internação em UTI; tempo de ventilação mecânica; tempo do uso de vasopressores e dose máxima de vasopressor; necessidade de terapia substitutiva renal; necessidade de transfusão no pós-operatório; disfunção primária do enxerto; disfunção secundária do enxerto; necessidade de retransplante; infecção de sítio cirúrgico; escore da Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) da admissão na UTI; D1, D3 e D7; creatinina diária para avaliação da presença de insuficiência renal aguda (IRA) nos primeiros 28 dias após transplante ou até o desfecho hospitalar, caso este ocorra antes do período descrito; NGAL urinária na admissão e após 48 horas; presença de infecção de sítio cirúrgico nos primeiros 7 dias pós transplante; arritmias com necessidade de tratamento químico ou elétrico nos primeiros 7 dias pós-transplante; diagnóstico de síndrome coronariana aguda nos primeiros 7 dias póstransplante; volume de cristaloides infundido nas primeiras 24 horas de pós-operatório; volume de coloides infundidos nas primeiras 24 horas de pós-operatório; diurese nas primeiras 24 horas de pós-operatório; débito de drenos nas primeiras 24 horas de pós-operatório; presença de sangramento maior nas primeiras 24 horas pós-operatórias; necessidade de transfusão nas primeiras 24 horas de pós-operatório; antibioticoprofilaxia nas primeiras 24 horas de pós-operatório; uso de drogas nefrotóxicas nos primeiros 7 dias; imunossupressão dos primeiros 7 dias e maior nível de tacrolimus em 7 dias; nova cirurgia dentro de 7 dias após a randomização; readmissão na UTI para o tratamento de complicações dentro de 7 dias após a randomização; necessidade de retransplante em 28 dias e desfecho de UTI e hospitalar em 28 dias (alta, internação ou óbito).

A coleta de dados será realizada por profissional externo (enfermeiro de pesquisa) sem vínculo com a unidade. Esse profissional terá acesso aos dados descritos, mas não terá qualquer papel na randomização e manejo dos pacientes participantes na pesquisa. Tais dados serão coletados em ficha eletrônica via Redcap® e permanecerão protegidos por senha de acesso intransferível. O profissional realizará avaliação seriada para garantir o seguimento de todos os pacientes até o 28º dia de pós-operatório. O resultado final coletado será disponível, também por meio de senha, ao profissional externo encarregado dos cálculos estatísticos, bem como ao pesquisador principal.

Manuseio de dados e manutenção de registros

As informações relacionadas aos participantes terão sua confidencialidade resguardada pela equipe envolvida na condução do projeto de pesquisa, e em nenhum momento a identidade do paciente será revelada, conforme disposto na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, item III.2.i, e demais normas legislativas vigentes. Os dados serão guardados eletronicamente com acesso protegido por senha.

Cálculo do tamanho da amostra

Tomando como base a incidência do desfecho primário de 73,7% (disfunção renal aguda em 7 dias), obtido por banco de dados da mesma população e localidade, serão necessários 174 pacientes para demonstrar redução absoluta do desfecho primário em 20%, com poder estatístico de 80% e alfa de 5%. Os dados utilizados para esse cálculo foram obtidos por meio do cálculo da incidência de IRA com base no aumento da creatinina sérica em 1,5 vez o valor basal. O critério utilizado para a escolha do efeito (redução absoluta de 20% no desfecho IRA) foi escolhido com base no princípio da relevância clínica. Todos os pacientes convocados a transplante serão avaliados quanto aos critérios de inclusão e exclusão e informados do estudo de forma padronizada, se aptos à participação.

Análise estatística

As análises serão realizadas segundo o princípio de “intenção de tratar”; todos os pacientes randomizados serão incluídos na análise segundo o grupo de tratamento em que foram aleatoriamente distribuídos. Um resumo estatístico por grupo, com efeitos do tratamento, intervalos de confiança de 95% e valores de p, será apresentado para os resultados primários e secundários. As variáveis contínuas serão testadas para a normalidade, utilizando o teste de Shapiro-Wilk após análise gráfica pelo histograma. As variáveis contínuas paramétricas entre dois grupos serão comparadas com teste t não pareado e, dentro do próprio grupo, com o teste t pareado. Caso haja análise em mais de dois grupos, será utilizado a análise de variância (ANOVA). As variáveis contínuas não paramétricas serão avaliadas usando o teste de Wilcoxon ou o teste de Mann-Whitney, quando entre dois grupos, e o teste de Kruskal-Wallis, entre três grupos ou mais. As variáveis categóricas serão avaliadas utilizando o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher quando adequado. Valores de p < 0,05 serão considerados estatisticamente significativos. Os desfechos de dias livres de internação ou disfunção renal no tempo serão calculados, com base o seguimento de 7 e 28 dias, respectivamente, por meio de modelos de regressão de Cox. Já os cálculos de curvas de sobrevida utilizarão o método de Kaplan-Meier. Para a análise estatística dos desfechos, os resultados serão ajustados pela função renal prévia, sendo prevista ainda a utilização de regressão logística para o ajuste de outros fatores de confusão que gerem inconsistência na linha de base não corrigida pela randomização do estudo (uso de drogas nefrotóxicas, tacrolinemia máxima na primeira semana, balanço hídrico do intraoperatório e sangramento maior no intraoperatório). Não estão previstos ajustes estatísticos para múltiplas comparações no caso dos desfechos secundários, e, assim, sugerimos que estes sejam interpretados como análises exploratórias.

A existência de missing data será descrita na publicação e manejada com exclusão simples da análise. Para esse trabalho, não estão previstos quaisquer tipos de análises interinas.

Análise de subgrupos

Conforme enviado previamente ao CEP, estão previstas as seguintes análises de subgrupos: disfunção renal prévia ou não, disfunção de enxerto hepático ou não, provenientes de domicílio ou internados, uso de antibióticos por > 48 horas ou não, valor de tacrolinemia sérica > 15 em 7 dias, sangramento maior ou não.

Ética e informe de consentimento

Este trabalho foi submetido e aprovado pelo CEP da instituição pertencente, e seguirá todas as normas e preceitos das resoluções nacionais e internacionais, como descritas na resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, e complementares do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde. Trata-se de um ensaio clínico cujas intervenções a serem realizadas em ambos os braços são consideradas fisiológicas pela atual literatura, respeitando o princípio da equipoise científica. Todos os pacientes deverão ter o TCLE obtido antes da randomização nesse trabalho. A obtenção do termo será realizada pelo pesquisador principal, que desconhece a sequência de alocação. Tal obtenção poderá ser realizada junto ao paciente ou responsável legal. Todos os pacientes convocados para transplante constarão no rastreamento do trabalho; aqueles elegíveis, por critérios de inclusão e exclusão, serão informados sobre o protocolo de forma padronizada, para decisão sobre participação, incluindo informação sobre a intervenção e possíveis coletas laboratoriais. O protocolo será submetido para publicação, visando à transparência dos métodos, e os resultados finais serão divulgados aos envolvidos e remetidos à publicação, sob revisão de pares, com descrição do grau de contribuição dos autores.

Perspectivas do estudo

Conforme status atualizado junto ao Clinicaltrials.gov, o estudo encontra-se atualmente em fase de randomização, atingindo 67,8% da amostra requerida até a data de 28 de fevereiro de 2023. Mantendo-se o atual ritmo de randomização, há uma previsão de término da inclusão ao fim do primeiro semestre de 2023.

COMENTÁRIOS

O estudo em questão foi desenhado com objetivo de avaliar uma estratégia simples e de fácil aplicação clínica, diante de um desfecho frequente, mórbido e desafiador no transplante hepático. A decisão pelo desfecho primário tem como premissa a plausibilidade biológica, fugindo da tendência científica prévia de buscar reduções grosseiras de mortalidade. Entendemos que o desenho unicêntrico poderá ser uma dúvida diante da validade externa dos desfechos a serem revelados, embora tenhamos o entendimento que a construção da medicina baseada em evidência ocorra pela soma dos diferentes esforços que foram iniciados nos estudos fisiológicos e observacionais. O pós-operatório de transplante hepático é tema mundialmente infrequente de trabalhos randomizados, entendemos que o estudo aqui apresentado, com descrição simples e pragmática, possa auxiliar no fomento da atual expansão dos ensaios clínicos na terapia intensiva brasileira.

O estudo LIVER-PAM aqui apresentado busca entender se o alvo de pressão arterial média mais alta (85 - 90mmHg) versus pressão arterial média mais baixa (65 - 70mmHg) por um período de 24 horas após a admissão em unidade de terapia intensiva por transplante hepático é suficiente para reduzir a incidência de disfunção renal nesse cenário. Utilizando de um modelo unicêntrico, prospectivo, randomizado, controlado e aberto, buscamos responder uma lacuna no manejo desses pacientes que, infrequentemente, são avaliados por ensaios clínicos randomizados. Se nossa hipótese se mostrar verdadeira, contribuiremos com a descrição de uma ferramenta potencialmente segura e barata na prevenção da disfunção renal em pós-operatório de transplante hepático.

ANEXO 1 DEFINIÇÕES DE DESFECHOS

Protocolo: Comparação entre diferentes alvos de pressão arterial média em pacientes submetidos a transplante hepático, um estudo clínico aberto, controlado, unicêntrico e randomizado.

Disfunção renal aguda

Serão considerados como disfunção renal apenas os pacientes que apresentarem aumento da creatinina sérica em 1,5 vez o valor basal (último valor prévio ao transplante), conforme adaptação de critério KDIGO referenciado no texto principal. Para isso, foi subtraído o critério diurese, considerando a dificuldade de interpretar o real significado desse dado no pósoperatório e em pacientes cirróticos. Foi utilizado o aumento de 1,5 vez ao invés do critério aumento de 0,3mg/dL, pois a amostra calculada teve como base o critério de 1,5 vez a creatinina basal.(11 Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract. Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract. 2012;120(4):c179-84.)

Óbito em 28 dias

Paciente com óbito constatado em prontuário nos primeiros 28 dias após transplante hepático.

Retransplante em 28 dias

Paciente submetido a novo transplante hepático nos primeiros 28 dias após transplante inicial.

Terapia substitutiva renal em 7 dias

Paciente que foi submetido à terapia substitutiva renal nos primeiros 28 dias após transplante hepático por quaisquer modalidades, prescrito por equipe especialista da própria instituição, baseado nas indicações clássicas (hipercalemia refratária, hipervolemia refratária, acidose refratária, hipernatremia refratária ou uremia). Não serão considerados os pacientes submetidos à terapia de substituição renal para fins de clearence de amônia.

Infecção de sítio cirúrgico

Infecção no local da incisão cirúrgica que parece estar relacionada ao procedimento cirúrgico, manifestando-se por secreção purulenta por meio de um dreno colocado na incisão do órgão/cavidade; organismos isolados a partir de uma cultura positiva de secreção ou tecido do órgão/cavidade obtido assepticamente; presença de abscesso ou outra evidência de infecção, envolvendo o órgão/cavidade, identificada em exame direto, durante nova cirurgia, ou por meio de exame histocitopatológico ou de imagem, que resulte em abordagem cirúrgica e/ou início de novo esquema de antibioticoterapia, indicados em conjunto pela equipe da cirurgia e da infectologia.

Dias vivo e livre de disfunção renal em 7 dias

Número de dias durante os primeiros 7 dias de pós-operatório em que o paciente estava vivo e não preenchia o critério de disfunção renal condizente com o desfecho primário

Disfunção renal aguda conforme avaliação de NGAL urinário

Número de dias durante os primeiros 7 dias de pós-operatório em que o paciente estava vivo e não preenchia o critério de disfunção renal a seguir: valor urinário de NGAL > 150ng/mL. Esse desfecho será avaliado à admissão e em 48 horas.(22 Bennett M, Dent CL, Ma Q, Dastrala S, Grenier F, Workman R, et al. Urine NGAL predicts severity of acute kidney injury after cardiac surgery: a prospective study. Clin J Am Soc Nephrol. 2008;3(3):665-73.)

Disfunção primária de enxerto - subtipo initial poor function em 7 dias

Paciente que, nos primeiros 7 dias após o transplante hepático, evolua com um dos seguintes critérios laboratoriais: bilirrubina > 10mg/dL no sétimo dia após o transplante; Razão Normalizada Internacional > 1,6 no sétimo dia após o transplante; alanino aminotransferase ou aspartato aminotransferase > 2.000 IU/L em quaisquer dos primeiros 7 dias após o transplante.(33 Chen XB, Xu MQ. Primary graft dysfunction after liver transplantation. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2014;13(2):125-37.)

Disfunção primária de enxerto - subtipo primary non-function em 10 dias (Broering)

Necessidade de retransplante nos primeiros 10 dias após o transplante ou morte decorrente de um enxerto não funcionante.(33 Chen XB, Xu MQ. Primary graft dysfunction after liver transplantation. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2014;13(2):125-37.)

Major adverse kidney events in 28 days (MAKE28)

Incidência de morte, necessidade de terapia substitutiva renal ou disfunção renal persistente em 28 dias após o transplante hepático.(44 Flannery AH, Bosler K, Ortiz-Soriano VM, Gianella F, Prado V, Lambert J, et al. Kidney biomarkers and major adverse kidney events in critically ill patients. Kidney360. 2020;2(1):26-32.)

Dias vivo e livre de hospitalização em 28 dias

Quantidade de dias dentre os primeiros 28 dias de pós-operatório em que o paciente esteve vivo e livre da internação hospitalar

Sangramento pós-operatório maior em 7 dias

Desfecho dicotômico de sangramento que indique em um mesmo dia, a transfusão de mais de dois concentrados de hemácias ou a necessidade de reabordagem cirúrgica indicada nas primeiras 24 horas de pós-operatório.

Transfusão de hemocomponentes em 7 dias

Número de hemocomponentes transfundidos em 7 dias separados em: concentrados de hemácias (sendo uma unidade igual a uma bolsa), plasma fresco congelado (uma unidade igual a uma bolsa), concentrado de fibrinogênio (uma unidade igual a 1g) e ácido tranexâmico (uma unidade considerada por grama).

Arritmias com necessidade de terapia química ou elétrica em 7 dias

A descrição em prescrição ou prontuário nos primeiros 7 dias de antiarrítmico ou terapia elétrica de cardioversão com objetivo de tratar ritmo anormal. Será considerado o máximo de um evento por paciente, de forma dicotômica, visto que um mesmo evento pode ser reentrante.

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Editado por

Editor responsável: Bruno Adler Maccagnan Pinheiro Besen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2022
  • Aceito
    29 Jan 2023
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